Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1585/18.0T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA GOMES MELO
Descritores: CONTRADITÓRIO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA GRAVE
Data do Acordão: 01/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 3.º, N.º 3, E 281.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário: I) O princípio do contraditório não impõe, necessariamente, a audição das partes antes da prolação da decisão que declara a deserção da instância.
II) Não a impõe em relação à parte notificada da certidão negativa de não citação do chamado, já depois de terem sido feitas várias tentativas de citação, que nada requereu durante mais de seis meses.
Decisão Texto Integral:







Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

A. veio interpor em 30.10.2018,  ação de declaração sob a forma de processo comum contra B..

O R. contestou.

Por despacho proferido em ata de tentativa de conciliação, em 21.02.2019, foi o A. convidado a aperfeiçoar a petição inicial, tendo apresentado nova petição inicial contra B. e ainda contra C., D. e E. .

Por despacho de 13.04.2019 (conclusão de 08.04.2019) foram considerados não escritos os nomes dos demais “Réus” identificados na petição inicial aperfeiçoada – à exceção do Réu B. e considerou-se que “a constituição ou reconhecimento de uma servidão predial implica uma relação entre diferentes titulares de direitos reais sobre diferentes prédios e o reconhecimento da existência de uma servidão de passagem deve ser feito em ação intentada contra o(s) titular(es) do prédio serviente e não o tendo sido - como parece ser o caso dos presentes -, deverá o Autor providenciar pela sanação da ilegitimidade passiva, chamando à ação os respetivos titulares que têm interesse igual ao do Réu através do incidente de intervenção de terceiros, o que se determina ao abrigo do disposto no artigo 6.º e 547.º, ambos do Código de Processo Civil”.

Após ter sido notificado do referido despacho, o A. apresentou uma terceira petição inicial, em 02.05.2019, onde suscitou o incidente de intervenção principal provocada de C. , D. e E. e formulou os seguintes pedidos:

 “Nestes termos e, nos mais de direito aplicáveis, e cujo suprimento se invoca, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, 

. Ser o  réu condenado a reconhecer que o Autor é dono e legitimo possuidor do prédio rústico, sito nas x..., freguesia de ..., concelho da ... composto de cultura arvense, vinha e olival, a confrontar de norte com F., nascente com caminho de servidão, sul com estrada e poente com caminho público, com a área de 2.575m2, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 626 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 1679, onde se encontra erigida uma construção a qual é casa de habitação do Autor;

 . Ser o réu condenado a reconhecer que em benefício deste seu prédio, tem o Autor direito de servidão de passagem a pé e, com veículos motorizados, sobre o prédio identificado no art. 1º desta petição, e sua habitação, anexo e garagem com a configuração e delimitação referenciada na planta em anexo;

. Deve ser declarado o direito de passagem do Autor naquela faixa de terreno de cerca de 2,5 – 3,00 metros de largura a partir de nascente e seguindo para poente num comprimento de cerca de 20 metros;

. Ser o réu condenado a desobstruir a entrada para a moradia do Autor, retirando as pedras que o mesmo colocou na entrada e junto à passagem, bem como a retirar as correntes do portão que se encontra à entrada da servidão de passagem, portão esse de todos, ou seja, do autor e do réu;

 .Ser o réu condenado a pagar uma indemnização pelos danos causados, indemnização que, não existindo, de momento, elementos de facto suficientes para a quantificação do dano, deverá ser relegada para liquidação em execução de sentença; e,   

.Ser, ainda, o réu condenado a abster-se de, por si ou por outrem, por qualquer forma ou modo, dificultar, impedir ou restringir o livre exercício do direito de passagem do Autor.

As chamadas D. e E. foram citadas e não se logrou obter a citação do chamado C. .

Em 02.11.2020 foi dado conhecimento ao A. da certidão negativa de citação do chamado que nada requereu.

Em 29.09.2021 foi proferido despacho,  declarando a instância deserta.

É deste despacho que o A. veio interpor o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu ato, em princípio delimitado pelo conteúdo do ato recorrido,

as questões a decidir são as seguintes:

. se antes da prolação da decisão a julgar extinta a instância por deserção, deveria ter sido proferido despacho  a ordenar a notificação do apelante para impulsionar os autos, sob cominação de, não o fazendo, ser declarada a extinção da instância por deserção; e,

. em caso negativo, se os autos se encontravam a aguardar impulso processual há mais de seis meses por negligência do apelante.

III – Fundamentação

Decorre da consulta do processo via citius a seguinte factualidade com relevância para o conhecimento do objeto do recurso:

.1. O A. suscitou o incidente de intervenção principal de C. , seu pai, assim como das suas irmãs D. e E. , requerendo a sua citação no Beco do w..., nº 3, z....

.2. Por despacho de 11.09.2019 (conclusão de 12.07.2019) foi admitido o incidente de intervenção e ordenada a citação dos chamados.

.3. A chamada D. foi citada na referida morada (aviso de receção junto em 17.10.2019).

.4. Em 22.10.2019, o R. B. , irmão do A., veio informar que o chamado C. sofria de  problemas mentais, estando a ser assistido no Hospital da ... sugerindo ao Tribunal que solicitasse à referida unidade hospitalar a recolha de informações sobre o estado de saúde do citando.

.5. A carta para citação do chamado C. foi devolvida em 24.10.2019, constando na documentação junta que o citando não atendeu.

.6. Em 25.10.2019, o A. foi notificado da não realização da citação do chamado C. .

.7. Por despacho de 19.11.2019 foi ordenado o cumprimento do artº 231º do CPC.

.8. Foi nomeado agente de execução para realizar a citação, nomeação que não foi aceite em virtude do A. litigar com apoio judiciário, do que foi dado conhecimento ao A. em 21.11.2019.

.9. Em 07.01.2020 foi emitido mandado para citação do chamado.

.10. Em 15.01.2020 foi lavrada certidão negativa de citação  do chamado C. e da chamada E. , tendo sido feito constar que não se encontrava ninguém no local indicado para a citação, na caixa de correio constavam dois nomes que não correspondiam aos dos chamados e os vizinhos informaram que os chamados ali não residiam, não sendo conhecidos na freguesia.

.11. Em 15.01.2020 foi notificada ao A. a certidão negativa.

.12. Em 16.01.2020, o A. veio informar desconhecer o atual paradeiro do chamado e requerer a citação da E. na Estrada de k ..., S/N- Quinta das x..., Caixa Postal n.º 4, y....

.13. Por despacho datado de 02.03.2020 (conclusão de 28.02) e a propósito da informação da secção de que o chamado não se encontrava citado, foi proferido o seguinte despacho: “Informação ora prestada: Após resposta à questão da representação do Autor em Juízo, notifique a Exma. Patrona do Autor para requerer o que tiver por conveniente, nesta parte, sem prejuízo do art 281.º, nº5, do CPC.

.14. Este despacho foi notificado em 04.03.2020.

.15. Por requerimento de 05.03.2020, o A. veio requerer a citação edital do chamado C. .

.16. Por despacho datado de 9.03.2020 (conclusão de 01.03) foi ordenada a notificação do A. para informar o número de identificação fiscal do chamado, uma vez que era seu pai, “por forma a proceder-se à pesquisa na base de dados de informação relevante sobre a sua morada. A impossibilidade da sua citação, conforme consta dos autos, não resulta da sua ausência em parte incerta”.

.17. Em 09.03.2020, o Réu B. veio aos autos informar que o chamado se encontrava a residir com a sua irmã D. , a qual habita no Beco do w..., nº 3, em z... e atento os problemas mentais de que sofre o chamado, requer que se seja dado cumprimento ao disposto no artº 234º do CPC.

.18. Em 23.04.2020 foi ordenado que os autos aguardassem a cessação das medidas decorrentes da Lei 1-A/2020 de 19.03 e alterações subsequentes.

.19.  Em 18.06.2020 foi proferido o seguinte despacho: “Renovo a 2ª parte do despacho de 19.03.2020, notifique o A. para o efeito ou para que informe o que tiver por conveniente, ficando os autos a aguardar o impulso processual”.

.20. Este despacho foi notificado ao A. em 19.06.2020.

.21. Em requerimento datado de 19.06.2020, o A. veio informar que, embora o chamado seja seu pai, não tem uma relação próxima com o mesmo, razão pela qual desconhece o seu número de identificação fiscal e requereu, na sequência do informado pelo R., em 9.03.2020, que se insistisse pela citação do chamado na morada onde foi citada a chamada D. -  Beco do w..., nº 3, z....

.22. Por despacho datado de 29.06.2020 (conclusão de 24.06), foi ordenado que a chamada D. e o R. viessem informar os autos da morada exata do chamado C. e informar se efetivamente o mesmo padece de problemas mentais, juntando, em caso afirmativo, documentos comprovativos.

.23. Por requerimento de 03.07.2020, o R. vem de novo informar que o chamado reside com a sua filha D. , no Beco do w..., 3, z... e que, na ocasião da citação por funcionário judicial, seriam proporcionados os documentos comprovativos do seu atual estado de incapacidade psíquica.

.24. Por despacho de 28.09.2020 (conclusão de 11.09), o Tribunal ordenou, de novo, a citação na referida morada.

.25. Foi remetida carta para citação que veio devolvida em 13.10.2020, com a indicação “não atendeu” e “não reclamada”.

.26. Em 21.10.2020 foi emitido mandado para citação por funcionário judicial.

.27. Em 30.10.2020 foi elaborada certidão negativa de citação do chamado com a menção de que “ali não reside nem nunca residiu o Sr. C. , reside um Sr. Chamado G. que trabalha no H. ”. Mais foi feito constar que a Junta de Freguesia de z... foi contactada e informou que o chamado não tem residência em z..., mais tendo referido que o chamado residirá numa quinta, em y..., desconhecendo o nome da quinta.

.28. Em 02.11.2020 foi dado conhecimento ao A. da certidão negativa, com cópia da certidão.

.29.  Em 29.09.2021 foi proferido o seguinte despacho (ora objeto de recurso):

“Referência 32626111 - Visto.  Nos presentes autos de ação de processo comum, atento o teor do documento com a referência supra aludida, do qual resulta ter sido o autor notificado em 2 de Novembro de 2020 da frustração da citação do chamado ali identificado, sem que nada tenha sido dito ou requerido pelo mesmo desde então,    encontrando-se o processo aguardar impulso processual desde então, nos termos do artigo 281º, nº 1 do C.P.C., julga-se deserta a instância, por o processo se encontrar, por negligência do autor dos presentes autos, há mais de seis meses, a aguardar impulso processual da mesma.  Notifique.  ... 29-9-2021”. 

 

Cumpre decidir:

Segundo o nº 1, do artº 281º, CPC: “considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

 O regime da Lei 41/2013, de 26/06, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, concedido à parte para impulsionar os autos, sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo esteja sem impulso processual da parte durante mais de seis meses sem passar pela interrupção da instância.

O novo regime é claramente mais intransigente relativamente à negligência das partes que o previsto anteriormente.

A deserção não decorre automaticamente do decurso do prazo de seis meses, tem de ser declarada pelo Tribunal,  salvo uma única exceção que se verifica nos processos de execução, nos termos do nº 5 do artº 281º do CPC.

A deserção de instância pressupõe um prévio juízo efetuado pelo julgador do comportamento das partes ou de uma delas e só deverá ser decretada se o tribunal se convencer que ocorre negligência da parte no não impulso dos autos.

Com este regime rigoroso (introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho) quis claramente o legislador, motivado pelo desígnio da celeridade e eficácia, romper com a maior permissividade do anterior, desanuviar a máquina judiciária dos processos que nela, antes se arrastavam injustificadamente e assim, melhorar o seu desempenho, motivando as partes a atuarem com mais prontidão e diligência na promoção do seu andamento.

A falta de impulso processual pressupõe, desde logo, que as partes (ou alguma delas) não praticaram, durante aquele período de tempo, ato processual que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo, isto é, na aceção de que sem ele o processo não poderia prosseguir os seus ulteriores trâmites legais.

A negligência pressupõe um juízo subjetivo de censura/culpa, no sentido de responsabilizar as partes (ou alguma delas), devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo. (cfr se defende no Ac do TRL de 15.06.2020, proc. 99/12.7TBAMM-B.C1).

Antes de entrarmos na indagação de saber se no caso se verificam ou não os referidos dois pressupostos legais da deserção da instância, importa primeiro decidir se antes da prolação da decisão se impunha ao tribunal a prévia notificação das partes para se pronunciarem.

Não se desconhece a existência de diversas decisões jurisprudenciais ao nível dos Tribunais da Relação, no sentido de que a  declaração de deserção da instância não pode ser automática, logo que decorridos os seis meses de paragem do processo, impondo-se previamente, à prolação do despacho, que o tribunal aprecie e valore o comportamento processual das partes, por forma a concluir se a referida paragem de processo, por falta de impulso processual, se ficou ou não a dever à negligência das mesmas, o que, num juízo prudencial, e também, em obediência ao dever de observância do princípio do contraditório plasmado no artº. 3º, nº. 3, do CPC, impõe ao tribunal que, previamente, ouça as partes a esse respeito. (Vide, neste sentido, entre outros, os Acordãos do TRC de  27/06/2017, proc. 522/05.7TBAGN.C1, de 29/09/2016, proc. 3690/14.3T8CBR.C1, de 06/07/2016, proc.132/11.0TBLSA.C1, de 14/06/2016, proc. 4386/14.1T8CBR.C1, de 07/06/2016, proc. 302/15.6TBLSA.C1, de 18/05/2016, proc. 127/12.6TBVL.C1 e de 07/01/2015, proc. 366/12.6TBVIS.C1 e também  Acs. da RL de 09/07/2015, proc. 3224/11.1TBPDL.L, e de 16/06/2015, proc. 1404/10.6TBPDL.L1-L; Ac. da RP de 14/03/2016, proc. 317/06.0TBLSD.P1, e Ac. da RG de 06/2016, proc. 1128/08.4TBBGC-B.G1, todos citados no Ac. do TRC de 15.06.2020, proc. 99/12.7TBAMM-B.C1, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham ainda a ser citados sem indicação da fonte).

            No entanto, ao nível do nosso mais alto Tribunal são conhecidas decisões, onde não é posta em causa a necessidade de avaliar o comportamento da parte que não promoveu o andamento dos autos, mas onde é defendido  que a lei não impõe qualquer audição prévia das partes antes da prolação da decisão de deserção.  Nesse sentido, v.g. o recente Ac. do STJ de  20.04.2021, proferido no proc. 27911/18.4T8LSB.L1.S1, o Ac. de 8.03.2018, proc. 225/15.4T8VNG.P1 e o de 22.02.2018, proc. 473/14.4T8CR.L1.S1.

No acórdão de 20.04.2021, proferido num caso em que a instância se encontrava suspensa, encontrando-se os autos a aguardar a habilitação de herdeiros,  consignou-se que “no que respeita à audição antes de ser proferida a decisão a julgar extinta a instância por deserção, não se encontra qualquer disposição legal que determina essa audição, nem a mesma decorre do princípio do contraditório ou do princípio da cooperação e do dever de gestão processual. Ora, quanto ao disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, como se refere no Acórdão do STJ, de 14 de dezembro de 2016, “o princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal, no âmbito de um incidente inominado que não está previsto na lei, convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram” (in www.dgsi.pt), nem, por outro lado, a decisão pode configurar uma decisão surpresa, porquanto desde o momento em que tem conhecimento do despacho que determinou a suspensão da instância as partes sabem que, se ocorrer a sua inércia durante 6 meses, a instância será extinta por deserção, não podendo ficar surpreendidos com uma tal decisão do Tribunal.”

Concordamos com este entendimento, pelo que não se impunha,  antes de ser proferida decisão de deserção, a notificação das partes para se pronunciarem. O artº 281º do CPC não o impõe, nem tal audição resulta de outro preceito legal, nomeadamente do artº 3º, nº 3 do CPC.  O apelante tomou conhecimento de que não se tinha conseguido citar o chamado e nenhuma posição ativa desenvolveu.

Vejamos, seguidamente, se os autos revelam a verificação de um comportamento negligente por parte do apelante.

Manifesta o apelante inconformismo perante a decisão do Tribunal que face ao requerimento do R. de 9.03.2020,  informando que o chamado se encontrava a residir no Beco do w..., nº 3, em z..., ordenou a sua notificação para indicar o NIF do chamado e requerer o que tivesse por conveniente. Não diz o apelante qual era a decisão que o Tribunal deveria ter tomado, limitando-se a censurar. Não se pode olvidar que em 5.01.2020 já tinha sido tentada a citação através de funcionário judicial nessa morada, sem sucesso, nada fazendo prever que o R. residisse aí efetivamente, como parece não residir,  atento o teor das duas certidões negativas de citação juntas aos autos. Era ao A. que, face ao requerimento do R.,  incumbia decidir se fazia sentido insistir pela citação na mesma morada, o que veio efetivamente de novo requerer (requerimento de 19.06.2020).

Não pode deixar de se realçar que o chamado é pai do A., pelo que seria natural que este conhecesse alguns elementos identificativos do mesmo, designadamente o seu NIF, como se entendeu no despacho de 09.03.2020 ou que os lograsse obter através dos seus irmãos. E nada impedia o A. de requerer que o R. e as chamadas  fossem notificados para indicar o NIF do seu pai. Ao invés, optou por insistir pela citação num local onde já se tinha frustrado a citação e onde os vizinhos já tinham informado que o chamado não residia.

Não se pode deixar de reconhecer que até à notificação da certidão negativa da 2ª tentativa de citação do chamado na mesma morada, em 02.11.2020, sempre o A. veio requerer o andamento dos autos, logo no próprio dia em que recebeu a notificação, ou no dia imediato.

Mas, tal não sucedeu relativamente à última notificação que lhe foi efetuada em  02.11.2020. Só decorridos mais de dois anos sobre o despacho que admitiu a intervenção principal passiva e ordenou a citação dos chamados e mais de dez meses sobre a última notificação ao A. é que foi proferido despacho a declarar a deserção da instância.

No âmbito do processo civil a iniciativa/o impulso processual incumbe ao A.

A parte não se encontra a pleitear sozinha. Está devidamente patrocinada.  Ora, é absolutamente claro e seguro que o passo subsequente na tramitação teria de ser dado pelo apelante: a indicação de nova morada, ou no seu desconhecimento,  designadamente, requerimento para que os demais irmãos fornecessem os elementos necessários para possibilitar a consulta das bases de dados, ou ainda o requerimento para que o Hospital da ... onde o R. informa que o citando se encontrava a ser seguido, informasse número fiscal e número de segurança social. Poderia ainda o apelante, face à informação constante da segunda certidão negativa, requerer a citação do chamado na morada onde a chamada E. foi citada - Estrada de k ..., S/N- Quinta das x..., Caixa Postal n.º 4, y...– , pois que na segunda certidão negativa é feito constar que a Junta de Freguesia de z... informou que o chamado viveria numa quinta, em y..., sendo de explorar a possibilidade de residir atualmente com a filha E. .   Poderia ainda o apelante insistir pela citação edital e, caso lhe fosse negada, interpor recurso dessa decisão, diligências que atento o tempo já decorrido sobre o despacho que ordenou a citação, as vicissitudes da mesma e a fase inicial em que o processo ainda se encontrava, embora a ação tivesse sido instaurada em 30.10.2018, se impunham em grau redobrado.

Mas não, o apelante nada mais fez ou promoveu, não podendo desconhecer que, se nada requeresse, daí resultariam consequências legais gravosas na instância (deserção).

A paragem dos autos é pois imputável ao A. a título de negligência, pelo que a decisão recorrida não merece censura.

(…)

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Coimbra, 11 de janeiro de 2022