Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3819/04.0TBLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ALIMENTOS
MENORES
FUNDO DE GARANTIA
ALTERAÇÃO
PENSÃO
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA 1º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 75/98 DE 19/11, DL Nº 164/99 DE 13/5, ARTS.1878, 2009 CC
Sumário: 1.- A prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), prevista no artigo 1.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro (Garantia de Alimentos Devidos a Menores), não pode ser superior à prestação colocada a cargo do devedor de alimentos.

2.- Se a prestação a pagar pelo FGADM pudesse ser superior à prestação do devedor, então a lei devia prever a hipótese, mas não prevê, que, tendo o devedor retomando o pagamento da prestação de alimentos, se porventura esta prestação fosse inferior à que vinha sendo paga pelo FGADM, esta entidade continuaria vinculada a pagar alimentos ao menor, agora no montante equivalente à diferença entre a prestação que o FGADM estava a pagar e aquela que o devedor recomeçou a pagar, ao invés de prever simplesmente, nesta hipótese, a cessação da obrigação a cargo do FGADM.

Decisão Texto Integral: Recorrente……Ministério Público em representação do menor F (…), nascido em 06 de Março de 2002, melhor identificado nos autos.

Recorrido……….Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.


*

I. Relatório. a) O presente recurso respeita a um pedido de aumento da prestação de alimentos devidos ao menor F (…) que se encontra presentemente a ser paga pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (doravante designado apenas por Fundo) em substituição do pai do menor, nos termos previstos no artigo 1.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro (Garantia de Alimentos Devidos a Menores).

O Ministério Público requereu o aumento da prestação mensal de €125,00 euros para €170,00 euros mensais, argumentando que a prestação foi fixada em Abril de 2005 e se encontra desactualizada devido ao crescimento do menor e consequente aumento do rol das suas necessidades de subsistência.

Este pedido foi rejeitado pelo tribunal com fundamento no facto da lei não permitir tal aumento.

Argumentou-se que a prestação a pagar pelo Fundo não pode exceder a prestação de alimentos que vincula a pessoa obrigada a prestá-los, no caso, o pai do menor.

b) O Ministério Público discorda desta decisão e pretende a sua revogação através do presente recurso.

Formulou estas conclusões:

«1. O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegura as condições de subsistência alimentícias, imediatas, do menor quando a pessoa judicialmente obrigada não possa prestá-las e o menor ou seu agregado não disponham de rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nos termos do disposto do disposto no Decreto-Lei n.º 164/99 e na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro,

2. A prestação fixada ao abrigo dos mencionados diplomas legais é independente ou autónoma da anteriormente fixada ao devedor dos alimentos,

3. Pois, o apuramento do montante a pagar pelo FGADM tem em conta não só o valor fixado ao devedor de alimentos, como também as condições sociais e económicas actuais do menor e do seu agregado familiar, nos termos do disposto nos artigos 2.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio;

4. Assim, o valor da prestação a cargo do referido Fundo não tem de coincidir (por excesso ou por defeito) com a prestação fixada ao devedor, quando aquela prestação se revelar manifestamente desadequada às necessidades do menor;

5. Sempre que isso ocorrer deve a prestação alimentar, a cargo do FGADM, ser actualizada, independentemente do apuramento das condições sociais e económicas do devedor de alimentos (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 08-09-2011, disponível em www.dgsi.pt);

6. A prestação de 125,00€ (cento e vinte e cinco euros), fixada judicialmente em 11 de Abril de 2005, é manifestamente insuficiente - tendo em atenção as necessidades crescentes do menor, ao longo destes sete anos, e à situação de desemprego que a progenitora vive, desde 2008, para fazer face à satisfação das suas necessidades básicas;

7. É manifestamente impossível assegurar a satisfação das necessidades básicas de do Francisco Batista, actualmente com 10 anos de idade, com quantia inferior a 170,00€ (cento e setenta euros) e

8. Ao manter a prestação de alimentos nos €125,00 (cento e vinte e cinco euros), a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 69.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, 186.º, n.º 1 e 150.º, da Organização Tutelar de Menores, 3.º, da Convenção dos Direitos da Criança de Nova Iorque, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, o 2 n.º 2 da lei 75/98 de 19 de Novembro, 3 n.º 3 e 4 n.º 5 do Decreto-Lei n.º 164/99 de 13 de Maio.

Pelo exposto, a sentença do tribunal "a quo" deve ser revogada e substituída por outra e, em consequência, deve ser fixada a pensão de alimentos, pelo menos, no valor de €170,00 (cento e setenta euros), a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, desde a data do mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal ad quem».

c) O Fundo contra-alegou defendendo a manutenção da sentença com base nas seguintes razões:

«1. Para que sejam atribuídas as prestações de alimentos nos termos dos artºs 1º e 2º da Lei 5/98 de 19/11, é necessário que se verifiquem vários requisitos cumulativos.

2. Mesmo que assim se não entendesse, o que só por mera hipótese se admite, o FGADM não poderá ser condenado a pagar uma prestação de valor superior à fixada aos devedores originários.

3. A saber, a obrigação do Fundo é a de assegurar/garantir os alimentos devidos a menores e não o de substituir a obrigação alimentícia que recai sobre o obrigado a alimentos.

4. Ora, a obrigação legal de prestar alimentos é diferente da obrigação judicial de os prestar, sendo que só existe obrigado judicial desde que o tribunal o defina como devedor de alimentos, isto é o condene em determinada e quantificada prestação alimentar.

5. Sendo indubitável que a letra da lei aponta no sentido de que o FGADM apenas garante o pagamento dos alimentos judicialmente fixados.

6. O que efectivamente sucedeu, uma vez ter sido fixada como pensão de alimentos devidos ao menor da causa a serem pagos pelo progenitor no valor de 125,00 (cento e vinte cinco euros), que em situação de devedor faltoso e preenchidos os requisitos exigidos por Lei se encontra a ser tal prestação satisfeita pelo FGADM.

7. Como refere o douto Acórdão da Relação de Évora – Proc. 638/02-3ª Secção de 27-05-02, “os alimentos a pagar pelo Estado têm a natureza de uma nova prestação social, com características peculiares, ao nível dos respectivos pressupostos de exigibilidade, de início de cumprimento, de fixação do respectivo valor e da sua manutenção, no duplo aspecto do seu carácter intrinsecamente transitório e de dever ser feita prova periódica de verificação dos mesmos pressupostos”.

8. A responsabilidade do FGADM é, assim, residual, uma vez que a satisfação do pagamento das prestações alimentícias incumbe em primeira mão aos pais e só quando tal é inviável é que intervém o Estado, assumindo tal pagamento e desde que preenchidos os requisitos cumulativos exigidos por Lei.

9. Ora, a prestação a satisfazer pelo FGADM, atenderá ao regime geral aplicável à generalidade das acções, começa a vencer-se após o trânsito em julgado da decisão judicial que fixa o seu montante.

10. No caso em apreço fixado inequivocamente em €125,00 (cento e vinte cinco euros).

11. Admitir o contrário, face ao que anteriormente foi referido, seria iludir o espírito da Lei, abrindo a porta à desresponsabilização dos obrigados a prestar alimentos, por saberem, a priori, que o Estado supriria as suas faltas.

12. O Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação e pelo valor fixado para esta.

13. Esta prestação é autónoma relativamente à do obrigado a alimentos, e, para a sua fixação, é necessária a verificação do incumprimento e da impossibilidade da sua satisfação por este último.

14. É que o FGADM não garante o pagamento da prestação de alimentos não satisfeita pela pessoa judicialmente obrigada a prestá-los, antes assegurando, face à verificação cumulativa de vários requisitos, o pagamento de uma prestação de um montante por regra equivalente.

15. O momento da verificação da impossibilidade de o progenitor satisfazer a obrigação a que estava vinculado é, assim, o da decisão judicial que julgue procedente o incidente de fixação da obrigação do Estado em substituição do devedor originário.

16. O legislador não sentiu necessidade de as incluir na garantia prestada. Pelas mesmas razões, que não sentiu necessidade de garantir a totalidade da prestação a que o requerido está obrigado. A diferença – se houver – entre a prestação a cargo do requerido e o valor da prestação a cargo do FGADM também terá de continuar a ser exigida do primeiro.

17. Temos, necessariamente, de concluir que a entidade subrogada, quando procede ao pagamento da prestação de alimentos, o faz no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia, e, assim sendo, o Fundo deve substituir-se ao devedor originário apenas desde a notificação da decisão que determina a sub-rogação.

18. No tocante ao valor da prestação fixada ao FGADM poder ser superior ao da prestação fixada ao devedor originário, jurisprudência dominante existe no sentido em que o montante da prestação de alimentos a cargo do FGADM está limitado pela fixada ao progenitor dos menores.

19. Com efeito, a intervenção do FGADM reveste natureza subsidiária, visto que é a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada, que a legitima.

20. O Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação.

21. Trata-se de uma prestação social reembolsável, pois que, substituindo-se o Estado ao obrigado no cumprimento, a obrigação alimentar não se extingue na medida do que o Estado pagou, pelo contrário ocorre a sub-rogação do “solvens” ao menor credor.

22. Depois de pagar, o FGADM fica sub-rogado em todos os direitos do menor credor dos alimentos (artºs 6º, nº 3 da Lei 75/98 e 5º, nº 1 do DL 164/99), sendo-lhe, pois, lícito exigir do devedor de alimentos uma prestação igual ou equivalente àquela com que tiver sido satisfeito o interesse do menor (credor), incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas.

23. Tal significa que o FGADM é apenas um substituto do devedor dos alimentos, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada para o mesmo.

24. A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.

25. Não pode o terceiro, satisfazendo o credor, aumentar o montante do crédito contra o devedor.

26. Se o terceiro pagou mais do que era devido pelo devedor, no excesso não opera a sub-rogação e portanto o direito ao reembolso.

27. Acresce ainda que, se a prestação social pudesse ser fixada em valor superior não se justificaria racionalmente que a lei a fizesse depender do incumprimento pelo obrigado, antes deveria depender apenas das necessidades actuais do menor.

28. Pelo que, aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e ainda por cima sem que o credor a tenha de restituir como “indevida” no sentido do artº 10 do Decreto-lei 164/99.

29. Não tem, pois, qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada inicialmente ao progenitor pai que ficou obrigado a pagar € 125,00 (cento e vinte cinco euros) logo o FGADM obrigado a pagar essa mesma prestação em substituição do progenitor em incumprimento.

30. Sendo que, na posse dos elementos de prova, o Mm. Juiz que fixe os alimentos devidos atendendo aos índices plasmados nos termos da lei, alimentos que podem ser superiores ou inferiores aos inicialmente fixados, impõe-se, apenas, o tecto de 4 unidades de conta por devedor.

31. Ora, Tribunal “A Quo” em 03/05/2010 ponderou, aquando da fixação do valor correspondente à pensão de alimentos sobre a capacidade económica do agregado familiar da pessoa a cuja guarda o menor se encontra, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.

32. No caso em apreço, as razões que determinaram a fixação do valor da prestação de alimentos encontram-se claramente plasmadas na douta sentença recorrida, a qual determina inequivocamente as necessidades do menor.

33. Não tem, por isso, qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada inicialmente ao progenitor pai que ficou obrigado a pagar € 125,00 (cento e vinte cinco euros) logo o FGADM obrigado a pagar essa mesma prestação em substituição do progenitor em incumprimento.

34. Pelo que e com o devido respeito que possa merecer, não se entende o pedido formulado em sede de recurso, onde se requer uma revogação e substituição com consequente alteração à prestação de alimentos sobre a responsabilidade do FGADM, diferente da fixada ao progenitor pai e sem se fazer sequer menção ao mesmo.

35. Sendo que, se aquela for revogada e substituída, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável ao progenitor pai passando a ser uma obrigação única e exclusiva do FGADM, o que de todo se demonstra impossível pelas razões supra descritas.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Tão Doutamente suprirão requer que seja negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a douta decisão do Tribunal “A Quo” recorrida, nos termos legais e jurisprudenciais supra mencionados…».

II. Objecto do recurso. Como resulta do exposto, a questão que se coloca neste recurso consiste em saber se o tribunal pode aumentar a prestação de alimentos que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores está a pagar em substituição do pai do menor (sujeito obrigado a pagar a prestação de alimentos), sem que haja decisão judicial a aumentar, para valor igual ou superior, a prestação de alimentos do pai do menor.

III. Fundamentação.

a) Matéria de facto provada.

1. Encontra-se fixada judicialmente, desde 11 de Abril de 2005, uma prestação de alimentos no valor de 125,00€ (cento e vinte e cinco euros) mensais a favor do menor F (…), nascido em 06 de Março de 2002, e a cargo do seu pai.

2. Presentemente esta prestação está a ser paga pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores ao abrigo do disposto na Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro.

b) Apreciação da questão objecto do recurso.

1. Argumentos e objecções a favor da tese do Ministério Público.

a) É obrigação social do Estado, no que respeita às crianças, como prevê o n.º 1 do artigo 69.º da CRP, protegê-las com «vista ao seu desenvolvimento integral», o que implica facultar-lhe meios de subsistência quando estas não os possam obter dos progenitores ou outras familiares.

Objectar-se-á que muito embora no n.º 3 do artigo 63.º da Constituição da República venha previsto que «O sistema de segurança social protege os cidadãos … e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência…» e no n.º 1 do seu artigo 69.º se proclame que «As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista  ao seu desenvolvimento integral…», porém, não existe uma obrigação do Estado garantir alimentos aos menores a que corresponda um direito subjectivo simétrico na esfera jurídica de cada menor, no sentido de exigir os alimentos ao Estado, ou seja, não existe a possibilidade legal de um menor demandar o Estado exigindo-lhe o pagamento de uma verba a título de alimentos, consoante as suas necessidades.

Neste campo, os obrigados a prestar os alimentos aos menores são os progenitores e outros familiares, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 1878.º e 2009.º, ambos do Código Civil.

O Estado só intervém subsidiariamente ([1]), através do sistema da segurança social quando a família não presta alimentos aos menores.

Assim, a Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 32/2002 de 20 de Dezembro) dispõe, no seu artigo 36.º (Apoio à maternidade), que «A lei define as condições de apoio à maternidade podendo prever e regulamentar mecanismos de bonificação das pensões das mulheres em função do número de filhos» e no artigo 37.º (Assistência a filhos menores) diz que «A lei assegura a formação dos direitos de atribuição das pensões referentes as eventualidades previstas nas alíneas d) a g) do n.º 1 do artigo 29.º [trata-se de casos de acidentes de trabalho e doenças profissionais, invalidez, velhice e morte], tendo em vista uma justa e harmoniosa conciliação entre as responsabilidades familiares, educativas e profissionais dos beneficiários.

Trata-se porém, de uma protecção secundária de apoio à família.

As prestações asseguradas pelo Estado no âmbito da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro inserem-se nesta linha de protecção subsidiária de ajuda à família na qual o menor se encontra integrado.

Esta subsidiariedade resulta do teor do artigo 1.º desta lei quando diz que o Estado assegura as prestações previstas na mesma lei quando se dê o caso da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor não satisfaça as quantias legalmente fixadas.

O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, diploma que regula a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, veicula a mesma ideia, isto é, que o Fundo assegura «…o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da obrigação pelo respectivo devedor…».

Ora, quanto a este primeiro argumento poderá contrapor-se que desta orientação legal resulta apenas que a prestação a cargo do Fundo não pode ser superior à prestação fixada judicialmente ao devedor dos alimentos.

b) O menor está em fase de crescimento e à medida que vai crescendo a satisfação das suas necessidades vai implicando um soma mais elevada de dinheiro para as satisfazer.

Por conseguinte, a prestação de alimentos que lhe é devida deve corresponder à medida das suas necessidades actuais, devendo ser o Fundo a pagar o aumento da prestação correspondente ao aumento das necessidades do menor porque é a entidade que presentemente está a satisfazer a prestação, devido ao facto de não poder ser obtida à custas do progenitor obrigado a prestá-la.

A este argumento objecta-se que o mesmo nada prova, pois pressupõe resolvida a questão que aqui se analisa, isto é, pressupõe que o Fundo deva assegurar os alimentos ao menor de acordo com as necessidades deste, mas é precisamente esta a questão que cumpre solucionar.

c) O legislador não disse que o montante a pagar pelo Fundo não podia ser superior ao montante fixado para a prestação de alimentos devida pelo progenitor e podia tê-lo dito, de forma clara e expressa, nas normas que compõem o regime jurídico do Fundo.

Designadamente no artigo 2.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, acerca da «Fixação e montante das prestações», que é deste teor:

«1 - As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, men­salmente, por cada devedor, o montante de 4 UC.

2 - Para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade eco­nómica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor».

No n.º 1, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, prevê-se que «A decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo é precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público».

Ora, a realização de diligências de prova e inquérito acerca das necessidades do menor parece só se justificar na hipótese da prestação poder ser mais elevada que a fixada ao devedor dos alimentos.

Em qualquer dos casos, é patente que o legislador não estabeleceu como limite da prestação a pagar pelo Fundo, o montante da prestação fixado ao devedor dos alimentos ([2]).

Não havendo norma a limitar a prestação de alimentos, então a prestação a cargo do Fundo pode ser mais elevada que a prestação fixada ao devedor dos alimentos.

Relativamente a esta argumentação pode objectar-se que esta justificação para as mencionadas diligências também é compatível com a hipótese de se dever fixar uma prestação mais baixa em relação àquela que foi fixada ao devedor dos alimentos.

Por outro lado, o facto do legislador não ter estabelecido expressamente que a prestação a cargo do Fundo pode ser mais elevada que a fixada ao devedor dos alimentos não permite concluir que admitiu essa possibilidade, pois se fosse esse o caso tinha-o dito para dissipar dúvidas.

Este argumento não é, pois, decisivo.

d) O aumento da prestação a cargo do Fundo, sem o correspondente aumento da prestação a cargo do obrigado é a única interpretação que permite superar a situação indesejável que a seguir se expõe:

A lei, no n.º 1 do artigo 2004.º do Código Civil, dispõe que «Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los».

Face a esta norma, um progenitor que esteja desempregado e não aufira quaisquer rendimentos, nem se perspective que os venha a adquirir, não poderá ser condenado a pagar quaisquer alimentos.

Pode conceber-se, ainda assim, que possa existir uma condenação com fundamento no facto do devedor de alimentos ter capacidade, potencialidade, para os angariar, mas afigura-se que esta hipótese não tem apoio na lei, a qual se refere claramente aos «meios daquele que houver de prestá-los» e estes meios hão-de ser efectivos e não meramente potenciais.

Naquelas circunstâncias, podem ocorrer estas duas situações:

Um progenitor está desempregado, não aufere quaisquer rendimentos, nem se perspectiva que os venha a adquirir, pelo que contesta a pretensão do pagamento de alimentos ao filho, no montante de €200,00 euros, ou outro inferior.

Dada a sua ausência de meios para prestar alimentos, não é condenado a prestar alimentos ao menor seu filho.

Neste caso, este menor não pode beneficiar de uma prestação de alimentos paga pelo Fundo.

Num outro caso, o progenitor está nas mesmas condições de desemprego; não aufere quaisquer rendimentos, nem se perspectiva que os venha a adquirir, mas acorda em tribunal pagar alimentos ao filho no montante de €200,00 euros, não os pagando, porém, por não ter meios.

Neste caso, o menor pode beneficiar de uma prestação paga pelo Fundo, inclusive no montante de €200,00 euros.

Ora, afigura-se que a situação referida na segunda hipótese não é mais merecedora de protecção que a primeira.

Aliás, a primeira hipótese afigura-se inclusive mais respeitadora da verdade, na medida em que o progenitor não assumiu uma obrigação que sabia não poder cumprir, podendo ocorrer, na segunda hipótese, que o progenitor apenas tenha concordado com o pagamento dos alimentos com o fim do Fundo vir a assumir o pagamento dos alimentos ao filho.

Objectar-se-á que este argumento apela apenas ao pragmatismo e baseia-se numa situação contrária à verdade, isto é, se o obrigado a prestar alimentos não tem meios para os prestar não deve acordar em prestá-los apenas para viabilizar a intervenção do Fundo.

Concluindo: os argumentos a favor da tese do recorrente não são convincentes.

2. Argumentos e objecções a favor da tese do Fundo.

a) Nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, a prestação a cargo do Fundo depende da existência de uma «…pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor…» que não pagou «…as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto -Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro».

Por conseguinte, ainda que um menor esteja carecido de alimentos, o Estado não lhe garante uma prestação de alimentos a não ser que tal prestação esteja já fixada judicialmente a cargo do devedor de alimentos e estejam verificados os requisitos previstos na indicada lei.

É este o sentido da lei e a razão de ser da sua existência na ordem jurídica.

Sendo assim, a obrigação do Fundo consiste apenas em assegurar que os menores receberão os alimentos fixados judicialmente a seu favor.

Enquanto interpretação meramente literal não se afigura susceptível de objecções.

b) A letra da lei (Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro e Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio) e o sentido das soluções legais que constam da mesma, indicam também que a prestação a cargo do Fundo não pode ser superior à prestação fixada judicialmente ao devedor dos alimentos.

Assim, na al. a), do n.º 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, determina-se que o Fundo assegurará o pagamento da prestação de alimentos quando, a «A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro».

Ora, as quantias em dívida aqui mencionadas só podem ser aquelas que estão fixadas judicialmente.

Poderá objectar-se que a lei se refere apenas à prestação de alimentos como categoria jurídica e não ao seu montante concreto, isto é, o Fundo assegurará a prestação de alimentos de que o menor está carecido a partir do momento em que haja incumprimento da prestação de alimentos fixada ao devedor e impossibilidade de cobrança coerciva.

c) Questão da sub-rogação.

No n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro determina-se que «O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso».

Face a esta norma pode argumentar-se, como o faz o recorrido, que a lei mostra que a prestação a cargo do Fundo não pode ser superior ao montante devido pelo devedor de alimentos porque o Fundo só fica sub-rogado nos direitos do menor relativamente aos alimentos fixados.

Com efeito, como referiu Antunes Varela, a sub-rogação consiste na «… substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento» ([3]).

A sub-rogação constitui, por isso, uma faceta do regime legal que corrobora a ideia de que a prestação do Fundo não pode ser superior àquela que é devida pelo obrigado.

Porém, dir-se-á, este argumento não é decisivo, pois poderá objectar-se que o instituto da sub-rogação não impede a fixação de quantia superior à prestação de alimentos devida pelo devedor, sucedendo apenas, como já atrás se referiu, que acima desta quantia não há sub-rogação do Fundo.

4. Pesando os argumentos a favor e contra que ficaram referidos, afigura-se que a prestação a cargo do Fundo não pode ser superior à prestação colocada a cargo do devedor de alimentos ([4]).

Com efeito, a lei existe para garantir que a prestação de alimentos fixada a favor do menor seja recebida por este, ainda que seja uma terceira entidade a pagá-la, substituindo o devedor.

É esta a finalidade.

A prova de que a finalidade é esta, retira-se desta simples constatação: se o devedor pagar a quantia de alimentos a que está obrigado, põe exemplo, os €125,00 euros do caso dos autos, a intervenção do Fundo nunca ocorre.

Sendo assim, não há justificação material para o Fundo suportar uma prestação de, por exemplo, €170,00 euros, que o menor nunca receberia se o obrigado a prestar os alimentos cumprisse a sua obrigação.

Resulta desta constatação que o Fundo apenas substitui o devedor no pagamento da obrigação concreta fixada judicialmente, não se tratando de uma substituição legal genérica, passando o Estado a assumir o papel de obrigado a alimentos.

Cumpre também observar que quando uma hipótese de solução é correcta, isto é, corresponde à realidade, neste caso à realidade jurídica, tal solução é coerente com quaisquer situações com que se confronte, mas se se tratar de uma solução inadequada revelar-se-á, face a determinados testes, incoerente.

Ora, o exemplo que a seguir se indica mostra que a solução sustentada pelo recorrente leva a um resultado incoerente.

Vejamos.

No artigo 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, na redacção em vigor à data da instauração da acção, referia-se o seguinte:

«Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação».

E, nos termos do n.º 1, do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, «Se o representante legal ou a pessoa a cuja guarda o menor se encontre receberem indevidamente prestações do Fundo, designadamente porque o devedor iniciou o cumprimento da obrigação de prestações de alimentos, deverão aqueles proceder de imediato à sua restituição».

Sendo assim, servindo de exemplo a hipótese factual colocada no recurso, seria deveras incoerente a verificação de uma situação como esta:

O Fundo estava a pagar ao menor uma prestação mensal de €170,00 euros, por ter havido um aumento da prestação a cargo do Fundo, que inicialmente era igual à do devedor, no montante de €125,00 euros, a qual em relação a este último não sofreu qualquer alteração.

Como o devedor iniciou o pagamento dos €125,00 euros, e a mais não estava obrigado, cessava a prestação do Fundo e o menor passava a receber apenas do devedor de alimentos os €125,00 euros e não os €170,00 euros que estava a receber do Fundo.

Pergunta-se, então:

Por que razão o obrigado a prestar alimentos não há-de pagar €170,00 euros?

Responder-se-á que tal não é possível porque o devedor só está obrigado por sentença a pagar €125,00 euros.

Mas, se é assim, na tese do recorrente, por que razão o Fundo não continua a pagar a diferença entre €125,00 euros e €170,00 euros, isto é, €45,00 euros, uma vez que o menor necessita desta quantia?

Responder-se-á que a lei impede esta solução, pois se o obrigado retoma o pagamento dos alimentos, cessa a obrigação do Fundo.

Mas, se é assim, como efectivamente é, então este impedimento no sentido do Fundo pagar aquela diferença, também mostra que o Fundo não deve pagar em caso algum quantia superior àquela que o obrigado está condenado a pagar.

É que, se a prestação a suportar pelo Fundo pudesse ser superior à prestação do devedor dos alimentos, então a lei devia prever a hipótese, mas não prevê, que, tendo o devedor retomando o pagamento da prestação de alimentos, se porventura esta prestação fosse inferior à que vinha sendo paga pelo Fundo, esta entidade continuaria vinculada a pagar alimentos ao menor, agora no montante equivalente à diferença entre a prestação que o Fundo estava a pagar e aquela que o devedor recomeçou a pagar, ao invés de prever simplesmente, nesta hipótese, a cessação da obrigação a cargo do Fundo.

Esta incoerência mostra, com clareza, espera-se, que a solução jurídica proposta pelo recorrente não está de acordo com o regime legal em questão.

Cumpre, por conseguinte, julgar o recurso improcedente.

III. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Sem custas.


*

Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )

 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura



[1] Como refere Remédio Marques, «…a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores reveste natureza subsidiária, visto que é seu pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no art. 189.º Da OTM» - Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «versus» o Dever de Assistência dos Pais Para com os Filhos (Em Especial Filhos Menores). Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pág. 222.

[2] A favor desta tese pode consultar-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-10-2001 (Hélder Roque) no processo n.º 1788/2001, com este sumário: «I - A prestação alimentar substitutiva, a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, tem em vista propiciar uma quantia, tendencialmente equivalente, à que foi fixada, originariamente, mas que pode ser superior ou inferior, pois representa, tão-só, um dos índices de que o julgador se pode servir, com o limite mensal, por cada devedor, independentemente do número de credores de alimentos beneficiários, ainda que de irmãos não germanos se trate, de quatro unidades de conta de custas.

II - A realização do inquérito sobre as necessidades do menor não constitui uma diligência instrutória, de natureza facultativa, da livre iniciativa do Tribunal mas antes uma actividade processual obrigatória, precedendo a prolação da decisão, que o Juiz, independentemente de requerimento, deve, sempre, ordenar», bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17-04-2008 (Sílvio Sousa), no processo 3137/07-2, cujo sumário é o seguinte: «I – A obrigação imposta ao FGADM, embora pressupondo o incumprimento da obrigação alimentícia por parte do progenitor, não visa substituir o devedor/progenitor nesse pagamento, mas sim assegurar os alimentos de que o menor precise, “tendo em vista o seu desenvolvimento integral”.

II - Ora, esta função de protecção do Estado “só é realizada se a prestação que vem pagar cumpra aquela finalidade (…), se adequada no seu valor para esse efeito, o que desde logo, pode implicar que deva ser superior ao valor dos alimentos fixados a cargo do devedor, por estes terem sido fixados, desde logo, de acordo com as suas possibilidades.

III – Nada obsta pois a que se fixe uma prestação superior à originariamente imposta ao progenitor faltoso, desde que não exceda o valor de 4 UC, por devedor - único limite legal imposto à prestação.
[3] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição, pág. 335/336. Coimbra: Almedina Editora, 1999.

[4] Neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-05-2004 (António Piçarra), no processo 70/04, «I – A intervenção do FGADM reveste natureza subsidiária, visto que é seu pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada.

II – Significa isto que o dito Fundo é apenas um substituto do devedor dos alimentos, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada para o dito (o montante da prestação de alimentos fixado ao devedor dos alimentos funciona como limite máximo para a prestação a cargo do FGADM)».