Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
917/11.7TXCBR-H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: DECISÃO
LIBERDADE CONDICIONAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 02/05/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 173.º E SS. DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Sumário: É irrecorrível a decisão do TEP que nega ao condenado o pedido de concessão de adaptação à liberdade condicional em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Decisão Texto Integral: Decisão Sumária – artigo 417.º, n.º 6, al. b), do CPP:
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            A - Relatório:                                                                                           
            1. Nos Autos de Liberdade Condicional registados sob o n.º 917/11.7TXCBR-H que correm termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, Secção Única, em que é arguido A... , foi decidido pela Mmª Juiz, em 29/8/2013, não conceder o período de adaptação à  liberdade condicional ao referido condenado.
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            2. Inconformado com esta decisão, recorreu o arguido, em 23/9/2013, pedindo a revogação da mesma e a sua substituição por outra que determine a aplicação ao arguido do instituto de adaptação à liberdade condicional previsto no artigo 188.º e seguintes do CEPMPL.
            Apresentou as seguintes conclusões:
1. No âmbito dos presentes autos, o recluso 472 solicitou, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188.º do CEPMPL, que lhe fosse concedido o período de adaptação á Liberdade Condicional, com obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
            2. (…).
            3. (…).
            4. (…).
            5. (…).
            6. Efectivamente, considera-se que o Tribunal a quo desvalorizou os pareceres emitidos, a informação constante dos relatórios, globalmente apreciados, e o sentido de voto, unanimemente favorável, do respectivo conselho técnico, não apreciando, de forma crítica, ponderada e rigorosa aqueles,
            7. Conjugados com as próprias declarações do recluso, com o seu comportamento e conduta desde a reclusão e até anterior a esta.
            8. Por outro lado, a Mma. Juiz que proferiu a decisão de que ora se recorre encontrava-se de turno, não tendo, por isso e em consequência, um conhecimento aprofundado do processo do recluso.
            9. Sendo certo que o Digno Procurador da República que emitiu parecer no sentido da não concessão do instituto da adaptação à liberdade condicional ao recluso 472 nem sequer esteve presente no Conselho Técnico realizado.
            10. (…).
            11. Assim sendo, ambos os magistrados fundamentaram a sua decisão em alegadas conclusões constantes do relatório dos SEE (serviços de educação e ensino), relativas à atitude do recluso face ao ilícito praticado, parecendo querer ignorar que, não obstante tais conclusões, aqueles serviços votaram favoravelmente a aplicação ao recluso do instituto da adaptação à liberdade condicional.
            12. Serviços estes que contactam, frequentemente, com o recluso em causa, a seu pedido ou por iniciativa dos próprios serviços, conhecendo-o, e que acompanham, a par e passo, a evolução da execução da sua pena.
            13. A sentença de que ora se recorre revela subjectividade, fragilidade e inconsistência e assenta, apenas e só, em conceitos vagos e indeterminados que não encontram na realidade daquele recluso qualquer apoio factual.
            14. Com efeito, no que respeita ás alegadas “dificuldades em gerir a sua reclusão”, apontadas pela Mma. Juiz a quo para fundamentar a sua decisão, caso as mesmas correspondessem à verdade, nunca teriam sido concedidas ao recluso saídas jurisdicionais, como foram, quer pelo Director, quer pelo próprio Mmo. Juiz do TEP.
            15. Já no que concerne à eventual possibilidade de o recluso poder, durante o período em que se encontrar no período de adaptação à liberdade condicional, voltar a praticar os mesmos factos, há que tomar em consideração que os factos pelos quais foi condenado remontam à Primavera de 2006.
            16. Desde então e até à presente data, mais de 7 anos depois, nunca mais o recluso praticou qualquer ilícito, desta ou de outra natureza.
            17. (…).
            18. (…).
            19. A ter tido oportunidade para reincidir, foi imediatamente após a prática dos factos, não agora, em que já se encontra em reclusão há quase 2 anos, com o corte de relações sociais que àquela data mantinha e o lapso temporal entretanto decorrido desde a prática dos mesmos, ou seja 7 anos.
            20. Para além do mais, invocar tal argumento levará a concluir que, no extremo, o mesmo nunca poderá vir a beneficiar de medidas de flexibilização da pena, como sejam a liberdade condicional, saídas jurisdicionais, etc., por receio de que o mesmo, uma vez colocado no lugar da prática dos factos, possa reincidir.
            21. Ignorando-se que aquele tem beneficiado, com sucesso, de saídas jurisdicionais concedidas quer pelo director do E. P., quer pelo próprio Mmo. Juiz.
            22. (…).
            23. (…).
            24. (…).
            25. O recluso em causa reúne, de forma quase única, as melhores condições para beneficiar do instituto requerido, pois ao viver e trabalhar no mesmo local, evita todos os inconvenientes de deslocações e desvios, proporcionando um melhor e maior controlo das suas práticas e actividade.
            26. Por outro lado, atento o tipo de ilícito pelo qual foi condenado, não se cr~e, com o devido respeito, que, se fosse colocado em regime de adaptação à liberdade condicional, não se verificasse uma particular vigilância pelos órgãos de polícia criminal, assim assegurando todos os “receios” que fundamentaram a sentença proferida.
            27. (…).
            28. Assim, não se vislumbram quaisquer razões objectivas que justificassem a não concessão, a este particular recluso, do regime de adaptação à liberdade condicional, tal como foi requerido.
            29. (…).
            30. (…).
            31. (…).
            32. (…).
            33. Assim, ao fundamentar a sua decisão em meras considerações de carácter subjectivo, sem qualquer apoio factual, a Mma. Juiz violou o princípio da livre apreciação da prova, consignado no artigo 127.º, do CPP,
            34. Privando o concreto recluso de beneficiar da aplicação de um instituto para o qual tem todas as condições reunidas e colocando em causa a sua concreta ressocialização.
            35. Face ao exposto, a sentença proferida deve ser revogada, substituindo-a por outra pela qual se conceda ao recluso 472 a aplicação do regime de adaptação á liberdade condicional com obrigação de permanência na habitação e controlo com recurso a vigilância electrónica.
            36. Violadas ficaram, pois, as regras contidas nos artigos 188.º, do CEPMPL, e 127.º, do CPP.
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            3. O recurso, em 2/10/2013, foi admitido.
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4. O Ministério Público junto do TEP de Coimbra respondeu ao recurso, em 6/11/2013, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida mostra-se coerente e fundamentada e, havendo apreciado os requisitos formais e materiais, recusou, por não verificados os últimos, a colocação do recluso, agora recorrente, em adaptação à liberdade condicional.
2. (…).
3. Ainda que se considere que o recluso conta com apoio familiar, tem projecto exequível de retorno à actividade de mecânica automóvel, decorreram anos desde a prática dos factos e o início do cumprimento de pena e beneficiou já de licenças de saída, que decorreram sem notícia de anomalias, certo é r não menos relevante que, por um lado, uma coisa é gozar quatro ou cinco dias de uma licença de saída e, coisa muito diversa, será a saída do condenado do meio penitenciário, para ser colocado em adaptação à liberdade condicional (até 2 de Maio de 2014, data esta em que, por atingido o cumprimento do meio da pena, seria colocado em liberdade condicional), com a obrigação de permanência na habitação, sob vigilância por meios electrónicos e, provavelmente, com permissão de daí se ausentar, para desempenhar actividade profissional, para além disso, o condenado retomaria condições que antes lhe permitiram a prática criminosa.
            4. Além de exigências de prevenção geral e ainda que em grau menor – ainda que não “francamente mitigadas” -, subsistem consideráveis exigências de prevenção especial, pelas razões apontadas na douta decisão impugnada e referenciadas na presente resposta, relacionadas com uma postura, ainda adoptada pelo condenado, reveladora de escassa interiorização do desvalor dos seus actos criminais e demonstrativa de falta de reconhecimento pleno das graves consequências deles geradas e da extensão das responsabilidades próprias.
            5. Estas exigências de prevenção especial e geral tornam inviável um juízo de prognose favorável à pretensão do recluso que se mostraria, aliás, incompatível com a defesa da ordem e da paz social.
             6.(…),
            7. Nem ofende qualquer preceito legal e, designadamente, os artigos 188.º, do CEPMPL, e 127.º, do CPP, apontados na motivação do recorrente; bem pelo contrário, dá expressão ao princípio da livre apreciação da prova, enunciado nesse artigo 127.º, e interpreta e aplica, correctamente, o disposto nos artigos 61.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 62.º, do Código Penal, conjugados com aquele artigo 188.º, do CEPMPL.
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            5. Instruídos os autos e remetidos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 23/12/2013, emitiu douto parecer no qual defendeu a improcedência do recurso, salientando que “a decisão de conceder o período de adaptação à liberdade condicional, possibilidade prevista no artigo 62.º, do Código Penal, está condicionada à formação por parte do juiz de um juízo de prognose positivo, por força do preceituado no artigo 61.º, n.º 2, daquele código.”, sendo certo que “o Tribunal explicou, pois, de forma clara as razões (substantivas) pelas quais não foi possível formar o necessário juízo de prognose positivo.
            Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
            O recorrente não exerceu o seu direito de resposta.      
            Efectuado exame preliminar, é de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 6, al. b), do CPP-                                              
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            A Decisão ora em crise tem o seguinte teor:
            “Nos presentes autos, foi solicitada, pelo recluso – A... –, a concessão do período de adaptação à liberdade condicional com regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos à distância.
            Para o efeito, dá conta da atitude e da sua conduta na execução da pena que lhe foi aplicada, a manutenção dos seus laços familiares e de amizade e, possibilidade de retoma da actividade profissional, reveladores do sucesso da sua ressocialização.
            Mostram-se cumpridas as formalidades legais.
            Encontram-se juntas aos autos declarações de consentimento, assim como a ficha biográfica actualizada do recluso.
            Foram elaborados os relatórios a que alude o artigo 188.º, n.º 4, do CEPMPL.
            Reuniu-se o Conselho Técnico que emitiu parecer unanimemente favorável à concessão da liberdade condicional.
            Procedeu-se à audição do recluso que consentiu na sua eventual colocação de adaptação à liberdade condicional e não requereu outros meios de prova (cfr. Fls. 114).
            O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão de adaptação à liberdade condicional.
                                                                       *
            O tribunal é competente.
            O processo é o próprio.
            Não há nulidades, questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
                                                                       *
            De todos os elementos constantes dos autos, resulta que:
            O recluso, A..., cumpre a pena única de 5 anos de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes e de desobediência.
            Nos termos do cômputo de penas efectuadas nos autos, o cumprimento do meio (1/2), dos dois terços (2/3) e da totalidade dessa pena terá lugar a 2/5/2014, 2/3/2015 e 2/1172016, respectivamente.
                                                                       *
            Mostram-se assim reunidos os pressupostos formais para a apreciação da situação do arguido para efeitos de adaptação da liberdade condicional, já que deu o seu consentimento à concessão da mesma, estando acautelados os dois meses antes do período máximo previsto para esse efeito exigido no artigo 62.º, do C. Penal.
                                                                       *
            Dos elementos carreados para os autos, constata-se que o recluso tem um comportamento prisional adequado, sem registo disciplinar, está colocado na oficina de mecânica onde revela aptidão; beneficiou de medidas de flexibilização da pena, sem registo de anomalias; conta com o apoio familiar e tem assegurado projecto de colocação laboral (em oficina de mecânica, anexa á habitação).
            Todavia, adopta ainda uma atitude de relativização da gravidade dos factos praticados, assumindo a sua prática que considera ter sido circunstancial, não parecendo ter consciência plena da ilicitude dos mesmos, o que leva a que, apesar de aceitar a pena em que foi condenado, tem dificuldade em gerir a situação de privação de liberdade.
                                                                       *
            Fundamentos:
            (…).
            Na situação em análise, embora as exigências de prevenção especial se mostrem francamente mitigadas (e daí, a nosso ver, o parecer unanimemente favorável à concessão so recluso do período de adaptação à liberdade condicional), o certo é que as exig~encias de prevenção geral permanecem fortes.
            Com efeito, o tipo de crime pelo qual o arguido foi condenado é grave (tráfico de estupefacientes, sendo certo que não consta dos relatórios técnicos e dos autos que o recluso tenha um historial de toxicodependência, não sendo essa dependência que o levou a cometer tal crime), causando alarme social na comunidade em geral.
            Daí que se concorda com o parecer desfavorável emitido pelo Ministério Público, até porque o próprio recluso tenta desmistificar a gravidade do ilícito, atribuindo o mesmo a causas circunstanciais, ao que acresce, ainda, que era no interior da sua residência e oficina (local onde ficaria, caso fosse deferida a sua pretensão) que os toxicodependentes o procuravam para adquirir as substâncias estupefacientes.
            Do exposto, resulta um quadro que não permite concluir que o recluso se encontre pronto para a reaproximação ao meio social com uma adaptação á liberdade condicional, ainda que sujeito a regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, verificando-se, ainda, fortes exigências de prevenção geral.
            Em nosso entender, a colocação do condenado em período de adaptação à liberdade condicional, nesta fase, não seria, por si, suficiente e adequada à realização das finalidades da punição, nem a mesma se revela compatível com a defesa da ordem e da paz social.
                                                                       *
            Assim, e não obstante o parecer unanimemente favorável do conselho técnico e mostrarem-se verificados os pressupostos formais para a concessão do período de adaptação à liberdade condicional, conclui-se que, para já, não se verificam os pressupostos materiais exigidos para a concessão do benefício previsto pelo artigo 61.º, do C. Penal, ex vi artigo 62.º, do mesmo diploma legal.
            Destarte, decide-se não conceder o período de adaptação à liberdade condicional ao condenado A....
                                                                       *
            Cumpra-se o disposto no artigo 177.º, n.º 3, do CEP.
            DN.
                                                                       *
            Oportunamente, renovar-se-á a instância para nova apreciação, com referência à data de cumprimento do meio da pena, observando-se, oportunamente, o disposto no artigo 173.º, n.º 1, n.º 1, als. A) e b), do CEP.
            DN.”
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            A questão a conhecer cinge-se em saber se o recorrente beneficia de condições para lhe ser concedido o período de adaptação à liberdade condicional.
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            QUESTÃO PRÉVIA:
Conforme pode ser lido no Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 14/2009, de 21/10/2009, D. R. – I Série, 226, de 20/11/2009, “a «adaptação à liberdade condicional», prevista no artigo 62.º, do CP, constitui uma noção que é usada como antecedente e como tempo prévio de preparação e de ajustamento à liberdade condicional; intrinsecamente ligadas, as noções e as realidades que lhes correspondem são, no entanto, distintas.
Tendo isso presente, e salvo o mui e devido respeito por posição contrária (ver Decisão do Exmo. Vice-Presidente do TRL, de 19/4/2010, Processo n.º 934/01.5TXCBR-A.L1-3), entendemos que a decisão ora em análise não pode ser conhecida em via de recurso, pelos motivos que constam do Acórdão do TRE, de 21/10/2010, Processo n.º 883/10.6TXEVR-CE1, relatado pelo Exmo. Desembargador António Latas, in www.dgsi.pt, no qual pode ser lido o seguinte:
“c) Vejamos então o que dispõe o actual CEP sobre o recurso de decisão que tenha deferido ou indeferido o pedido de colocação do recluso em Regime de permanência na habitação para adaptação à LC.
O CEP pretende regular praticamente toda a matéria substantiva e processual relativa à execução das penas e medidas privativas da liberdade e apesar de deixar no C. Penal precisamente os institutos da liberdade condicional e da adaptação à liberdade condicional[4], contém a totalidade do regime processual especialmente regulador destas figuras, para além de regras próprias em matéria de recursos, incluindo o princípio geral contido no seu art. 235º .
No título IV do Livro II, dedicado ao processo nos TEP, o CEP reservou o capítulo V para o processo de Liberdade condicional, que é uma das formas de processo expressamente previstas no seu art. 155º.
Aquele capítulo V divide-se em três secções, sendo a 1ª dedicada à concessão da liberdade condicional, a 2ª à execução e incumprimento da liberdade condicional e a 3ª ao período de adaptação à liberdade condicional.
Ora, enquanto o artigo 179º do CEP, incluído na 1ª secção, prevê a possibilidade de recurso limitada à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional, e o art. 186º (incluído na 2ª secção, dispõe, de forma similar, que o recurso é limitado à questão da revogação ou não revogação da liberdade condicional, o art. 188º, única disposição que integra a 3ª secção, nada diz sobre eventual recurso de decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, nem remete para qualquer uma das normas ora citadas.
A partir destes elementos de ordem literal e sistemática somos levados a concluir, pois, que o CEP não prevê a recorribilidade da decisão que defira ou indefira o pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, pois parece-nos não poder entender-se que aquela decisão se encontra abrangida pela previsão da norma do art. 179º, dada a autonomia substantiva e processual da adaptação à liberdade condicional.
Do ponto de vista substantivo, a adaptação à liberdade condicional não se reconduz à figura da liberdade condicional, apesar de serem comuns boa parte dos respectivos pressupostos e finalidades[5] , e do ponto de vista processual são igualmente reguladas de forma autónoma, como é bem patente nas disposições legais agora citadas, chegando mesmo o CEP a referir-se-lhes no artigo 151º como processo de concessão de adaptação à liberdade condicional e processo de liberdade condicional, para atribuir carácter urgente a ambos.
Por outro lado, ainda do ponto de vista literal e sistemático, parece-nos não fazer sentido que o CEP regulasse especificamente a recorribilidade das decisões do TEP a propósito de duas das três secções dedicadas ao processo de liberdade condicional e deixasse de o fazer para a última delas se fosse essa a sua intenção, quando é certo que o nº6 do art. 188º é pormenorizado na remissão que faz para várias disposições da secção relativa à concessão da liberdade condicional, deixando de fora, precisamente, o referido art. 179º.
d) Constatando nós que o CEP não prevê expressamente – de forma directa ou por remissão a recorribilidade da decisão que conhece do pedido de concessão do período de adaptação à LC, somos, então, levados a concluir que aquela decisão é irrecorrível ainda por força da regra ou princípio geral previsto no CEP em matéria de recursos.
Na verdade, contrariamente ao art. 399º do CPP que estabelece a regra da recorribilidade das decisões judiciais, o art. 235º do CEP consagra o princípio inverso, ao dispor no seu nº1 que «Das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei.» Isto é, o legislador faz depender a recorribilidade de decisão do TEP de disposição legal expressa, reservando para si a delimitação do universo das decisões judiciais que em matéria de execução de penas e medidas privativas da liberdade admite recurso, o que se compreende atenta a especificidade desta matéria e das relações humanas e institucionais nela envolvidas.
Ao legislador cabe estar atento e alterar o regime legal na medida do necessário, designadamente no caso de vir a revelar-se praxis judiciária excessivamente restritiva ou permissiva, que contrarie as opções político-criminais que ditaram a aposta legislativa no novo instituto.
e) Por último, afigura-se-nos que a opção legal pela irrecorribilidade da decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, nomeadamente no caso de indeferimento, não viola materialmente a Constituição, por não valerem em sede de adaptação à liberdade condicional as razões que levaram o acórdão do Tribunal Constitucional 638/06 de 21 de Novembro a “Julgar inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º, dos artigos 20.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, e do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 127.º do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro, na parte em que não admite o recurso das decisões que neguem a liberdade condicional.
Na verdade, independentemente das dúvidas que possam colocar-se sobre a caracterização das normas que regulam o processo para concessão da liberdade condicional como processo penal, para efeitos do art. 32º nº1 da CRP, a irrecorribilidade da decisão que negue o pedido de colocação do recluso em Regime de permanência na habitação para adaptação à liberdade condicional não elimina a possibilidade de o arguido ser colocado em liberdade em consequência da reapreciação daquela decisão, contrariamente ao considerado no Ac TC 638/06 a propósito da liberdade condicional[6], pois o RPH constitui igualmente uma forma de privação da liberdade, embora em meio não prisional.
Ou seja, a decisão negatória não põe em causa o direito fundamental à liberdade, pois a adaptação à liberdade condicional em RPH é ainda uma das formas de cumprir a pena de prisão em privação da liberdade. A sua irrecorribilidade não implica, pois, a violação do direito à liberdade protegido pelo n.º 1 do artigo 27.º da Constituição, da garantia consagrada no art. 32º nº1, nem tão pouco o princípio do Estado de Direito, acolhido no art. 2º, ou o direito de acesso aos tribunais consagrado no art. 20º, todos da CRP.”
Também este TRC já decidiu no sentido do acórdão acabado de citar (Decisão Sumária de 28/11/2012, proferida pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, Processo 304/12.0TXCBR-D.C1).
Acresce que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 150/2013, de 20 de Março de 2013, D. R. 2ª série, n.º 87, de 7 de Maio de 2013, decidiu “a) Julgar não inconstitucional a «…norma do artigo 179.º, n.º 1, do Código de Execução de Penas, na interpretação segundo a qual é irrecorrível a decisão que conheça do pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, designadamente no caso de indeferimento,…»”.
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D - Decisão:
Nesta conformidade, rejeita-se o presente recurso, de harmonia com o disposto nos artigos 414.º, n.º3, 420.º, nº1, b), e 414.º, n,º2, todos do CPP, ex vi do artigo 239.º do CEP, por ser irrecorrível a decisão do Tribunal de Execução das penas objecto do mesmo.
            Vai o arguido condenado na importância de 3 UC, nos termos do artigo 420.º n.º3, do CPP, não se proferindo condenação em custas por não serem as mesmas devidas, dado que o recurso foi rejeitado por razões não substantivas (contrariamente ao que sucede na rejeição por manifesta improcedência), pelo que não decaiu no recurso não se preenchendo, assim, a previsão do artigo 513.º, n.º1, do CPP.
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     (José Eduardo Martins - Relator)