Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
114/11.1TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
APOSENTAÇÃO POR INCAPACIDADE
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
TRABALHO TEMPORÁRIO
DURAÇÃO
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 175º, 178º, NºS 2, 3 E 4, 343º, AL. C), E 348º DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009.
Sumário: I – A caducidade do contrato de trabalho determinada por reforma por invalidez opera na data em que ela é conhecida por ambas as partes contratantes ou, pelo menos, do empregador.

II – O disposto no artº 348º do Código do Trabalho, que prevê a possibilidade de conversão em contrato de trabalho sem termo em contrato de trabalho a termo em caso de reforma por velhice, possibilitando portanto o prolongamento do contrato de trabalho, é inaplicável às situações de reforma por invalidez.

III – Nos termos do disposto no artº 175º do Código do Trabalho de 2009, o contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização.

IV - Quer o contrato de utilização, quer o contrato de trabalho temporário, não podem, por imperativo legal, durar para além da duração da causa justificativa – artºs 178º, nº 2, e 182º, nº 4 do Código do Trabalho/2009.

V – No caso de o trabalhador temporário continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização, por extinção da causa justificativa, sem nova celebração de contrato que o fundamente, considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador, com base em contrato sem termo – artº 178º, nº 3.

VI – No caso em que assim suceda e se o mesmo utilizador, agora empregador, fizer cessar o contrato, tal configura um despedimento ilícito.

Decisão Texto Integral:  Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra as rés a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que sejam condenadas: a) a verem declarado que o motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho temporário a termo incerto celebrado entre a autora e a 1ª ré tendo como utilizadora do trabalho a 2ª ré cessou definitiva e de modo absoluto em 31-12-2010, facto do conhecimento de ambas as rés; b) verem declarado que a permanência da autora ao serviço da 2ª ré, quando há muito havia cessado o motivo justificativo que esteve na base do CUTT, fê-la adquirir a qualidade de trabalhadora efectiva da 2ª ré; c) verem declarado que a denúncia operada por comunicação da 1ª ré, a mando da 2ª ré, datada de 2-2-2011 consubstancia um despedimento ilícito da autora por ausência de justa causa habilitante se trata de comunicação ilegal da caducidade de contrato de trabalho; d) consequentemente verem declarado ilícito tal despedimento por ausência de justa causa ou fundamento legal ou verem declarada a nulidade de tal denúncia e consequentemente ser, em qualquer uma destas hipóteses, a 2ª ré condenada a ver reintegrada a autora no seu posto de trabalho, reintegração por que opta, com todos os seus direitos nomeadamente categoria profissional e antiguidade e ainda pagar à autora as retribuições vincendas desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença; e) a pagar a 2ª ré à autora a quantia de € 750,00 a título de danos não patrimoniais; OU, f) verem declarado nulo o termo resolutivo do contrato de trabalho temporário com efeitos a partir do dia 31-12-2010, data em que ocorreu definitivamente, com conhecimento de ambas as rés, a cessação do motivo justificativo da sua celebração, considerando-se o trabalho efectuado em execução do contrato como prestado à primeira ré em regime de contrato de trabalho sem termo; g) em tal hipótese, ver declarada a primeira ré que a comunicação enviada à autora, datada de 2-2-2011, consubstancia um despedimento ilícito da mesma ou se trata de comunicação de caducidade ilegal do contrato de trabalho; h) consequentemente, ver declarado a primeira ré ilícito tal despedimento por ausência de justa causa e, ainda consequentemente, condenada a pagar à autora, de indemnização, por que opta, a quantia de € 2.351,70 e ainda as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença; i) a pagar a primeira ré à autora a quantia de € 750,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; j) sempre em qualquer das situações pagarem ambas as rés à autora os juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 27-4-2010 celebrou com a 1ª ré um contrato de trabalho temporário a termo incerto e resulta da cláusula 1ª do dito contrato de trabalho que a celebração do mesmo se justificava pelo motivo respeitante ao utilizador (2ª ré) com quem foi celebrado um contrato de utilização de trabalho temporário (CUTT) justificado com a “substituição directa ou indirecta do trabalhador D... ausente que se encontra temporariamente impedida de trabalhar por motivos de baixa médica”; tal contrato foi, pois, alegadamente celebrado à luz do art. 140º, nº 2 alínea a) conjugado com o vertido no nº 1 do art. 175 ambos do Código do Trabalho; sucede que a trabalhadora da 2ª ré D...reformou-se por limite de idade no dia 31-12-2010; tal situação foi do conhecimento directo e pessoal das rés, senão pelo menos do conhecimento da 2ª ré; por carta datada de 2-2-2011 a 1ª ré comunicou à autora a caducidade do contrato de trabalho temporário com efeitos a partir do dia 4-3-2011; o posto de trabalho temporariamente ocupado pela autora em substituição da colega de baixa médica D...foi posteriormente à denúncia do contrato de trabalho da autora ocupado por outra trabalhadora com contrato de trabalho temporário por termo incerto; à luz do estatuído no art. 178º, nº 4 e art. 176º, nº 3 do Código do Trabalho, considera que a partir de 31-12-2010 passou a trabalhar por conta da utilizadora, a 2ª ré Dura., com base em contrato de trabalho sem termo; consequentemente, estava vedado à 1ª ré lançar mão da denúncia do contrato de trabalho, a qual consubstancia um despedimento ilícito da autora, por ausência de justa causa habilitante.

A 1ª e 2ª rés deduziram a sua defesa em distintas contestações.

A 1ª ré pronunciou-se pela improcedência da acção, defendendo que, como empresa de trabalho temporário, em 27-4-2010, na sequência de uma solicitação que lhe foi dirigida pela 2ª ré, na qualidade de empresa utilizadora, celebrado com ela um CUTT nos termos alegados pela autora, reduzido a escrito e foi no seu cumprimento que teve necessidade de vir a celebrar com a autora um CTT a termo incerto; o motivo invocado teve por base a substituição de uma colaboradora da 2ª ré, ausente por baixa médica, tendo a autora exercido as funções que precisamente eram efectuadas pela colaboradora ausente por baixa médica, D...; a autora conhecia plenamente esses motivos e conscientemente contratou com a 1ª ré, sabendo de antemão que o seu contrato era de duração incerta, porquanto apenas foi contratada para substituir uma colaboradora que se encontrava ausente por baixa médica; foi informada pela 2ª ré em 31-1-2011 que a trabalhadora D...(que estava a ser substituída pela autora) se iria reformar por invalidez, cessando o seu contrato com a 2ª ré a 31-1-2011, tendo-lhe dado indicação para dispensar a autora dado que a motivação que justificou a sua contratação  deixava de ser válida a partir de 31-1-2011, data da cessação do contrato de trabalho da trabalhadora D...com a 2ª ré; pelo que, em 2-2-2011, por escrito, comunicou à autora a cessação por caducidade do CTT a termo incerto, cumprindo pré-aviso legal de 30 dias; no seguimento da cessação do CTT a termo incerto, a 1ª ré pagou à autora a respectiva compensação por caducidade. Sustentou que os montantes pagos a título de compensação pela caducidade do contrato deverão ser considerados e, como tal, descontados em eventual condenação.

Por sua vez, a 2ª ré contestou, alegando, em suma, que: o fundamento para a celebração do contrato era verdadeiro e a autora esteve efectivamente a substituir a trabalhadora D... durante todo o tempo que durou o contrato de utilização de trabalho temporário; esta, em Janeiro de 2011, entregou-lhe um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença e de acordo com tal certificado, a trabalhadora estava incapacitada para a sua actividade profissional por motivo de doença entre 10-1-2011 e 8-2-2011; é falso que a trabalhadora D... se tenha aposentado por limite de idade no dia 31-12-2010; no dia 18-1-2011, recebeu uma carta da segurança social informando que à trabalhadora D... havia sido deferida a pensão de invalidez com data de início em 20-12-2010; contudo, tal comunicação não determinou, por si, a cessação do contrato de trabalho celebrado entre a trabalhadora D... e a ré; esta trabalhadora deslocou-se às instalações da ré em 26-1-2011 e, nessa ocasião, pediu para reunir com o Director de Recursos Humanos da ré; na reunião que mantiveram, informou a ré que, em virtude do deferimento da sua pensão de invalidez, não pretendia mais continuar ao serviço da ré; não se opôs à intenção manifestada pela trabalhadora D... e acordaram que o seu contrato cessaria com efeitos a partir de 31-1-2011, sendo que, nessa data, seriam processados os créditos da trabalhadora emergentes da cessação do respectivo contrato; em 31-1-2011 foram processados os créditos da trabalhadora D...; assim, em 31-1-2011, informou a 1ª ré que não contaria mais com a autora, devendo consequentemente pôr-se termo ao contrato de utilização; o contrato de utilização de trabalho temporário cessou em 4-3-2011; em consequência, a autora foi informada, em 2-2-2011 da caducidade do seu contrato de trabalho temporário, com efeitos a partir de 4-3-2011 e deixou de comparecer nas instalações da ré a partir de 21-2-2011; não existiu qualquer actuação desconforme com a lei.

Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos.

A autora apresentou ainda resposta.

Prosseguindo o processo os seus termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.

É desta decisão que, inconformada, a autora veio apelar.

Alegando, concluiu:

[…]

As rés apresentaram contra-alegações a este recurso, defendendo que o mesmo deve improceder.

Pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto pela improcedência da apelação.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto                 

Da decisão sobre a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[...]


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2. De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se ocorreu conversão do contrato de trabalho temporário, com a autora, em contrato de trabalho por tempo indeterminado com o respectivo utilizador;

- se a comunicação da 1ª ré endereçada à autora por carta datada de 2 de Fevereiro de 2011 comunicando-lhe a denúncia do contrato de trabalho consubstancia um despedimento ilícito.

Vejamos:

Nos termos do disposto no art. 175.º do Código do Trabalho de 2009, o contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização.

E o art. 175.º dispõe que o contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado, para além daquelas nele expressamente previstas, nas situações referidas nas alíneas a)  a g) do n.º 2 do artigo 140.º. Na alínea a) deste último artigo é identificada a situação de substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar.

Ambos os contratos em causa nos autos (temporário e de utilização), como resulta dos factos 3. e 4., estão justificados com base nesse fundamento legal, em concreto com base na “substituição directa ou indirecta do trabalhador D...ausente que se encontra temporariamente impedida de trabalhar por motivos de baixa médica”.

A licitude dessas contratações não está colocada em causa no recurso.

O que está em causa é saber, antes de mais, quando é que o motivo em que se fundamentou o contrato a termo incerto cessou.

Com efeito, tal cessação releva para efeitos do disposto no art. 178.º do Código do Trabalho.

O n.º 2 desse artigo indica que a duração do contrato de utilização de trabalho temporário não pode exceder a duração da causa justificativa.

E no n.º 3 estipula-se que no caso de o trabalhador continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização sem celebração de contrato que o fundamente, considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato sem termo.

Da mesma forma, o art. 182.º n.º 4 indica que o contrato de trabalho temporário a termo incerto dura pelo tempo necessário à satisfação de necessidade temporária do utilizador.

No caso dos autos, no recurso, suscita-se a questão de saber se o motivo da contratação a termo incerto cessou com a comunicação à 2.ª ré utilizadora, pelo Instituto da Segurança Social, IP, que à trabalhadora substituída fora deferido a pensão de invalidez com data de início em 20-12-2010.

Ou seja, trata-se de saber se o impedimento temporário da trabalhadora, com base no qual se contratou a termo incerto, cessou por se ter tornado em impedimento definitivo em resultado da cessação do contrato de trabalho que a mesma mantinha com a 2.ª ré.

Nos termos do disposto no art. 343.º al. c) do Código do Trabalho, o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador por invalidez.

Estando, pois, demonstrado que a trabalhadora substituída foi reformada por invalidez quando se deve considerar ter ocorrido a caducidade do contrato de trabalho?

A nosso ver, a caducidade do contrato de trabalho por reforma por invalidez opera na data em que ela é conhecida por ambas as partes contratuais ou, pelo menos, do empregador.

Na verdade, seguindo o entendimento de Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Janeiro de 2006, Almedina, páginas 527 a 530, ainda que pronunciando-se sobre o Código do Trabalho de 2003, mas sendo certo que as normas deste transitaram para o Código do Trabalho de 2009), consideramos que este tipo de caducidade (como cessação automática do vínculo, em consequência directa e inelutável da ocorrência de certas situações) não prescinde da intervenção de, pelo menos, uma informação ao empregador para que a causa de cessação do contrato possa operar. Tal como o mesmo indica, na origem da caducidade estará a decisão do trabalhador de requerer o acesso à pensão de reforma, mas ela só pode operar quando a reforma se tornar um facto bilateralmente conhecido, no âmbito de processo de reconhecimento e deferimento pelos serviços da Segurança Social, o qual só finda com a comunicação às partes interessadas.

No sentido deste nosso entendimento estão os Acórdãos da Relação de Lisboa de 2-11-2011 e de 06-02-2013 (in www.dgsi.pt, proc. 541/10.1TTBRR.L1-4 e  648/11.8TTFUN.L1-4, respectivamente), bem como o Ac. do STJ de 30-4-1997 (in CJ/STJ, t. II/1997).

Importa referir que o disposto no art. 348.º do Código do Trabalho que prevê a possibilidade de conversão de contrato de trabalho sem termo em contrato a termo, em caso de reforma por velhice, possibilitando portanto o prolongamento do contrato de trabalho, é inaplicável às situações de reforma por invalidez, uma vez que a norma não prevê na sua estipulação este tipo de reforma (por invalidez). Tratando-se de norma excepcional, não é consentida a sua aplicação por analogia, nos termos do disposto no art. 11.º do Código Civil, e não há motivos para operar uma interpretação extensiva, atenta a clara diferença entre um e outro tipo de reforma. Com efeito, se o legislador não quisesse verdadeiramente distinguir, nos efeitos, a caducidade motivada por ambos os tipos de reforma (invalidez e velhice), bastaria aludir genericamente à “reforma” sem identificar os dois distintos tipos. Se operou a distinção e no referido art. 348.º não incluiu a reforma por invalidez, tal significa que não pretendeu estender a esta os efeitos e consequências ali previstos.

Dito isto, aplicando o critério enunciado, é de entender que o contrato de trabalho entre a trabalhadora substituída pela autora e a 2.º ré cessou ope legis, por caducidade, na data em que foi comunicada a esta a atribuição da pensão por invalidez, ou seja em 18-01-2011 (v. facto 6.).

A este entendimento não obsta a circunstância de estar provado (factos 12., 13., 14. e 15.) que, depois dessa data, a mesma trabalhadora D... reuniu com o Director de Recursos Humanos da 2.ª ré, informou que, em virtude do deferimento da sua pensão de invalidez, não pretendia mais continuar ao serviço dessa ré, que esta não se opôs a essa intenção e acordaram que o contrato cessaria com efeitos a partir de 31-1-2011.

Diga-se que a apelante entende que esses factos não podiam ter sido considerados como provados. Mas a sua posição não se prende com impugnação da decisão sobre a matéria de facto baseada nos elementos de prova produzidos, mas antes com a consideração que, estando extinto o contrato por caducidade, não podia ter-se considerado provado o acordo em questão. Esta é, contudo, uma questão de apreciação jurídica. O acordo em si pertence ao mundo dos factos e nada obsta à sua constatação em face da prova produzida. Situação diversa é saber qual o efeito desse mesmo acordo.

Ora, entendemos que, tendo caducado o contrato, nada obstava a que aquela trabalhadora e a 2.ª ré tivessem celebrado outro contrato de trabalho, já que ao abrigo da liberdade contratual disso não estavam impedidas (a eventual proibição de cumulação de rendimentos de trabalho com a pensão é matéria que se liga à relação da trabalhadora com a Segurança Social e não à relação com empregador daquela).

O que sucede é que não se provou que ambas tivessem celebrado novo contrato ou sequer que a trabalhadora tenha prestado serviço efectivo para além de 18-1-2011, data da caducidade do contrato.

O que se provou é apenas que ambas acordaram diferir o momento da cessação do contrato para 31-01-2011.

Mas esse acordo não tem, a nosso ver, quaisquer consequências na “vida” do contrato de trabalho. Com efeito, este viu a sua extinção ope legis no dia 18-01-2011. Se assim foi, a automaticidade da caducidade não permite que, por acordo, as partes contratantes a desconsiderem e fixem um outro momento para a extinção.

Aqui chegados, verificamos que a 1.º ré (empresa de trabalho temporário) apenas em 31-1-2011 informou a 2.ª ré (a utilizadora) que a trabalhadora que estava a ser substituída pela autora se iria reformar por invalidez e lhe deu indicação para dispensar a autora dado que a motivação que justificou a sua contratação deixava de ser válida a partir de 31-1-2011, cessando o contrato de utilização de trabalho temporário por caducidade (factos 30. a 33.). Provando-se ainda que, por carta datada de 2-2-2011, a 1.ª ré comunicou à autora a cessação por caducidade do contrato de trabalho temporário, com efeitos a partir do dia 4-3-2011 (facto 8.).

Já dissemos que, conforme o n.º 4 do art. 178.º do Código do Trabalho, no caso de o trabalhador temporário continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização sem celebração de contrato que o fundamente, considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato sem termo.

Também já dissemos que, quer o contrato de utilização, quer o contrato de trabalho temporário, não podiam, por imperativo legal, durar para além da duração da causa justificativa (arts. 178.º n.º 2 e 182.º n.º 4 do Código do Trabalho). Tratam-se de normas legais imperativa, cuja violação determina a nulidade dos actos que visem prolongar os contratos.

Daí que ambos tenham cessado ope legis em 18-01-2011.

Não tem sentido, assim, defender-se que o contrato de utilização cessou em 4-3-2011, devendo considerar-se não escrito o “facto” provado 18., nos termos do disposto no art. 646.º n.º 4 do CPCivil, uma vez que versa claramente sobre uma questão de direito.

Cessando o contrato na data indicada, a 1.ª ré teria, não já de dar o aviso prévio indicado no art. 345.º n.º 1 ex vi art. 182.º n.º 6 (ambos do Código do Trabalho), mas apenas de pagar a retribuição correspondente ao aviso prévio em falta, nos termos do n.º3 daquele art. 345.º.

É, pois e a nosso ver, inequívoco que cessando, como cessou, a justificação do contrato de utilização, não se provando a celebração de outro contrato que legitimasse a “utilização” e mantendo-se a autora ao serviço da utilizadora para além de dez dias sobre a data daquela cessação (pelo menos de 18-01-2011 a 31-11-2011), então a autora passou a trabalhar para a utilizadora com base em contrato sem termo (neste sentido v., entre outros, o Ac. do STJ de 12-09-2007, in www.dgsi.pt, proc. 07S1149).

E, assim, decidido que estava vinculada à 2.ª ré (utilizadora) e estando provado que esta em 31-1-2011 informou a 1.ª ré que não contaria mais com a autora é óbvio que tal comunicação se traduz num despedimento ilícito, decorrendo tal ilicitude de não estar provado que o tivesse decretado com justa causa apurada em processo disciplinar (artigo 381.º do Código do Trabalho).

Com efeito, se o contrato era já um contrato sem termo com a utilizadora, foi o comportamento declarativo por esta produzido que lhe colocou um fim.

E, assim sendo, a ilicitude do despedimento confere à autora, como pede, o direito a ser reintegrada no mesmo estabelecimento em que desempenhava funções, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a receber as retribuições que deixou de auferir desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão deste tribunal (artigos 389.º, n.º 1, alínea b) e 390.º, n.ºs 1 e 2, do C.T.), com dedução ainda do subsídio de desemprego eventualmente auferido pela autora desde o despedimento até ao mesmo trânsito em julgado.

A procedência destes pedidos determina apenas a condenação da 2.ª ré, a responsável pelo despedimento ilícito.

A autora apelante pediu também a condenação desta ré em indemnização por danos não patrimoniais. Contudo, dos factos provados não se retira que tenha sofrido danos desta natureza.

Nesse caso, não há lugar à atribuição da indemnização pedida.

Concluindo, a apelação procederá parcialmente.


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Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):

- A caducidade do contrato de trabalho determinada por reforma por invalidez opera na data em que ela é conhecida por ambas as partes contratantes ou, pelo menos, do empregador;

- O disposto no art. 348.º do Código do Trabalho, que prevê a possibilidade de conversão em contrato de trabalho sem termo em contrato a termo em caso de reforma por velhice, possibilitando portanto o prolongamento do contrato de trabalho, é inaplicável às situações de reforma por invalidez;

- Quer o contrato de utilização, quer o contrato de trabalho temporário, não podem, por imperativo legal, durar para além da duração da causa justificativa;

- No caso de o trabalhador temporário continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização, por extinção da causa justificativa, sem nova celebração de contrato que o fundamente, considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato sem termo:

- No caso em que assim suceda e se o mesmo utilizador, agora empregador, fizer cessar o contrato, tal configura um despedimento ilícito.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, alterar a sentença recorrida, declarando que a autora foi despedida ilicitamente pela ré C..., Lda e condenando esta a:

- reintegrar a autora no mesmo estabelecimento onde desempenhava funções, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

- a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da decisão deste tribunal, com dedução ainda do subsídio de desemprego eventualmente auferido pela autora desde o despedimento até ao mesmo trânsito em julgado, subsídio a entregar pela mesma ré à segurança social;

- pagar-lhe as quantias que assim se vierem a apurar acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação em relação às quantias vencidas a essa data e, a partir daí, desde as datas do vencimento das retribuições devidas, até integral pagamento.

Mais se decide absolver a 1.ª ré dos pedidos e a 2.ª ré do demais pedido pela autora.
Custas na acção e no recurso pela 2ª ré e pela autora: 90% por esta e 10% pela autora.


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   Azevedo Mendes (Relator)

Felizardo Paiva

Jorge Loureiro