Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36/14.4TBNLS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXECUÇÃO
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
TÍTULO JUDICIAL IMPRÓPRIO
EMBARGOS DE EXECUTADO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 731 CPC, 342, 358, 359, 374 CC
Sumário: 1. Em embargos de executado a distribuição do ónus da prova, que se baseia em normas de direito substantivo, não se altera relativamente ao processo declarativo.

2. Na oposição de mérito à execução, haverá que distinguir entre os factos constitutivos e os factos modificativos ou extintivos do direito exequendo, só os primeiros constituindo ónus da prova do executado.

3. Possuindo o documento exequendo, para além da função executiva, uma função probatória, na distribuição do ónus da prova haverá, ainda, que jogar com a natureza e a força probatória do documento que constitui o título exequendo.

4. Na oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, admitida a dedução dos meios de defesa com a amplitude do artigo 731º CPC, e impugnados os factos constitutivos do crédito exequendo, é sobre o exequente/embargado que recai a respetiva prova.

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que contra si e foi instaurada por A (…), S.A., veio o executado, M (…) deduzir a presente oposição à execução por embargos, invocando a prescrição da dívida exequenda, com a consequente extinção da execução, ou, caso assim se não entenda, que se considere como não devido o valor constante do título executivo e os demais valores de honorários e despesas do agente de execução.

Alegando, para o efeito e em síntese:

tendo a presente execução por título executivo um requerimento de injunção a que foi aposta formula executiva e reportando-se a dívida reclamada a um contrato celebrado em julho de 1999, incumprido na mesma data, há muito decorreu o prazo de seis meses que a lei aponta para exigir o pagamento do preço do serviço prestado;

tratando-se de um contrato com vista à aquisição de um curso formação,   e invocando a exequente que o contrato foi resolvido na data da sua celebração, a CEAC não prestou qualquer serviço ao aqui oponente, pelo que não poderá exigir o cumprimento da obrigação de pagamento da parte contrária.

O exequente apresentou contestação defendendo a improcedência da oposição, alegação:

tratando-se de um contrato de mútuo para financiamento de um curso da CEAC, não se pode aplicar o prazo de prescrição de dois anos, mas o geral de vinte anos;

a notificação da injunção foi validamente efetuada, pelo que o título à execução à plenamente válido.

Realizada audiência final, pelo juiz a quo foi proferida sentença a julgar procedentes os embargos, determinando a extinção da execução.


*

Não se conformando com tal decisão, o embargado/exequente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

A) O Executado assumiu a obrigação do pagamento com a assinatura do contrato e do protocolo de entrega, ficando assim clara a obrigação existente, mediante a aposição da sua assinatura nos referidos documentos, aceitando, assim, as condições inerentes no mesmo, aliás conforme declarado expressamente no contrato.

B) Pretendeu a Exequente assim obter o pagamento da quantia em dívida, atinente ao reembolso do crédito concedido. Tal reembolso constitui obrigação assumida expressa e pessoalmente pelo devedor na referida documentação.

C) Dos referidos documentos resulta ainda a aparência do direito invocado pela Exequente/Apelante, direito que, por isso, é de presumir.

D) Pelo que contrariamente ao facto do executado não ter feito prova do pagamento da dívida, a Exequente juntou aos autos o protocolo de entrega do curso, comprovando assim a existência da referida dívida.

E) O Tribunal recorrido efetuou uma errada interpretação do Direito por si invocado, olvidando a prova apresentada pela Exequente em sede de oposição.

Conclui pela revogação da sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento da execução.


*

O embargante apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 675º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º e 639º, do Novo Código de Processo –, a questão a decidir é uma só:
1. Se, face aos factos dados como provados, os embargos deveriam ter sido julgados improcedentes.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
São os seguintes, os factos tidos em consideração pelo tribunal a quo:

 1) A exequente apresentou à execução uma injunção à qual foi aposta força executiva no dia 04.12.2013, em que figura como requerido o executado J (…) e onde pedia a sua notificação para proceder ao pagamento da quantia de 5.143,29€ - cf. fls. 9 dos autos principais.

2) Resulta desse requerimento, além do mais que se dá por reproduzido, o seguinte: “1. Por contrato de cessão de créditos outorgado em 2009-01-05, a B (…), Edições para a Formação e Educação, SA cedeu o crédito em causa nestes autos à G (…), SA. 2. E, em 17 de julho de 2012, a G (…) SA cedeu o crédito referido no artigo anterior à ora requerente, que o aceitou. (...) Por documento particular foi celebrado pela C (…), SA com o requerido um contrato com vista à aquisição de um curso de instalador de eletricista construção civil 5. O requerido comprometeu-se ao pagamento em prestações, mensais e sucessivas. 6. O requerido nunca denunciou o contrato nos termos das respetivas cláusulas. 7. No entanto, desde 1999-07-29, o requerido nada pagou, data em que o referido contrato de crédito foi resolvido 8. Tendo ficado em dívida o montante de 2.071,39€ 9. Aquela quantia venceu juros legais desde a data atrás referida até à data da propositura da presente ação os quais são, neste momento, no valor de 2.969,90€. 10. Pelo que, é pois, a quantia em dívida é de 5.041,29€, à qual acrescem juros vincendos até integral e efetivo pagamento, bem como todas as custas de parte a apurar a final” – fls. 9 dos autos principais.

3) O opoente não provou o pagamento à exequente ou às suas antecessoras, do montante referente ao curso a que a exequente alude no requerimento de injunção mencionado nos pontos 1) e 2).

*
O juiz a quo, identificando como questões a solucionar, saber se a exequente prestou algum serviço ao executado e, em caso afirmativo, se os valores peticionados se encontravam prescritos, veio a concluir que, não tendo o exequente logrado provar a prestação de qualquer serviço ao aqui executado, os embargos seriam, desde logo, de improceder, dispensando-se se apreciar a questão da prescrição.
O Apelante/Exequente insurge-se quanto a tal entendimento defendendo que, tendo juntado aos autos o protocolo de entrega do curso, fez prova de que o curso foi efetivamente disponibilizado ao executado, formalizando-se desde logo um contrato de prestação de serviços.
Apreciemos, assim, o fundamento de oposição à execução aqui em causa.

 O exequente instaura a presente ação executiva apresentando como título executivo um requerimento de injunção no qual foi aposta a fórmula executória.

Face à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 731º, nº1, do CPC, emitida pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 264/2015, de 12 de maio de 2015[1], “quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, teremos por indiscutido que o executado não se encontrava limitado nos seus fundamentos de defesa, podendo ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.

Não sendo o título executivo uma sentença, o executado está perante o requerimento executivo na mesma posição em que estaria perante a petição inicial da correspondente ação declarativa. Consequentemente, pode alegar em oposição à execução tudo o que poderia alegar na contestação àquela ação – pode alegar nos embargos matéria de impugnação e matéria de exceção[2].

Assim, no caso em apreço, o executado podia deduzir embargos de executado, invocando a inexistência de título executivo ou da obrigação exequenda, ou a sua extinção por qualquer meio, por via de impugnação ou de exceção perentória.

Uma vez assente que o embargante poderia aqui discutir a existência da obrigação reconhecida pelo título executivo – injunção a que foi aposta fórmula executória –, questão diferente passará por determinar, uma vez impugnada eficazmente a existência da obrigação exequenda, como se distribuiu pelas partes o ónus da prova: é sobre o executado que impende a demonstração de que a obrigação não existe, ou mantem-se de pé a regra geral de que é sobre o credor que recai a prova dos factos constitutivos do seu direito?

O requerimento de injunção (ao qual foi aposta formula executória), tal como qualquer outro título executivo, faz presumir a existência da obrigação exequenda.

A obrigação exequenda tem de constar do título e a sua existência é por ele presumida, presunção que pode ser ilidida mediante embargos de executado, movidos com essa finalidade[3].

Assim, a afirmação de que o título é condição necessária e suficiente da ação executiva tem o sentido de que, não só, não há execução sem título, como a sua existência dispensa “qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere[4]”.

Como defende Lebre de Freitas, para além da eficácia própria do documento que o consubstancia, o título executivo constituiu base da presunção da existência (e titularidade) da obrigação exequenda e não apenas da existência do facto que a constituiu.

Assim sendo, sobre o executado/embargante impende a elisão da presunção de existência da obrigação estabelecida a partir do título executivo.

Os embargos de executado, assumindo o carater de uma contra ação, tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo ou da ação em que nele se baseia, quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título executivo enquanto tal[5].

No caso de oposição de mérito à ação executiva, o pedido deduzido nos embargos de executado é de verificação da inexistência, total ou parcial, do título exequendo, configurando-se como uma ação de simples apreciação negativa[6].

Nos embargos de executado (tal como nas ações de simples apreciação negativa), as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseia em normas de direito substantivo, não se alteram (não se modificando pela diferente posição ocupada pelo credor e devedor nos autos - como autor ou réu, ou pelo executado/embargante e pelo exequente/embargado): o titular do direito continua sempre a ter de provar os factos que o constituem, enquanto o titular do dever correspondente tem o de provar os factos que impedem, modificam ou extinguem os feitos dos primeiros (art. 342º CC)[7].

Havendo que distinguir entre os factos constitutivos e os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito exequendo, e só os primeiros constituindo ónus da prova do executado (artigo 342º CC), haverá, igualmente, que jogar com a natureza e a força probatória do documento que constitui o título exequendo[8]:

- se o executado impugnar a autoria do documento particular que lhe é imputado, é o exequente que, na oposição à execução, terá o encargo de a provar (artigo 374º, nº2, CC);

- se o documento particular ou autentico contém uma declaração confessória da dívida, e tendo esta força probatória plena contra o confitente (nº2 do artigo 358º CC), o executado só poderá ilidir a presunção derivada de tal reconhecimento, pelos meios em que lhe é possibilitada a impugnação da confissão (artigo 359º CC);

- o ónus da prova da violação do pacto de preenchimento de um título cambiário, recairá, enquanto facto extintivo, sobre o executado/embargante (artigo 342º, nº2, CC.

Face à posição aqui assumida quanto à amplitude dos meios de defesa na execução com base em requerimento de injunção e quanto à distribuição do ónus da prova em embargos de executado, e não contendo a injunção, na qual foi aposta fórmula executória, qualquer reconhecimento confessório de dívida por parte do requerido, teremos de concluir que a dedução de embargos por parte deste, à execução que com base nessa injunção lhe é movida, coloca o executado, nesta sede[9], na exata posição em que estaria para se defender em sede de ação declarativa.

Como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 658/2006, de 28 de novembro de 2006[10], “Na oposição de mérito à execução, a qual visa um acertamento negativo da obrigação exequenda, incumbe ao exequente o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito substancial, sendo à ação executiva que se devem reportar as normas dos artigos 342º a 345º do Código Civil, relativas ao problema do ónus da prova. Assim, quando, como no caso dos autos, o executado ponha em causa ser ele a pessoa responsável pelo cumprimento da obrigação exequenda, é o exequente que, em sede de oposição à execução, terá o encargo de provar, de acordo com o artigo 342º, nº1, do Código Civil”.

 Tendo em consideração a natureza de título judicial impróprio que pacificamente lhe é atribuída pela doutrina, e face à cominação aí efetuada ao requerido para a falta de dedução de oposição – conferir força executória – entender-se-á que a dedução de oposição em tal sede é uma mera faculdade que lhe é concedida, unicamente para efeitos de obstar à constituição de um título executivo, podendo reservar para a ação executiva subsequente a formulação da sua defesa.

Ainda de acordo com o citado acórdão do Tribunal Constitucional, “a falta de oposição e a consequente oposição de fórmula executória ao requerimento de injunção não tem o condão de transformar a natureza (não sentencial) do título, tornando desnecessária, em sede de oposição à execução, a prova do direito invocado, deixando ao executado apenas a alegação e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente”.

Regressando ao caso em apreço, o embargante, no requerimento inicial de embargos, para além deduzir defesa por exceção (invocando a prescrição do crédito exequendo), defende-se por impugnação, alegando que, encontrando-se na origem do crédito um “Contrato com vista à aquisição de um curso de instalador eletricista Construção Civil”, e que tal contrato foi resolvido na data da sua celebração, não prestou a CEAC qualquer serviço ao aqui oponente, pelo que não poderá exigir o cumprimento da obrigação de pagamento da parte contrária.

 Relativamente a tal fundamento de oposição à execução, o exequente/ embargado nada diz na sua contestação aos embargos, pelo que, teremos que nos bastar com o por si alegado no requerimento de injunção, relativamente à origem do crédito exequendo.

De tal alegação (cujo teor se mostra reproduzido no ponto 2 dos factos dados como provados), extrai-se que o crédito exequendo resulta da celebração de um contrato entre a “C (…), Edições para a Formação e Educação, S.A.”, e o aqui executado/embargante, com vista à aquisição de um curso de Instalador de Eletricista Construção Civil, pelo qual o executado se teria comprometido a um pagamento em prestações mensais e sucessivas (a exequente não terá tido qualquer participação no contrato em causa, surgindo aqui na qualidade de cessionária do crédito em causa).

Ora, a única prova produzida nos presentes embargos relativamente a tal contrato e à prestação de serviços nele acordada, resumiu-se à junção dos seguintes documentos (a exequente/embargada não ofereceu qualquer prova testemunhal):

 - “Boletim de Matrícula”, assinado pelo aqui executado[11], datado de 08.05.1998, do qual consta que “o Curso que comprou ser-lhe-á entregue na morada abaixo indicada, no prazo máximo de sete dias uteis, após a data do boletim de matrícula, certificado com um protocolo de entrega”, e como “Condições de Pagamento”, assinalada com uma cruz, a opção, “A crédito”, com um valor que se mostra ilegível (87.000$00?, 87.100$00?, 187.100$00?), “sendo a entrada inicial no valor de 9.500$00”, mais 24 mensalidades de um valor, mais uma vez, ilegível (1.400$00?, 400$00?) cada uma, “com início no mês seguinte ao da compra, mais os direitos de matrícula no valor de …(mais um número ilegível). “O valor da entrada inicial e direitos de matrícula serão pagos na data da matrícula”. Mais se encontra aí aposto que “A Liquidação do valor a pronto pagamento ou da entrada inicial foi efetuado” mediante o cheque nº (ilegível) – doc. junto a fls. 109v.

-“Ordem de pagamento por conta bancária”, datada de 08.05.1998, da qual consta a autorização de pagamento por débito em conta a partir de 03.07.98, documento também este parcialmente ilegível – fls. 107v.

- “Protocolo de entrega”, datado de 8 de maio de 1998, com uma assinatura aposta no local do recetor – precisamente a mesma data aposta no Boletim de matrícula, assinalando-se na modalidade da entrega “Curso Completo” – fls. 107.

- Doc. de fls. 110, sob a epígrafe “Condições de Venda” (supondo-se corresponder ao verso do denominado “Boletim de Matrícula”), consta como obrigações da CEAC, a entrega ao aluno do material pedagógico (alínea a), que o aluno tem direito à correção dos exercícios escritos e a receber a necessária orientação no decurso dos seus estudos durante um período de 48 meses (al. c), que se compromete, quando o aluno terminar o curso com aproveitamento, a passar-lhe um Diploma Certificativo dos Estudos efetuados; mais consta que a CAC e o aluno acordam em que o ritmo de pagamento dos honorários do ensino seja totalmente independente dos estudos e de a entrega do material de estudo por parte da empresa (al. e).

Antes de mais, cumpre referir que, face à junção de cópias em condições não totalmente legíveis, e convidado o exequente a juntar os respetivos originais (a solicitação do executado/embargante), este alegou não os ter em sua posse, alegando ainda inexistirem faturas emitidas no âmbito do contrato em causa.

Assim sendo, dos documentos em causa não se pode concluir com um mínimo de certeza quais os exatos termos do contrato celebrado entre a CEAC e o executado/embargante. E, muito menos, que a CEAC, pela sua parte, tenha cumprido as obrigações a que se obrigara: com efeito, ainda que se possa dar como provado que o executado tenha recebido o “Curso Completo” (face à aposição de uma rubrica no doc. de fls. 107, não impugnada pelo embargante), dos restantes termos das condições de venda resulta que a Venda não implicava para o CEAC unicamente a obrigação de entrega do material didático, mas todo um acompanhamento durante 48 meses.

Por outro lado, no requerimento de injunção é a própria exequente que alega que “desde 1999-07-29”, o Requerido nada pagou, data em que o referido contrato de crédito foi resolvido” (sem que se perceba se a referência a contrato de crédito se deve a lapso de escrita). De tal alegação resultará, desde logo, o reconhecimento terão cobrado ao executado uma série de mensalidades (por via do débito em conta) e ainda que tal contrato nem sequer vigorou durante a totalidade do período acordado.

E quanto à prova de prestação do serviço acordado por parte do CEAC, temos apenas a tal cópia respeitante à assinatura do protocolo de entrega.

Concluindo, as cópias dos documentos juntos pela exequente nunca seriam prova suficiente de que, apesar de o executado ter assinado o Boletim de Matrícula, o CEAC tenha efetivamente prestado/vendido o alegado Curso de “Instalador Eletricista de Construção Civil”, correspondente a 24 unidades de estudo (que nem sequer sabemos do que se trata e em que consiste, porquanto, se relativamente a outros cursos se refere a existência de cassetes áudio e material de práticas, relativamente a este não é concretizado em que consiste o material pedagógico).

Como se conclui no Acórdão do TRC de 28-06-2011, correspondendo o resultado probatório, alcançado numa oposição à execução, à indemonstração da tese do exequente nessa execução, segundo a qual a dívida exequenda corresponderia a determinado negócio, deve este non liquet ser ultrapassado (decidido) contra a versão do exequente, nos termos do artigo 342º, nº1, do CC, sendo a ele que cumpre provar, em sede de oposição à execução, a existência do crédito exequendo[12].

Será assim de confirmar a decisão recorrida, porquanto, devidamente impugnados os factos constitutivos do crédito exequendo, o exequente/embargado deles não logrou fazer prova.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pelo apelante.

                                                                          

Coimbra, 26 de abril de 2016

Maria João Areias ( Relatora )

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.

1. Em embargos de executado a distribuição do ónus da prova, que se baseia em normas de direito substantivo, não se altera relativamente ao processo declarativo.

2. Na oposição de mérito à execução, haverá que distinguir entre os factos constitutivos e os factos modificativos ou extintivos do direito exequendo, só os primeiros constituindo ónus da prova do executado.

3. Possuindo o documento exequendo, para além da função executiva, uma função probatória, na distribuição do ónus da prova haverá, ainda, que jogar com a natureza e a força probatória do documento que constitui o título exequendo.

4. Na oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, admitida a dedução dos meios de defesa com a amplitude do artigo 731º CPC, e impugnados os factos constitutivos do crédito exequendo, é sobre o exequente/embargado que recai a respetiva prova.


 


[1] Publicado no DR, 1ª Série, nº 110, de 8 de junho de 2013.
[2] Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, Almedina 11ª ed., pág. 186.
[3] José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, 6ª ed., pág. 90.
[4] Anselmo de Castro, “Ação Executiva Singular, Comum e Especial”, Coimbra Editora, 1977, pág. 14.
[5] Neste sentido, José Lebre de Freitas, A Ação Executiva (…), págs. 212 e 213. Rui Pinto fala em reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo, ou da falta de um pressuposto, específico ou geral da ação executiva, aludindo à posição de vários acórdãos que defendem tratar-se de uma ação de simples apreciação negativa da obrigação exequenda, de um pressuposto processual ou de uma condição da execução – “Manual da Execução e do Despejo”, Coimbra Editora, pág. 396.
[6] José Lebre de Freitas, “Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil”, Coimbra Editora 2002, págs. 454, 456 e 457.
[7] José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, págs. 206 e 207, nota (31), e “Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil”, pág. 458 e 459. Neste sentido, cfr. ainda, Acórdão do STJ de 09.02.2011, relatado por Lopes do Rego, e Acórdão do TRC de 28-06-2011, relatado por Teles Pereira, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. Aparentemente em sentido contrário, Miguel Teixeira de Sousa, defendendo embora o não afastamento das regras gerais sobre a matéria, pronuncia-se no sentido de que cabe ao executado embargante a prova dos fundamentos alegados (artigo 342º, nº1, CC), dado que estes são factos constitutivos da oposição deduzida – “Acção Executiva Singular”, LEX Lisboa 1998, pág. 177.
[8] A função ou valor probatório do documento volta a ser relevante nesta sede, beneficiando o exequente da eficácia probatória que a lei civil lhe atribuiu (Miguel Teixeira de Sousa, “A Exequibilidade da Pretensão”, Lisboa 1981, pág. 31.
[9] E dizemos, nesta sede, porque apenas nos reportamos à matéria do ónus da prova, uma vez que nos embargos o juiz não vai reapreciar o direito do exequente com a amplitude com que o faz na ação declarativa, limitando-se a conhecer os fundamentos de oposição que lhe são colocados pelo executado/embargante.
[10] Acórdão relatado por Paulo Mota Pinto, disponível in www.dgsi.pt., num dos muitos casos em que aquele tribunal, sendo chamado a pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade da restrição dos meios de oposição na execução baseada em injunção à qual foi aposta fórmula executória, proferiu um juízo de inconstitucionalidade.
[11] O executado embargante não impugna a assinatura de qualquer um dos documentos cuja cópia é exibida pelo exequente/embargante.
[12] Acórdão relatado por Teles Pereira, disponível in www.dgsi.pt.