Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
151/11.6TYLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: DENOMINAÇÃO SOCIAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
MARCA
REGISTO DA ACÇÃO
Data do Acordão: 05/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU 1º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL 129/98, DE 13-5 (RRNPC), DL 36/03, DE 5-3 (CÓD PROP IND)
Sumário: I – A diversidade de actividade comercial de duas empresas não é, só por si, obstativo à confundibilidade entre a marca de que uma é detentora e a denominação social da outra, verificando-se a mesma se entre os serviços prestados por uma e os produtos comercializados por outra existir uma relação de afinidade, ainda que por complementaridade;

II – Dedicando-se a A. essencialmente “à prestação de cuidados de saúde integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos” e a Ré, além do mais, à “importação/exportação, comércio por grosso, a retalho e ao público de produtos para farmácias, hospitais e restantes instituições similares (…)”, existe afinidade entre as marcas “Médis” da A. e a denominação social “Hosfarmedis – Produtos Médico e Hospitalares, Lda.”, susceptível de induzir em erro o consumidor médio, desde logo quanto a tratar-se de ambas, marca e denominação, da mesma empresa ou mesmo grupo empresarial, o que favorece a prática de actos de concorrência desleal;

III – A falta de prova do registo da marca junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas não releva para efeitos de propositura da acção de anulação de denominação social.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

Médis – Companhia Portuguesa de Seguros de Saúde, SA”, com sede em Lisboa, intentou no 1.º Juízo Cível de Viseu acção de anulação de denominação social, sob a forma de processo ordinário, contra “Hosfarmedis – Produtos Médico e Hospitalares Lda.”, com sede em Viseu, pedindo a sua condenação na anulação da sua denominação social, bem como abster-se de usar a expressão Hosfarmedis ou outra que inclua a expressão Medis, no exercício do seu comércio, designadamente, na sua denominação social, como marca, nome ou insígnia de estabelecimento, logótipo, como nome de domínio, no seu papel timbrado, ou sob qualquer outra forma e ainda o cancelamento da inscrição da denominação social da Ré na CRP de Cascais e no RNPC e no pagamento da importância de € 500,00 a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da sentença a proferir.

Alegou, em resumo, ser titular de três registos de marca nacional caracterizados pela expressão Médis, assinalando prestação de cuidados de saúde, marcas essas conhecidas do público consumidor e que devem ser reconhecidas como de grande notoriedade, sendo, por outro lado, que posteriormente a esses registos a Ré foi constituída em 19 de Novembro de 2004 com o objecto social de “importação/exportação, comércio por grosso, a retalho e ao público, de produtos para farmácias, hospitais e restantes instituições similares, públicas ou privadas, de adjuvantes médicos, farmacêuticos e cirúrgicos, dispositivos médicos, equipamentos e materiais médico-cirúrgicos, hospitalares e conexos, produtos de higiene, incontinência, cosmética e perfumaria, bem como fabricação de material e equipamento ortopédico e protésico”, sendo a sua denominação social semelhante aos sinais da A., gráfica e foneticamente, criando confusão e violando o princípio da exclusividade.

Citada, contestou a R., fundamentalmente impugnando a versão dos factos dada pela A. e negando a confundibilidade dos sinais, quer gráfica, quer foneticamente, por último suscitando a falta de comunicação prevista no n.º 6 do art.º 33.º do DL n.º 129/98, de13.5.

Houve lugar a réplica, onde a A. fundamentalmente impugnou a inexistência de qualquer pressuposto formal para a procedência da acção de anulação.

Afigurando-se que os autos continham todos os elementos necessários a uma decisão de mérito, foi proferido despacho saneador - sentença a julgar parcialmente procedente a acção, com a anulação da denominação social da Ré e cancelamento do respectivo registo, do demais pedido a absolvendo.

Inconformada, apelou a Ré, apresentando alegações, de onde extraiu as seguintes conclusões, que se transcrevem:

a) - Existe manifesta contradição entre os factos provados e a respectiva decisão, porquanto na parte decisória ali se confundiu que as sociedades prosseguiam idêntico objecto social, assim se cometendo nulidade de sentença, por ofensa do disposto no nº 1, alínea c) do artigo 668º do C.P.C.;

b) - O objecto da A./Recorrida é o da “prestação de cuidados de saúde” e o objecto da Ré/recorrente é o da “importação/exportação, comércio por grosso, a retalho e ao público de produtos para farmácias, hospitais e restantes instituições similares”;

c) - O tribunal confundiu fornecimento de bens com prestações de serviços, dando como certo na decisão serem a mesma coisa;

d) - Os princípios da novidade, exclusividade, verdade e da unidade, não têm aplicação a sociedades comerciais que exercem actividades ou ramos de comércio diferentes, pois, nestas situações, não há perigo de confusão das denominações que permita a uma das sociedades a apropriação da clientela e dos fornecedores da outra;

e) - Um homem comum, medianamente ponderado e atento, um consumidor cauto ou um fornecedor avisado, não confunde a venda de produtos e materiais (actividade desenvolvida pela Ré/Recorrente) com a prestação de serviços (actividade desenvolvida pela A./recorrida), mas, ainda que o fizesse, nenhum prejuízo adviria quer para o consumidor, quer para as sociedades, dada a divergência de actividades;

f) - Só haveria imitação ou usurpação se a semelhança do conjunto gerasse a possibilidade de confusão pela fácil indução em erro do consumidor e do fornecedor;

g) - Em nenhum elemento constitutivo da designação social da Recorrente se faz qualquer alusão, explícita ou implícita, ao objecto social da Recorrida, prestação de cuidados de saúde;

h) - A expressão “Medis”, utilizada na composição da denominação social da Recorrente não foi isolada do conjunto a que pertence de modo a que se possa afirmar poder ser confundível com a da A/recorrida;

i) - O que mais identifica a denominação social da requerida são, antes, os elementos constitutivos “Hos”, expressão indicadora de venda de produtos e materiais a Hospitais e “Far”, expressão indicadora de venda de produtos e materiais a farmácias;

j) - O elemento “Medis”, apenas reforça a associação que se pretende que os consumidores e fornecedores façam daquelas, relacionando-os com a venda de produtos e materiais a essas entidades no âmbito do exercício de Medicina;

j) - A denominação social da Ré/Recorrente não é confundível com a marca “MÉDIS”, sendo manifesta a sua dissemelhança sob o ponto de vista gráfico, fonético e figurativo, não existindo qualquer elemento de contacto ou de conexão com a referida marca, não sendo, por isso, semelhantes;

l) - O que reforça claramente a inexistência de confundibilidade da denominação social da Ré/Recorrente com a marca da A./Recorrida, como claramente consta da decisão do RNPC junta;

m) - A marca “MEDIS” da A./Recorrida, em termos de RNPC não obedece aos princípios novidade e exclusividade, sendo a apropriação de uma expressão já anteriormente utilizada em mais do que uma sociedade, existindo antes e depois desta pelo menos as seguintes sociedades registadas no RNPC:

POMBALMEDIS – Centro Médico, Lda., constituída em 7.12.1995;

BIOMEDIS – Importação e Comercialização de Produtos Hospitalares, Lda., constituída em 2.11.1995;

TEMPLIMEDIS – Clínica Dentária, constituída em 23.5.96;

CEICO MEDIS – Centro de estudo e Investigação das Condições Médicas do Trabalho, Lda.;

MEDISCO – Prestação de Serviços Médicos, Lda.;

MEDISTRAB – Medicina no Trabalho, Unipessoal, Lda.;

BARCAMEDIS – Medicina no Trabalho, Lda.;

RADIMEDIS – Prestação de Serviços Médicos, Lda.

GIMEDIS – Gabinete de Diagnóstico Médico, Lda.;

ALMEDIS – Serviços Médico - Dentários, Lda.;

GONÇALMEDIS – Prestação de Serviços Médicos, Lda.;

Clínica de Medicina Integrada HOMOMEDIS, Lda.;

NEFROMEDIS – Produtos Médicos, Lda.;

GASTRMEDIS – Centro Clínico, Lda.

n) - A “teoria da distância” da doutrina alemã impõe que ninguém pode exigir a terceiros um maior distanciamento relativamente ao seu sinal de comércio do que ele próprio não respeitou relativamente aos anteriores, aquando do seu registo;

o) - Os elementos “MEDI“ ou “MEDIS”, constitutivos de palavras de uso vulgar que são “medicina”, “médico”, “medicamento”, que pretendem evocar, devem ser entendidos, tais como estas palavras, como termos correntes e de uso comum, identificadores das actividades relacionadas com medicina e saúde e, como tal, insusceptíveis de apropriação individual ou exclusiva por qualquer pessoa ou entidade;

p) - Adoptar como marca nominativa para certo produto uma palavra de uso comum seria absurdo que tal palavra deixasse de poder ser usada para todo e qualquer outro produto;

q) - O uso exclusivo que protege essa marca não poderá equivaler a uma expropriação parcial da língua portuguesa, privando a generalidade dos interessados do uso desse vocábulo, para assinalar produtos e actividades diferentes;

r) - A marca só goza da propriedade e do seu exclusivo desde que satisfaça as prescrições legais, designadamente a relativa ao registo;

s) - No que diz respeito à firma ou denominação social, trata-se da forma de identificação da sociedade, encontrando-se sujeita à observância dos princípios da verdade e da novidade, nos termos do artigo 3.º do Regime Jurídico do RNPC - Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio;

t) - Ora, como decorre da p. i., a A./Recorrida não fez prova do registo da sua marca no RNPC pelo que, desde logo, lhe falta um pressuposto para a procedência da acção e acolhimento da sua pretensão face ao que dispõe o n.º 6 do artigo 33.º do Regime Jurídico do RNPC;

u) - É que, independentemente da possibilidade facultada no nº 4 do artigo 35º do Regime Jurídico do RNPC, tal não afasta a invocação do registo da marca no RNPC de que a A/Recorrida não fez prova, como pressuposto de procedência da acção;

v) - Tendo julgado parcialmente procedente a acção o tribunal recorrido violou, entre outros, os artigos 3.º, 33.º e 35º do Regime Jurídico do RNPC, 10º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, 342º do Código Civil e o artigo 668º, alíneas b) c), e d) do Código de Processo Civil.

Concluiu pela revogação da sentença e substituição por outra que julgue improcedente a acção.

A A. pugnou, em resposta, pela manutenção da decisão recorrida.

Cumpre decidir, sendo 3 as questões suscitadas no presente recurso, que cumpre apreciar:

1.ª – Nulidade de sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão;

2.ª - Confundibilidade entre a marca “Médis” e a denominação social “Hosfarmedis – Produtos Médico e Hospitalares, Lda.”, o que passa por apreciar as sub-questões da afinidade, por complementaridade, entre os serviços e produtos correspondentes à marca e ao objecto social em confronto e da expressão gráfica e fonética da marca e respectiva denominação social;

3.ª - A falta de registo da marca da A. no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) como pressuposto de procedência da acção de anulação de denominação social.

Vejamos.


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2. Fundamentação

2.1.De facto

Foi a seguinte a factualidade provada na sentença recorrida e que não foi objecto de impugnação:

1. A Ré, “Hosfarmedis – Produtos Médico e Hospitalares Lda.”, pessoa colectiva n.º 507 161 432, com sede na Qta d`el Rei, lote 253, Viseu, foi constituída em19/11/2004, com o objecto social: “importação/exportação, comércio por grosso, a retalho e ao público de produtos para farmácias, hospitais e restantes instituições similares, públicas ou privadas, de adjuvantes médicos, farmacêuticos e cirúrgicos, dispositivos médicos, equipamentos e materiais médico-cirúrgicos, hospitalares e conexos, produtos de higiene, incontinência, cosmética e perfumaria, bem como fabricação de material e equipamento ortopédico e protésico”;

2. Tal constituição foi objecto de publicação no DR n.º 51, III série, de 14.03.2005;

3. A A. é titular do registo das seguintes marcas:

a) Marca Nacional n.º 309185, apresentada em 13/04/1995, concedida em01/04/1996, destinada a assinalar “seguros”, na classe 36 da Classificação de Nice;

b) Marca Nacional n.º 309187, apresentada em 13/09/1995, concedida em 03/06/1996, destinada a assinalar na classe 42: “prestação de cuidados de saúde integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos”;

c) Marca Nacional n.º 330582 MÉDIS (mista), apresentada em 26/05/1998,concedida em 19/02/1999, destinada a assinalar na classe 36 “seguros” e na classe 42: “prestação de cuidados de saúde integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos”;

4. O registo foi pedido pela Ocidental – Companhia de Seguros, SA em10.05.1995 e aceite em 08.06.1995.5. O Registo Nacional de Pessoas Colectivas certificou, em 04.11.2004, a admissibilidade da firma “Hosfarmedis – Produtos Médico e Hospitalares Lda.”.


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            2.2. De direito

Equacionadas que foram as questões, recortadas entre as conclusões recursivas, elas próprias delimitadoras do thema decidendum (art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do CPC na versão aplicável do DL n.º 303/07, de 24.8), comecemos pela nulidade arguida.

2.2.1. A nulidade de sentença

De acordo com o disposto no art.º 668.º, n.º 1, alín. c) do CPC é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Trata-se de um vício lógico em que as premissas de facto e de direito do silogismo judiciário apontam num sentido e a decisão (conclusão) noutro, oposto.

No dizer de A. dos Reis[1], nesse caso, “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.

Ora, será que no caso em apreço, há vício na construção da sentença?

- Não o cremos.

Sustenta a recorrente que o objecto da recorrida é a “prestação de cuidados de saúde” e o da recorrente o da “importação/exportação, comércio por grosso, a retalho e ao público de produtos para farmácia, hospitais, restantes instituições similares” e que a sentença recorrida na parte decisória confundiu ser a mesma coisa o fornecimento de bens e a prestação de serviços, confundindo-se que as sociedades prosseguiam idêntico objecto social.

Passando em revista a sentença em causa, o que dela resulta é que após discriminar o objecto social de A. e R. concluiu, resumidamente, é certo, que “ambas têm actividades relacionadas com o fornecimento/prestação de serviços/cuidados de saúde” e, assim, são claramente confundíveis a denominação social e as marcas em apreço.

O que ressalta é que o fornecimento dos produtos pela recorrida, ou seja, “o comércio por grosso, a retalho e ao público de produtos para farmácia, hospitais e restantes instituições similares públicas ou privadas de adjuvantes médicos, farmacêuticos e cirúrgicos, dispositivos médicos, equipamentos e materiais médico-cirúrgicos, hospitalares e conexas (…)” está relacionada (sic) com a prestação de serviços de cuidados de saúde prestados pela A. a coberto dos seus direitos de marca prioritária.

Dada essa considerada relação concluiu o saneador-sentença serem “claramente confundíveis” a denominação social e as marcas detidas pela A. e, daí, a procedência, nessa parte, da acção.

Daqui resulta que nenhum vício estrutural existe na decisão recorrida.

O que ela diz, em suma, é que, não obstante diversos os objectos sociais de ambas as firmas, a sua relação com os cuidados de saúde gera uma complementaridade (afinidade) que aos olhos (e ouvidos) do consumidor comum torna confundível a denominação social da recorrente com as marcas da recorrida.

Se sim, se não, se essa complementaridade existe ou não, como vamos ver de seguida, geraria erro de julgamento, mas não vício lógico no raciocínio do julgador, pelo que nenhuma oposição existe entre os fundamentos e a decisão em causa.

Na improcedência da conclusão recursiva, importa indeferir, por isso, a nulidade arguida.


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            2.2.2. A confundibilidade entre a firma ou denominação social da recorrente “Hosfarmedis – Produto Médico e Hospitalares, Lda.” e a marca “Médis” de que, com prioridade, é titular a recorrente.

            Vejamos em 1.º lugar o quadro legal subjacente ao julgamento do presente recurso.

A admissibilidade de firmas e denominações sociais de sociedades comerciais está regulada no DL n.º 129/98, de 13.5 (art.º 1.º) que instituiu o Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RRNPC) e cuja atribuição desde logo o seu art.º 3.º faz depender da observância dos princípios de verdade e da novidade, conferindo o respectivo registo o direito ao seu uso exclusivo.

Desenvolvendo tais princípios, o art.º 32.º dispõe, no seu n.º 1, que os elementos componentes das firmas e denominações devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou actividade do seu titular e, o n.º 2, que os elementos característicos das firmas e denominações, ainda quando constituídos por designações de fantasia, siglas ou composições, não podem sugerir actividade diferente da que constitui o objecto social[2] e o 33.º que as firmas e denominações devem ser distintas e não susceptíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas (n.º 1).

Os juízos sobre a distinção e a não susceptibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas actividades e o âmbito territorial destas (n.º 2).

            Nesses juízos deve ainda ser considerada a existência de nomes de estabelecimentos, insígnias ou marcas de tal forma semelhantes que possam induzir em erro sobre a titularidade desses sinais distintivos (n.º 5).

            O n.º 6 deste último preceito dispõe também que, para que possam de tal prevalecer-se os titulares dos nomes de estabelecimento, insígnias ou marcas, devem ter efectuado anterior prova do seu direito junto do RNPC.

            Por outro lado, nos termos do art.º 35.º do mesmo diploma, o registo definitivo confere o direito ao uso exclusivo da firma ou denominação, constituindo o respectivo certificado mera presunção de exclusividade, o que, todavia, pode ser anulado mediante sentença judicial (n.º 1, 2 e 4).

            Por seu turno, no atinente às marcas, o Código da Propriedade Industrial (DL n.º 36/03, de 5.3) dispõe, no n.º 4 do art.º 4.º, além do mais, que os registos de marcas constituem fundamento de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis se os pedidos de autorização ou alteração forem posteriores aos pedidos de registo (marca prioritária), anulação essa que só pode resultar de decisão judicial intentada pelo respectivo interessado (art.º 35.º, n.ºs 1 e 2).

            O registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina (art.º 224.º, n.º 1) e “confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual, ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor” (art.º 258.º).

            Sobre o conceito de imitação ou usurpação, dispõe o art.º 245.º que a marca registada se considera imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente, a marca registada tiver prioridade, sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins e tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto (ali. c)).

            Vejamos, então, se à luz deste quadro legal há imitação ou usurpação de marca registada “Médis”, indiscutivelmente prioritária.

            a) A afinidade de produtos e serviços emergentes da actividade comercial de recorrente e recorrida

            Já vimos que a actividade comercial da recorrente se desenvolve fundamentalmente na área da importação/exportação e comércio de produtos da área da saúde e a da recorrida na área da prestação dos cuidados de saúde.

            De acordo com a lição de Ferrer Correia[3] a propósito do princípio da novidade ou do exclusivismo, plasmado no cit. art.º 33.º do RRNPC, a novidade significa o mesmo que inconfundibilidade e há-de ser aferida em relação ao conteúdo global da firma com referência à diligência normal de um homem médio.

            Segundo esse autor, o princípio da novidade vale também para comerciantes de ramos diferentes porque se para os clientes pode não haver perigo de confusão, esse perigo, continua a subsistir quanto a terceiros que possam vir a ter relações comerciais com a empresa, como bancos e fornecedores.

            Assim é que, para lá do critério da finalidade ou utilidade dos produtos e serviços, relevante é também, em termos de confundibilidade, o critério dos circuitos e hábitos de distribuição dos produtos e serviços ou de complementaridade entre uns e outros.[4]

            Também Carlos Olavo[5] estende a possibilidade de confusão a actividades comerciais ainda que diferentes.

            Salienta ainda este autor[6] que o que está em causa no quadro da protecção do direito à marca não é a confusão dos produtos ou a confusão directa de actividades, mas antes a que possa ocorrer entre sinais distintivos do comércio, ou sejam, a confusão indirecta de actividades.

            Daí que, refere-se no douto acórdão do STJ de 28.9.10[7], a tutela da marca e do nome do estabelecimento resulta mais da interconexão da esfera de protecção dos sinais distintivos diferentes, do que da incidência dos princípios da especialidade e da novidade.

            Ora, reportando-nos ao serviços correspondentes à marca da A. recorrida e à comercialização dos produtos do objecto social da Ré recorrente, desde logo se vê que operam ou podem operar no mesmo circuito comercial da área da saúde, em que tem lugar a prática dos serviços abrangidos pela marca da A., sendo ou podendo ser complementares uns dos outros, sempre podendo ficar a dúvida no consumidor médio se a “Hosfarmedis” não faz, afinal, parte do mesmo grupo empresarial da “Médis” e beneficiar da notoriedade da sua marca.

            Concluímos, assim, que a diversidade de actividade comercial não é, por si só, obstativa à confundibilidade entre serviços e produtos prosseguidos por uma e outra firma, desde que entre eles exista, como existe uma relação de afinidade por complementaridade entre os serviços e a comercialização dos produtos de uma e outra.


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            b) – A semelhança gráfica e fonética

            Entre a marca “Médis” e a denominação “Hosfarmedis” é indiscutível que a expressão de fantasia “Médis”constitui o elemento prevalente que gráfica e sobretudo foneticamente a memória do consumidor médio mais facilmente regista, por isso se correndo o risco de a actividade, além do mais, ser do mesmo grupo empresarial.[8]

            O consumidor médio tenderá, simplificadamente, a identificar a “Hosfarmedis” pela expressão “Médis”, já que a expressão “Hosfar” (ou, separadamente, “Hos” e “far”) não é distintiva, desempenhando uma função secundária ou acessória, tenderá a tomar uma pela outra, a atribuir-lhes a mesma proveniência, ou uma outra qualquer ligação comercial.

            Existe, assim, afinidade entre as marcas da A. e a denominação social da Ré, por idênticos serem os seus sinais distintivos.

            Aquela expressão “Médis”, contrariamente ao sustentado pela recorrente, não constitui um termo corrente ou de uso comum insusceptível de ter a garantia e protecção enquanto marca, nem o facto de antes do seu registo fazer parte de outras denominações sociais nada adianta para a decisão, já que elas próprias não estão em causa, nem a denominada “teoria da distância” da doutrina alemã, segundo a qual ninguém pode exigir a terceiros um maior distanciamento relativamente ao seu sinal de comércio do que ele próprio não respeitou relativamente aos anteriores aquando do seu registo, colhe aqui aplicação, desde logo por falta de assento factual na decisão recorrida e que, sem impugnação, chegou até esta instância.

            Concluímos, assim, que gráfica e foneticamente o elemento preponderante “médis” da marca e denominação social (ainda que “medis”, sem acentuação gráfica) em confronto é susceptível de gerar a confusão ou erro de serviços e produtos e ambas terem, pelo menos, origem na mesma empresa ou grupo de empresas, o que sempre favorece a prática de actos de concorrência desleal.


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            2.2.3. A falta de prova do registo da marca junto do RNPC

            Sustentou a decisão recorrida que a falta de comunicação da marca ao RNPC não é factor impeditivo de anulação de anulação da denominação social mediante sentença judicial, apenas impedindo a invocação da confundibilidade junto dessa entidade.

            E fê-lo acertadamente.

            Dispõe o acima n.º 6 do art.º 33.º do RRNPC que a defesa da titularidade de um sinal distintivo de comércio, como a marca, depende da prova do seu direito junto do RNPC. E o n.º 4 do art.º 35.º que o direito à exclusividade da firma ou denominação social não prejudica a possibilidade de anulação através da competente acção judicial.

            A redacção do n.º 6 do art.º 2.º do anterior RRNPC[9] era mais sugestiva quando referia que “para que possam prevalecer-se do número anterior, os titulares de nomes de estabelecimento, insígnias ou marcas, devem em tempo oportuno, comunicar o seu direito ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, em impresso próprio”.

            Ora, de acordo com o documento de fls. 302, junto com a réplica, e não impugnado, tal comunicação foi oportunamente efectuada na forma devida.

            Para além disso, porque tal comunicação ou prova não é condição de eficácia erga omnes do registo, que se dá por efeito do próprio registo, importa salientar que esse ónus releva simplesmente em sede de tutela administrativa e /ou contenciosa (recurso hierárquico ou contencioso) das decisões dos próprios órgãos do RNPC, não sendo extensível à tutela jurisdicional decorrente de propositura da correspondente acção de anulação adrede intentada pelos interessados e prevenida no citado n.º 4 do art.º 35.º do RRNPC.[10]

            Também nesta parte falece razão à recorrente quanto ao invocado pressuposto ou condição da presente acção anulatória, soçobrando, em suma, todas as conclusões recursivas.


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3. Sumariando (n.º 7 do art.º 713.º do CPC)

I – A diversidade de actividade comercial de duas empresas não é, só por si, obstativo à confundibilidade entre a marca de que uma é detentora e a denominação social da outra, verificando-se a mesma se entre os serviços prestados por uma e os produtos comercializados por outra existir uma relação de afinidade, ainda que por complementaridade;

II – Dedicando-se a A. essencialmente “à prestação de cuidados de saúde integrada por médicos, hospitais e outros prestadores de cuidados médicos” e a Ré, além do mais, à “importação/exportação, comércio por grosso, a retalho e ao público de produtos para farmácias, hospitais e restantes instituições similares (…)”, existe afinidade entre as marcas “Médis” da A. e a denominação social “Hosfarmedis – Produtos Médico e Hospitalares, Lda.”, susceptível de induzir em erro o consumidor médio, desde logo quanto a tratar-se de ambas, marca e denominação, da mesma empresa ou mesmo grupo empresarial, o que favorece a prática de actos de concorrência desleal;

III – A falta de prova do registo da marca junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas não releva para efeitos de propositura da acção de anulação de denominação social.


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4. Decisão

Face a todo o exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.


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Francisco Caetano (Relator)
António Magalhães

 Ferreira Lopes


[1] “Código de Processo Civil, Anot.”, V, pág. 141.
[2] Também o n.º 3 do art.º 10.º do Cód. Soc. Comerciais dispõe que “os elementos característicos constituídos por designações de fantasia, siglas ou outras composições devem ter feição portuguesa e não podem sugerir actividade diferente da que constitui o objecto social”.
[3] “Lições de Direito Comercial”, I, 1973, pág. 279 e ss.
[4] Luís M. Couto Gonçalves, “Direito de Marcas”, 2000, pág. 134 e ss.
[5] “Propriedade Industrial”, 1977, pág. 126.
[6] “Propriedade Industrial, Noções Fundamentais”, CJ, Ano XII, II, pág. 24, onde, além do mais, sustenta que “a possibilidade de indução em erro reporta-se aos sinais em si mesmo considerados, e logo que se verifique, do ponto de vista do consumidor médio, uma situação desse género, estaremos em face a uma imitação de marca, porque a função identificadora da mesma fica esvaziada de conteúdo, independentemente do facto de se confundirem ou não os produtos em que é aposta”.
[7] Proc. 235/05.0TYLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[8] Como salienta Ferrer Correia, ob cit., pág. 280, o melhor critério para dar execução, na prática, ao princípio da novidade, (…) será o de verificar, com referência à diligência do homem médio, se uma firma pode ser confundida com outra, se uma pessoa que tenha em mente o nome de uma firma e pretenda dirigir-se a esta, poderá ser induzida em erro pela semelhança do nome e dirigir-se, portanto, a outra firma”.
É também este, o critério do consumidor médio, o que a jurisprudência vem seguindo. Vg., Acs. STJ de 21.2.02, Proc. 02B2217 e 13.7.10, Proc. 3/05.9TYLSB.P1.S1, in www.dgsi.pt .

[9] DL n.º 42/89, de 3.2, revogado pelo DL n.º 129/98, de 13.5 – art.º 12.º, alín. b) da sua parte preambular.
[10] V., a este propósito e no mesmo sentido, o texto do Ac. STJ de 14.10.03, Proc. 04A1434, in www.dgsi.pt.