Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2642/11.0TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ACUSAÇÃO
CRIME DIVERSO
TIPO SUBJECTIVO DE CRIME
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 05/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA CENTRAL DE COIMBRA - J4)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1.º, AL. F), 359.º, E 374.º, N.º 1, AL. B), DO CPP
Sumário: I – A noção de crime diverso, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1.º, n.º 1, al. f), e 359.º, ambos do CPP, não é atinente apenas à imputação de crime previsto em diferente normativo legal, cabendo também naquele conceito o ilícito penal previsto na mesma norma, mas cometido noutras circunstâncias quanto a algum dos elementos essenciais do tipo.

II – Tanto ocorre alteração substancial quando diverso é o contexto objectivo do cometimento do crime, como quando diferente se revelam os parâmetros subjectivos da sua perpetração, mormente a intenção, quando ela integra o respectivo tipo legal.

III – Integrando a sentença, a nível subjectivo, substrato factológico sem qualquer coincidência com a factualidade descrita na acusação, traduzindo essa realidade, por conseguinte, uma alteração substancial dos factos, a condenação do arguido tendo por base os novos factos, sem observação do disposto no artigo 359.º, n.º 1, do CPP, do mesmo diploma, conduz à nulidade da dita peça processual [cfr. artigo 379.º, n.º 1, al. b)], a implicar a reabertura da audiência, no tribunal da 1.ª instância, para cumprimento do preceituado na primeira das duas referidas normas.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum colectivo 264/11.0TACBR da Comarca de Coimbra, Instância Central, Secção Criminal, J4, após realização de audiência de julgamento, foi proferido acórdão em 15 de Junho de 2016 com o seguinte dispositivo:

Em suma, julgando-se a acusação pública parcialmente provada e procedente:

- Absolve-se o arguido A... do crime de prevaricação, na forma consumada, p. e p. nos arts. 3º/n.º 1-i) e 11º da Lei n.º 34/87, pelo qual, como co-autor material, vem acusado nos autos;

- Absolve-se o mesmo arguido A... do crime tentado de falsificação de documento, p. e p. nos termos da conjugação dos arts. 256º/n.os 1-d) e 2 e 23º, ambos C.P., pelo qual, como autor material, vem acusado nos autos;

- Condena-se o arguido A... , como autor material de um crime de abuso de poderes, na forma consumada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 26º/n.º 1, in fine, da Lei n.º 34/87 e 382º C.P., na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 15 (quinze euros), ou seja, na multa de € 2.250 (dois mil, duzentos e cinquenta euros);

- Absolve-se o arguido B... do crime de abuso de poder, na forma consumada, p. e p. nos termos da conjugação dos arts. 382º e 386º/n.º 1-a), ambos C.P., pelo qual, como autor material, vem acusado nos autos;

- Absolve-se o mesmo arguido B... do crime de prevaricação, na forma consumada, p. e p. nos arts. 3º/n.º 1-i) e 11º da Lei n.º 34/87, pelo qual, como co-autor material, vem acusado nos autos;

- Absolve-se o arguido B... do outro crime de abuso de poder, na forma consumada, p. e p. nos termos da conjugação dos arts. 382º e 386º/n.º 1-a), ambos C.P., pelo qual, como autor material, vem também acusado nos autos;

- Absolve-se o arguido N... do crime de falsificação de documento, na forma consumada, p. e p. nos termos do art. 256º/n.º 1-a), b), d) e e) C.P., ex vi arts. 97º e 100º/n.º 2 D.L. n.º 555/99 (com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 177/2001 e pela Lei n.º 60/2007), pelo qual, como co-autor material, vem acusado nos autos;

- Absolve-se a arguida “ D... , S.A.” do crime de falsificação de documento, na forma consumada, p. e p. nos termos dos arts. 11º/n.os 2-a) e 4 e 256º/n.º 1-a), b), d) e e), ambos C.P., ex vi arts. 97º e 100º/n.º 2 D.L. n.º 555/99 (com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 177/2001 e pela Lei n.º 60/2007), pelo qual, como autora, vem acusada nos autos;

- Condena-se o arguido A... nas custas do processo, com 3 U.C. de taxa de justiça.

Inconformados com esta decisão final, interpuseram recurso o arguido A... e o Ministério Público.

O arguido A... condensou a motivação de recurso nas seguintes conclusões:
I. O douto Acórdão recorrido é, salvo o devido respeito nulo, nos termos do disposto nas als. b) e a)  do n.º 1, do artigo 379º do Cód. De Proc. Penal.

II. Com efeito, inscreveu, sob a designação “factos provados”, nomeadamente no ponto 97., o seguinte, que constitui novidade, relativamente quer à acusação, quer à comunicação feita na sessão de julgamento de 12 de Maio de 2016: “eventuais consequências que pudessem vir a suceder a esta, a diversos níveis, por causa do apontado acidente, maxime, em termos contraordenacionais”.

III. Na verdade, a alteração comunicada – através de decisão ema acta foi, apenas: “mais sabia o arguido A... , ao emitir a ordem aludida no ponto 5 (desta matéria ora elencada), que agia no exercício das suas funções de Vereador responsável pela área do Urbanismo na Câmara Municipal de ... e no âmbito de processo para o qual detinha competência, fazendo-o de forma contrária aos deveres do cargo que desempenhava, o que sabia ser incompatível com os deveres de isenção e imparcialidade da Administração a que estava obrigado, assim pretendendo beneficiar a arguida “ D... , S.A.”;

IV. Todavia, a formulação nova do citado ponto 97 – designadamente relevante para o elemento subjectivo do tipo – determinou a condenação do recorrente pelo crime previsto e punido pelo artigo 26º da LRTCP.

V. Ora, a configuração constitucional do processo penal – consagrada no artigo 32º, n.º 5 veda a espécie de actuação assumida pelo tribunal e supra transcrita.

VI. Assim é o Acórdão nulo, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 379º do CP Penal, na medida em que considera e usa factos que não foram alvo da pertinente comunicação ao recorrente.

VII. Sendo certo que o recorte do dito elemento subjectivo típico é passível de ser lido como alteração substancial dos factos.

VIII. É que o despacho acusatório imputou ao recorrente crimes de prevaricação e de falsificação de documentos na forma tentada,

IX. Sendo certo que só a comunicação feita em acta apontou para a possibilidade de existir condenação pelo crime de abuso de poder.

X. No entanto, como já visto, nesse despacho apenas se referiu a existência de benefício da D... , sem o classificar.

XI. Com efeito, só no texto do Acórdão, nomeadamente no falado artigo 97., é que vem acrescentado que tal desejado benefício era em toda a linha possível, abrangendo também matéria contraordenacional.

XII. Ou seja, a versão da acusação é tida por improcedente e o recorrente condenado por um crime distinto.

XIII.  Na verdade, só o facto adicionado é que permitiu a nova imputação ao arguido do crime em que foi condenado.

XIV. Por outro lado, como já adiantado, também se verifica a nulidade prevista na al. a) do n.º 1, do artigo 379º do Cód. De Proc. Penal, por parcial desconsideração do cumprimento do nº 2 do artigo 374º do mesmo Código.

XV. Na verdade, do artigo em questão resulta o dever de fundamentação das decisões finais (sentenças ou Acórdão, caso obra de um Colectivo de Juízes) e de onde consta o dever de examinar criticamente a prova.

XVI. Com efeito, qualquer decisão – e especialmente aquela que, de uma forma tendencial, constitui a última palavra da audiência de julgamento – deve esclarecer integralmente os motivos de facto e de direito em que se faz radicar.

XVII. Ora, no que respeita ao facto dado como provado de onde consta a atitude interna do recorrente – nomeadamente que terá agido com a intenção de beneficiar a D... – nenhuma prova, e por conseguinte, nenhum exame crítico é efectuado.

XVIII. Se o Tribunal explica de forma cuidadosa as razões pelas quais dá por demonstrada a matéria capaz de preencher o tipo objectivo é facto que nada diz no que respeita à referida atitude interna do agente,

XIX. Assim, é possível retirar a ilação de que a mesma terá apenas resultado da valoração de prova indirecta ou indiciária.

XX. Todavia, é o próprio Colectivo que avisa que “a valoração da prova indiciária não poderá deixar de obedecer a uma especial exigência de racionalidade objectiva e, ao mesmo tempo, de comunicabilidade intersubjectiva, por forma a que possa redundar em um juízo de convicção apto a atrair a adesão do público em geral e dos destinatários do discurso em particular (…). Pelo que a prova indiciária ou indirecta deverá ceder «(…) perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto”».

XXI. Ou seja, qualquer uso da prova dita indiciária implica um elevado grau de racionalidade objectiva que produza um efeito comunicacional que possibilite perceber a via percorrida pelos julgadores para a formação da respectiva convicção.

XXII.  Na verdade, as regras da experiência não passam de padrões decorrentes de casos da vida paralelos que permitirão relacionar certos factos, sob o prisma da existência de um comportamento humano e social “normal” que levará à posterior afirmação da verificação de um facto histórico.

XXIII. Daí que a convicção sobre o facto meramente decorrente da prova indirecta deve constituir, pelo menos, uma presunção radicada em meios de prova dotados da força e capacidade de gerar convicção, para que tornem o procedimento legal e constitucionalmente aceitável.

XXIV. Ora, o tribunal não esclarece de que forma a sua convicção formada sobre os testemunhos com que contactou permitiu a conclusão que a intencionalidade com que agiu o recorrente foi aquela constante do ponto 97.

XXV. Por outro lado, os Senhores Juízes desconsideraram o princípio probatório (in dubio pro reo) que lembraram como limite à chamada à colação da prova indirecta, dada a inexistência de qualquer esforço que permita concluir sobre a exactidão da actuação do recorrente debaixo de uma hipotética vontade de beneficiar a co-arguida D... .

XXVI. Tal princípio, que decorre da ideia fundamental da presunção da inocência, constante do n.º 2, do artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa, implicaria a inexistência de um ónus probatório do arguido no sei de um processo de natureza criminal.

XXVII.  Com efeito, para a consagração do Estado de Direito é de maior coerência, na dúvida, absolver um culpado do que condenar um inocente.

XXVIII. E, na hipótese dos autos, a dúvida é mais do que razoável, tendo ficado patente a fragilidade da tese sustentada na decisão em recurso, pela inexistência de qualquer elemento que sustente a ideia de que o recorrente agiu com a intenção de beneficiar a D... .

XXIX. Assim, concluindo-se que existe uma dúvida razoável quanto aos factos pelos quais o arguido vem acusado e quanto à culpa, a sua absolvição é a única atitude constitucionalmente legítima.

XXX. Por outra banda reputa-se de violada a norma incriminadora constante do artigo 26º da Lei 34/87 de 16 de Julho.

XXXI. Ora, este crime edifica-se sobre o mau uso – ou utilização desviante – de atributos funcionais, uso excessivo de faculdades legais ou desrespeito por formalidades tidas por essenciais, preenchendo-se através do abuso de poderes ou da violação de deveres

XXXII. In casu, estará em causa o afrontamento de deveres – p.e. imparcialidade – que assistiam ao recorrente na qualidade de vereador.

XXXIII. Contudo, o Douto Acórdão não explica as razões porque se crê o que tais deveres se mostram violados.

XXXIV. E, de facto, não resulta qualquer violação de deveres da actuação do recorrente, desde logo porque não existe norma que se possa enumerar como violada com a conduta descrita.

XXXV. De facto, a 9 de Setembro, estavam reunidos todos os pressupostos para a admissão da comunicação prévia, admissão essa que surgia assim, nessa data, como um acto administrativo vinculado.

XXXVI.  Como também se não divisa impedimento na que um vereador pergunte a um funcionário se uma determinada informação pode ser feita num determinado dia.

XXXVII. De igual modo, estando em causa a prática de um acto vinculado, não se vê como pode a conduta imputada ao recorrente ser passível de, por si só, configurar acção mostrar-se violadora do princípio da imparcialidade, até porque a D... tinha direito à admissão da comunicação prévia.

XXXVIII. Por outra banda, a mera informação do não teria a virtualidade de admitir o que quer que seja, uma vez que, para tanto, era necessário que sobre a mesma, nesse dia 9, recaísse acto administrativo de quem tinha competência para o praticar, ou seja, do então DMAT

XXXIX. O que, como consta do Acórdão recorrido, nunca esteve em causa.

XL. Ou seja, não se verifica a existência do tipo objectivo, pelo que a interpretação efectuada pelo Acórdão é errónea.

XLI. Por outro lado, para a perfeição típica, o uso indevido dos poderes tem que ser iluminado por uma intenção específica que integra o tipo legal.

XLII. Na verdade, esta realidade típica ou se inscreve na modalidade das infrações em que o tipo de ilícito alberga uma intenção como uma exigência subjetiva paralela ao dolo do tipo,

XLIII. Ou então, entre a categoria de crimes que exige um dolo específico.

XLIV. Sendo sempre evidente a relevância que a dimensão subjectiva ocupa no tipo de ilícito em análise, dado que é indispensável que a acção vise sempre um benefício ilegítimo para um terceiro ou um prejuízo para outrem.

XLV. Ora, como já dito, a assumpção desse elemento típico só pôde ter ocorrido por força da nítida desconsideração do princípio do in dubio pro reo resultante da presunção da inocência constitucionalmente levada a garantia fundamental do arguido, no seio de um processo penal.

XLVI. E o normal funcionamento do dito princípio terá de significar que a “prova” dessa específica intenção – quer na dimensão de “dolo específico” quer ainda abrangida por uma leitura ampla do dolo geral – não poderá ter-se por verifica, tendo o recorrente de ser absolvido por inexistência de todas as circunstâncias tipicamente relevantes.

XLVII.  Mesmo que o que vai anteriormente alegado não logre obter vencimento sempre se torna obrigatório reflectir sobre a pena concretamente aplicada, dado que se afigura que a mesma assenta em pressupostos errados.

XLVIII. Com efeito, muito embora o Tribunal não explique de forma clara a linha de raciocínio que seguiu, resulta evidente que, apesar de condenar pelo tipo do artigo 26º da LRTCP, elegeu o quadro punitivo do “abuso de poder” previsto e punido pelo artigo 382º do Cód. Penal.

XLIX.  Ora, apesar da parte final do artigo 26º, da LRTCP, estatuir as penas que estabelece são as aplicáveis, salvo se outra mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, tal não significa a possibilidade de se punir o crime do artigo 26º da LRCTP com a moldura do tipo do artigo 382º do Cód. Penal.

L. Na verdade, a remissão para as molduras de outros tipos de crime resulta da subsidiariedade que caracteriza o tipo e da expressão legal da figura da consunção impura.

LI. Todavia, as mesmas só funcionam dentro do diploma em que os tipos estão consagrados, não justificando a importação de molduras do direito penal primário para punir tipos de ilícito construídos em sede de direito secundário (como é, sem margem para dúvida, a LRTCP).

LII. Designadamente porque tal espécie de operação omite a relação de especialidade que existe entre as normas do artigo 26º da LRTCP e o artigo 382º do Cód. Penal.

LIII. Na verdade, as ditas normas punem actividades autónomas com molduras concretas para cada uma delas.

LIV. Ora, assim sendo, verifica-se um erro na determinação da moldura aplicável à acção do agente, que é punível entre os 50 e 100 dias de multa, de acordo com o que vem estatuído no artigo 26º da LRTCP.

LV. No que respeita às operações de determinação pena regem os critérios os dimanados do n.º 1 do artigo 71º do CP.

LVI.  Ou seja, a medida da pena terá de ser fixada em obediência às finalidades preventivas das penas (especial e geral).

LVII. Assim, a prevenção geral caracteriza-se pela necessidade da reafirmação da validade do bem jurídico violado,

LVIII.  E, na prevenção especial, releva a ideia de recuperação do arguido para a vida em sociedade.

LIX. Já a culpa é o fundamento e limite inultrapassável de qualquer condenação.

LX. Ora seja, as razões preventivas de natureza “especial” não se mostram relevantes relevantes, dado o grau de inserção social do recorrente.

LXI. Quanto à culpa, a mesma não adquire, também, qualquer peso específico,

LXII. Pelo que, tudo ponderado, a graduação da pena terá de se fixar próximo do mínimo legal de 50 dias.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, determinada a absolvição do arguido. Ou, quando assim não se entenda, deve ser corrigida a moldura abstracta que pune a acção e fixada uma pena perto do respectivo limite mínimo.

O Ministério Público condensou a sua motivação de recurso nas seguintes conclusões:

- Impugnam-se os seguintes pontos da matéria de facto, (acima mencionados em I – A-) :

Ponto da matéria de facto provada que se impugna:

“(…)

41 – em data não concretamente determinada dos inícios de Junho de 2011, pessoa(s) de identidade(s) não concretamente apurada(s) ligada(s) à autarquia de ... concedeu(eram) autorização verbal aos representantes das empresas que pretendiam construir nas instalações do “ JJ... ” e que, como a arguida “ D... , S.A.” e a empresa “ AG... ”, ainda não tinham as respectivas comunicações prévias admitidas, para que iniciassem os respectivos trabalhos;

(…)”

na parte em que menciona “(…) pessoa(s) de identidade(s) não concretamente apurada(s) ligada(s) à autarquia de ... (…)”.

Pontos da matéria de facto não provada que se impugnam:

“(…)
            - haja sido o arguido B... a dar a autorização verbal acima referida no ponto 41 (da matéria factual assente);
            - haja o arguido B... , em data anterior e próxima do dia 15 de Junho de 2001, concedido autorização verbal para que as empresas que pretendiam construir nas instalações do “ JJ... ” iniciassem os trabalhos, tendo o arguido B... transmitido essa autorização à testemunha H... , que, por seu turno, a deu a conhecer aos representantes das empresas que pretendiam edificar naquele parque;
- hajam a arguida “ D... , S.A.” e a empresa “ AG... ” iniciado os seus trabalhos de construção nas instalações do “ JJ... ”, na sequência da autorização verbal do arguido B... acabada de referir;
- haja agido o arguido B... , ao dar a autorização verbal acabada de mencionar, com a intenção pretendida e conseguida de beneficiar as empresas que então se instalavam no “ JJ... ”;
- haja actuado o arguido B... contrariando as funções que lhe estavam cometidas e colocando em causa os deveres de prossecução do interesse público, isenção e parcialidade que deveriam nortear a sua actuação enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , sacrificando por esta via o bom funcionamento e credibilidade das instituições públicas, nomeadamente da referida Câmara Municipal de ... ;

- haja agido o arguido B... ciente de que a sua conduta era prevista e punida pela lei penal;

(…)

- ao actuar do modo acima descrito no ponto 118 (da matéria assente), haja o arguido B... dirigido uma ordem que contrariava os deveres do seu cargo, enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , bem como as funções da testemunha C... enquanto Chefe da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização;
- com tal conduta supra referida no ponto 118 (da factualidade provada), quisesse o arguido B... servir-se da sua posição de Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... e de superior hierárquico da testemunha C... , para satisfazer interesses ilegítimos de terceiros, que a eles não tinham direito, sacrificando assim os deveres de prossecução do interesse público, isenção e parcialidade que deveriam nortear a sua actuação enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , sacrificando por esta via o bem funcionamento e credibilidade das instituições públicas, nomeadamente da mencionada Câmara Municipal de ... ;

- apesar de ciente da ilicitude do seu comportamento, haja tido o arguido B... o propósito de beneficiar os titulares do alvará de loteamento do empreendimento em causa, que, ao verem o processo concluído, usufruiriam da aprovação de obras construídas em desrespeito ao loteamento e ao Plano Director Municipal, para além de recuperarem o valor da caução retida na Câmara Municipal de ... , a ela não tendo qualquer direito;

- haja agido o arguido B... de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal;

(…)”

pontos esses que, devendo o 41 passar a ter a redacção indicada, deverão os restantes passar a integrar a matéria de facto provada, sendo eliminados dos factos não provados.

           

- Da apreciação dos elementos de prova atendíveis - mormente os testemunhos de C... , H... , I... e E... , para além da prova documental, designadamente a constante de fls 483, 489 e ss, 499 e 500 dos autos, bem como fls 101 a 110 e 115 e ss do Apenso E. -, no seu todo, de per si e entre si conjugados, emerge a convicção de que da sua correcta ponderação, atendendo à lógica e às regras da experiência, decorre a conclusão de que o arguido B... praticou os factos acima referidos,  integrantes de dois crimes de abuso de poder, que lhe foram imputados na acusação.

           

            - Mas o Tribunal a quo fez um errado julgamento da matéria de facto acima descrita, considerada não provada, na medida em que na audiência de discussão e julgamento foi produzida prova que impunha decisão diversa da recorrida.

           

            - E no cumprimento integral do disposto no art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP indicamos como elementos de prova que, em nosso entender, impõem decisão diversa, as declarações das testemunhas C... , H... , I... e E... , para além da prova documental, designadamente a constante de fls 483, 489 e ss, 499 e 500 dos autos, bem como fls 101 a 110 e 115 e ss do Apenso E. 

            Reportamo-nos ao que consta devidamente gravado no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso neste tribunal - sistema Habilus - e que resulta referido na Actas da Audiência de Julgamento respeitantes às sessões dos dias 11-02-15, 28-10-15 e 3-11-15, respectivamente com as referências 66378948, 69028131 e 69091230, tudo como acima descrito em I – B-, que aqui damos por reproduzido, designadamente

            - Testemunha C... (11-02-15), - depoimento gravado no sistema Habilus, iniciado às 16.08h e terminado às 18.27h;

            - Testemunha H... (28-10-15) - depoimento gravado no sistema Habilus, das 17.34h às 18.00h;

            - Testemunha I... (3-11-15) - depoimento gravado no sistema Habilus, das 11.46h às 12.03h. 

            -Testemunha E... (3-11-15) - depoimento gravado no sistema Habilus, das 11.22h às 11.34h. 

           

              - Quanto à situação descrita no ponto 1.1 do libelo acusatório, a que se reportam os aludidos pontos 14 a 54 da “Fundamentação de facto”, que se reporta no essencial à autorização verbal para o início das obras no “ JJ... ”, sem prévia aceitação da comunicação prévia:

  - resulta do ponto 8 dos factos provados que cabia ao arguido B... , enquanto Director Municipal da Administração do Território, exercer, além do mais, as competências necessárias à admissão ou rejeição de comunicação prévia.

 - Da factualidade assente resulta com inegável clareza que o interlocutor privilegiado do Presidente do Conselho de Administração do “ JJ... – , E.M., S.A.”, H... , junto da Câmara Municipal de ... , era o arguido B... .

O próprio H... o confirmou e os e-mail’s constantes dos autos – prova documental apontada - demonstram-no claramente.

- Atendendo ao tipo de projecto, sua dimensão e importância assumida a nível camarário e também pelo próprio CA do “ JJ... ”, este, a testemunha H... , insistia e pressionava a CMC para que tudo corresse com celeridade.

 Ora, resulta claramente dos e-mail’s referidos no acórdão, que aqui se dão por reproduzidos e que integram a prova documental mencionada, que essas insistências se faziam junto do arguido B... , que por sua vez as “reencaminhava” para os competentes funcionários camarários (v. e-mail de fls 499 dos autos, enviado pelo arguido).

(De notar, quanto a isso, o teor dos pontos, entre outros, 14, 15, 38, 49 e 50 a 52 dos factos provados, que aqui damos por reproduzidos).

- E, na verdade, é manifesto que o teor dos e-mail’s, dirigidos por H... ao arguido B... , mostram outras “preocupações”, que não propriamente de cariz técnico.

Basta ver o e-mail constante de fls 483, de 2-06-11, dirigido ao arguido, em que, referindo-se à D... , diz a testemunha H... , “Gostava que eles iniciassem o estaleiro durante a próxima semana, no sentido de poder fazer uma conferência de Imprensa, com a presença do presidente da CMC, eu próprio, os accionistas do JJ... , etc, para marcar esse evento muito importante”.

Assim como o e-mail, também dirigido pela mesma testemunha ao arguido, constante de fls 500 dos autos onde refere “(…) Penso que deveríamos intervir no sentido de clarificar a situação, evitando o levantamento de autos e o facto de não ter problemas de imagem (do concelho) com investidores de fora que ficam nervosos com estes “eventos”(…)”.

- O tribunal coloca a hipótese de “a dita autorização verbal emanar de pessoa(s) com o poder, a relevância e a necessidade políticas no seio camarário de não perder(em) a “bandeira” (também política) da manutenção de importantes investidores no projecto e nas instalações do “ JJ... ”.

Porém, não alicerça minimamente tal hipótese, no sentido de afastar a autoria do arguido.

E, concomitantemente, não aprecia nem retira consequências, no que a tal respeita, do teor dos e-mails referidos, bem como das circunstâncias de o arguido B... nada ter dito ao tribunal nesse sentido e isso não resultar concretizado pelos testemunhos trazidos aos autos.

É de notar, efectivamente, que nenhum dos Presidentes do CA do “ JJ... ” inquiridos - H... e E... - mencionou quaisquer outros contactos, concretos e relevantes, junto da Câmara de ... , sobre o assunto em causa, mormente a um nível mais “político”.

- No que toca à autoria destes factos, o tribunal faz ainda menção a “(…) alternativas cogitáveis e possíveis, dentro de um universo camarário no qual o significado público-político das coisas não seria algo de todo em todo indiferente (…)”.

 Porém, igualmente não esclarece, a que “alternativas cogitáveis e possíveis” se refere, não concretizando nem uma, à luz das circunstâncias específicas do caso em apreço, capaz de afastar a imputada autoria e infirmar a prova produzida e já referida.

- É, pois, com base em meras suposições, portanto sem apoio factual/probatório, que o tribunal duvida da apontada autoria destes factos, de alguém com importante cargo de chefia – o Director Municipal da Administração do Território, o arguido B... – com competência para a admissão ou rejeição da comunicação prévia, interlocutor privilegiado do Presidente do CA do “ JJ... ”, trocando e elaborando e-mails em que claramente manifesta, além do mais, a preocupação na implementação célere do empreendimento, porque “A CMC investiu no JJ... e tem que ter retorno disto”, senão “o progresso passa ao lado do nosso Município” (e-mail do arguido).

- As obras do “ JJ... ” iniciaram-se sem que se mostrassem reunidos os necessários pressupostos, designadamente a aceitação da comunicação prévia.

[E mesmo equacionando a hipótese por alguns defendida de que em determinadas circunstâncias é possível iniciar as obras sem a aceitação expressa da comunicação prévia, é de notar que tal não acontece sem mais e que nesse sentido nada foi requerido ou comunicado pelos promotores, nenhuma taxa foi paga].

- E esse início extemporâneo deveu-se à actuação do arguido B... , enquanto Director Municipal da Administração do Território, que, exercendo – mal - as suas competências funcionais, autorizou o início das obras – e a sua posterior continuação – sem que tivesse ainda aceitado as comunicações prévias, portanto, sem que se mostrassem reunidos os necessários pressupostos – estes ou outros que eventualmente se mostrassem equacionáveis.

Desse modo, voluntariamente e sabendo que violava deveres inerentes ao seu cargo, permitiu às empresas que ali se pretendiam instalar, que o fizessem antes de cumprirem com todos os necessários requisitos, assim lhes concedendo um benefício ilegítimo.

- Da matéria de facto descrita no ponto 1.6 do despacho de acusação (Loteamento do x... ).

A ela respeitam os pontos 102 a 122 acima descritos, da matéria de facto tida como assente.

- Dá o tribunal como provado, no ponto 118 que “(…) no decurso da conversa então mantida, o arguido B... exortou a testemunha C... a alterar a informação camarária, porque lhe parecia a ele (arguido B... ) não haver fundamento legal para, além do mais, continuar a Câmara Municipal de ... a reter o montante relativo à garantia bancária prestada e não o devolver aos requerentes(…)”.

- Este facto – embora com redacção mais “simpática” para o arguido, mas que não altera o desvalor da sua acção - tem suporte nas declarações da testemunha C... (ouvida nas circunstâncias processuais acima referidas), que afirmou que o arguido B... se lhe dirigiu dizendo “altere o seu despacho, porque eu já me comprometi com o advogado do … promotor, de que a recepção definitiva sairia”.

Este elemento probatório não foi, efectivamente, infirmado por outro qualquer dado de prova carreado para os autos.

- Da atinente factualidade tida como provada resulta claro que o assunto em causa, respeitante a um loteamento no x... , estava longe de se mostrar consensual no seio camarário, designadamente no que concerne às soluções a adoptar no sentido de ultrapassar problemas que se colocavam e que se divisavam de custosa solução.

Ressaltaram em julgamento as questões referentes à recepção definitiva das obras e à devolução da caução prestada, interligadas entre si.

- Também resultou claro da prova produzida que a questão, designadamente da caução, não era de inequívoca ou indiscutível solução, vistas as especificidades do caso.

[Lembramos a Sra Perita ouvida em julgamento, que referiu “passado tanto tempo, devia ser visto com o promotor o que devia ser feito, até por causa da caução”.]

- Na sequência de um requerimento dos titulares do respectivo alvará de loteamento, a solicitar o cancelamento da garantia bancária que haviam prestado no processo, foi lavrada uma informação camarária com proposta de indeferimento do requerido, sobre a qual recaiu o parecer concordante da testemunha C... (enquanto Chefe da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização), com proposta que teve também seguimento concordante do Eng. GG... (Director do Departamento de Gestão Urbanística e Renovação Urbana) – pontos 111 a 114 dos factos provados (que aqui se dão por reproduzidos).

- Depois disto, em 12-07-11, o arguido B... chamou a testemunha C... ao seu gabinete, pedindo-lhe explicações sobre o assunto e “exortando-a” a alterar a posição antes assumida, conforme acima referimos – pontos 116 a 119 dos factos provados (que aqui se dão por reproduzidos).

            - O arguido já conhecia o teor do parecer do CEDOUA referido na matéria provada, veio a exarar sobre o assunto o despacho cujo teor consta do ponto120 dos factos provados e ele próprio determinou a realização de uma vistoria – efectuada em 4-10-11 - visando a recepção das obras.

            E afinal, como refere o tribunal no ponto 122 dos factos provados, veio a concluir-se “(…) que não estavam reunidas as condições para a recepção definitiva das obras (…)”.

            - Com este acervo factual/probatório disponível, o tribunal, afastando-se notoriamente da correcta apreciação dos dados objectivos pertinentes ao objecto processual, limitou-se a desvalorizar o testemunho da Eng. C... , menosprezando as suas referências e opiniões técnicas, só porque diferentes de outras veiculadas como também possíveis em obra escrita e pela Sra Perita ouvida.

            Assim, encaixou o tribunal os factos objectivos numa “percepção subjectiva de acossamento” por banda da testemunha.

            - Nem sequer apreciou e retirou consequências do facto dado como provado em 122, designadamente a conclusão da falta de condições para a recepção definitiva das obras – afinal a posição da testemunha, não demonstrando qualquer arrogância, não era assim tão errada … -, alcançada no seguimento de uma vistoria determinada pelo arguido.

           

Arguido esse que, antes da realização dessa vistoria, entendia estarem reunidas essas condições e dever ser devolvida a caução, “exortando” a testemunha a emitir parecer nesse sentido, contrariando parecer já antes emitido pela mesma e exarado em documento camarário …

- O referido (pelo tribunal) “choque de personalidades”, bem como as mencionadas “diferentes perspectivas sobre o mesmo problema” não podem legitimar – ou sequer colocar dúvida irresolúvel – a comprovada acção do arguido B... , visando condicionar a actuação funcional da Eng. C... , então Chefe da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização, sua subordinada hierárquica.

- O arguido pretendia, notoriamente, com a sua voluntária atitude, beneficiar ilegitimamente o promotor/titular do alvará de loteamento, consciente de que violava, além do mais, os seus deveres de imparcialidade e isenção e de prossecução do interesse público.

- Os termos em que o tribunal preenche a sua convicção revelam-se, a nosso ver, no que aqui nos interessa, manifestamente escassos, evidenciando uma abordagem simplista e redutora do alcance da prova no seu todo, num errado juízo valorativo da mesma. 

- E, diga-se, sendo importantíssima e por vezes determinante, a imediação que ocorre no decurso do julgamento, para a percepção do alcance da prova, designadamente testemunhal, no caso o tribunal dessa imediação não recolheu benefício, pois, a nosso ver, errou ao avaliar/desvalorizar o depoimento da testemunha C... como explanado no acórdão impugnado, não retirando dele tudo o que de objectivo devia retirar, com as necessárias consequências em termos da incriminação do arguido, quedando-se – quiçá indo longe de mais … - por reiterados considerandos de ordem subjectiva, “justificando” a actuação – criminalmente censurável - do arguido com um suposto carácter “apodíctico” do testemunho e com o alegado “choque de personalidades”.

- A notória inobservância das regras da experiência, do normal acontecer e da lógica, levaram a que o tribunal a quo não lograsse alcançar o juízo de inferência que os factos - directos - provados impunham, designadamente no que concerne à autoria – do arguido B... - da mencionada autorização verbal para o início das obras sem que estivessem reunidos os pressupostos necessários a tal (vg a aceitação da comunicação prévia, o pagamento de qualquer taxa …).

10º - Outrossim, a prova produzida e atendível, directa e indirecta, apreciada à luz das regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, não pode conduzir à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a autoria dos factos e sua censura criminal, dúvida essa que, por irresolúvel, haja que beneficiar o arguido.

11º - E é também o alheamento de um encadeamento coerente da factualidade em causa, de um raciocínio lógico e objectivável, que leva o tribunal a afastar a censura criminal do facto que dá como provado no ponto 118 da “Fundamentação de facto”.


12º - Do exame crítico da prova, que se pretende objectivável, que ocorra com razoabilidade, acerto e sustentadamente, fazendo o apelo que se impõe, na descoberta da verdade material, às inferências lógicas que do todo probatório se impõe retirar, é forçoso concluir pela comprovação dos factos acima referidos, tidos como não provados.

13º - Assim não o fazendo, errou notoriamente o tribunal a quo na apreciação crítica da prova produzida, incorrendo a decisão no vício previsto pelo at. 410º, nº 2, c) do CPP.

14º - Mas mesmo que se considere não verificada a notoriedade que exige o acima mencionado artigo, inegável se mostra que, no que aqui se discute, houve, manifestamente, um erro de julgamento, erro esse que se deveu à errónea ponderação dos elementos de prova que acima mencionámos, desconsiderando o comando do art. 127º do CPP.

15º - Mostram-se contrariadas as normas constantes do art. 127º do CPP, bem como a do art. 382º, com referência ao art. 386º, nº 1, a) ambos do CP, assim como se mostra contrariado o princípio in dubio pro reo.

 16º - Deve, então, conceder-se provimento ao presente recurso e, revogando o acórdão em apreço, alterar-se a decisão impugnada no que respeita à matéria de facto, nos termos expostos

17º - Concretizando,
Deverá o ponto 41 dos factos provados passar a assumir a seguinte redacção:

- “em data não concretamente determinada dos inícios de Junho de 2011, o arguido B... , enquanto Director Municipal da Administração do Território, concedeu autorização verbal aos representantes das empresas que pretendiam construir nas instalações do “ JJ... ” e que, como a arguida “ D... , S.A.” e a empresa “ AG... ”, ainda não tinham as respectivas comunicações prévias admitidas, para que iniciassem os respectivos trabalhos”.


Por outro lado, e com reporte aos pontos elencados pelo tribunal como de matéria de facto não provada, para além do já assente importa dar como provado que:

“ - o arguido B... deu a autorização verbal acima referida no ponto 41 (da matéria factual assente);
            - o arguido B... , em data anterior e próxima do dia 15 de Junho de 2001, concedeu autorização verbal para que as empresas que pretendiam construir nas instalações do “ JJ... ” iniciassem os trabalhos, tendo o arguido B... transmitido essa autorização à testemunha H... , que, por seu turno, a deu a conhecer aos representantes das empresas que pretendiam edificar naquele parque;
- a arguida “ D... , S.A.” e a empresa “ AG... ” iniciaram os seus trabalhos de construção nas instalações do “ JJ... ”, na sequência da autorização verbal do arguido B... acabada de referir;
- o arguido B... , ao dar a autorização verbal acabada de mencionar, agiu com a intenção pretendida e conseguida de beneficiar as empresas que então se instalavam no “ JJ... ”;
- actuou o arguido B... contrariando as funções que lhe estavam cometidas e colocando em causa os deveres de prossecução do interesse público, isenção e parcialidade que deveriam nortear a sua actuação enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , sacrificando por esta via o bom funcionamento e credibilidade das instituições públicas, nomeadamente da referida Câmara Municipal de ... ;

- agiu o arguido B... ciente de que a sua conduta era prevista e punida pela lei penal;

(…)

- ao actuar do modo acima descrito no ponto 118 (da matéria assente),  o arguido B... dirigiu uma ordem que contrariava os deveres do seu cargo, enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , bem como as funções da testemunha C... enquanto Chefe da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização;
- com tal conduta supra referida no ponto 118 (da factualidade provada), quis o arguido B... servir-se da sua posição de Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... e de superior hierárquico da testemunha C... , para satisfazer interesses ilegítimos de terceiros, que a eles não tinham direito, sacrificando assim os deveres de prossecução do interesse público, isenção e parcialidade que deveriam nortear a sua actuação enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , sacrificando por esta via o bem funcionamento e credibilidade das instituições públicas, nomeadamente da mencionada Câmara Municipal de ... ;

- apesar de ciente da ilicitude do seu comportamento, agiu o arguido B... com o propósito de beneficiar os titulares do alvará de loteamento do empreendimento em causa, que, ao verem o processo concluído, usufruiriam da aprovação de obras construídas em desrespeito ao loteamento e ao Plano Director Municipal, para além de recuperarem o valor da caução retida na Câmara Municipal de ... , a ela não tendo qualquer direito;

- agiu o arguido B... de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal”,

expurgando-se estes factos da factualidade tida como não provada, passando a integrar o elenco de factos provados.

18º - A matéria de facto assim considerada provada, integra a prática, em autoria material e concurso efectivo, pelo arguido B... , de dois crimes de abuso de poder, pp e pp pelas disposições conjugadas dos arts 382º e 386º, nº 1, a) do CP.

 19º - Então, uma vez fixada a matéria de facto, como indicado, deverá condenar-se o arguido pela prática de tais crimes.

JUSTIÇA!

Os recursos foram objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, concluindo o seguinte:

1 – Considerando que num determinado segmento factual  a conduta deste arguido poderia obter diversa qualificação jurídica, o tribunal efectuou a competente comunicação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 358º, nº 1 do CPP.

2 – Nos factos assim comunicados e posteriormente na fixação da matéria de facto no âmbito do acordão agora impugnado, designadamente no ponto 97 da matéria de facto provada, não explanou nem considerou o tribunal qualquer facto novo, ou seja, que não constasse já da acusação e dos factos comunicados.

3 - Na verdade, a intenção de beneficiar a D... constava já da acusação, assim como constava do conjunto de factos comunicados pelo tribunal, designadamente nos pontos 9 e 10.

4 -  A frase destacada pelo recorrente do ponto 97 da matéria de facto provada não é mais do que a concretização da descrição factual constante do ponto 9 dos factos comunicados, aliada à parte final do ponto 10 dos mesmos, matéria essa que, como afirma o próprio recorrente, já constava da acusação.

5 - O teor daquele ponto 97 não implica, manifestamente, qualquer alteração do objecto do processo, pelo que, qualquer que seja a qualificação jurídica dos factos julgados, ela jamais integrará uma alteração substancial dos mesmos.

6 – A alteração comunicada pelo tribunal não colide, nem com a estrutura acusatória do processo, nem com as garantias de defesa do arguido, que teve oportunidade de se pronunciar sobre a diferente qualificação, precisamente através da comunicação feita ao abrigo do disposto no art. 358º do CPP.

7 - Manifestamente que não se mostram violadas, por qualquer forma, as normas contidas nos arts 358º e 359º do CPP, não se verificando a alegada nulidade prevista pelo art. 379º do mesmo diploma legal.
8 – E igualmente não se verifica qualquer nulidade nesse mesmo dispositivo prevista, no âmbito da fundamentação da decisão, que observa os requisitos plasmados no art. 374º, nº 2 do CPP.

9 – Sem prejuízo do teor do recurso interposto pelo Ministério Público, no que aqui se discute o tribunal, observando o disposto no art. 127º do CPP, valorou de forma correcta, dentro dos limites legais, todos os dados probatórios que podia e lhe cumpria analisar e ponderar, fazendo uma apreciação equitativa, lógica e sustentável da prova.

  10 – A materialidade fáctica tida como assente no douto acórdão impugnado, no que a este arguido respeita, resulta ex consensu com a prova produzida, que foi alvo de um exame crítico condicionado pelo princípio da descoberta da verdade material.

11–  Não evidencia a decisão recorrida a violação do principio in dubio pro reo, pois, na esteira do exposto, a resolução em matéria de prova apresenta-se, neste particular, de modo racional, harmonizável e coerente, em acordo com as regras da experiência, com uma correcta, livre e objectiva análise dos diversos meios de prova mencionados na motivação do acórdão, não se levantando qualquer dúvida inultrapassável.                                                 

12 - Não subsistiu, pois, qualquer dúvida razoável, designadamente valorizada em desfavor do arguido, que alterasse o sentido correcto da prova atendível.

Igualmente do próprio teor da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, não resulta qualquer dúvida, capaz de fazer funcionar aquele princípio.

13 - É adequado o enquadramento jurídico-penal dos factos atinentes ao ora recorrente efectuado pelo Tribunal a quo, pois os mesmos, como bem se explica no acórdão impugnado, integram os elementos típicos do crime de abuso de poder, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts 26º, nº 1, in fine, da Lei n.º34/87 de 16-07 e 382º CP, pelo qual operou a sua condenação.

                    

14 - Quanto à moldura penal que ao crime cabe, mostra-se correcta a que o tribunal considerou, ou seja, a prevista pelo art. 382º do CP, ex vi art. 26º, nº 1 da Lei nº 34/97.

15 – Como justa e adequada se mostra a pena concreta alcançada (150 dias de multa à taxa diária de 15,00€, num total de 2250,00€)

16 – No que a este arguido e ora recorrente concerne, não se mostra violado qualquer princípio ou norma jurídica, designadamente as por ele referidas.


17 – Nesta parte, o acórdão impugnado deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento a este recurso.                                

O arguido A... respondeu ao recurso, concluindo que deverá ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, integralmente, o acórdão proferido.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso do Ministério Público merece provimento ao contrário do recurso do arguido, devendo ser negado provimento a este.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o arguido B... respondeu, voltando a pugnar pela improcedência do recurso do Ministério Público.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.


***

            II. Fundamentos da decisão recorrida

A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:

Após a realização da audiência de discussão e julgamento, entende o Tribunal provados os seguintes factos (que se pretendem expurgados de matéria conclusiva ou manifestamente espúria), pertinentes à decisão a proferir:
1 – o arguido A... assumiu funções de Vereador na Câmara Municipal de ... em 2010;
2 – por despacho de 21 de Dezembro de 2010 (Despacho n.º 1-PR/2010), tornado público pelo Edital n.º 182/2010, o então Presidente da Câmara Municipal de ... , K... , subdelegou competências nos diversos Vereadores da Câmara Municipal, designadamente no arguido A... , a quem, entre outras, atribuiu competências nas áreas de Administração e Gestão Urbanísticas, Obras e Infra-estruturas Municipais e Planeamento e Ordenamento do Território, nomeadamente para embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições delas constantes, dos regulamentos, das posturas municipais ou de medidas preventivas, de normas provisórias, de áreas de construção prioritárias, de áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de planos municipais de ordenamento do território plenamente eficazes (documento de fls. 70 a 77 dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
3 – as competências aludidas no ponto 2 (destes factos assentes) foram mantidas pelo Despacho n.º 37-PR/2011, de 22 de Setembro de 2011 (documento de fls. 78 a 86 dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
4 – na reunião ordinária da Câmara Municipal de ... , realizada em 10 de Novembro de 2009, foi proposto pelo Presidente da Câmara que o cargo de Director Municipal da Administração do Território fosse provido pelo arguido B... , tendo tal proposta sido aprovada;
5 – o arguido B... exerceu o cargo de Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... entre 6 de Janeiro de 2010 e 4 de Abril de 2013;
6 – por forças das suas funções competia ao arguido B... coordenar os diversos departamentos e divisões que estavam integrados na Direcção Municipal da Administração do Território, entre os quais se inseria o Departamento de Gestão Urbanística e Renovação Urbana, que era composto por várias divisões, designadamente a Divisão de Gestão Urbanística e a Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização (que, com a reestruturação ocorrida em 13 de Setembro de 2011, passou a ter a denominação de Divisão de Fiscalização Urbanística);
7 – por despacho de 15 de Fevereiro de 2011 (Despacho n.º 2/2011), tornado público pelo Edital n.º 126/2011, o arguido A... subdelegou no arguido B... , enquanto Director Municipal da Administração do Território, e entre outras, as competências para «(…) praticar actos de administração ordinária, incluindo os de instrução dos procedimentos; decidir sobre assuntos relacionados com a gestão e mobilidade interna dos recursos humanos afectos à Direcção Municipal; modificar ou revogar os actos praticados por funcionários ou agentes dentro dos serviços compreendidos na Direcção Municipal; executar as deliberações da Câmara Municipal e-ou os despachos do Vereador em todas as matérias relativas às competências da Direcção Municipal da Administração do Território ou outros processos administrativos que lhe sejam determinados (…)» (documento de fls. 90 a 92 dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
8 – cabia também ao arguido B... , enquanto Director Municipal da Administração do Território, para os efeitos do art. 5º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (R.J.U.E.), contido no D.L. n.º 555/99, de 16/12, na redacção conferida pelo D.L. n.º 26/2010, de 30/3, exercer, além do mais, as competências necessárias à admissão ou rejeição de comunicação prévia, nos termos dos arts. 4º/n.º 4, 5º/n.º 2, 36º e 36º-A do citado D.L. n.º 555/99 (documento de fls. 90 a 92 dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
9 – as competências acabadas de aludir foram mantidas pelo Despacho n.º 7-PL/2011, de 6 de Dezembro de 2011 (documento de fls. 93 a 95 dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
10 – o “ JJ... – , E.M., S.A.” é uma Empresa Municipal (com o número de identificação de pessoa colectiva (...) ) sedeada no “ (...) ”, nesta cidade de ... , constituída no dia 11 de Maio de 2004 (documento de fls. 1192 a 1214 dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
11 – no triénio que ocorreu entre 2010 e 2012, as funções de Presidente do Conselho de Administração do “ JJ... – , E.M., S.A.” foram exercidas por H... ;
12 – até 8 de Abril de 2011, o Presidente da Câmara Municipal de ... em exercício assumia a qualidade de Vogal do Conselho de Administração do “ JJ... – , E.M., S.A.”;
13 – em 19 de Maio de 2011, o arguido A... foi indigitado para, em representação da Câmara Municipal de ... , integrar o Conselho de Administração do “ JJ... – , E.M., S.A.”, assumindo a qualidade de Vogal de tal Conselho, em substituição do Presidente da Câmara Municipal de ... (documentos de fls. 686 a 689 e 1207 a 1209 dos presentes autos, ora dados por inteiramente reproduzidos no respectivo teor);
14 – o arguido B... , enquanto Director Municipal da Administração do Território, assumia envolvimento no sucesso do projecto do “ JJ... , E.M., S.A.”, mantendo contacto próximo com o Presidente do respectivo Conselho de Administração, H... , que lhe dava conta dos desenvolvimentos do projecto, bem como das vicissitudes e dificuldades que enfrentava;
15 – no contexto acabado de mencionar, e quando competia à autarquia remover, no âmbito das suas atribuições, os obstáculos surgidos ao projecto do “ JJ... , E.M., S.A.”, o arguido B... diligenciava por forma a tentar obter soluções para os problemas;
16 – uma das empresas que pretendia ocupar as instalações do “ JJ... , E.M., S.A.”, situadas no “ JJ... ”, em y... , ... , era a arguida “ D... , S.A.”, que tinha como director o arguido N... ;
17 – no dia 30 de Maio de 2011, deu entrada na Câmara Municipal de ... um pedido da arguida “ D... , S.A.” para admissão da comunicação prévia de obras de edificação de uma unidade fabril no prédio inscrito na matriz predial sob o art. 001855º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 7582 da freguesia de w ... e n.º 2101 da freguesia de y... , pedido ao qual foi atribuído o registo n.º 33064/2011 (anexo 2 do apenso H aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
18 – o requerimento referido no ponto 17 (da presente matéria fáctica provada) deu origem ao processo n.º 11/2011/859 da Câmara Municipal de ... (anexo 1 do apenso H aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

19 – o prédio onde seria implantada a unidade fabril da arguida “ D... , S.A.” corresponde ao Lote 13 das instalações do “ JJ... ”;

20 – a arguida “ D... , S.A.” já antes havia dirigido à Câmara Municipal de ... uma primeira comunicação prévia, rejeitada por decisão de 26 de Abril de 2011, a qual se fundamentou no argumento de violar a pretensão da apontada arguida um parâmetro do loteamento do “ JJ... ”, nomeadamente por ser prevista ocupação exterior à mancha de ocupação permitida, e por falta de apresentação de novos elementos do projecto de arquitectura (documento de fls. 460 e 461 dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
21 – o pedido formulado na segunda comunicação prévia foi analisado pela testemunha F... , arquitecto e funcionário da autarquia, que, tal como acontecera com o primeiro procedimento, concluiu que, para além de faltarem vários documentos necessários para a sua instrução, não eram esclarecidos pontos essenciais, quer quanto às obras a realizar, quer quanto aos prazos de execução das mesmas, propondo, em consequência, a sua rejeição após audiência prévia, nos termos do disposto no art. 100º do Código de Procedimento Administrativo (C.P.A.) (anexo 1 do apenso H aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

22 – para além disso, propunha também a consulta da “Águas de ... , E.M.”, para se pronunciar em relação ao projecto de abastecimento de água e drenagem de águas residuais (anexo 1 do apenso H aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

23 – este parecer da testemunha F... foi elaborado e junto no dia 6 de Junho de 2011 (anexo 1 do apenso H aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

24 – no mesmo dia 6 de Junho de 2011, o Chefe da Divisão de Gestão Urbanística Sul e ora testemunha VV... proferiu despacho no sentido de ser promovida a audiência prévia e a consulta sugeridas pela testemunha F... (anexo 1 do apenso H aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

25 – no dia 9 de Junho de 2011, foi remetida notificação à arguida “ D... , S.A.” para que, em 20 dias, se pronunciasse sobre a proposta de indeferimento da comunicação prévia (anexo 3 do apenso H aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
26 – em 28 de Junho de 2011, deu entrada na Câmara Municipal de ... a resposta da arguida “ D... , S.A.” à notificação de 9 de Junho de 2011, a qual ficou registada com o n.º 39484/2011, tendo sido juntos ao procedimento os seguintes documentos: termo de responsabilidade do Director de Fiscalização e do Director Técnico da obra, projecto de gás visado pelo Instituto Tecnológico do Gás, declaração de titularidade de alvará emitido pelo Instituto Nacional da Construção e do Imobiliário, com habilitações adequadas à natureza e ao valor da obra, apólice de seguro de acidentes de trabalho, livro de obra, com menção de termo de abertura, plano de segurança e saúde, declaração de certificação energética relativa ao projecto térmico (sem que este tenha sido apresentado), parecer condicionado emitido pela “Electricidade de Portugal, S.A.” (documento de fls. 2 e 4 do apenso B aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

27 – o procedimento foi então analisado pela testemunha F... , que, em 1 de Julho de 2011, elaborou nova informação na qual referiu não terem sido totalmente ultrapassadas as lacunas do processo, posto que continuavam por juntar documentos necessários à sua instrução e não estavam ainda esclarecidos todos os pontos antes assinalados, propondo que fossem apresentados elementos adicionais, tendo em vista a análise conclusiva do pedido, e que se notificasse a requerente, concedendo-lhe um prazo de 15 dias para complementar o processo com os elementos em falta (documento de fls. 3 a 5 do apenso B aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

28 – no dia 1 de Julho de 2011, o referido Chefe da Divisão de Gestão Urbanística Sul, testemunha VV... , proferiu despacho no sentido de ser efectuada a notificação sugerida na informação da testemunha F... (documento de fls. 3 a 5 do apenso B aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

29 – no dia 5 de Julho de 2011, foi remetida a notificação dirigida à arguida “ D... , S.A.” (documento de fls. 6 do apenso H aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

30 – na sequência da notificação referida no ponto 29 (desta factualidade assente), e até ao dia 7 de Setembro de 2011, não foi junto ao processo qualquer requerimento ou documento por parte da arguida “ D... , S.A.” (documento de fls. 24 do apenso B aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

31 – no lapso temporal aludido no ponto 30 (dos presentes factos provados) apenas foram juntos ao processo documentos remetidos por entidades externas, como a “Águas de ... , E.M.” (documentos de fls. 7 e 8 do apenso B aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

32 – uma outra empresa que se pretendia instalar no “ JJ... ” era a “ AG... ”;

33 – a empresa ora mencionada no ponto 32 (destes factos assentes) deu entrada na Câmara Municipal de ... , em 2 de Maio de 2011,  de um pedido para admissão da comunicação prévia de obras de construção de um edifício de testes de desenvolvimento e instalações auxiliares, a edificar no Lote 7 do “ JJ... ” (documento de fls. 22 do apenso D aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

34 – o pedido referido no ponto 33 (desta matéria factual provada) deu origem ao processo n.º 01/2011/821 da Câmara Municipal de ... (documento de fls. 1 a 3 do apenso D aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

35 – o procedimento foi analisado pela testemunha F... e pelo engenheiro SS... , igualmente da Câmara Municipal de ... ;

36 – o despacho de admissão da comunicação prévia foi proferido no dia 15 de Julho de 2011 (documento de fls. 16 do apenso D aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

37 – a certidão camarária foi emitida no dia 20 de Julho de 2011 e o pagamento da taxa ocorreu no dia seguinte (21 de Julho de 2011) (documentos de fls. 22 e 41 do apenso D aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

38 – no início do mês de Junho de 2011 havia uma grande insistência da Direcção do “ JJ... , E.M., S.A.” para dar início solene às obras, pretendendo o Presidente do respectivo Conselho de Administração, H... , que a divulgação pública de tal evento ocorresse na segunda semana do apontado mês de Junho, o que comunicou ao arguido B... , através de mensagem de correio electrónico a este enviada no dia 2 do aludido mês de Junho (documento de fls. 483 dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

39 – por essa altura – Junho de 2011 –, nem todas as empresas que pretendiam ocupar as instalações do “ JJ... , E.M., S.A.” tinham as respectivas comunicações prévias admitidas, como era o caso da arguida “ D... , S.A.” e da empresa “ AG... ”;

40 – o facto mencionado no ponto 39 (da presente matéria assente) era do conhecimento do arguido B... ;

41 – em data não concretamente determinada dos inícios de Junho de 2011, pessoa(s) de identidade(s) não concretamente apurada(s) ligada(s) à autarquia de ... concedeu(eram) autorização verbal aos representantes das empresas que pretendiam construir nas instalações do “ JJ... ” e que, como a arguida “ D... , S.A.” e a empresa “ AG... ”, ainda não tinham as respectivas comunicações prévias admitidas, para que iniciassem os respectivos trabalhos;

42 – na sequência da autorização referida no ponto 41 (destes factos provados), no dia 15 de Junho de 2011, a arguida “ D... , S.A.” deu início aos trabalhos de construção no Lote 13 do “ JJ... ”;
43 – em data não concretamente apurada, mas antes do dia 7 de Julho de 2011, e na sequência da autorização mencionada no ponto 41 (da presente factualidade assente), a empresa “ AG... ” deu início aos trabalhos de construção no Lote 7 do “ JJ... ”;

44 – no dia 7 de Julho de 2011, foi publicada uma notícia na imprensa local, dando conta do início da construção de edifícios nas instalações do “ JJ... ”, por parte da arguida “ D... , S.A.”, assim como das empresas “ AG... ”, “ AJ... , S.A.” e “ AP... , S.A.”;

45 – a notícia aludida no ponto 44 (da presente matéria provada) foi lida pela engenheira e ora testemunha C... , Chefe da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização (integrada na Direcção Municipal da Administração do Território) da Câmara Municipal de ... , a qual (testemunha C... ) determinou então que o fiscal e ora testemunha LL... se deslocasse às instalações do “ JJ... ”;

46 – ainda no dia de Julho de 2011, a testemunha LL... deslocou-se às ditas instalações do “ JJ... ”, constatando que estavam aí em curso obras nos lotes da arguida “ D... , S.A.” e da empresa “ AG... ”, sendo do conhecimento da referida testemunha LL... que ainda não estavam concluídos os inerentes procedimentos de comunicação prévia;

47 – a testemunha LL... deu indicações aos trabalhadores que se encontravam na execução das obras para que transmitissem aos seus superiores que ali tinha estado e que deveriam suspender as obras de imediato, sob pena de virem a ser as mesmas autuadas e objecto de eventual embargo camarário;

48 – no dia seguinte, sexta-feira, o referido fiscal deu conhecimento do resultado das suas diligências à testemunha C... ;

49 – no seguimento da referida fiscalização, e tendo conhecimento da mesma, a testemunha H... contactou com o arguido B... , o que fez quer por telefone, quer por correio electrónico, colocando-o não só a par da fiscalização, mas também questionando-o sobre a adequação do procedimento do fiscal LL... e da forma como este procedimento havia por tal fiscal sido levado a cabo;

50 – o contacto por correio electrónico traduziu-se na mensagem enviada pela testemunha H... ao arguido B... , no dia 11 de Julho de 2011, segunda-feira, pelas 12 horas e 42 minutos, da qual consta: «Bom dia Sr. Director Municipal. Recebi informação que a “ D... ” também foi visitada pela Câmara Municipal de ... no “ JJ... ” relativamente às obras em curso: neste momento estão a colocar estaleiros e a fazer os primeiros trabalhos referentes a movimentação de terras, etc. A ameaça é a de levantamento de autos. Penso que deveríamos intervir no sentido de clarificar a situação, evitando o levantamento de autos e o facto de não ter problemas de imagem (do concelho) com investidores de fora que ficam nervosos com estes “eventos”. Relativamente ao “ AG... ”, eles informaram-me que teriam o processo com a E.D.P. (que já tinha sido aprovado, mas eles entretanto pediram a alteração de um P.T.) terminado ainda hoje de manhã. Relativamente à “ D... ”, eles teriam todos os elementos prontos também ainda hoje, a serem entregues na Câmara Municipal de ... . Todos os casos se referem a especialidades, ou seja, estão em condições de avançar na parte estrutural, pelo que o procedimento de levantamento de auto não me parece justificável. Sugiro que se faça uma reunião ainda esta semana para clarificar a situação. Cumprimentos, H... » (documento de fls. 500 dos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

51 – no mesmo dia 11 de Julho de 2011, pelas 14 horas e 40 minutos, o arguido B... remeteu uma mensagem de correio electrónico às testemunhas VV... e C... , da qual consta: «Caros Senhores Chefes de Divisão: As demoras na finalização dos procedimentos têm destas coisas… Claro que as falhas instrutórias são deles, claro que nós não temos culpa, mas claro também que para quem investe isto tudo é blábláblá, pois o Simplex tem muito de publicidade enganosa… Vejam entre vós os dois o que se pode fazer. Valerá a pena tentar um faseamento das obras? Por analogia, seria possível realizar a escavação e a contenção periférica (art. 81º R.J.U.E.)? Queiram aceitar os meus cumprimentos» (documento de fls. 499 e 500 dos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

52 – na manhã do dia 12 de Julho de 2011, o arguido B... convocou  os elementos da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização para uma reunião, que teve lugar no seu gabinete, nas instalações da Câmara Municipal de ... ;

53 – na reunião aludida no ponto 52 (desta factualidade provada) estiveram presentes as engenheiras e ora testemunhas C... , II... e HH... , o engenheiro e ora testemunha GG... (este, no entanto, não presente desde o início da reunião), e os fiscais LL... , MM... , NN... , OO... e PP... ;

54 – no decurso dessa reunião, o arguido B... referiu-se expressamente à deslocação que o fiscal LL... tinha realizado no dia 7 de Julho às instalações do “ JJ... ”, manifestando o seu desacordo com essa actuação, que disse ser, pelas informações que lhe tinham sido veiculadas pela testemunha H... , desadequada e mediante uma postura arrogante e prepotente do referido fiscal LL... ;

55 – acrescentou também que não competia a um fiscal municipal, na abordagem aos particulares e aos investidores, ameaçá-los com o eventual decretamento de embargos camarários;
56 – veiculou ainda o arguido B... , na mesma reunião, diversas críticas à normal forma de actuar dos fiscais da Câmara Municipal de ... no exercício das suas funções, apodando-a de arrogante e muitas vezes prepotente;
57 – assim como disse o mesmo arguido que os fiscais municipais de ... se preocupavam apenas com algumas situações, não ligando a outras que  deveriam merecer – essas, sim – a respectiva atenção e actuação dos aludidos fiscais;
58 – mais acrescentou o arguido B... que os fiscais municipais deveriam preocupar-se também em falar menos e cumprir melhor as suas funções, isto é, cumpri-las de um modo pedagógico e proactivo, e não ameaçador;
59 – ao ouvirem todas estas palavras do arguido B... , pelo menos as testemunhas C... , II... , HH... e LL... se sentiram injustiçadas e enxovalhadas no seu brio profissional;

60 – ainda no dia 12 de Julho de 2011, pelas 16 horas e 7 minutos, o arguido B... recebeu, através de mensagem de correio electrónico, a resposta à questão que havia colocado às testemunhas VV... e C... através do mail aludido no ponto 51 (destes factos provados), escrevendo tais testemunhas o seguinte: «Exmo. Sr. Director da D.M.A.T.. Na sequência da mensagem de 2011/07/11, cumpre informar que o procedimento sugerido para obviar os atrasos na aceitação da comunicação prévia consubstanciar-se-ia em mais e maiores impedimentos ao início das obras, na medida em que obrigaria à apresentação de requerimento por parte dos interessados acompanhado de caução no valor correspondente à reposição do terreno nas condições naturais. Neste contexto, é nosso entendimento que as situações de impasse quanto à aceitação das comunicações prévias em análise resolvem-se de forma célere quando os promotores apresentarem todos os elementos instrutórios dos processos, em sede de audiência prévia, correctamente elaborados e com os respectivos pareceres favoráveis por parte das entidades a consultar, conforme resultou das reuniões informais de trabalho com os representantes e técnicos da “ D... ” e do “ AG... ”. Cumprimentos. C... e VV... » (documento de fls. 499 dos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

61 – pelas 19 horas e 28 minutos do mesmo dia 12 de Julho de 2011, o arguido B... enviou a seguinte mensagem de correio electrónico às testemunhas C... e VV... , a propósito do mail aludido no ponto 60 (da presente factualidade assente): «Caros Colegas: A vossa resposta não me satisfaz completamente. Pergunto: alguém dos serviços já se lembrou de contactar a E.D.P. no sentido de explicar que, tratando-se de uma situação em que a lei prevê consultas externas, se solicita a maior urgência no desbloquear dos assuntos pendentes? Definitivamente, temos de perceber que temos que ter uma resposta proactiva no tratamento deste tipo de investimentos. A Câmara Municipal de ... investiu no “ JJ... ” e ... tem que ter retorno disso. Se cada um de nós fica quietinho no seu canto, convencido de que a legalidade está cumprida e por isso estamos tranquilos, o progresso passa ao lado do nosso Município. Não pode ser! Queiram aceitar os meus cumprimentos» (documento de fls. 499 dos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

62 – no dia 13 de Julho de 2011, o fiscal LL... deslocou-se de novo às instalações do “ JJ... ”, desta feita com  testemunha C... , elaborando dois autos de notícia;

63 – o auto de notícia n.º 133/2011 tinha por base os trabalhos (escavações e movimentação de terras para implantação da edificação), que estavam a ser realizados no Lote 7 do “ JJ... ”, pertencente à empresa “ AG... ”, quando ainda se encontrava em fase de apreciação a comunicação prévia cuja apresentação deu origem ao processo n.º 01/2011/821, não estando ainda admitida (documento de fls. 31 do apenso D aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

64 – o auto de notícia n.º 134/2011 tinha por base os trabalhos (escavações e movimentação de terra e abertura de caboucos de fundações e seu enchimento para implantação de construção), em execução no Lote 13 do “ JJ... ”, pertencente à arguida “ D... , S.A.”, estando ainda em fase de apreciação a comunicação prévia cuja apresentação deu origem ao processo n.º 11/2011/859, não estando ainda admitida (documento de fls. 16 do apenso B aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

65 – na sequência do levantamento do auto de notícia n.º 133/2011, relativo à empresa “ AG... ”, no dia 14 de Julho de 2011 o fiscal LL... elaborou a informação com a referência n.º 2552/2011, nela constando um relatório de inspecção referente aos factos relatados naquele auto de notícia, o qual terminava com uma proposta de embargo administrativo da obra (documento de fls. 30 do apenso D aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

66 – a informação mencionada no ponto 65 (desta matéria provada) foi dirigida à testemunha C... , enquanto Chefe da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização, que, no mesmo dia 14 de Julho de 2011, emitiu parecer em que sufragava a posição do fiscal LL... , isto é, propondo que fosse determinado o embargo administrativo da obra;

67 – no dia 15 de Julho de 2011, o expediente dito no ponto 66 (da presente factualidade assente) foi presente ao arguido B... para que este, após despacho, o encaminhasse ao Vereador competente para a decisão, o arguido A... ;

68 – nesse mesmo dia 15 de Julho de 2011, foi presente ao arguido B... para despacho a informação com a referência n.º 0000826, relativa à comunicação prévia da empresa “ AG... ” (documento de fls. 16 do apenso D aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

69 – depois de proferir despacho a admitir a comunicação prévia, o arguido B... exarou na informação com a referência n.º 2552/2011 (relativa ao auto de notícia n.º 133/2011), o seguinte despacho: «Considero a presente informação prejudicada face à aceitação da comunicação prévia. À D.L.D.F. para fiscalização sucessiva e ao G.J.C., para ter em conta no procedimento de contra-ordenação» (documento de fls. 30 do apenso D aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

70 – no dia 22 de Julho de 2011, a funcionária e ora testemunha TT... transmitiu uma cópia do auto de notícia n.º 133/2011 para a Secção de Contra-Ordenações, da Divisão de Contra-Ordenações e Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ... (documento de fls. 9 do apenso F aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

71 – no dia 24 de Agosto de 2011, foi proferido despacho a determinar a instauração do processo de contra-ordenação com o n.º 522/2011, que tinha como arguida a empresa “ AG... ”, e pelos factos constantes do auto de notícia n.º 133/2011 (documento de fls. 78 e 79 do apenso F aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

72 – na sequência do levantamento do auto de notícia n.º 134/2011, relativo à ora arguida “ D... , S.A.”, no dia 14 de Julho de 2011 o fiscal LL... elaborou a informação com a referência n.º 2555/2011, que dirigiu à testemunha C... , na qual relatava os factos constatados no decurso da fiscalização de 13 de Julho e propunha o embargo administrativo da obra (documento de fls. 18 do apenso B aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

73 – a testemunha C... , em 14 de Julho de 2011, apôs o seu parecer na informação, sancionando a proposta de embargo, entregando o processo ao arguido B... para que este, após despacho, o encaminhasse ao Vereador competente, o arguido A... , para decisão;

74 – a entrega do processo de embargo ao arguido B... e não directamente ao Vereador e arguido A... , que era quem tinha competência para a decisão, deveu-se ao facto de algum tempo antes ter sido instituído pelo arguido B... um novo procedimento, por via do qual era o expediente normalmente entregue no seu gabinete, sendo depois feito o competente encaminhamento;

75 – em 19 de Julho de 2011, o arguido B... proferiu despacho a solicitar ao Director do Departamento de Gestão Urbanística e Renovação Urbana, ora testemunha GG... , que o informasse sobre várias questões ligadas ao andamento do processo, nos seguintes termos: «Solicito ao Senhor Director do D.G.U.R.U informação sucinta sobre: a) entrada da comunicação prévia; b) prazos decorridos; c) enquadramento das consultas a entidades externas; d) possibilidade de auto-liquidação ou de aceitação de comunicação prévia parcial para movimentos de terra e contenção periférica (por analogia com licença parcial); e) motivos da pendência actual do processo; f) problemas do projecto de arquitectura que impeçam a comunicação prévia parcial» (documento de fls. 18 do apenso B aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

76 – no dia 29 de Julho de 2011, a ora testemunha GG... fez juntar ao processo a informação na qual respondeu às questões que antes tinham sido levantadas pelo arguido B... (documento de fls. 19 e 20 do apenso B aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

77 – no dia 1 de Agosto de 2011, o arguido B... entrou de férias pessoais;

78 – no dia 8 de Agosto de 2011, a assistente técnica AX... elaborou uma informação, que foi junta, nessa mesma data, ao procedimento de comunicação prévia, a qual ia no sentido da rejeição da comunicação prévia, informação fundamentada na circunstância de o prazo fixado anteriormente se encontrar expirado e no decurso do mesmo não se haver a arguida “ D... , S.A.” pronunciado nem junto os documentos em falta para a instrução do procedimento (documento de fls. 21 do apenso B aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

79 – a informação aludida no ponto 78 (da presente factualidade provada) foi dirigida ao Chefe da Divisão de Gestão Urbanística Sul e ora testemunha VV... , que no apontado dia 8 de Agosto de 2011 elaborou o seu parecer, para ser apresentado ao ora arguido A... , a propor a rejeição da comunicação prévia e, simultaneamente, a propor que fosse ordenado o embargo das obras (documento de fls. 21 do apenso B aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

            80 – a testemunha VV... colocou na informação uma anotação (em papel avulso, em um post it), em que escreveu «À D.G.U.S., remeter com urgência para o Gabinete do Ex. Sr. Vereador, Eng. A... » (documento de fls. 22 do apenso B aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

81 – em dia não concretamente apurado dos finais do mês de Agosto de 2011, o processo relativo à arguida “ D... , S.A.” foi remetido para o gabinete do arguido A... , processo do qual constava o parecer para a rejeição da comunicação prévia e a proposta de embargo da obra, decisões para que mantinha competência;

82 – no dia 29 de Agosto de 2011, o arguido B... regressou de férias;

83 – o processo em causa foi novamente movimentado no dia 7 de Setembro de 2011, data em que ocorreu a entrega na Câmara Municipal de ... de um requerimento da arguida “ D... , S.A.” acompanhando os elementos em falta para a instrução da comunicação prévia, o qual foi registado com o n.º 52141 (documento de fls. 19 do apenso G aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

            84 – o requerimento referido no ponto 83 (desta matéria fáctica provada) era uma digitalização do original;

85 – todavia, existiam, à época, normas internas na Câmara Municipal de ... no sentido de não serem consideradas ou analisadas as digitalizações enquanto não fossem juntos aos processos os respectivos originais;

86 – no dia 8 de Setembro de 2011, o arquitecto e ora testemunha F... consultou o requerimento junto e a documentação que era trazida ao processo;

87 – apesar de verificar que os documentos digitalizados eram idóneos e bastantes para que pudesse proferir a informação e propor a admissão da comunicação prévia, a testemunha F... , em obediência às normas internas mencionadas no ponto 85 (dos presentes factos assentes), e porque o requerimento apresentado pela arguida “ D... , S.A.” se tratava de uma digitalização, não elaborou a competente informação;

88 – no dia 9 de Setembro de 2011, sexta-feira, já constava no processo da arguida “ D... , S.A.” o original do requerimento e dos documentos anexos, entrados através de digitalização no dia 7 do apontado mês de Setembro de 2011 (e melhor referido no ponto 83 desta factualidade assente);

89 – no aludido dia 9 de Setembro de 2011, cerca das 14 horas e 30 minutos, quando decorriam os trabalhos de betonagem da segunda laje do edifício das futuras instalações da arguida “ D... , S.A.”, ocorreu uma derrocada do piso, com a subsequente queda de L... (trabalhador da empresa “ AL... , Lda.”) e de AM... (trabalhador da empresa “ AN... , Lda.”);

90 – a ocorrência do acidente chegou ao conhecimento da Câmara Municipal de ... , nomeadamente ao arguido A... , em momento não concretamente apurado da tarde do dia 9 de Setembro de 2011;

91 – então, após haver tomado conhecimento do dito acidente, e sendo sua convicção que a comunicação prévia requerida pela arguida “ D... , S.A.” ainda não tinha sido decidida, o arguido A... averiguou em que estado se encontrava o processo, vindo a apurar que já havia dado entrada na Câmara Municipal de ... o requerimento da apontada arguida, registado com o n.º 52141, o qual instruía o processo com elementos que antes haviam sido solicitados;

92 – cerca das 18 horas do dia 9 de Setembro de 2011, o arguido A... dirigiu-se ao gabinete da testemunha VV... , dizendo-lhe que precisava de que a informação técnica referente ao registo n.º 52141 fosse elaborada com a data daquele mesmo dia, 9 de Setembro de 2011, perguntando assim se tal seria possível de fazer, ao que a testemunha VV... retorquiu que ia transmitir à testemunha F... esse pedido;

93 – no entanto, no dito dia 9 de Setembro de 2011, a testemunha F... havia já saído das instalações da Câmara Municipal de ... pelas 17 horas e 23 minutos, razão pela qual não foi abordada, ainda nessa sexta-feira, pela testemunha VV... ;

94 – ao início da manhã da segunda-feira seguinte, dia 12 de Setembro de 2011, a testemunha VV... chamou a testemunha F... ao seu gabinete, entregando-lhe o processo físico da arguida “ D... , S.A.”, já instruído com o requerimento registado com o n.º 52141, transmitindo-lhe o pedido ou solicitação que havia recebido do arguido A... , relativamente à informação técnica do processo de comunicação prévia daquela arguida, ou seja, no sentido de que a informação da testemunha F... no processo fosse dada com a data de 9 de Setembro de 2011;

95 – pelas 12 horas e 30 minutos do referido dia 12 de Setembro de 2011, a testemunha F... inseriu no processo físico e no sistema informático relativo ao processo da arguida “ D... , S.A.” a informação, com data de 9 de Setembro de 2011, em que propôs que fosse admitida a comunicação prévia de tal arguida (documento de fls. 16 a 18 do apenso G aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

96 – ao praticar o facto mencionado no ponto 92 (da presente matéria assente), o arguido A... agiu com o intuito de que pudesse ficar a constar formalmente do despacho de admissão da comunicação prévia a data de 9 de Setembro de 2011, ou seja, uma data nunca posterior àquela em que ocorreu o acidente na obra da arguida “ D... , S.A.” (e, portanto, nessa medida, pretendia também forjar um elemento – a menção da data de elaboração – componente  de um documento);
97 – mais sabia o arguido A... , ao emitir o pedido aludido no ponto 92 (destes factos provados), que agia no exercício das suas funções de Vereador responsável pela área do Urbanismo na Câmara Municipal de ... , fazendo-o de forma contrária aos deveres do cargo que desempenhava, o que sabia ser incompatível com os deveres de isenção e imparcialidade da Administração a que estava obrigado, assim pretendendo beneficiar a arguida “ D... , S.A.” (nas eventuais consequências que pudessem vir a suceder a esta, a diversos níveis, por causa do apontado acidente, maxime, em termos contra-ordenacionais), através de uma regularização formal do processo, criando as condições para que o despacho de admissão da comunicação prévia pudesse ter a data do acidente de trabalho naquela obra;

98 – o arguido A... actuou de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida pela lei penal;

99 – não obstante o facto referido no ponto 95 (desta matéria fáctica provada), o acto material, pela testemunha F... , de elaboração da informação na qual propôs que fosse admitida a comunicação prévia da arguida “ D... , S.A.”, ocorreu em momento não concretamente apurado da tarde de sexta-feira, dia 9 de Setembro de 2011, ou da manhã de segunda-feira seguinte, dia 12 de Setembro de 2011 (antes das 12 horas e 30 minutos);

100 – e também em momento não concretamente apurado da tarde de sexta-feira, dia 9 de Setembro de 2011, ou do fim da manhã da segunda-feira seguinte, dia 12 de Setembro de 2011, o arguido B... exarou pelo seu punho o despacho a admitir a comunicação prévia, com data de 9 de Setembro de 2011 (documento de fls. 16 a 18 do apenso G aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

101 – o auto de notícia n.º 134/2011 foi remetido para a Divisão de Contra-Ordenações e Execuções Fiscais, no dia 30 de Janeiro de 2012, sendo emitido despacho a determinar a efectivação de um processo de contra-ordenação no dia seguinte (documento de fls. 76 do apenso F aos presentes autos, cujo teor se dá ora por inteiramente reproduzido);

102 – em Julho de 2011, estava ainda pendente na Câmara Municipal de ... o processo camarário de loteamento n.º 27.1977.2844, relativo a um loteamento no x... , freguesia de ... , em ... ;
103 – o processo referido no ponto 102 (desta factualidade provada) teve início no ano de 1981, havendo a Câmara Municipal de ... emitido o alvará de loteamento n.º 111 à empresa de construções “ AR ... , Lda.”, que veio a ser posteriormente declarada insolvente, tendo a responsabilidade para concluir o processo sido adquirida por BB... , entretanto falecido, passando o processo a tramitar em nome dos Herdeiros de BB... (documento de fls. 2 e ss. do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
104 – durante as operações de urbanização foram construídas, em um terreno cedido para domínio público no âmbito do loteamento, 33 garagens, sem que existisse licença municipal;

105 – para além disso, as áreas de cedência previstas no alvará nunca foram cedidas ao domínio público municipal;
106 – estas desconformidades impediam que fosse feito o recebimento definitivo dos espaços públicos do projecto (documento de fls. 8 e ss. do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
107 – em Outubro de 2009, o então Director Municipal da Administração do Território, GG... , determinou que fosse pedido um parecer ao Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, da Faculdade de Direito da Universidade de ... , tendo em vista apurar se existia forma de obstar a que se procedesse à demolição das 33 garagens construídas de forma ilegal no loteamento do x... (documento de fls. 41 e ss. do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
108 – em 9 de Agosto de 2010, deu entrada na Câmara Municipal de ... o parecer solicitado ao Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente,  o qual chegou ao conhecimento do arguido B... no dia 23 do mesmo mês e ano (documento de fls. 70 do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);
109 – o parecer do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente concluía no sentido de que não existia obstáculo a que se procedesse a uma alteração ao loteamento, desde que se convertessem as garagens em partes comuns dos lotes, que seriam regidas em termos similares aos previstos para os espaços comuns em sede do regime jurídico de propriedade horizontal (documento de fls. 71 e ss. do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

110 – todavia, como esta alteração implicava um aumento da área bruta de construção de 585m2, ultrapassando os limites definidos pelo Regulamento do Plano Director Municipal de ... , seria necessário proceder a uma avaliação da situação, em concreto, para depois se analisar se estavam preenchidos os pressupostos previstos no art. 61º/n.os 4 e 5 do referido Regulamento, por via dos quais se permitia que fosse ultrapassada a área bruta de construção, até ao máximo de 20%, desde que a obra fosse considerada de grande qualidade pelos serviços competentes ou de indiscutível interesse público (documento de fls. 71 e ss. do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

111 – em 19 de Janeiro de 2011, deu entrada na Câmara Municipal de ... um requerimento dos então titulares do alvará de loteamento n.º 111, requerimento aquele em que pretendiam fosse cancelada a garantia bancária prestada no processo (documento de fls. 100 do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

112 – em resposta a este requerimento foi elaborada a informação n.º 1839, que elencava os motivos pelos quais defendia não ser possível proceder ao recebimento definitivo da obra e ao cancelamento da garantia bancária, terminando a informação com proposta de indeferimento do requerido (fls. 101 do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

113 – em 1 de Junho de 2011, a testemunha C... deu o seu parecer na informação n.º 1839, concordando com a proposta, e propôs a notificação prévia dos interessados nos termos do Código de Procedimento Administrativo (documento de fls. 101 do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

114 – em 3 de Junho de 2011, a testemunha GG... , na qualidade de Director do Departamento de Gestão Urbanística e Renovação Urbana, mandou proceder à audiência prévia, por escrito, dos interessados, tendo a competente notificação nesse sentido sido remetida à requerente BB.... no dia 6 de Junho de 2011 (documento de fls. 101 e 109 do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

115 – em 11 de Julho de 2011, os titulares do alvará de loteamento n.º 111 apresentaram um novo requerimento à Câmara Municipal de ... , no qual pediram, para além do mais, que fosse formalizada a cedência das áreas definidas no alvará com vista à sua integração no domínio público e privado do município, bem como que lhes fosse remetida cópia do parecer do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, para que pudessem promover a alteração do loteamento, com o objectivo de regularizarem a situação das garagens (documento de fls. 110 e ss. do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

116 – no dia 12 de Julho de 2011, ao final da tarde, o arguido B... chamou a testemunha C... ao seu gabinete, tendo-a questionado sobre o estado do processo camarário de loteamento n.º 27.1977.2844, relativo ao loteamento no x... ;

117 – a testemunha C... explicou ao arguido que, no seu entendimento, não poderia fazer-se a recepção definitiva da obra porque existia um conjunto de garagens que fora construído em espaço público, adiantando ainda que já tinha sido remetido aos requerentes um ofício a informar que não era possível a recepção definitiva enquanto por eles não fosse resolvida a situação;

118 – no decurso da conversa então mantida, o arguido B... exortou a testemunha C... a alterar a informação camarária, porque lhe parecia a ele (arguido B... ) não haver fundamento legal para, além do mais, continuar a Câmara Municipal de ... a reter o montante relativo à garantia bancária prestada e não o devolver aos requerentes;

119 – a testemunha C... manifestou a sua discordância em relação ao arguido B... , recusando-se a proceder da forma preconizada por este, por entender ser contrária aos seus deveres funcionais;

120 – posteriormente, em 21 de Setembro de 2011, o arguido B... exarou um despacho relativamente à questão das garagens, nos termos do qual escreveu, e além do mais que, «(…) quanto à questão da legalização das garagens, não havendo qualquer pedido para apreciação nesse sentido, não cumpre tomar posição. Dever-se-á notificar a requerente a submeter tal pedido no prazo de 90 dias, sob pena de ter a Câmara Municipal de se ver forçada a ordenar a demolição, que, à partida, parece ser evitável» (documento de fls. 115 e ss. do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

121 – e determinou também o arguido B... a realização de uma vistoria para a recepção das obras de urbanização (documento de fls. 115 e ss. do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

122 – a notificação aos requerentes foi remetida a 23 de Setembro de 2011, tendo em 4 de Outubro de 2011 sido realizada a vistoria, a qual veio a concluir que não estavam reunidas as condições para a recepção definitiva das obras (documento de fls. 115 e ss. do apenso E aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

123 – a arguida “ D... , S.A.” é uma sociedade anónima, pessoa colectiva com o número (....), actualmente com sede no “ JJ... ”, no Lote 13, em y... , ... , que tem por objecto a produção e comercialização de materiais avançados e suas aplicações, prestando ainda serviços de caracterização e consultadoria nessa área (documento de fls. 1062 e ss. dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

124 – o arguido N... assumiu desde data anterior ao ano de 2010 e até ao presente as funções de Administrador-Delegado da arguida “ D... , S.A.”, competindo ao Conselho de Administração desta arguida, de que o referido arguido é membro, o poder de tomar decisões sobre a forma como deveria desenvolver-se a actividade da empresa, nomeadamente no que toca à sua expansão;

125 – no exercício de tais funções, foi tomada a decisão de instalar uma unidade fabril da arguida “ D... , S.A.” no “ JJ... ”, em y... , ... , cuja edificação a dita arguida adjudicou à empresa de construção civil “ AO... , S.A.”;

126 – na construção desta unidade fabril intervieram, entre outros, as testemunhas AC... , AB... e AD... ;

127 – a testemunha AC... exercia funções de director de obra, sendo colaborador da empreiteira “ AO... , S.A.”;

128 – a testemunha AB... era colaborador da empresa “ AU ... , Lda.”, a quem foi deferida a fiscalização da obra, assumindo funções de técnico responsável pela fiscalização técnica da obra;

129 – a arguida “ D... , S.A.” adjudicou a gestão da obra à empresa “ AS... , S.A.”, desempenhando o cargo de director de projecto a testemunha AD... ;

130 – as três testemunhas acabadas de mencionar, bem como o arguido N... , assinaram, em 15 de Junho de 2011, o auto de consignação da obra referida no ponto 125 (destes factos assentes) (documento de fls. 698 dos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

131 – na data aludida no ponto 130 (da presente factualidade provada), porém, ainda não tinha sido admitida a comunicação prévia que a arguida “ D... , S.A.” havia apresentado na Câmara Municipal de ... , facto que era conhecido do arguido N... e dos referidos engenheiros;

132 – todavia, o início da obra fora autorizado verbalmente por pessoa(s) de identidade(s) não concretamente apurada(s), ligada à Câmara Municipal de ... , em data anterior a 15 de Junho de 2011;

133 – no dia 9 de Setembro de 2011 ocorreu um acidente de trabalho na mencionada obra, quando se procedia à betonagem da laje do 2º andar do edifício principal da arguida “ D... , S.A.”;

134 – ocorreu depois o facto acima referido no ponto 100 (desta matéria assente), da prolação do despacho, pelo arguido B... , a admitir a comunicação prévia apresentada pela arguida “ D... , S.A.”;

135 – no dia 13 de Setembro de 2011, a testemunha GG... , no uso da competência subdelegada pelo arguido B... , emitiu a certidão de admissão da comunicação prévia requerida pela arguida “ D... , S.A.”;

136 – no aludido dia 13 de Setembro de 2011, a funcionária da Câmara Municipal de ... e ora testemunha AQ... procedeu ao preenchimento dos campos do Livro de Obra da responsabilidade da entidade licenciadora (apenso G aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

137 – no dia 20 de Setembro de 2011, a testemunha AD... procedeu ao pagamento das taxas devidas pela comunicação prévia e ao levantamento da correspondente certidão e do Livro de Obra (documento de fls. 94 e 96 do apenso A aos presentes autos, ora dado por inteiramente reproduzido no respectivo teor);

138 – a testemunha AD... fez depois a entrega do Livro de Obra às testemunhas AC... e AB... ;

139 – as obras de edificação das instalações da arguida “ D... , S.A.” no “ JJ... ” foram concluídas nos finais do mês de Dezembro de 2011;

140 – a testemunha AB... escreveu e assinou pelo seu punho os seguintes pontos do Livro de Obra:

Campo “data”
Campo “sujeito”
Campo “observações”
«14 Set. 2011»

« AB... (Dir. Fiscalização)» seguido da sua rúbrica

«Início dos trabalhos em obra. Vedação do lote, montagem do estaleiro. Implantação topográfica das construções e trabalhos de movimentos de terra»
«19 Set. 2011»

« AB... (Dir. Fiscalização)»«Início da perfuração de estacas»
«29 Set. 2011»

Rúbrica da testemunha AB... «Começo de betonagem de paredes no módulo de produções – 1º Anel. Resultados de ensaios de provetas de betão – O.K.»
«6 Out. 2011»

Rúbrica da testemunha AB... «Começo de alvenarias na portaria, e realização das peças de cobertura»
«12 Out. 2011»

Rúbrica da testemunha AB... «Trabalho de reboco de paredes na portaria. Início das infra estruturas enterradas em pavimentos, no E.S. e no M.P.. Execução de rede de terras»
«14 Out. 2011»

Rúbrica da testemunha AB... «Betonagem da laje de cobertura E.S.»

141 – a testemunha AC... escreveu e assinou pelo seu punho os seguintes pontos do Livro de Obra:

Campo “data”
Campo “sujeito”
Campo “observações”
«20 Set. 2011»

« AC... (Dir. Obra)», seguido da sua rúbrica «Início de fundações directas no edifício sede e portaria», seguido da sua rúbrica
«26 Set. 2011»

Rúbrica da testemunha AC... «Execução de pilares no E. sede e portaria. Execução de sapatas no módulo de produção»
«4 Out. 2011»

Rúbrica da testemunha AC... «Cofragem da laje do piso 1 do edifício sede. Idem da laje de cobertura da portaria. Betonagem do 2º anel das paredes de B.A. do módulo de produção»
«10 Out. 2011»Rúbrica da testemunha AC... «Betonagem de pilares e paredes de B.A. do 1º andar do edifício sede. Betonagem do 3º anel das paredes de B.A. do M. produção»


142 – a desconformidade temporal das menções apostas no Livro de Obra era do conhecimento das testemunhas AC... , AB... e AD... ;
143 – apesar desse conhecimento, as testemunhas AC... e AB... escreveram no Livro de Obra factos e datas que não eram verdadeiros, e a testemunha AD... assinou o termo de encerramento do mesmo Livro de Obra, apresentando-o na Câmara Municipal de ... no dia 16 de Janeiro de 2012;
144 – o arguido A... nasceu em Coimbra mas, até aos seus 15 anos, altura em que passou a viver definitivamente nesta cidade, teve períodos durante os quais permaneceu em Moçambique, onde os seus progenitores laboravam;
145 – frequentou o ensino liceal e, de seguida, a Universidade de Coimbra, onde se licenciou em Engenharia Civil, quando contava 25 anos de idade;
146 – frequentou, posteriormente, uma pós-graduação em Hidráulica, não tendo apresentado dissertação, e um Master of Business Administration (M.B.A.) para executivos;
147 – iniciou actividade laboral após concluir a sua licenciatura, trabalhando actualmente na empresa ligada ao tratamento de águas “ AT... , S.A.”, com sede em Coimbra;
148 – aufere o vencimento mensal de cerca de € 1.800 brutos;
149 – desempenhou e mantém cargos de chefia em partido político;
150 – é actualmente Vereador da oposição, na Câmara Municipal de ... , sem pelouro e sem tempo atribuído;
151 – é casado, e pai de dois filhos menores, com dois anos e seis meses de idade;
152 – a mulher do arguido é, também ela, licenciada em Engenharia Civil, laborando na empresa referida no ponto 147 (destes factos assentes) e auferindo salário de igual montante ao do seu marido;
153 – vivem em casa própria, tendo despesas mensais fixas (energia eléctrica, água, televisão, Internet, telefone, prestação com a creche dos filhos, e salário relativo à empregada doméstica) na ordem, aproximadamente, de cerca de € 1.000;
154 – o arguido é tido por pessoa afável, educada e dedicada à sua família, com quem mantém uma relação de afectividade e proximidade;
155 – diversas pessoas (não só da sua área política) que consigo mais de perto lidaram e lidam, em termos camarários, vêem-no como um agente político frontal e leal, rigoroso e empenhado na sua função e nos projectos que abraça;
156 – o arguido A... não tem antecedentes criminais;
157 – o arguido B... nasceu e viveu em Portalegre até aos seus 11 anos de idade, tendo, por força das deslocações profissionais do progenitor (ligado ao Banco de Portugal), vivido em outras cidades, antes de ingressar na Universidade de Coimbra para aqui obter a sua licenciatura em Engenharia Civil;
158 – aos 24 anos, já licenciado, iniciou funções na Comissão de Coordenação da Região Centro, onde se manteve durante cerca de 18 anos e veio a exercer cargos dirigentes;
159 – depois, e ao longo de cerca de sete anos, foi Director de Departamento da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, ingressando então na Câmara Municipal de ... (para as funções acima referidas no ponto 5 destes factos assentes), onde se manteve até Abril de 2013, retornando posteriormente à Comissão de Coordenação da Região Centro (agora designada Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro), onde exerce na actualidade funções como assessor principal, sem regime de exclusividade;
160 – como profissional liberal, o arguido efectua também trabalhos de avaliação de imóveis e perícias para os Tribunais;
161 – como técnico superior, aufere o vencimento líquido mensal de cerca de € 1.700, a que que acrescem rendimentos anuais entre os € 20.000 e os € 35.000 por conta dos seus trabalhos como profissional liberal;
162 – é casado, e pai de quatro filhos, com idades compreendidas entre os 28 e os 17 anos de idade, sendo as duas filhas mais velhas já licenciadas e os mais novos ainda estudantes (do ensino universitário e do ensino liceal, respectivamente);
163 – só a filha mais velha do arguido se encontra autonomizada e com agregado familiar próprio;
164 – a mulher do arguido é secretária clínica, percebendo pelo seu trabalho o rendimento mensal de cerca de € 1.100;
165 – vivem em casa própria, tendo, para além das normais despesas fixas com a vida doméstica (energia eléctrica, água, televisão, Internet, telefone, etc.), o encargo de cerca de € 500 mensais relativos ao pagamento de dois empréstimos bancários para a aquisição da sua habitação;
166 – o arguido é considerado, pela generalidade daqueles que consigo mais de perto lidaram e lidam, por pessoa correcta e dedicada à sua família;
167 – em termos profissionais, é visto como alguém honesto, extremamente competente e determinado, dotado de um espírito pragmático no exercício do seu trabalho, tendente à resolução prática dos problemas;
168 – o arguido B... não conta antecedentes criminais;
169 – o arguido N... é licenciado em Gestão de Empresas e de Administração, tendo iniciado o seu percurso profissional com cerca de 24 anos de idade, na empresa “Lisnave – Estaleiros Navais, S.A.”, na qual desempenhou funções de gestão, nos períodos de reestruturação daquele grupo empresarial;
170 – em 2000, o arguido transitou para o sector de Direcção de Planeamento e Controlo de Gestão do grupo empresarial “CUF”, coordenando diversas áreas de negócios que foram sendo centralizados e reformulados;
171 – em 2005, desempenhou funções de direcção do grupo empresarial “Quimigal – Química de Portugal, S.A.”, onde permaneceu até 2010, altura em que passou a exercer o cargo referido no ponto 124 (dos presentes factos assentes);
172 – no desempenho das sua funções, aufere um rendimento anual de cerca de € 200.000;
173 – é casado, e pai de três filhos, com idades compreendidas entre os 18 e os cinco anos de idade, todos eles a estudar;
174 – a mulher do arguido desempenha funções de direcção financeira de uma empresa, percebendo por tal actividade um rendimento anual na ordem de € 40.000;
175 – vivem em casa própria;
176 – o arguido é uma pessoa que preza o acompanhamento da vida familiar, valorizando os laços de proximidade com os seus filhos e restante família mais próxima;
177 – é visto pelos seus familiares, e por alguns daqueles que consigo mais contactam em termos profissionais, por pessoa honesta, rigorosa e dedicada ao seu trabalho;
178 – o arguido N... não tem antecedentes criminais;
179 – também a arguida “ D... , S.A.” não regista antecedentes criminais.

*
            Não se provaram outros factos com interesse para a discussão da causa.
            Assim, e designadamente, não se apurou (factualidade que se pretende expurgada de matéria conclusiva ou manifestamente espúria) que:
            - na tentativa da obtenção de soluções para os problemas, nos termos supra mencionados no ponto 15 (dos factos provados), o critério do arguido B... fosse sempre o de evitar desagradar os investidores;
            - haja sido o arguido B... a dar a autorização verbal acima referida no ponto 41 (da matéria factual assente);
            - haja o arguido B... , em data anterior e próxima do dia 15 de Junho de 2001, concedido autorização verbal para que as empresas que pretendiam construir nas instalações do “ JJ... ” iniciassem os trabalhos, tendo o arguido B... transmitido essa autorização à testemunha H... , que, por seu turno, a deu a conhecer aos representantes das empresas que pretendiam edificar naquele parque;
- hajam a arguida “ D... , S.A.” e a empresa “ AG... ” iniciado os seus trabalhos de construção nas instalações do “ JJ... ”, na sequência da autorização verbal do arguido B... acabada de referir;
- haja agido o arguido B... , ao dar a autorização verbal acabada de mencionar, com a intenção pretendida e conseguida de beneficiar as empresas que então se instalavam no “ JJ... ”;
- haja actuado o arguido B... contrariando as funções que lhe estavam cometidas e colocando em causa os deveres de prossecução do interesse público, isenção e parcialidade que deveriam nortear a sua actuação enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , sacrificando por esta via o bom funcionamento e credibilidade das instituições públicas, nomeadamente da referida Câmara Municipal de ... ;

- haja agido o arguido B... ciente de que a sua conduta era prevista e punida pela lei penal;

- com a reunião supra aludida no ponto 52 (da matéria fáctica provada), haja pretendido o arguido B... dissuadir os elementos da fiscalização municipal de regressarem ao “ JJ... ”, obstando dessa forma a que fosse do conhecimento oficial do executivo camarário o início e a continuação das obras e consequentemente fossem adoptados os mecanismos previstos por lei destinados a repor a legalidade urbanística;

- ainda no decurso da reunião acima mencionada no ponto 52 (da factualidade assente), haja advertido o arguido B... todos os elementos da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização que não admitia mais visitas de fiscalização ao “ JJ... ” e que se pretendessem lá ir teriam que lhe pedir previamente autorização;

- com a reunião supra aludida no ponto 52 (da matéria assente), e com a actuação acabada de referir, estivesse o arguido B... a impor aos funcionários da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização a sua vontade pessoal, servindo-se para tanto da posição de chefia que assumia na Câmara Municipal de ... (dado estar a Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização integrada na Direcção Municipal da Administração do Território de tal Câmara Municipal);
- com a sua pretensão, acabada de referir, de obstar a fiscalizações nas obras que decorriam no “ JJ... ” e por si autorizadas sem que houvesse ainda admissão das comunicações prévias, tenha actuado o arguido B... contrariando as funções que lhe estavam cometidas e colocando em causa os deveres de prossecução do interesse público, isenção e parcialidade que deveriam nortear a sua actuação enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , sacrificando por esta via o bom funcionamento e credibilidade das instituições públicas, nomeadamente da mencionada Câmara Municipal de ... ;

- haja o arguido B... , com o seu comportamento acabado de aludir, que sabia ser ilegítimo, pretendido beneficiar terceiros, nomeadamente os investidores que já se estavam a instalar no “ JJ... ”;

- haja agido o arguido B... ciente de que a sua conduta era prevista e punida pela lei penal;

- as questões colocadas no despacho supra aludido no ponto 75 (da matéria fáctica provada) fossem questões sem pertinência;

- depois de proferir o despacho acima mencionado no ponto 75 (dos factos assentes), haja o arguido B... dado verbalmente conhecimento  ao arguido A... da existência da proposta de embargo e do encaminhamento que deu ao processo;

- ao proferir o despacho supra referido no ponto 75 (da matéria factual provada) haja tido o arguido B... como única intenção retardar o processo, evitando que fosse embargada a obra da arguida “ D... , S.A.”, tando mais que as questões por ele suscitadas eram de fácil resposta;

- no momento mencionado supra no ponto 81 (dos factos assentes), haja o arguido A... contactado o arguido B... (que então ainda se encontrava de férias pessoais), dizendo este último ao primeiro que despacharia quando regressasse;

- apesar de ter consciência de que no âmbito das suas funções lhe era exigido proferir despacho, nomeadamente rejeitando a comunicação prévia e determinando o embargo da obra, haja o arguido A... optado por não o fazer, mantendo deliberadamente o processo sem qualquer despacho, com a convicção de que esta postura, que sabia ser contrária aos seus deveres funcionais, era aquela que mais se adequava aos interesses da arguida “ D... , S.A.”;

- haja o arguido B... , consciente e deliberadamente, optado por não proferir o despacho de rejeição da comunicação prévia, como devia e cabia na competência que lhe havia sido subdelegada, e, para além disso, não impulsionar o processo, apresentando-o ao arguido A... , para que este ordenasse o embargo da obra, assumindo este comportamento, que sabia ser contrário aos seus deveres funcionais, por ser aquele que melhor servia os interesses da arguida “ D... , S.A.”;

- no dia 12 de Setembro de 2011, haja o arguido B... consultado os processos da arguida “ D... , S.A.” e da empresa “ AG... ”, tendo verificado que no processo de embargo da arguida “ D... , S.A.” ainda não tinha sido proferido despacho pelo arguido A... sobre a proposta de embargo, nem tinha sido feita a remessa do auto de notícia para a Divisão de Contra-ordenações e Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ... ;

- apesar dos factos acabados de mencionar, haja o arguido B... , deliberadamente e por forma a beneficiar uma vez mais a arguida “ D... , S.A.”, optado por nada fazer, não remetendo o processo de embargo ao arguido A... , nem enviando o auto de notícia para a Divisão de Contra-ordenações e Execuções Fiscais da Câmara Municipal de ... , por forma a que fosse instaurado o competente processo;

- soubesse o arguido A... , desde Julho de 2011, que existia um processo de embargo da obra da arguida “ D... , S.A.” pendente, do qual constava uma proposta de embargo de obras, não adoptando conscientemente qualquer diligência para que o mesmo lhe fosse presente para o analisar e decidir;

- hajam agido os arguidos B... e A... de forma concertada entre si, com o objectivo, previamente definido, de remover quaisquer obstáculos na tramitação do processo de comunicação prévia da arguida “ D... , S.A.”;

- para atingirem os seus objectivos, hajam os arguidos B... e A... , deliberadamente e no âmbito das respectivas competências, optado por não proferir despachos no processo de comunicação prévia, mormente o despacho de rejeição da comunicação prévia, e, no processo de embargo, não determinando o embargo das obras, nem remetendo o expediente para ser instaurado o processo de contra-ordenação;

- ao invés, hajam os arguidos B... e A... decidido lançar mão de expedientes manifestamente dilatórios, tais como pedidos de informação a funcionários, cujo interesse era irrelevante para o processo ou quando a solução estava consignada na lei, o que fizeram com o único intuito de atrasar a prolação das competentes decisões e de forma a permitir que a interessada colmatasse as apontadas lacunas do procedimento e, assim, convalidar a decisão de permitir o início da obra;

- hajam as condutas acabadas de referir, levadas a cabo pelos arguidos B... e A... no exercício e no âmbito das suas funções, tido como propósito beneficiar a arguida “ D... , S.A.”;

- hajam actuado os arguidos B... e A... de forma concertada entre ambos, livre e consciente, sabendo que estas suas actuações, no âmbito de um processo para o qual detinham competência, eram incompatíveis com os deveres dos respectivos cargos, nomeadamente os de isenção e imparcialidade da Administração a que estavam obrigados, e que actuavam no exercício desses cargos;

- soubessem os arguidos B... e A... que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas;

- ao actuar do modo acima descrito no ponto 118 (da matéria assente), haja o arguido B... dirigido uma ordem que contrariava os deveres do seu cargo, enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , bem como as funções da testemunha C... enquanto Chefe da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização;
- com tal conduta supra referida no ponto 118 (da factualidade provada), quisesse o arguido B... servir-se da sua posição de Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... e de superior hierárquico da testemunha C... , para satisfazer interesses ilegítimos de terceiros, que a eles não tinham direito, sacrificando assim os deveres de prossecução do interesse público, isenção e parcialidade que deveriam nortear a sua actuação enquanto Director Municipal da Administração do Território na Câmara Municipal de ... , sacrificando por esta via o bem funcionamento e credibilidade das instituições públicas, nomeadamente da mencionada Câmara Municipal de ... ;

- apesar de ciente da ilicitude do seu comportamento, haja tido o arguido B... o propósito de beneficiar os titulares do alvará de loteamento do empreendimento em causa, que, ao verem o processo concluído, usufruiriam da aprovação de obras construídas em desrespeito ao loteamento e ao Plano Director Municipal, para além de recuperarem o valor da caução retida na Câmara Municipal de ... , a ela não tendo qualquer direito;

- haja agido o arguido B... de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta era prevista e punida por lei penal;

- para acordarem uma forma de preencher o Livro de Obra sem dar a conhecer os momentos efectivos de execução da edificação, pois estavam cientes de que não seria conveniente colocar naquele documento datas anteriores à admissão da comunicação prévia, hajam as testemunhas AD... , AC... e AB... reunido com o arguido N... (este em representação da arguida “ D... , S.A.”) em diversas ocasiões, entre o final do mês de Setembro de 2011 e o final do mês de Dezembro de 2011;

- nas reuniões acabadas de mencionar, haja o arguido N... acordado com as testemunhas AD... , AC... e AB... que a solução por todos considerada como mais viável consistia em preencher o Livro de Obra com o início dos trabalhos na data imediatamente após aquela em que tinha sido emitida a certidão de admissão da comunicação prévia, inscrevendo temporalmente os demais actos de forma sequencial a partir daquele momento;

- assim, hajam os factos acima referidos nos pontos 140 e 141 (da matéria provada) ocorrido com o acordo e o conhecimento do arguido N... ;
            - haja o arguido N... dado o seu acordo à prática da factualidade supra mencionada nos pontos 140 e 141 (da matéria assente), convicto de que assim não seria levantado qualquer entrave ao processo de emissão de licença de utilização da unidade fabril da arguida “ D... , S.A.” construída no “ JJ... ”;
            - haja também o arguido N... agido sabendo que estava a colocar em crise a credibilidade que é conferida ao Livro de Obra, enquanto documento onde são registados os factos relevantes à execução da obra a que respeita, e que criava na entidade que o recepcionava, a Câmara Municipal de ... , a convicção de que os factos que nele estavam vertidos traduziam, de forma verídica, o processo de execução da obra;
            - haja actuado o arguido N... de comum acordo e na execução de um plano antes delineado por si e pelas testemunhas AD... , AC... e AB... , fazendo-o de forma livre, voluntária e consciente, sabedor que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.

*

O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica, ponderada e maturada do conjunto dos elementos probatórios produzidos, “peneirados”, nos termos do art. 127º C.P.P., à luz das regras normais da experiência da vida [ou seja, das «(…) definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judicio, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade» – Prof. Manuel Cavaleiro de Ferreira, “Curso de processo penal”, volume II, Lisboa, 1988, pág. 30].

Diga-se que este foi um dos julgamentos em que se fez sentir, de forma evidente, a necessidade de adopção de um especial senso crítico na depuração dos contributos processuais prestados e avaliáveis em sede de audiência, maxime para efeitos de determinação da factualidade praticada pelos arguidos e da sua efectiva (ir)relevância jurídico-penal.

E parece-nos ser especialmente importante o referido senso crítico se tivermos presente que parte do processo em que nos encontramos revela (e releva de) um conjunto de maus relacionamentos funcionais e pessoais no seio camarário. Maus relacionamentos que, no entender do Tribunal, acabaram até por deixar na sombra (ou mesmo na obscuridade) a genuína razão de ser de determinados comportamentos assumidos por alguns dos protagonistas (que não só os arguidos) de todo o “pedaço de vida” condensado nos autos.

Pelo que se tentou extrair do processo – tão-somente e apenas – o que ele nos permitiu em termos de contributos importantes para o apuramento dos factos – e é com factos que lidamos – estruturadores da decisão jurídico-penal a proferir.

Consequentemente, o aludido ditame do art. 127º C.P.P. – com o seu apelo às regras da experiência e à livre convicção da entidade julgadora – revelou-se de uma clara acuidade e oportunidade na apreciação da prova produzida (e, também, não produzida), por forma a, de modo realista e convincente, edificar a estrutura sustentadora de uma ciência minimamente “resistente” a dúvidas, incertezas e aporias.

Tudo o que acaba de ser dito é enquadrável, por outro lado, na ideia geral de que a verdade judicial não é (nem pode ser) uma verdade “absoluta”, no sentido de uma verdade “ontologicamente” indestrutível. A verdade judicial alicerça-se em factos alcançados – e alcançáveis – através da interpretação e depuração dos diversos elementos probatórios produzidos e analisados em audiência de julgamento (quando a mesma ocorra) ou relativamente aos quais as partes (se o processo as admitir) estão de acordo quanto à significação e valoração próprias. A convicção do julgador baseia-se, pois, em tal conjunto de elementos, mediante a produção do aludido juízo de verosimilhança, a que as normais regras da experiência comum não deverão ser alheias. Podendo assim defender-se que a verdade intra-processual assume contornos algo “formais” (no sentido de que é “elaborada” a partir de um determinado percurso metódico delineado pelas próprias regras processuais) e “contextuais” (porque dependente da prova adquirida e da quantidade e qualidade de informação e conhecimento que tal prova inclui) (a propósito, Prof. Rossano Adorno, “La fisionomia del thema probandum nel processo penale”, “Il Foro Italiano”, Anno CXXXVIII, n.º 4, 2013, págs. 134 e 135).

Pensemos, então, no caso presente.

Desde logo, os arguidos – aliás, no exercício de um seu direito processualmente cabido – (e excepção feita à resposta negatória veiculada pelo arguido B... à questão formulada pelo Tribunal acerca de uma suposta autorização verbal por ele emitida para a instalação da arguida “ D... , S.A.” no recinto do “ JJ... ”) não prestaram declarações quanto aos factos que lhes são imputados, pelo que ficámos sem saber qual a tese que, a propósito do thema probandum, poderiam eles trazer a juízo, particularmente naquilo que mais de perto lhes toca.

Depois, sendo certo existirem diversas testemunhas que, em vários segmentos factuais apurados em audiência, revelaram, por diferentes motivos, visões parciais e lacunares de alguns episódios, não pôde deixar o Tribunal de, à luz das acima referidas regras da normalidade do acontecer, adoptar especiais cuidados na formulação do juízo cognitivo-decisório a extrair de tais contributos parcelares ou porventura (mais) parciais.

É que, bem vistas as coisas, tivemos, em alguns aspectos, de nos confrontar com a valoração da chamada “prova indirecta” ou “prova indiciária”, em tese geral entendível como a que incide sobre factos não exactamente coincidentes com o tema de prova mas que permitem – ou podem permitir –, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação da qual se inferem os factos a demonstrar. Nas palavras do Prof. Manuel Cavaleiro de Ferreira, «a prova indiciária é prova indirecta: dela se induz, por raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou da ciência ou técnica, o facto probando. A prova deste reside na inferência do facto conhecido ou provado – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido ou a provar, ou tema último da prova. Como tal, constitui uma prova em segundo grau; a prova respeita directamente ao facto indiciante e da comprovação deste se infere um indício – prova indirecta – para comprovação do facto relevante» (“Curso de processo penal”, volume I, Lisboa, 1986, págs. 207 e 208).

Dito de outro modo, as presunções judiciais são, no fundo, o produto das regras de experiência. O juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente certos factos são a consequência de outros.

Todavia, é indubitável exigir a avaliação da prova indiciária um conjunto de predicados que certamente nos remetem para a inteligência e sagacidade do julgador, assim como para o importante papel desempenhado – mais do que em qualquer outro meio de prova tarifado – pelo contacto directo do mesmo julgador com a sua produção (ou melhor, com os elementos através dos quais se atinge aquela demonstração probatória), assim avaliando a credibilidade do material indiciário. E, em tal avaliação, regerão enorme papel, como já dissemos supra, as normais (e não – e perdoe-se-nos a expressão e a aparente evidência – as “anormais”) regras da experiência da vida (cfr., entre nós, o art. 127º C.P.P.), assim auxiliadoras e sustentadoras da segura eleição dos meios de prova indiciários a atender em cada caso concreto.

Não sendo a prova indiciária proibida pela regra geral da liberdade dos meios de prova (vide arts. 125º e 126º C.P.P.), sempre exigirá, portanto, um especial cuidado na sua mobilização e apreciação, por forma a que apenas possa ser extraído o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, assim afastando também diversas hipóteses factuais igualmente possíveis mas descabidas em cada situação decidenda.

Em resumo, «(…) na avaliação da prova indiciária há que ter presente três princípios: a) o princípio da causalidade, segundo o qual a todo o efeito precede uma causa determinada, ou seja, quando nos encontramos face a um efeito podemos presumir a presença da sua causa normal; b) o princípio da oportunidade, segundo o qual a análise das características próprias do facto permitirá excluir normalmente a presença de um certo número de causas pelo que a investigação fica reduzida a uma só causa que poderá considerar-se normalmente como a única produtora do efeito; c) o princípio da normalidade, de acordo com o qual só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial, se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. (…) Se não for possível formular um juízo de certeza, mas de mera probabilidade, por subsistir mais do que uma causa provável, sem que os indícios existentes permitam excluir todas as restantes, depois de analisados à luz dos referidos princípios, então valerá o princípio da presunção de inocência, já que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade» (Ac. Rel. Porto de 14/1/2015, in www.dgsi.pt).

Assentes nestes princípios básicos, vejamos, então.

Ouvida em depoimento para memória futura, a testemunha C... foi veemente em diversos aspectos por si focados (veemência essa que – e estranhamente, como veremos daqui a pouco – não foi, todavia, corroborada por outros elementos testemunhais que não teriam qualquer razão para não alinharem pelo mesmo exacto diapasão…). Assim, começando por dizer ter exercido as funções de Chefe da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização (integrada na Direcção Municipal da Administração do Território) da Câmara Municipal de ... entre Novembro de 2010 e Setembro de 2011, e reportando hierarquicamente, no âmbito das respectivas funções, aos arguidos B... e A... , acrescentou haver tomado conhecimento, por um periódico da cidade de ... , nos inícios de Junho de 2011, da notícia segundo a qual estariam a decorrer obras ilegais no recinto do “ JJ... ”, situação que a deixou alerta. Por isso, pediu ao fiscal LL... que se deslocasse ao local a fim de, preventivamente, apurar o que se passava, falar com os promotores e sensibilizá-los a suspender os trabalhos. O apontado fiscal comunicou depois à depoente ora aludida que agiu em conformidade com as suas indicações, mas os mencionados trabalhos não foram suspensos. Referiu ainda a testemunha que, cerca de um ou dois dias depois, o arguido B... realizou uma reunião, no seu gabinete, para a qual, além da depoente, convocou todos os engenheiros e fiscais da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização. Tal reunião, de contornos bastante “acesos” e – na opinião da testemunha – desagradáveis, mostrou um arguido B... zangado (ou incomodado) porque, nas palavras por ele (arguido B... ) então proferidas, teria sabido pela testemunha H... que o fiscal LL... houvera agido de um modo desadequado e prepotente para com os promotores que se encontravam nas instalações do “ JJ... ”, “assustando-os” de uma forma despropositada, arrogante e com o recurso à ameaça de um embargo, isto é, falando de algo (embargo) que não era da competência de um fiscal, visto tratar-se de uma prerrogativa inerente à vereação do arguido A... . O fiscal LL... , no entanto, retorquiu haver actuado em uma postura preventiva, explicação na qual o arguido B... não acreditou, pois continuou a tecer considerações pouco abonatórias acerca do modo de trabalhar da área de fiscalização camarária de ... , conhecida, segundo o arguido, pela sua arrogância e efeito intimidatório junto dos cidadãos. Para além de um evidente desagrado, por parte da testemunha C... , quanto à postura do arguido B... na referida reunião, que pela testemunha foi sentida (e perpassou, de um modo evidente, do depoimento em causa) como de injusta depreciação do valor e da qualidade profissional das pessoas ligadas à apontada área da fiscalização camarária, acabou a depoente por afirmar, em audiência, haver o arguido B... mencionado, na reunião em causa, que a obra do “ JJ... ” não era para fiscalizar sem que houvesse autorização dele (arguido B... ). No entanto, a testemunha não obedeceu ao aludido arguido e dirigiu-se, no dia seguinte, com o fiscal LL... à obra, levantando dois autos de notícia (fls. 31 do apenso D e fls. 16 do apenso B) e propondo a depoente o embargo relativamente aos trabalhos que aí andavam a ser efectuados pela arguida “ D... , S.A.” e pela empresa “ AG... ”, não sabendo, contudo, explicar por que razão tais propostas de embargo não tiveram depois seguimento. Acrescentou ainda, a mesma testemunha, diversas notas, todas elas envoltas em um carácter apodíctico, acerca da troca de mails ocorrida entre si (e a testemunha VV... ) e o arguido B... (e acima melhor mencionados na factualidade provada). Focando aspectos de cariz técnico-administrativo – como, por exemplo, o de saber se o mecanismo previsto no art. 81º R.J.U.E. seria susceptível ou não de uma aplicação analógica em casos da existência de pedidos de comunicação prévia ainda não admitidos –, a testemunha não teve quaisquer dúvidas nas respostas que deu em juízo, pronunciando-se (como, aliás, o havia feito em um dos apontados mails) no sentido da não admissibilidade da referida aplicação analógica. Note-se, todavia, que, onde a testemunha ora mencionada não teve dúvidas ou hesitações, têm-nas, pelo menos em tese, alguma importante e especializada doutrina portuguesa na matéria, que parece inclinar-se, em determinadas condições, em sentido diverso do verbalizado pela testemunha (cfr., a propósito, Prof. Fernanda Paula Oliveira e Dras. Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado”, 3ª edição, reimpressão, Coimbra, 2012, pág. 584), tal como em sentido diverso ao da testemunha, e, como veremos melhor daqui a pouco, se pronunciou a perita ouvida em audiência, que igualmente opinou no sentido de não ver qualquer dificuldade de monta em assumir-se a dita aplicação analógica do mecanismo do art. 81º R.J.U.E. a hipóteses de comunicações prévias ainda não admitidas, atendendo à homologia de razões substanciais que, nesse domínio, intercederá o licenciamento e a comunicação prévia. Bom, o carácter apodíctico do depoimento da testemunha C... não ficou por aqui, já que, referindo-se ao episódio de crispação (mais um…) ocorrido entre si e o arguido B... a propósito da questão da retenção – de muitos e muitos anos… – da caução pela Câmara Municipal de ... no processo da construção do x... , em ... , não teve dúvidas em afirmar que, ao ouvir da boca daquele arguido que deveria modificar o seu parecer negativo, se sentiu extremamente vexada porque, no seu entendimento, não podia haver recepção definitiva da obra e a retenção da caução justificava-se, mesmo não estando em causa um qualquer problema de garantia de falta de infra-estruturas da obra, mas sim uma questão de legalidade da mesma obra. Ou seja, para a depoente, seria impensável a devolução da caução que era pretendida pelos requerentes responsáveis pela aludida obra.

Bom.

Sem que com isto esteja o Tribunal a colocar em causa a seriedade subjectiva do depoimento acabado de referir, entende, no entanto, não poder deixar de dizer o seguinte, que em muito abala o tal carácter apodíctico do testemunho e suscita o nascimento de diversos focos de dúvida no processo.

Desde logo – e começando pelo fim –, compreender-se-á mal – ou talvez até se compreenda bem, se analisada a questão pelo prisma do choque de personalidades que tal episódio revela – o “acossamento” de que a testemunha C... se sentiu vítima, por parte do arguido B... , na situação do x... , quando o relatório pericial de fls. 1708 a 1711 dos presentes autos – sustentado depois em audiência de julgamento pela sua autora, perita nomeada no processo – refere, expressamente, citando o n.º 1 do art. 54º R.J.U.E., que «(…) “o requerente ou comunicante presta caução destinada a garantir a boa e regulamentar execução das obras de urbanização”», logo acrescentando «e não de outras que venham a ser executadas sem licença». Ou seja, e como parece decorrer dos esclarecimentos periciais prestados em juízo, a manutenção e retenção da caução não deverá servir nos casos de obras de algum modo “tocadas” por questões de ilegalidade (como, por exemplo, a ocupação, pelas mesmas obras, de partes do domínio público e, como tal, a priori não licenciáveis), mas terá sentido – aquela retenção e manutenção – se não estiverem edificados elementos infra-estruturais de cariz essencial à urbanização cuja existência a caução visa precisamente garantir. Pois bem, nada nos dizendo nos autos passar-se, no caso do x... , esta última situação, ou seja, a carência de infra-estruturas construtivas, não poderemos deixar de notar que entre a testemunha C... e o arguido B... terão estado em causa duas diferentes perspectivas sobre um mesmo problema, não havendo porventura razões para tantas certezas na matéria por parte da referida testemunha. E isto nos mostrando ainda, por outro lado, que talvez a forma agreste e algo beligerante como os dois protagonistas se relacionaram (neste e noutros episódios) possa explicar uma percepção subjectiva – e tão-somente isto mesmo, uma percepção subjectiva – de “acossamento” por banda da testemunha.

Mas cabe agora recuar um pouco mais e tentar perceber as razões pelas quais o depoimento da aludida testemunha teve necessariamente de ser perspectivado com o recurso a outros elementos – também de carácter testemunhal –, quanto à situação da reunião ocorrida na manhã de 12 de Julho de 2011, no gabinete do arguido B... .

Vejamos, pois.

A testemunha LL... , já há pouco aludida, confirmou a sua ida ao local das obras após o conhecimento da notícia transmitida pela comunicação social ... , afirmando ter adoptado uma postura “pedagógica”, a saber, a de dizer a quem representava os promotores que, se não houvesse a paragem das obras, teriam de ser levantados autos e propostos embargos administrativos. E mais confirmou a existência da dita reunião convocada pelo arguido B... e que tanta tensão provocou no depoente e no demais pessoal da área fiscalizadora do município, perante as chamadas de atenção que lhes foram desferidas pelo apontado arguido: no essencial, pela afirmação de que os fiscais deveriam ter outro tipo de abordagem nas obras, falando menos e cumprindo melhor a sua obrigação, sem arrogância e ameaças aos fiscalizados. Todavia, o depoente não asseverou em audiência ter constatado uma qualquer suposta menção proibidora, pelo arguido B... , de novas deslocações ao “ JJ... ” daí em diante, ou algo de semelhante. E, por fim, a testemunha não deixou também de dizer que, se na sequência da intervenção “pedagógica” ocorrida na sua primeira deslocação ao recinto do “ JJ... ”, as obras tivessem efectivamente parado, não levantaria quaisquer autos de notícia nem proporia os embargos após a sua segunda ida ao local, logo no dia seguinte à atrás mencionada reunião (e, note-se, mesmo tendo ocorrido a ilegalidade do começo das obras).

Se a acrimónia em relação ao arguido B... , por parte da testemunha acabada de aludir, foi relativamente “suavizada” ao longo do seu depoimento, o mesmo não poderemos dizer no que toca às prestações das testemunhas II... e HH... , ambas engenheiras da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização, e que também marcaram presença na reunião já por diversas vezes referida. Com efeito, a sensação de injustiça causada pelas palavras do arguido B... na dita reunião foi algo que perpassou de um modo absolutamente evidente dos depoimentos prestados em audiência por tais testemunhas, que admitiram sentir-se enxovalhadas no seu brio profissional e na sua forma de trabalhar quando ouviram o mencionado arguido falar de uma postura excessivamente incisiva e até prepotente dos fiscais municipais de ... no exercício das respectivas normais funções. E confirmaram também ter o mesmo arguido dito haver sido informado, pela testemunha H... , da ida do fiscal municipal LL... ao “ JJ... ”. No entanto, merece igualmente referência o facto de a testemunha II... afirmar, no seu depoimento, não se ter o arguido B... manifestado, em concreto, sobre a actuação do fiscal LL... na obra levada a cabo pela arguida “ D... , S.A.” nem dizer o mesmo arguido que, com clientes de maior nomeada ou dimensão (e só com estes), deveriam os elementos da fiscalização camarária mudar de procedimento. Aliás, terá sido esta uma questão colocada pela testemunha HH... , à qual o arguido não deu resposta. E quer uma quer outra das depoentes ora identificadas não confirmaram haver o arguido B... expressado que, a partir desse momento, novas eventuais visitas da fiscalização ao “ JJ... ” apenas poderiam ocorrer mediante a sua (dele, arguido B... ) autorização.

Ainda a propósito do segmento factual a que nos vimos reportando, não poderá deixar também de notar-se a prestação da testemunha GG... , que, não tendo estado presente durante toda a reunião, referiu ter percebido, pelo tempo (cerca de 30 minutos) em que nela permaneceu até ao seu final, destinar-se (pelo menos) à clarificação de procedimentos e critérios funcionais no modo de actuar dos fiscais municipais. De um modo claro, disse o depoente em audiência não depreender do comportamento do arguido B... na apontada reunião uma qualquer ordem, orientação ou, sequer, sugestão no sentido de deverem os funcionários da fiscalização “fingirem” não “ver” eventuais ilegalidades cometidas nas obras dos promotores de maior importância.

Ora, em todo este contexto, não irá o Tribunal furtar-se à colocação de três perguntas essenciais.

Em um mesmo universo comunicacional “concentrado”, a saber, uma reunião com cerca de seis ou sete pessoas, supostamente convocada para industriar os fiscais no sentido de “facilitarem” no exercício das suas funções para com os clientes de nomeada, maxime, os que se encontravam na realização de obras no “ JJ... ”, como explicar não terem as testemunhas II... , HH... e LL... ouvido e percebido esse mesmo intuito e enunciado verbal da boca do arguido B... , tal como o ouviu e percebeu claramente a testemunha C... ?

Como é possível – e o Tribunal insistiu bastante neste ponto, na sua tentativa de deslindamento daquilo que na realidade se passou – as referidas testemunhas II... , HH... e LL... não terem ouvido igualmente do conteúdo comunicacional do arguido B... aquilo que escutou a testemunha C... , quanto a uma clara proibição de novas deslocações fiscalizadoras ao “ JJ... ”, a não ser que aquele arguido as autorizasse?

Como interpretar as divergências de percepção a que acabamos de fazer referência, em pessoas – voltamos a repeti-lo – integradas no mesmo espaço confinado de um gabinete, em uma mesma ocasião, e (presume-se, sem qualquer motivo sério para pensar de modo diverso) dotadas de normais capacidades de audição, intelecção e compreensão?

Porque aqui, e segundo o libelo acusatório, um primeiro aspecto seria incontornável: a advertência verbal, por banda do referido arguido, de não admitir mais visitas de fiscalização ao “ JJ... ”, e a necessidade da sua prévia autorização caso pretendessem os elementos da Divisão de Licenciamentos Diversos e Fiscalização lá deslocar-se.

Então, como avaliar a não confirmação, pelas testemunhas II... e HH... , destes específicos e fundamentais aspectos fácticos descritos na acusação pública, ligados a uma suposta proibição, expressa pelo arguido B... , da actividade dos fiscais municipais em relação ao “ JJ... ”? Como interpretar, pois, a circunstância de não haverem estas testemunhas constatado – tal como, aliás, o não constataram também as testemunhas LL... e GG... (embora, neste último caso, melhor se perceba, dada a sua não presença ao longo de toda a reunião) – que o arguido B... teria emitido a suposta proibição e condicionamento para o exercício futuro das funções fiscalizadoras dos profissionais ali reunidos?

Certamente que a explicação não poderá ser a da produção, pelas referidas testemunhas II... e HH... , de depoimentos “simpáticos” e “branqueadores” para com a atitude do arguido B... (pois que estiveram tais depoimentos longe de se mostrarem friendly em relação à postura desse mesmo arguido). E – já o dissemos há pouco – certamente que também não poderá ser buscada uma explicação em eventuais problemas de audição ou de inteligibilidade de percepção das mensagens verbais com que as testemunhas se confrontaram, ao ouvirem o que ouviram na apontada reunião.

Pelo que, no mínimo, se ergue alguma estranheza em toda esta matéria…

Mas mais: se o clima foi de claro condicionamento e proibição (nos termos sustentados pela acusação pública), como, de um modo totalmente “desinibido”, se deslocaram às instalações do “ JJ... ” as testemunhas C... e LL... , no dia seguinte ao da reunião?

Como, pois, explicar tudo isto, e que consequências retirar daqui?

Apenas, segundo se crê, as que dizem respeito a uma reunião na qual as pessoas presentes (e com a excepção da testemunha GG... , que em tal reunião não viu tentativa alguma de apoucamento do que e de quem quer que fosse) se sentiram afectadas no seu brio profissional, mediante as afirmações produzidas pelo arguido B... (afirmações essas, desde já se diga, que, no contexto específico no qual ocorreram, poderiam até merecer uma eventual valoração negativa à luz das normas de cariz funcional e estatutário interno da Câmara Municipal de ... ). No entanto, a partir daí, e para estritos efeitos processuais penais, não vemos bem como interpretar as aporias e as dúvidas que acabámos de expressar sem ser com o recurso ao ditame específico e basilar do in dubio pro reo. Por outras palavras, não dispomos de elementos bastantes que nos inculquem, para lá de uma qualquer dúvida razoável, a conclusão de terem os factos ocorrido, neste episódio, da forma descrita no libelo acusatório.

O que nos transporta para o ponto seguinte, que, todavia, na economia narrativa da acusação pública, é anterior àquele que acabámos de tratar.

Referimo-nos à questão da suposta autorização verbal, por parte do arguido B... , transmitida à testemunha H... , então Presidente do Conselho de Administração da Empresa Municipal “ JJ... , E.M., S.A.”, e segundo a qual a arguida “ D... , S.A.” e a empresa “ AG... ” poderiam iniciar os trabalhos de instalação, apesar de os respectivos procedimentos de comunicação prévia não estarem ainda concluídos e admitidos.

É que, no aspecto acabado de focar, o aludido H... expressou em audiência três ideias fundamentais: em primeiro lugar, a de que o “ JJ... , E.M., S.A.”, projecto muito caro à autarquia de ... , fazia então um trabalho eminentemente de angariação e atracção de investidores que quisessem instalar-se no respectivo espaço; depois, ficou bem patente a noção de que no consulado do depoente – enquanto Presidente do Conselho de Administração entre os anos de 2007 e 2012 – e, especificamente, nos finais de 2010 e no decurso de 2011, promoveu ele diversas reuniões com a Câmara Municipal de ... , a arguida “ D... , S.A.” e outros investidores, a fim de agilizar procedimentos e encontrar soluções, tendo como interlocutor privilegiado, em matérias técnicas, o arguido B... ; e, em terceiro lugar, não confirmou em audiência a testemunha que em momento algum houvesse aquele mesmo arguido ( B... ) dado e transmitido ao depoente uma qualquer autorização verbal de instalação da arguida “ D... , S.A.” e da empresa “ AG... ” sem estarem ainda admitidas as inerentes comunicações prévias.

Aqui, note-se também o depoimento de E... , sucessor da testemunha H... como Presidente do Conselho de Administração do “ JJ... , E.M., S.A.”, mas na empresa desde o ano de 2007. Pelo referido E... foi então veiculado que o Presidente da altura ( H... ) pressionava muito o executivo camarário para que “as coisas andassem muito depressa”, guardando o depoente ( E... ) a noção de que a desmatação efectuada pela arguida “ D... , S.A.” terá ocorrido quase simultaneamente com a remoção de terras, em Julho de 2011, mas sendo então transmitido ao “ JJ... , E.M., S.A.”, por pessoa(s) ou ente cuja identidade a testemunha desconhece, e a propósito, que não seria necessária autorização para aqueles actos (desmatação e remoção de terras).

Por outro lado, I... , engenheiro civil a desempenhar funções na edilidade há quase 30 anos, sobretudo em matérias ligadas ao Planeamento Urbanístico, referiu em juízo que a desmatação e a subsequente limpeza dos lotes é uma característica que a Câmara Municipal de ... não desprezava nunca em empreendimentos do jaez do “ JJ... ”, tendo até ocorrido algumas ocasiões nas quais era o próprio Município a intimar os proprietários a manterem os seus lotes limpos. No entanto, não soube a testemunha dizer se algo de semelhante se terá ou não passado no caso concreto da arguida “ D... , S.A.”, mais admitindo, não obstante, que uma operação de abertura de caboucos constituirá uma fase seguinte à da desmatação.

Este último aspecto foi também focado por AF... , arquitecto há anos a prestar serviço na área da Gestão Urbanística da Câmara Municipal de ... , que inclusivamente afirmou que a remoção de terras, a partir de determinado volume (definido na lei aplicável) carecerá de uma comunicação prévia.
Seja como for, e a partir do conjunto de elementos acabados de mencionar, pense-se de seguida em um outro dado, agora de cariz estritamente fáctico, e algo en passant já há pouco focado: a circunstância de o “ JJ... , E.M., S.A.” se tratar, como bem sabemos, de uma empresa municipal na qual, até 8 de Abril de 2011, assumiu o Presidente da Câmara Municipal de ... em exercício a qualidade de Vogal do Conselho de Administração, e, em 19 de Maio do mesmo ano, o arguido A... , em substituição do Presidente da Câmara Municipal de ... , assim representando na dita empresa municipal a edilidade ... .

Independentemente das observações críticas que se dirijam à (mais ou menos hesitante) prestação testemunhal do acima aludido H... na audiência de discussão e julgamento, e da chamada à colação que possa fazer-se do mail por ele enviado, no dia 2 de Junho de 2011, ao arguido B... (mail esse cuja cópia consta de fls. 483 infra dos presentes autos, e cujo teor ora se dá por reproduzido), cremos não ser de olvidar o seguinte aspecto, que “mexe” precisamente com a circunstância de estarmos perante um projecto de enorme importância – antes do mais, política, frise-se bem – para a Câmara Municipal de ... e, por consequência, para o respectivo executivo (podendo recordar-se, a propósito deste ponto, e para além de tudo o já dito, o depoimento do também há pouco referido I... ). Ou seja – e sem menosprezo do específico tipo de funções pelo arguido B... desenvolvidas –, a necessidade de atracção e “facilitação da vida” aos investidores terá assumido, desde logo, uma indisfarçável e óbvia dimensão política que, segundo uma certa compreensão das coisas, não poderia ser decidida, pelo menos prima facie, por quem detinha “apenas” um múnus de cariz técnico.

Crê-se, em suma, à luz das normais regras da compreensão da vida e do mundo político-social em que nos inserimos, que a específica situação dos autos não pode deixar de estar envolta em um conjunto de dúvidas e incompletudes sobre quem, ao certo, terá prestado a autorização verbal de instalação da arguida “ D... , S.A.” e da empresa “ AG... ”: o arguido B... , “mero” técnico, ou outra(s) pessoa(s) dotada(s) de capacidade, sustentação e poder político bastantes para prestar(em) tal autorização?

Pensa-se, pois, que também aqui, e à face do incipiente material indiciário que eventualmente se desprenda dos autos, a conclusão a extrair terá de ser esta: tão forte (ou débil) como a hipótese fáctica veiculada pela acusação pública se apresenta aqueloutra de a dita autorização verbal emanar de pessoa(s) com o poder, a relevância e a necessidade políticas no seio camarário de não perder(em) a “bandeira” (também política) da manutenção de importantes investidores no projecto e nas instalações do “ JJ... ”.

Dito de outra maneira: a prova indiciária existente no processo não aponta, no entender do Tribunal, de uma forma claramente privilegiada, e beyond a reasonable doubt, para o desenho fáctico descrito na acusação pública, pelo menos de um modo tal que se sobreponha manifestamente às demais alternativas cogitáveis e possíveis, dentro de um universo camarário no qual o significado público-político das coisas não seria algo de todo em todo indiferente.

Ora – e já começámos supra, nestas considerações acerca da motivação cognitiva do Tribunal, por aludir a tal aspecto –, a valoração da prova indiciária não poderá deixar de obedecer a uma especial exigência de racionalidade objectiva e, ao mesmo tempo, de comunicabilidade intersubjectiva, por forma a que possa redundar em um juízo de convicção apto a atrair a adesão do público em geral e dos destinatários do discurso em particular (como, aliás, deverá acontecer sempre a propósito de qualquer operação valoradora, ainda que não especificamente de prova indiciária – neste expresso sentido, cfr. Prof. António Castanheira Neves, “Sumários de Processo Criminal”, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1968, pág. 53). Pelo que a prova indiciária ou indirecta deverá ceder «(…) perante a simples dúvida sobre a exactidão no caso concreto» (Ac. Rel. Coimbra de 4/3/2009, in www.dgsi.pt).

Em suma, e escorando-nos em tudo o que vem sendo expendido, parece-nos que de novo nos situamos em um campo no qual o princípio in dubio pro reo teve de assumir um inarredável protagonismo, perante a falta de elementos sustentadores de um juízo de certeza acerca da verificação, nos moldes delineados na acusação pública, do segmento fáctico de que ora tratamos.

Continuando na menção crítica dos elementos testemunhais mais relevantes, e prosseguindo para outra parte bastante significativa da narração plasmada no libelo acusatório, teremos agora de afirmar a prestação de alguns depoimentos que, em si mesmos, outro condão não tiveram do que o de ilustrarem a não demonstração de determinados passos fácticos descritos na acusação pública. Depoimentos que se mostraram, na opinião do Colectivo, globalmente coerentes, desinteressados e circunstanciados em relação apenas – e só apenas – àquilo de que os respectivos autores tiveram e têm um efectivo conhecimento, nada mais “supondo” ou “intuindo” acerca da matéria sobre que foram questionados.

Assim, RR... é engenheiro civil de formação, desempenhando as suas funções na Câmara Municipal de ... há cerca de 28 anos. Referiu, no essencial, algo de evidente (e decorre da orgânica da edilidade), ou seja, caber no âmbito de competências do arguido A... , enquanto Vereador com o pelouro do Urbanismo, a de decretar o embargo de obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas sem licença ou com inobservância das condições dela constantes. Já quanto aos “meandros” internos do processamento de um auto de notícia como o levantado pela testemunha LL... em 13 de Julho de 2011 à arguida “ D... , S.A.” – auto de notícia n.º 134/2011 –, e que teve por base os trabalhos (escavações e movimentação de terra e abertura de caboucos de fundações e seu enchimento para implantação de construção) (documento de fls. 16 do apenso B aos presentes autos), o depoente RR... referiu um aspecto importante, qual seja, o de que não cabia ao Director Municipal da Administração e do Território ordenar a remessa ou remeter tal auto de notícia à Divisão competente para a instauração e tratamento de procedimentos contra-ordenacionais, pois tal remessa deveria ser efectuada automaticamente, sem dependência de um qualquer despacho nesse sentido lavrado por aquele Director Municipal.

No mesmo diapasão da anterior testemunha afinou o depoimento de TT... , técnica superior da Divisão de Fiscalização da Câmara Municipal de ... de há diversos anos a esta parte. Com efeito, assegurou ter feito o encaminhamento para o Departamento Jurídico dos autos de notícia que em tais condições se encontravam, na segunda quinzena do mês de Julho de 2011, não tendo então conhecimento, em concreto, da existência do auto de notícia n.º 134/2011, nem das razões pelas quais não lhe foi na altura o mesmo apresentado, a fim de ser dado o pertinente encaminhamento para o referido Departamento Jurídico. Seja como for, assegurou que não cabia nem ao arguido B... nem ao arguido A... enviar – ou ordenar o envio – do auto de notícia em questão ao dito Departamento Jurídico, tendo em vista a instauração do procedimento contra-ordenacional. Na “mecânica” normal da tramitação ocorria sempre a existência de dois exemplares do mesmo auto de notícia, ficando um no processo camarário de pedido de comunicação prévia que pudesse já existir e o outro destinar-se então ao Departamento Jurídico. Ora – disse a testemunha –, já tem acontecido que, por lapso, fiquem os dois exemplares juntos (agarrados um ao outro), no processo camarário físico, não sendo assim efectuada logo na altura a remessa ao Departamento Jurídico, embora não sabendo ela assegurar se terá sido um lapso de tal jaez o que de facto aconteceu, em concreto, em Julho de 2011, com o auto de notícia n.º 134/2011.

Quanto a ZZ... , trata-se da jurista do Departamento Jurídico da Câmara Municipal de ... que, em 31 de Janeiro de 2012, despachou precisamente o auto de notícia a que vimos fazendo referência, o qual na véspera (30 de Janeiro de 2012) lhe fora apresentado, desenvolvendo-se a partir daí a normal tramitação processual (cfr., a propósito, fls. 75 a 77 do apenso F aos presentes autos). A razão por que o dito auto de notícia surgira no seu Departamento apenas em fins de Janeiro de 2012, a depoente não soube, todavia, esclarecer, mostrando-se, por outro lado, convicta de que um auto de notícia de tal jaez não tinha de ser remetido na sequência de um despacho proferido pelo Director Municipal da Administração do Território.

Ainda sobre a tramitação interna dos processos camarários, agora dos que tocam questões ligadas a propostas de embargos, importará fazer uma referência a AE... e AH... , técnica superior e engenheiro civil, desempenhando as suas funções no staff de assessoria ao arguido A... à época da ocorrência dos factos em questão. A primeira testemunha pouco ou nada de relevante trouxe aos autos, para além da nota de ser usual os processos de embargos chegarem ao gabinete do Vereador em uma “pastinha castanha” com a indicação de “urgência”, por forma a que depoente fizesse uma triagem da premência do assunto a tratar pelo arguido A... . No entanto, não soube esclarecer nada de útil acerca da situação concreta dos autos, maxime se a testemunha VV... , Chefe da Divisão de Gestão Urbanística Sul da Câmara Municipal de ... , ao (supostamente) encaminhar a proposta de embargo para o Gabinete do arguido A... , teria feito ou não qualquer menção física de “urgência” a tal dossier (por exemplo, através de um post it ou algo de similar). Por seu turno, AH... teceu algumas explicações acerca do modo como as propostas de embargo – que provinham dos Chefes de Divisão de Gestão Urbanística e não passavam pelo gabinete do Director Municipal da Administração do Território – eram por si (depoente AH... ) analisadas, após a triagem efectuada previamente pela testemunha AE... , consoante a tal maior ou menor urgência da situação. Então, se a questão se afigurasse simples, o procedimento subsequente consistiria em levar a proposta ao arguido A... (ou, na ausência deste, ao Presidente da Câmara) para despacho, enquanto um caso mais complexo demandaria certamente uma primeira discussão específica mais aprofundada do depoente com o técnico envolvido no processo e só depois a testemunha encaminharia a proposta para despacho final da entidade competente. Ora, a situação concreta da proposta de embargo relativa à obra da arguida “ D... , S.A.” não mereceu no depoimento do aludido AH... qualquer referência especial, nada havendo que lhe lembrasse ter alguma vez percebido haver a testemunha VV... levado ao gabinete do Vereador e ora arguido A... processo de embargo algum relativo à mencionada arguida, do mesmo passo dizendo, contudo, que, tanto quanto se recordava, na altura em causa – marcada por um período de ausência do arguido A... , devido a problemas de índole mais pessoal (ocorrência de um aborto à sua mulher e o decesso da avó), e ao decurso de férias de Verão –, e até à reorganização de serviços ocorrida na Câmara Municipal de ... em 13 de Setembro de 2011, não ficou naquele mesmo Gabinete – e não obstante o enorme volume de processos a que houve de dar “vazão” – proposta alguma por analisar e decidir. Tais aspectos, sobretudo do grande volume de serviço então a marcar a actividade do gabinete do arguido A... e os problemas pessoais deste mesmo arguido, revelou igualmente o arquitecto AF... conhecê-los com alguma proximidade (o que não será, aliás, de surpreender, atenta a circunstância de, como acima já se disse, se tratar de pessoa cujas funções técnicas o faziam colaborar de perto com o gabinete do apontado arguido).

O que acaba de ser exposto, sem qualquer relacionação com outros elementos probatórios, poderia gerar-nos (ainda mais) aporias acerca daquilo que verdadeiramente ocorreu com a proposta de embargo em causa, e os “passos” que a mesma percorreu nos “interstícios” da edilidade. Assim, a testemunha UU... , secretário do arguido A... , deu-nos conta de que, em um contexto particularmente difícil de controlar – com cerca de 3.900 processos no ano de 2011, sendo o equivalente a 60% deles de carácter urgente –, a proposta de embargo relativa à arguida “ D... , S.A.”, devido ao volume de trabalho então feito sentir, acabou por inadvertidamente ficar retida na secretária do depoente, só vindo a dar-se conta de tal proposta bem mais tarde (em momento no qual já não teria grande sentido ponderar o efectivo decretamento de um qualquer embargo).

Ou seja, esta mole de depoimentos – RR... , TT... , ZZ... , AE... , AF... , AH... e UU... – mostrou bem ao Tribunal, em conjugação com outros elementos já acima enumerados, e salvo o devido respeito, a dificuldade (rectius, a impossibilidade) de formulação de uma ideia concreta acerca da forma como decorreu, e daquilo que exactamente ocorreu, relativamente à tramitação camarária do auto de notícia e da proposta de embargo em causa, e à concreta intervenção dos arguidos B... e A... e animus supostamente inerente a tal intervenção.

Já acerca de diversos aspectos que se prendem quer com a utilidade, o sentido e a finalidade de um embargo camarário, quer com a (in)compatibilização de um embargo com uma comunicação prévia entretanto admitida ao “visado” pela proposta de embargo, foi útil o depoimento da testemunha AA... , engenheiro civil de formação, e Vereador da Câmara Municipal de ... entre 2002 e 2009, com o pelouro ligado ao Planeamento e à Gestão Urbanística. Assim, em um registo geral de clareza, coerência e independência no discurso, referiu o depoente, quanto ao aspecto mencionado em último lugar, que, perante uma proposta de embargo, e surgindo entretanto a comunicação prévia, ganhará porventura todo o sentido que a proposta de embargo “caia”, visto as questões que se pretendiam verberar através do embargo terem sido entretanto regularizadas (ou, pelo menos, deixado de dimanar efeitos de ilegalidade fundamentante do embargo). Mas mesmo o decretamento de um embargo não pode (não deve) ser entendido como um remédio de carácter “automático” para uma qualquer situação de cariz ilícito do ponto de vista urbanístico: ao decretar-se um embargo, deve sempre ponderar-se a vantagem e o prejuízo daí advenientes, sobretudo à luz da concreta falta que é invocada para o decretamento do embargo (geradora ou não, por exemplo, de riscos ambientais, patrimoniais ou outros, com a natural diferença de gravidade ínsita), pois que existe uma gama enorme de hipóteses que poderão não justificar uma medida tão drástica. Depois, pronunciou-se a testemunha sobre um aspecto a que o Tribunal já se referiu supra (e por mais do que uma vez), a saber, aquilo que, em determinadas circunstâncias, e no entender do depoente, poderá justificar a chamada à colação de uma “comunicação prévia parcial” (por analogia com a figura do licenciamento parcial), reunidos que estejam determinados requisitos ligados à segurança urbanística.

Quanto a um ponto também algo debatido nos autos (mas que, em bom rigor, parece ao Colectivo não assumir in casu, e atento o específico conjunto de comportamentos imputados aos arguidos, um excessivo relevo), falou a testemunha AV... acerca daquilo que decorre da lei aplicável na matéria, a saber, do prazo de que dispunha a Direcção-Geral da Economia – a cujos quadros pertence tal testemunha –, enquanto entidade responsável pela emissão de parecer sobre o projecto de electricidade apresentado pela arguida “ D... , S.A.”, e das consequências que a ausência de parecer, no prazo em questão, deveria comportar.

E somos agora conduzidos a um domínio no qual os dois seguintes depoimentos, embora por motivos distintos, foram essenciais para que, relativamente ao episódio de 9 e 12 de Setembro de 2011, o Tribunal estribasse a sua convicção nos termos que surgem expressos na matéria factual dada como provada e não provada: os depoimentos de VV... e F... .

Começando pela testemunha VV... , já acima mencionada, recorde-se ser, à época, o Chefe da Divisão de Gestão Urbanística Sul da Câmara Municipal de ... , reportando ao arguido B... e despachando com o arguido A... . Prestou alguns esclarecimentos quanto ao parecer por ele apresentado ao arguido B... , no sentido da rejeição da comunicação prévia, tal como consta da documentação pertinente, propondo também o decretamento do embargo a que acima já se fez referência, embargo relativamente ao qual, sem a testemunha saber porquê, não ocorreu depois a prolação de despacho por banda do arguido A... . Estes são aspectos, no entanto, não iluminados pelo depoimento em questão, visto que, como acabámos de referir, praticamente se esgotou naquilo que transparece da documentação existente no processo. Onde o testemunho acabou por ser relevante foi, no entanto, no seguinte ponto. Com excepção de um aspecto, que tem que ver com o suposto “mutismo” do outro protagonista no que a seguir se expõe, ou seja, a testemunha F... (e a que melhor nos referiremos daqui a pouco …), o referido VV... relatou, de um modo que ao Tribunal pareceu coerente, claro e genuíno, que na sexta-feira, dia 9 de Setembro de 2011, e já depois das 17 horas e 30 minutos, o arguido A... lhe disse “precisar” que a testemunha F... – arquitecto a quem o processo de comunicação prévia da arguida “ D... , S.A.” havia sido distribuído – colocasse a data do dia 9 do mencionado mês de Setembro como sendo a data da informação técnica por ele ( F... ) produzida no processo (ou seja, da informação técnica que precederia o despacho a admitir a comunicação prévia). Perante esta posição do arguido A... , o depoente VV... informou tal arguido de que iria transmitir a sua solicitação à testemunha F... . E, já não encontrando o aludido arquitecto no respectivo gabinete ao fim da tarde daquela sexta-feira, dia 9 de Setembro, o depoente VV... só contactou com a testemunha F... na manhã da segunda-feira seguinte, dia 12 de Setembro, momento em que lhe entregou o processo físico da arguida “ D... , S.A.”, instruído com a documentação poucos dias antes ali entrada, e transmitiu então a referida solicitação que havia recebido do arguido A... , relativamente à data da informação técnica a colocar no processo. E a testemunha F... nada disse ou respondeu ao depoente VV... a propósito do nesse momento a si solicitado, vindo a inserir de seguida no processo informático a aludida informação com a data de 9 de Setembro de 2011, e não apondo, depois, o depoente VV... qualquer despacho subsequente por, segundo disse em audiência, “nada querer ter que ver com aquele assunto” (que não se lhe afigurou “linear”). Refira-se, agora, ter perpassado bem do depoimento da testemunha VV... que, na apontada sexta-feira, dia 9 de Setembro, a notícia do acidente ocorrido ao início dessa tarde na obra da arguida “ D... , S.A.” foi algo de que, pouco tempo após, se teve conhecimento (ainda nessa tarde, portanto, na Câmara Municipal de ... ).

E o que nos relatou, em juízo, a testemunha F... , acerca do episódio?

No essencial, que na sequência de diversas abordagens do arguido B... , uns dias antes, no sentido de saber se o processo da arguida “ D... , S.A.” já se encontrava em condições de ser terminado, o depoente ora identificado constatou, no fim da tarde de 9 de Setembro, estar o dito processo já em condições de ser finalmente encaminhado, razão por que lavrou a sua informação técnica concordante, com a data desse dia – 9 de Setembro – aposta em tal informação, imprimindo-a e deixando-a em cima da secretária do arguido B... , em momento no qual se encontrava este último ausente do gabinete, saindo depois a testemunha para gozar o período de fim-de-semana. Mais referiu ter procedido à aludida impressão dado não estar então ainda o processo informaticamente disponível para o depoente. Na segunda-feira seguinte, dia 12 de Setembro, foi então interpelado pela testemunha VV... , que lhe deu a conhecer a solicitação do arguido A... de fazer constar como data de elaboração da informação técnica a da sexta-feira anterior, dia 9, o que o depoente então efectuou, repetindo a impressão da informação e inserindo também tal informação no processo electrónico – então já disponível para o depoente –, sempre com a apontada data de 9 de Setembro.

Mas o depoimento acabado de mencionar – que, no essencial, consubstancia a tese fáctica descrita na acusação pública – surgiu, aos olhos do Tribunal (e para dizer o mínimo…), como algo de extremamente estranho, por três razões fundamentais.

Em primeiro lugar, porque não é crível, à luz das normais regras da experiência da vida, que, ao saber, pela testemunha VV... , da solicitação do arguido A... , quanto à questão da data a apor na informação técnica, não houvesse o depoente F... dito imediatamente àquele mesmo VV... que já na sexta-feira anterior tinha sido pelo depoente elaborada a informação técnica em causa, então por ele deixada, devidamente impressa e com a data dessa mesma sexta-feira, dia 9 de Setembro, aposta, em cima da secretária do arguido B... . Isto é, não se mostra verosímil que, no mínimo, não questionasse o depoente F... a testemunha VV... acerca do porquê de algo que, na perspectiva daquele depoente, se mostraria a repetição de algo que havia sido por ele feito já na sexta-feira anterior.

Em segundo lugar, a versão apresentada em audiência pela testemunha F... apresentou-se intrigante porque, instada pelo Tribunal a explicar a razão da sua “não reacção” a que acabámos de fazer menção, tal testemunha F... disse haver estranhado a solicitação transmitida pela testemunha VV... , mas não a questionar, sem que para isso tivesse fornecido em juízo uma qualquer explicação minimamente válida ou coerente. Isto é, o depoente F... não terá questionado nem nada dito acerca de algo que, na ocasião, se lhe afigurou invulgar, porque… não… Mas mais: o mesmo depoente acrescentou depois, em audiência, sentir também alguma estranheza pelo facto de a testemunha VV... lhe dizer que o seu acatamento ou não da solicitação do arguido A... era problema, único e exclusivo, do depoente, porque aquele VV... “não queria ter nada que ver” com a questão. Ora, e nem assim deu o depoente F... a conhecer à testemunha VV... que havia já na sexta-feira anterior elaborado a sua informação técnica…

Por último, sendo o testemunho do depoente F... , como vimos, o sustentáculo probatório por excelência da acusação pública neste episódio em particular, parece também permitir uma ideia que, aos olhos do Tribunal, está longe de ser crível: a de que os arguidos B... e A... , até aí (e segundo a acusação pública) sempre “mancomunados” de uma forma incindível, precisamente na tarde de sexta-feira, dia 9 de Setembro, ao saberem do acidente ocorrido na obra da arguida “ D... , S.A.”, e quando mais precisariam de delinear uma estratégia comum, pura e simplesmente não comunicaram entre si e actuaram “de costas voltadas” um para o outro.

Ora, tudo o que acaba de ser exposto nos mostra, segundo se crê, a estranheza de parte do depoimento da testemunha F... – precisamente no tocante ao que efectivamente se terá passado na sexta-feira anterior –, e nos deixa também com dúvidas sérias sobre o momento em que, de facto, tal testemunha elaborou a referida informação técnica. Pelo que, neste particular aspecto, se viu o Tribunal impelido a dar como assente a matéria fáctica nos precisos termos em que o fez.

No entanto, e em complemento do que acaba de ser dito, cremos igualmente que a conjugação dos depoimentos dos apontados VV... e F... não pode deixar de nos inculcar um ponto, em si mesmo indesmentível, a saber, o da solicitação ou pedido expresso pelo arguido A... à testemunha VV... , e por este veiculada à testemunha F... , quanto à “necessidade” daquele arguido de que ocorresse a aposição da data de 9 de Setembro de 2011 na informação técnica, ou seja, uma data nunca posterior à da ocorrência do aludido acidente na obra da arguida “ D... , S.A.”… (pois que se fosse uma necessidade de, por exemplo, se concluírem todos os processos então ainda pendentes perante a reestruturação funcional que passaria a vigorar na Câmara Municipal de ... em 13 de Setembro de 2011, bom, o dia 12 “serviria” perfeitamente como data efectiva de conclusão de tal comunicação prévia…). E as consequências a extrair deste aspecto não poderão deixar de ser escalpelizadas daqui a pouco, em sede de análise jurídico-penal dos factos dados por provados.

Relativamente à questão do preenchimento do Livro de Obra da arguida “ D... , S.A.”, a perspectiva do Colectivo ficou também muito marcada pela inconsistência global de um conjunto de depoimentos que, analisados em si mesmos e na sua concatenação, mereceram reservas da mais variada ordem.

Por um lado, a testemunha AQ... é assistente operacional da Câmara Municipal de ... , na Secção de Apoio Administrativo à Gestão Urbanística, e asseverou que o Livro de Obra em questão só saiu da Câmara em 20 de Setembro de 2011, após terem sido pagas as taxas relativas à admissão da comunicação prévia da arguida “ D... , S.A.”, aspecto em que o depoimento acabado de referir foi secundado, no essencial, pelo prestado pela testemunha, igualmente funcionária municipal, XX... .

Depois, AC... esteve na realização da obra, como técnico responsável da mesma, embora sob a coordenação da testemunha AZ..., ambos funcionários da empresa empreiteira “ AO... , S.A.”, intervindo a testemunha AD... em representação da dona dessa mesma obra, ou seja, da arguida “ D... , S.A.”, como director de projecto (cabendo o esclarecimento de que esta arguida havia adjudicado a gestão dos trabalhos à empresa “ AS... , S.A.”, a cujos quadros pertencia – e pertence – o mencionado AD... ). A testemunha AB... , por seu turno, era colaborador da empresa “ AU ... , Lda.”, a quem foi deferida a fiscalização da obra, assumindo as funções de técnico responsável pela fiscalização técnica dessa mesma obra.

Bom, para além de alguns aspectos (neste momento mais do que óbvios) que se prendem com a circunstância de a obra se haver iniciado antes de admitida a comunicação prévia – referindo a testemunha AC... a sensação que tinha de existir então a aquiescência da Câmara Municipal de ... em relação a tal início (embora sem particularizar ou conhecer quem, do lado da edilidade, poderia ter manifestado tal aquiescência) –, um ponto, como há pouco dissemos, se vislumbra como bastante relevante, a partir da conjugação dos depoimentos das testemunhas acabadas de identificar. É que, assumindo o depoente AC... ter sido ele e a testemunha AB... a preencherem o Livro de Obra, referiu depois haver contactado com a testemunha M... (engenheiro civil também pertencente à “ AO... , S.A.”) acerca daquilo que deveria ser feito constar no livro como data de início da obra, recebendo deste M... a resposta de que deveria falar com as testemunhas AB... e AD... para se chegar a um consenso, perante o “problema” do efectivo início antes da admissão da comunicação prévia. Então, e segundo o depoente AC... afirmou em audiência, acabou por receber a indicação, por parte da testemunha AD... , de que o arguido N... lhe havia dado o agreement – a ele, AD... – para que se fizesse constar, como data de início dos trabalhos, o da comunicação prévia.

Ora, não tendo nunca o depoente AC... mantido qualquer conversa directa com o arguido N... a propósito de tal questão e, por outro lado, afirmando a testemunha AD... precisamente o mesmo – ou seja, não ter nunca também ele, AD... , protagonizado conversação alguma com o arguido N... a propósito do preenchimento do Livro de Obra –, e que não disse àquele AC... o que quer que fosse acerca da questão, pois o referido preenchimento estava a cargo da empreiteira “ AO... , S.A.”, o que pensar de tudo isto?

E o que pensar, igualmente, da circunstância de os mencionados M... e AB... referirem expressamente não terem obtido do arguido N... , em momento algum, qualquer indicação acerca do preenchimento do Livro de Obra?

Depois, a ideia de o arguido N... se manter à margem das operações materiais de preenchimento do Livro de Obra ressalta também dos depoimentos das testemunhas J... e G... , respectivamente engenheiro mecânico e engenheiro químico pertencentes aos quadros da arguida “ D... , S.A.”, que estiveram bastante envolvidos e empenhados na instalação, o mais rapidamente possível, da arguida no “ JJ... ”, sendo coincidentes na afirmação de que o arguido N... , pessoa ligada à gestão empresarial stricto sensu e não a obras de construção civil, nunca lhes mencionou, a propósito fosse do que fosse, formal (em sede de reunião de conselho de administração da arguida) ou informalmente, qualquer aspecto relacionado com o Livro de Obra.

Pelo que, em todo este (e perdoe-se-nos a expressão) “caldeirão” de versões incompletas, contraditórias e pouco ou nada sustentadas (e sustentáveis) de um ponto de vista lógico, à luz de uma noção de normalidade mínima, ficamos sem saber se, de facto, ocorreu ou não, da parte do arguido N... (de per se ou enquanto representante da arguida “ D... , S.A.”), alguma participação, por mais “moral” (no sentido de intelectual) que fosse, no preenchimento do Livro de Obra, nos termos em que tal preenchimento efectivamente aconteceu.

Ou seja, afigurando-se-nos, também aqui, bem evidente a não sustentação da acusação pública, quer no que tange ao envolvimento do arguido N... , quer no que toca a uma eventual conexão (mesmo que desligada da actuação daquele arguido) por banda da arguida “ D... , S.A.”.
Na percepção das condições vivenciais e percurso socioprofissional dos arguidos A... , B... e N... , valeram, antes do mais, as declarações dos próprios, mas também os respectivos relatórios sociais juntos aos autos e, ainda, o conjunto de depoimentos prestados por P... , Q... , R... , X... , Z... , FF... e CC... – testemunhas que, mais ou menos de perto, lidaram e lidam com os arguidos A... e B... no desenvolvimento das actividades por estes levadas a cabo, quer no seio camarário, quer nas respectivas experiências profissionais de “raiz” (sobretudo, e no que toca ao arguido B... , nas suas funções de origem, na Comissão de Coordenação da Região Centro, sedeada em ... ) –, e ainda, por fim, N... , DD... e O... – pessoas com proximidade familiar (a primeira e a terceira das testemunhas ora identificadas) e profissional (a segunda das testemunhas em questão) em relação ao arguido N... –, que, em suma, denotaram conhecimento de facto relativamente à matéria sobre que depuseram.
Por fim, a para além dos já mencionados, relevou ainda o conteúdo de todo o conjunto de elementos documentais juntos aos autos e seus apensos, assim como os certificados do registo criminal dos arguidos, tudo devidamente analisado na sua concatenação, e à luz das apontadas regras gerais da experiência da vida.
Quanto à factualidade dada como não assente, e por tudo o que vem sendo dito, resultou a mesma da falta de demonstração probatória sobre a mesma incidente (não mudando este estado de coisas a visão geral – mas pouco circunstanciada – trazido a audiência por um dos responsáveis pela investigação policial, EE... ).


***

            III. Apreciação dos Recursos

A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).

Mas, como é sabido, o âmbito do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo de questões do conhecimento oficioso (cfr. acórdão de uniformização do S.T.J. nº 7/95 de 19.10.1995)

Resulta das conclusões dos recursos interpostos e acima transcritas que se colocam para apreciação deste Tribunal as seguintes questões:

Do recurso do arguido:

- Se o acórdão recorrido é nulo por ter condenado por factos que constituem alteração substancial da acusação ou, assim não se entendendo, alteração não substancial, sem os haver previamente comunicado;

- Se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação no que concerne à provada intenção do arguido;

- Se os factos provados não integram a prática do crime de abuso de poder imputado;

- A manter-se a condenação, se a pena de multa deve ser reduzida e fixada próxima do mínimo legal.

Do recurso do Ministério Público:

- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo o arguido em consequência da correcção de tal erro ser condenado pela autoria de dois crimes de abuso de poder.

Apreciando:
Da alegada nulidade decorrente da alteração dos factos da acusação (recurso do arguido)
O recorrente arguido alega que o Acórdão recorrido é nos termos do disposto nas alíneas b) e a)  do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, porque inscreveu, sob a designação “factos provados”, nomeadamente no ponto 97., o seguinte, que constitui novidade, relativamente quer à acusação, quer à comunicação feita na sessão de julgamento de 12 de Maio de 2016: “eventuais consequências que pudessem vir a suceder a esta, a diversos níveis, por causa do apontado acidente, maxime, em termos contraordenacionais”. Na verdade, a alteração comunicada – através de decisão ema acta foi, apenas: “mais sabia o arguido A... , ao emitir a ordem aludida no ponto 5 (desta matéria ora elencada), que agia no exercício das suas funções de Vereador responsável pela área do Urbanismo na Câmara Municipal de ... e no âmbito de processo para o qual detinha competência, fazendo-o de forma contrária aos deveres do cargo que desempenhava, o que sabia ser incompatível com os deveres de isenção e imparcialidade da Administração a que estava obrigado, assim pretendendo beneficiar a arguida “ D... , S.A.” Todavia, a formulação nova do citado ponto 97 – designadamente relevante para o elemento subjectivo do tipo – determinou a condenação do recorrente pelo crime previsto e punido pelo artigo 26º da LRTCP. Assim é o Acórdão nulo, nos termos da al. b) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, na medida em que considera e usa factos que não foram alvo da pertinente comunicação ao recorrente.
Vejamos.

De acordo com o princípio acusatório, a acusação deduzida define e fixa o objecto do processo, exigindo-se uma necessária correlação entre a acusação e a decisão, traduzindo-se tal correlação na exigência de que, definido o objecto do processo, o tribunal não possa, como regra, atender a factos que não foram objecto da acusação, estando, por conseguinte, limitada a sua actividade cognitiva e decisória, o que constitui a chamada vinculação temática do tribunal.

A observância destes princípios constitui uma exigência da salvaguarda de um efectivo direito de defesa do arguido. Compreende-se que, se ao tribunal fosse permitido modificar o objecto do processo e conhecer para além dele, o arguido poderia ser confrontado com novos factos e novas incriminações que não tomara em conta aquando da preparação da sua defesa, não sendo de exigir ao arguido – que se presume inocente – que antecipe e preveja todas as imputações possíveis, independentemente da concreta acusação que contra si foi deduzida (como se menciona no Acórdão desta Relação de 14.9.2011 proferido no processo 150/10.5GCVIS.C1 que de perto seguimos).

Quer isto dizer que a acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, o que constitui uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.

Porém, como refere Germano Marques da Silva, “por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo” (Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, III, 2.ª edição, p. 273).
«O processo penal não é um processo acusatório puro e o legislador não deixou o juiz na completa dependência dos sujeitos processuais relativamente ao esclarecimento dos factos”. Ao processo penal estão subjacentes preocupações de justiça que impõem uma mais completa indagação da verdade permitindo que a versão dos factos apresentada na acusação e a realidade se aproximem.

O que aponta para a necessidade de ser encontrado um ponto de equilíbrio que resolva a tensão entre a necessidade de realizar a finalidade do processo penal (justiça) e de respeitar o direito de defesa, o que nos remete para a questão da definição do objecto do processo e das condições em que a conformação dos factos constantes da acusação pode ser alterada» (Acórdão da Relação de Coimbra de 17.6.2009, processo 122/07.7GCACB.C1).

O Código de Processo Penal distingue, no âmbito da alteração dos factos, as situações em que a alteração é substancial daquelas em que não é substancial.

O artigo 1.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal define “alteração substancial dos factos” como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

As disposições fundamentais a considerar, na fase do julgamento, no tocante a esta matéria, são os artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal.

Estatui o artigo 358º, relativo à alteração não substancial de factos descritos na acusação ou na pronúncia:

1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente para a preparação da defesa.

2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.

3. O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.

Por seu turno, o artigo 359º reporta-se à alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia e é do seguinte teor:

1. Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância.

2. A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objeto do processo.

3. Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.

4. (…)

Salienta o STJ, em acórdão de 21 de Março de 2007 (processo 07P024, www.dgsi.pt):
«Alteração substancial dos factos significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa.»

Este é o significado da definição constante do artigo 1º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal para alteração substancial dos factos; aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

A alteração substancial dos factos pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Sobre o alcance do conceito de “alteração substancial dos factos” pronunciou-se também a Relação do Porto, em acórdão de 23 de Maio de 2007 (processo 0513936, www.dgsi.pt), nos seguintes moldes:

«Fixemo-nos na imputação de crime diverso.

Como se referiu, o objecto do processo, melhor diríamos, da acusação, que vincula tematicamente o tribunal, é constituído por aquele facto naturalístico que se discute, situado no passado, com a sua identidade, imagem e valoração social, que viola bens jurídicos penalmente tutelados, e por cuja prática o agente é alvo de censura.

No conceito há uma relação dialéctica entre facto e crime.

Por outro lado, nos termos do n.º 4 do art.º 339.º, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação; os factos alegados pela defesa; os factos que resultarem da prova produzida em audiência; as soluções jurídicas pertinentes, em obediência ao princípio da verdade material. Tendo a discussão da causa esta amplitude, pode acontecer que:

a) Da discussão da causa resulte adição ou modificação dos factos constantes da acusação, sem intervenção da entidade acusadora;

b) O arguido não tenha oportunidade de se defender de todos os factos apurados, violando-se o princípio que lhe consagra todas as garantias de defesa.

Ora, conhecido o conceito de facto e a sua relação dialéctica com o tipo legal; conhecido o thema decidendum; conhecido o objecto do processo; e conhecidas ainda as razões porque não pode ser modificado o objecto do processo, cremos estar em condições de encontrar critérios que nos permitam afirmar se há ou não alteração substancial dos factos.

Cremos poder afirmar que se imputa ao arguido um crime diverso quando:

1. Da referida adição ou modificação dos factos resulte que o bem jurídico agora protegido é distinto do primitivo;

2. Da referida adição ou modificação dos factos resulte um facto naturalístico diferente, objecto de um diferente e distinto juízo de valoração social;

3. Da referida adição ou modificação dos factos resulte a perda da “imagem social” do facto primitivo, ou seja, resulte a perda da sua identidade.

O critério normativo – é disso que se trata – encontrado só fica completo quando se fizer a previsão das situações em que o arguido não teve oportunidade de se defender dos novos factos, com relevância jurídico-penal.

Assim, importa acrescentar que, para efeitos de alteração substancial dos factos, imputa-se ao arguido um crime diverso quando:

4. O arguido não teve oportunidade de se defender dos “novos factos”, não sendo estes meramente concretizadores ou esclarecedores dos primitivos.

Nos termos da 2ª parte da alínea f) do n.º 1 do art.º 1º, estamos ainda perante uma alteração substancial dos factos quando:

5. Por força da modificação ou aditamento de novos factos, resulte o agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis ao arguido (…)»

Quando os factos novos não tenham como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, por isso, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º, n.º1, do CPP.

Do exposto já resulta que a noção de crime diverso não é atinente apenas à imputação de crime previsto em diferente normativo legal, sendo também crime diverso o que vem previsto na mesma norma, mas cometido em circunstâncias diferentes quanto a algum dos elementos essenciais do tipo.

Como refere Frederico Isasca, em Alteração Substancial dos Factos e a sua Relevância no Processo Penal Português, pág. 242, “o acontecimento da vida que ganha uma dimensão jurídico-processual-penal terá de ser encarado não só do ponto de vista meramente objectivo, mas também no seu aspecto subjectivo. Por isso, o facto, enquanto base essencial da decisão tem de ser apreciado na sua relação com o sujeito actuante.”

Este aspecto de que o facto penalmente relevante é tanto o facto objectivo como o subjectivo, conduz-nos a seguro caminho no sentido de concluir que tanto ocorre alteração substancial quando diverso é o contexto objectivo do seu cometimento, como quando diverso é o contexto do seu cometimento subjectivo, mormente a intenção quando ela faz parte do tipo de crime.

Ora, no caso, como se retira, aliás, da própria fundamentação de direito da decisão recorrida, o arguido teria tomado atitude dilatória para atrasar a prolação de decisões no sentido de permitir à D... , S.A. colmatar as lacunas do seu processo de comunicação prévia de obra por forma a que não fosse rejeitada e não fosse embargada a obra já em curso, sendo este o benefício que visou.

Em despacho proferido em acta foi comunicada alteração da qualificação jurídica dos factos respectivos, que na acusação eram qualificados como crime de prevaricação, passando a imputar ao arguido crime de abuso de poderes p. e p. pelo artigo 26º da Lei nº 34/87 de 16.7 e consignou-se factualidade idêntica à que constava da acusação para delimitar os factos objecto de qualificação diferente com menção da intenção de beneficiar a sociedade D... sem especificação da natureza do benefício o que, no contexto da comunicação em causa, não se vislumbrava necessário.

Na decisão recorrida consignou-se como provado no ponto 97 que o arguido pretendeu beneficiar a D... nas eventuais consequências que pudessem vir a suceder a esta, a diversos níveis, por causa do apontado acidente (acidente de trabalho ocorrido na obra em curso) maxime em termos contra-ordenacionais.

Trata-se, por consequência de factualidade que, ao nível subjectivo, não tem qualquer coincidência com a que constava a acusação e que traduz uma alteração substancial dos factos não comunicada previamente ao arguido nos termos prevenidos no artigo 359º, nº 1 e nº 3 do Código de Processo Penal.

Porque o acórdão recorrido, não obstante, condenou o arguido com base em factualidade nova, padece da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, o que implica que deva ser reaberta a audiência para o cumprimento do disposto no artigo 359º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal.

Fica em consequência prejudicado o restante objecto do recurso do arguido, mantendo-se, porém, a possibilidade de apreciar o recurso do Ministério Público porque respeitante a parte da decisão não afectada pela nulidade (cfr. artigo 122º, nº 1 do Código de Processo Penal).

Da impugnação da matéria de facto – Erro de julgamento (recurso do Ministério Público)

O recorrente invoca a existência de erro de julgamento da matéria de facto no que respeita ao facto provado 41 e aos factos não provados que na acusação sustentaram a imputação ao arguido B... de dois crimes de abuso de poder, pretendendo que da correcção do erro resulte a condenação daquele.

Quando o recorrente pretenda impugnar a decisão sobre matéria de facto, fundamentando o recurso no aludido erro de julgamento, deve observar o disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, especificando:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

            b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas (sendo o caso).

Acrescenta o nº 4 desse preceito que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do artigo 364º, nº 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

E preceituando o nº 1 do citado artigo 412º que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões em que o recorrente resume as razões do pedido, tal significa que a motivação se compõe de duas partes distintas a que poderemos chamar corpo da motivação ou motivação propriamente dita e conclusões, utilizando a terminologia de Simas Santos e Leal-Henriques, em Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pág. 105.

No corpo da motivação deve o recorrente enunciar os fundamentos do recurso que se traduzem na indicação do que se decidiu mal, porque se decidiu mal e como deve em alternativa ser decidido.

Já as conclusões destinam-se exclusivamente a sintetizar os fundamentos do recurso de tal modo que estas não podem alargar o objecto do recurso a matérias não tratadas na motivação propriamente dita, como delimitam, por outro lado o seu objecto, não podendo ser consideradas questões que sejam enunciadas no corpo da motivação e não mencionadas nas conclusões.

A exigência da especificação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados corresponde à indicação por um lado do que se decidiu mal e por outro do que deve ser decidido em alternativa com a indicação da redacção que o recorrente propõe para cada facto mal julgado (passagem de facto provado a não provado um vice-versa, indicação de novo facto que deva constar como provado ou ainda indicação de nova redacção para factos que constem do elenco dos provados por adição ou subtracção de texto).

Por seu turno, a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida corresponde à alegação das razões porque se decidiu mal, o que necessariamente deverá ser concretizado em relação a cada um dos pontos de facto que se alega ter sido mal decidido, sendo certo que a pertinência e eficácia da impugnação factual passará pela indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida em contraponto com os meios de prova valorados e considerados na decisão de que se recorre.

Resulta claramente do disposto no artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal, aplicável quer ao recurso de facto quer ao recurso de direito, que a motivação deve enunciar especificadamente os fundamentos do recurso, cabendo às conclusões resumir esses fundamentos (razões do pedido) o que no que concerne ao recurso de facto impõe que o recorrente especifique em relação a cada ponto mal julgado a prova que no seu entender impõe decisão diversa da recorrida, como também a razão de ser dessa pretensão (porque o tribunal considerou meio de prova que não devia ser considerado e porque razão não o devia ser, interpretou mal o meio de prova e em que sentido devia ser interpretado).

Note-se que as exigências em causa têm também uma finalidade claramente ordenadora. É que o recurso da matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas tão só a encontrar remédio jurídico para corrigir erros específicos que o recorrente expressamente indique (cfr. o Ac. desta Relação proferido no processo 185/05.0GAOFR.C1 de 25.6.2008 publicado em www.dgsi.pt) e, desse ponto de vista, tendo em consideração, aliás, o dever de colaboração das partes, bem se compreende a exigência legal mencionada.

 É dentro destes parâmetros que deve ser analisada a motivação em sentido lato do recorrente.

A tese do recorrente é no sentido de que da conjugação dos meios de prova documentais a fls. 483, 489 e ss, 499 e 500 e fls. 101 a 110 e 115 e dos testemunhais resultantes da audição de C... , H... I... e E... , para além dos factos dados como provados resulta prova positiva, por inferência, dos factos provados.

Porém, no sentido de demonstrar a sua tese o recorrente apenas menciona na motivação passagens telegráficas dos depoimentos das indicadas testemunhas, completamente descontextualizadas, limitando-se no mais a tecer comentários sobre a valoração que o tribunal efectuou dos meios de prova, o que manifestamente não satisfaz a exigência contida no artigo 412º, nº 4 do Código de Processo Penal de indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.

Por via da apontada deficiência, está este Tribunal de Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (cfr. artigo 431 º do Código de Processo Penal). E não se argumente que o caso justifica a prolação de despacho dirigido ao recorrente no sentido de aperfeiçoar a motivação de recurso.
Como advertia o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 140/2004 de 10.3.2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt em relação à redacção anterior do artigo 412º “não está aqui em causa apenas uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso - falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correcção dos vícios formais detectados, constitui exigência desproporcionada.

Antes a indicação exigida pela al. b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP - repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos - é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto.

Importa, aliás, recordar, por um lado, que da jurisprudência do T.C. não pode retirar-se (...) uma exigência constitucional de convite ao aperfeiçoamento sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado. Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412.º, nºs 3, alínea b) e 4, do CPP, cujo cumprimento (incluindo a referência aos suportes técnicos, com indicação da cassete em causa e da localização nesta da gravação das provas em questão) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. Aliás, o modo de especificação por referência aos suportes técnicos é deixado em aberto pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP, não tendo, porém, no presente caso, existido sequer qualquer esboço dessa referência”.

O despacho de aperfeiçoamento neste caso “equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso” ainda parafraseando o mencionado acórdão.

Do que se extrai que o Tribunal Constitucional colocado perante a questão da eventual inconstitucionalidade do artigo 412º, nºs 3, alínea b) e 4 do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne a matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências, decidiu não julgar inconstitucional tal norma com o citado conteúdo interpretativo.

E foi, aliás, na senda dessa jurisprudência constitucional que a Lei nº 48/2007 introduziu disposição, nº 3 do artigo 417º, no sentido de consagrar expressamente a possibilidade de convite à correcção da motivação de recurso, mas apenas se esta não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas no artigo 412º, nºs 2 a 5, já não sendo tal possível quando estão em causa vícios do corpo da motivação. E tanto assim, que no nº 4 do mesmo preceito se menciona expressamente que o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.

Do exposto resulta, como já antes se afirmou, que este Tribunal está impedido de alterar a decisão recorrida no que respeita à matéria de facto por via da impugnação substancialmente viciada que o recorrente apresentou e que não é passível de convite à correcção por parte deste Tribunal.
Na impossibilidade de conhecimento da impugnação da matéria de facto realizada, a sentença apenas poderia ser objecto de alteração fáctica pela via mitigada do reconhecimento de algum dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, nos termos prescritos no artigo 426º do mesmo diploma legal.

Dos vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal

Preceitua o artigo 410º, nº 2, a) e b) do Código de Processo Penal que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

Imediatamente importa reter que estamos perante vícios que se evidenciam através do texto da própria decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência, sem apelo a elementos a ela externos como o conteúdo da prova produzida.

Alega o recorrente a existência de erro notório na apreciação da prova.

O erro notório na apreciação da prova, é aquele que é de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum, na leitura do texto da decisão recorrida ainda que conjugada com as regras da experiência comum e pode traduzir-se na violação do princípio contido no artigo 127º do Código de Processo Penal (o tribunal dá como provado facto que afronta ostensivamente as regras da experiência) como na violação do princípio in dubio pro reo (quando o tribunal expressa juízo de dúvida sobre determinado facto desfavorável ao arguido e, não obstante, considera-o provado).

Como é sabido, o conceito de erro notório na apreciação da prova tem de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, como o facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (v. por ex. Ac. do S.T.J. de 6.4.94 in Col. Jur. Acs. do STJ, II, tomo 2, 186).

Na definição de M. Simas Santos e M. Leal Henriques em Código de Processo Penal Anotado, Volume II, 2ª edição, pag. 740, existe erro notório na apreciação da prova quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto contido no texto da decisão. Mais existe esse erro quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis (cfr. também Ac. do S.T.J. de 13.10.99 in C.J., Ano VII, Tomo III, pag. 184 entre outra jurisprudência abundante).

Segundo o recorrente existe na apreciação da prova notória violação das regras da experiência e que estas ditariam que por inferência se considerassem provados os factos em causa.

Estamos, pois, no domínio da prova indirecta ou por presunção que permite alcançar a certeza sobre factos de que não existe prova directa, quando os factos base objecto este tipo de prova assim o permitem por ser essa a única explicação possível em face das regras da experiência.

No que concerne à autorização verbal para a realização das obras que na versão da acusação teria sido dada pelo arguido B... , director municipal da administração do território, e sobre a hipótese que o tribunal coloca de a autorização emanar do poder político camarário por se tratar de obra nas instalações de empresa municipal “ JJ... ”,  entende o recorrente que não alicerça minimamente tal hipótese no sentido de afastar a autoria do arguido e não retira consequências de outros elementos que apontam em sentido contrário, como emails trocados.

Ora, não vislumbramos que tal hipótese seja descabida em face das circunstâncias do caso. Com efeito, não faltam ecos de situações de obras ligadas a empreendimentos economicamente relevantes para o município em que todo o tipo de licenciamentos, comunicações e autorizações foram esquecidos, com a conivência de quem representa o poder político no município (não dos respectivos funcionários) havendo sempre que estranhar que tal provenha, sem mais, de funcionário administrativo, como era o caso do arguido.

Aliás, nesse contexto também se pode encontrar explicação para o facto de todas as testemunhas terem afirmado desconhecer de quem partiu a questionada autorização verbal, mesmo daquelas que manifestamente não tinham apreço pelo desempenho profissional do arguido.

Parece-nos, pois, manifesto que as dúvidas evidenciadas pelo Tribunal a quo encontram respaldo nas regras da experiência e que a conclusão de que teria sido o arguido o autor da autorização ofenderia o princípio in dubio pro reo, não se vislumbrando a existência de erro notório na apreciação da prova.

O mesmo se diga relativamente à factualidade atinente ao loteamento de (....) e cuja subjectividade (intenção de beneficiar) não foi considerada provada. Tal elemento sempre se teria de extrair por presunção, na inexistência de confissão, e o Tribunal a quo fundamenta a sua convicção negativa de modo perceptível e que, ao contrário do alegado pelo recorrente, não se desvia das regras da experiência, até porque não vem aventada nenhuma razão que tornasse compreensível a intenção de beneficiar o promotor desse loteamento.

Concluímos que a decisão recorrida não padece do apontado vício, como não padece dos restantes a que se refere o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal pelo que a decisão de facto não é passível de alteração, improcedendo o recurso.


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IV. Decisão

Nestes termos acordam em:

- Conceder provimento ao recurso do arguido A... , declarando nula a sentença recorrida na parte em que o condenou pela autoria de um crime de abuso de poderes e ordenando a respectiva sanação com reabertura da audiência e comunicação da alteração factual produzida, nos termos acima consignados;

- Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo a decisão recorrida na parte impugnada de absolvição do arguido B... .

Não há lugar a custas em razão dos recursos (cfr. artigos 513º, nº 1 e 522º, nº 1 do Código de Processo Penal).


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Coimbra, 24 de Maio de 2017

(Texto elaborado e revisto pela relatora)

(Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Martins - adjunto)