Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/23.5T8IDN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DO MENOR
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE IDANHA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 36.º, 3 A 6; 68.º E 69.º DA CRP
ARTIGO 12.º DO RGPTC
ARTIGO 987.º, DO CPC
ARTIGOS 1878.º, 1 E 1906.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I - A residência alternada consiste numa divisão rotativa e tendencialmente simétrica dos tempos da criança com os progenitores por forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social com o filho durante os períodos em que se encontra com cada um deles.

II - A guarda partilhada do filho (s), com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades, sempre tendo em vista um “tempo de qualidade” no convívio entre aquele com ambos os progenitores.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.

                                                  Proc.º n.º 18/23.5T8IDN-A.C1

                                                                 1.- Relatório

            1.1.- Nos presentes autos de Regulação das Responsabilidades Parentais, teve lugar no dia 12/12/2023, a conferência de pais, onde estiveram presentes os progenitores da menor e seus mandatários.

            Foram ouvidos, o requerente, progenitor - AA – e a requerida, progenitora, BB.

            Após foi dada a palavra ao Ministério Público, que promoveu:

"Considerando que os progenitores presentes na conferência não chegaram a acordo, e atentas as alterações trazidas aos autos, o Ministério Público Promove que se fixe o Regime Provisório nos termos seguintes:

- que se fixe a residência dos menores, alternada, com cada um dos progenitores, sendo o dia de troca às sextas-feiras, às 20:00 horas, devendo o progenitor com quem os menores passarem a semana, entregar os mesmos na residência do outro progenitor ou na escola;

- os atos da vida corrente serão da responsabilidade de quem tiver os filhos a seu cuidado nessa semana, e as questões de particular importância serem exercidas por ambos os progenitores;

- deve ser fixado uma cláusula de convívio, onde os menores deverão passar com o progenitor com quem que não estão nessa semana, um dia durante a semana, a acordar entre os progenitores ou de acordo com o que for aqui estabelecido;

- entendemos não haver lugar à fixação de alimentos, assumindo ambos os progenitores, metade das despesas com o sustento dos menores.

- as despesas escolares, de saúde e atividades extracurriculares que tenham acordo de ambos os progenitores, serão repartidas por ambos os progenitores em partes iguais, devendo o progenitor que a fizer, apresentar ao outro num prazo de 15 (quinze) dias, tendo o outro um prazo igual para pagar, comunicando tal despesa via email, para o email que vier a ser junto aos autos no prazo fixado;

- quanto às festividades que se aproximam, no Natal os menores devem passar a véspera de Natal com um dos progenitora e o dia de Natal com o outro, anual e alternadamente, passando no presente ano a véspera de Natal com a Mãe e o dia de Natal com o Pai. No fim de ano e no Ano Novo, deverá ser passado, anual e alternadamente com cada um dos progenitores, devendo no presente ano, passar a véspera de Ano Novo com o Pai e o dia de Ano Novo com a Mãe.".

Ouvidos os mandatários dos progenitores da menor:

Pelo dr.º CC, mandatário do progenitor, por súmula, foi referido concordar com a douta Promoção do Ministério Público, requerendo ainda que de alguma forma, fosse colocada uma salvaguarda ao Progenitor, de forma a que a Mãe não volte a incumprir, sob pena de uma sanção.

Pelo dr.º DD, mandatário da progenitora, por súmula, foi referido que no seu entender, o regime deveria ser fixado de forma a que os menores fossem viver com a Mãe, com um regime de visitas por parte do Pai.

Após ponderação foi proferida a seguinte decisão, que se transcreve:

“Em 29.11.2023 foi realizada conferência de pais e foi fixado regime provisório quanto ao exercício das responsabilidades parentais.

Por requerimento de 04.12.2023 veio a progenitora comunicar aos autos que  no dia 03.12.2023 saiu de casa com os menores, no seguimento de uma discussão com o progenitor, por entender que não tinha condições para se encontrar a residir lá.

Neste seguimento, pediu que se fixasse novo regime provisório determinando que a residência dos menores seja junto da mãe.

Em 05.12.2023 o progenitor apresentou incidente de incumprimento do regime provisório, invocando que a progenitora saiu de casa com os menores, contrariando o regime fixado, mais solicitando a marcação de nova conferência de pais.

Aberta vista, o Ministério Público promoveu a realização de conferência.

Realizou-se a conferência, tendo sido tomadas declarações aos progenitores.

Cumpre apreciar e decidir.

Ambas as partes confirmaram ao Tribunal que a situação de facto dos menores se alterou, mais concretamente em face da mudança de residência da progenitora que os levou consigo.

Estando assente tal alteração está, por conseguinte, assente que existem circunstâncias supervenientes que impõem a apreciação do regime provisório vigente, por forma a aferir se o mesmo acautela o superior interesse das crianças, ou se, em alternativa, deve ser alterado.

Das declarações dos progenitores – tanto as que prestaram hoje, como as que prestaram no passado dia 29 de novembro – resulta que ambos têm ligação afetiva forte com as crianças, não se afigurando benéfico não aplicar o regime regra de residência alternada, mesmo considerando a relação entre os progenitores.

Assim, e ainda que estejamos numa fase muito embrionária do processo, não se tendo produzido prova, tendo apenas sido tomadas declarações aos progenitores e à menor EE, cremos que estando os progenitores a residir em casas diferentes se impõe a alteração do regime provisoriamente fixado.

Mais uma vez foi tentado o acordo dos progenitores, o que não foi possível.

i. Quanto ao incumprimento:

Não chegando a acordo, nem prescindido da prova são remetidos para ATE juntamente com os autos principais – artigos 41.o n.o 7 e 38.o do RGPTC.

Finda a intervenção da audição técnica especializada, deverá a Assessoria Técnica vir informar o Tribunal do seu resultado, nos termos do disposto do art.º 39.º n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, para o que deverá ser notificada.

*

ii. Quanto ao regime provisório:

Face ao desacordo entre os progenitores e tendo em consideração a alteração da residência da progenitora, bem como, as declarações prestadas pelos progenitores quanto à sua situação económica, decido fixar, nos termos dos artigos 28.º e 38.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, no seguimento da promoção do Ministério Público, nos seguintes termos:

1. Fixar a residência dos menores EE e FF, em semanas alternadas de 7 (sete) dias, realizando-se a troca na segunda-feira, na escola, a iniciar-se na próxima semana, dia 18 de dezembro, com o Progenitor, sendo que, nas semanas que não seja a sua semana com os menores, deverá o outro progenitor jantar com estes a meia da semana, à quarta-feira, entregando-os ao progenitor residente dessa semana até às 21h.

2. Os progenitores exercerão conjuntamente as responsabilidades parentais relativamente às questões de particular importância para a vida dos filhos, tais como saúde, educação, atividades de lazer e formação moral e religiosa, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderão agir sozinhos, devendo prestar informações aos outros logo que possível.

3. O progenitor residente exerce as responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente dos menores.

4. No Natal os menores devem passar a véspera de Natal com um dos progenitores e o dia de Natal com o outro, anual e alternadamente, passando, no presente ano, a Véspera de Natal com a mãe e o dia de Natal com o Pai.

5. O período de fim-de-ano/Ano Novo deverá ser passado anual e alternadamente com cada um dos progenitores, passando, no presente ano, a Véspera de Ano Novo com o pai e o dia de Ano Novo com a mãe.

6. Na Páscoa os menores passarão a Sexta-feira Santa com um dos progenitores e o Domingo de Páscoa com o outro, anual e alternadamente, passando, no presente ano, a Sexta-feira Santa com a mãe e o Domingo de Páscoa com o pai.

7. Independentemente da semana, os menores passarão sempre com o pai o Dia do Pai e o dia de aniversário do pai e com a mãe o Dia da Mãe e o dia de aniversário da mãe.

8. No dia de aniversário os menores estes devem fazer uma das principais refeições com cada um dos progenitores

9. Em período de férias escolares de verão, os menores deverão passar metade do tempo com cada um dos progenitores, sendo os mesmos definidos até ao final de abril de cada ano.

10.Serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais todas as despesas médicas e medicamentosas dos menores, bem como, as atividades extracurriculares em que estejam de acordo.

No mais, cada um dos progenitores suportará as despesas da vida corrente dos menores no período em que estejam com eles.

Apesar de requerido pelo Progenitor, não se definirá antecipadamente qualquer sanção para eventuais incumprimentos, remetendo-se as partes para os meios legais.

De todo o modo, consigna-se que caso o regime estabelecido não seja cumprido, serão emitidos mandados de entrega policial da criança e poderá ser revisto o regime agora fixado.

Notifique”.

                                                                       ***

            1.2. – Inconformado com tal decisão dela recorreu a progenitora, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “1.ª – Em 29 de novembro de 2023 realizou-se Conferência de Pais no Juízo de

Competência Genérica ..., Tribunal Judicial da Comarca de Castelo

Branco, Processo N.º 18/23...., fixando-se, por falta de acordo, um regime

provisório de regulação das responsabilidades parentais afeto aos menores

EE e FF, filhos da Recorrente e Recorrido.

2.ª – O qual estabeleceu que “os menores ficam a residir com ambos os progenitores” e que “não há lugar à fixação de convívios semanais porque todos vivem na mesma casa”.

3.ª – Em tal conferência admitiu a menor EE, face às circunstâncias, se assim o pudesse escolher, querer viver com a mãe, caracterizando-a como carinhosa e dedicada, traçando, pelo contrário, o pai enquanto agressivo, bruto e despreocupado, maltratando-a por vezes.

4.ª - Tendo a Recorrente requerido a suspensão do referido regime por  considerar insustentável manter-se, a si e aos seus filhos, na mesma casa que o ex-cônjuge.

5.ª – Em 4 de dezembro de 2023, realizou-se nova Conferência de Pais que fixou o novo e atual regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, estabelecendo-se um regime de guarda conjunta, mediante o qual os menores viveram em semanas alternadas de sete dias, realizando-se a troca na segunda-feira, na escola.

6.ª – Com a devida vénia, a Recorrente assim não o entende.

7.ª – A matéria de direito aqui invocada revela que a fixação de um regime de guarda conjunta apenas poderá ser compatível havendo particular interação entre os

progenitores e, no fundo, um relacionamento amistoso entre ambos, não sendo, de

todo, o regime mais adequado no caso de conflito acentuado entre os progenitores.

8.ª – Substancialmente considerando o Inquérito n.º 178/23.... que corre nos termos da Procuradoria da República da Comarca de Castelo Branco, na sequência de factos que ocorreram no seio do agregado familiar suscetíveis de consubstanciar a prática do crime de violência doméstica, em que figura o Recorrido enquanto Arguido e a Recorrente como Ofendida.

9.ª – A matéria de direito invocada aponta ainda para o facto de que a opinião de uma criança de 11 anos, que já atingiu a idade da razão e detém, por isso mesmo, discernimento e capacidade para se exprimir relativamente às questões que lhe digam

respeito, merece e deve ser tida em consideração na ponderação da decisão do tribunal

“a quo”.

10.ª – Pelo que, tendo a menor admitido de forma clara e inequívoca que quer viver com a mãe, caracterizando o pai enquanto agressivo e bruto e opondo-se, dessa forma, à possibilidade de guarda conjunta, não se entende que a decisão do tribunal “a quo” passe pela integral desvalorização da opinião da menor.

11.ª - Decidindo ainda de forma manifestamente desproporcional, violando,

parcialmente, o direito de audição e participação da menor, e considerando irrazoavelmente existir naquele agregado familiar um tipo de interação capaz de suportar e levar a bom porto um regime de guarda conjunta, apesar do processo-crime

de violência doméstica que existe.

12.ª – Pelo que, não podem colher as considerações da juiz “a quo”.

13.ª – Entendendo a Recorrente ser justa e adequada a fixação de um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais que estabeleça a guarda dos menores ao cuidado a progenitora, devendo o progenitor estar com os filhos nos fins-de-semana de quinze em quinze dias e contribuindo para as suas despesas mediante o pagamento da quantia de 150€ a título de pensão de alimentos.

Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a V. Ex.as se dignem considerar procedente e provado o presente recurso e revogar o atual regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, fixando-se um outro nos termos propostos no artigo 25.º supra, que melhor observa o superior interesse das crianças.

                                                                                ***

            1.3.- Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., responderam os recorridos, Ministério Público e o progenitor.

            O primeiro (Ministério Público) termina a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “1. A progenitora veio interpor recurso da decisão que fixou o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo às crianças EE e FF, com o teor que se indica:

1. Fixar a residência dos menores EE e FF, em semanas alternadas de 7 (sete) dias, realizando-se a troca na segunda-feira, na escola, a iniciar-se na próxima semana, dia 18 de dezembro, com o Progenitor, sendo que, nas semanas que não seja a sua semana com os menores, deverá o outro progenitor jantar com estes a meia da semana, à quarta-feira, entregando-os ao progenitor residente dessa semana até às 21h.

2. Os progenitores exercerão conjuntamente as responsabilidades parentais relativamente às questões de particular importância para a vida dos filhos, tais como saúde, educação, atividades de lazer e formação moral e religiosa, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderão agir sozinhos, devendo prestar informações aos outros logo que possível.

3. O progenitor residente exerce as responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente dos menores.

4. No Natal os menores devem passar a véspera de Natal com um dos progenitores e o dia de Natal com o outro, anual e alternadamente, passando, no presente ano, a Véspera de Natal com a mãe e o dia de Natal com o Pai.

5. O período de fim-de-ano/Ano Novo deverá ser passado anual e alternadamente com cada um dos progenitores, passando, no presente ano, a Véspera de Ano Novo com o pai e o dia de Ano Novo com a mãe.

6. Na Páscoa os menores passarão a Sexta-feira Santa com um dos progenitores e o Domingo de Páscoa com o outro, anual e alternadamente, passando, no presente ano, a Sexta-feira Santa com a mãe e o Domingo de Páscoa com o pai.

7. Independentemente da semana, os menores passarão sempre com o pai o Dia do Pai e o dia de aniversário do pai e com a mãe o Dia da Mãe e o dia de aniversário da mãe.

8. No dia de aniversário os menores estes devem fazer uma das principais refeições com cada um dos progenitores

9. Em período de férias escolares de verão, os menores deverão passar metade do tempo com cada um dos progenitores, sendo os mesmos definidos até ao final de abril de cada ano.

10. Serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais todas as despesas médicas e medicamentosas dos menores, bem como, as atividades extracurriculares em que estejam de acordo. No mais, cada um dos progenitores suportará as despesas da vida corrente dos menores no período em que estejam com eles.

2. Alegou não concordar com o regime fixado porquanto no 29 de novembro de 2023 realizou-se a Conferência de Pais, da qual resultou a fixação de um regime de regulação das responsabilidades parentais relativas às crianças EE e FF que determinou, entre tudo o mais, que os menores ficavam a residir com ambos os progenitores, na casa em que todos residiam.

3. Mas que nessa conferência a criança EE foi ouvida e referiu que  os pais apenas comunicavam via SMS, não estabelecendo qualquer comunicação nem convivendo de qualquer forma na casa de morada de família, tendo a criança mencionado não gostar de viver com ambos os progenitores, dado estes estarem separados e não existir relação afável entre ambos, referindo querer viver com a mãe, que caracterizou como carinhosa, preocupada, presente e dedicada, enquanto que o pai, pelo contrário, caracterizou como agressivo, bruto e despreocupado, que ralha com a menor e lhe agarra o braço quando esta apresenta dificuldades ao fazer os trabalhos de casa.

4. Que no decurso dessa conferência os ânimos entre o casal escalaram, tendo a Recorrente se ausentado de casa e cortado o contacto via SMS com o Recorrido.

5. Que tal motivou o requerimento com vista à suspensão do regime provisório estabelecido e consequente alteração.

6. Que no dia 12 de dezembro de 2023 decorreu nova conferência de pais, da qual resultou o regime provisório atual, referido em 1. e com o qual a Recorrente não concorda.

7. Tal discordância deve-se a entender que o regime fixado não acautela o superior interesse das crianças, em virtude de inexistir comunicação entre ambos, decorrer inquérito crime pela prática do crime de violência doméstica em que a Recorrente e o Recorrido, respetivamente, constam como ofendida e arguido e, ainda, o facto da criança EE ter declarado qual a sua vontade de viver com a mãe, caracterizando o progenitor como agressivo, tendo o Tribunal a quo desvalorizado todas estas condicionantes.

8. Nesse seguimento, alega que a fixação de tal regime exige uma boa  convivência entre os progenitores, invocando o Acórdão do TRC 10-07-2019, Processo n.º 958/17.0T8VIS-A.C1 que entende que “a fixação da guarda conjunta (de exercício das responsabilidades parentais) com residências alternadas admissível desde que faça um juízo de prognose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo, afigurando-se-nos que, em regra, a fixação desse regime só é compatível com uma situação em que se verifica uma particular interação entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos bem como uma razoável proximidade entre os locais onde os progenitores habitam” e, ainda, que “o regime de residência alternada não é, normalmente, o mais adequado no caso de conflito acentuado entre os progenitores e em que estejam em causa crianças muito pequenas” (sublinhado da Recorrente, itálico nosso).

9. Convivência essa que é condicionada pela existência inquérito com o n.º 178/23...., no qual o Recorrido consta como arguido por factos suscetíveis de consubstanciar a prática do crime de violência doméstica, por suspeitas de envenenamento, entre outras, onde a Recorrente consta como ofendida.

10. A Recorrente considera que o Tribunal a quo, ao fixar o regime provisório nos termos indicados em 1., desvalorizou a circunstância atual em que os progenitores vivem, concretamente a inexistência de comunicação entre ambos; foi irrazoável porque, decidindo por uma guarda conjunta (como refere a Recorrente), ignorando o inquérito que decorre pela prática do crime de violência doméstica e o conflito evidente e acentuado que decorre naquele seio familiar, concluiu ser suportável tal regime para a Recorrente e para as crianças; e desvalorizou a opinião da criança EE, criança com 11 anos de idade, com capacidade de discernimento, que manifestou querer viver com a mãe, traçando o progenitor como agressivo e bruto.

11. Considera a recorrente que o Tribunal a quo foi insensato ao obrigar uma criança perfeitamente capaz e discernida a viver semanalmente, mesmo que de forma alternada, com o progenitor a quem aquela associa comportamentos disruptivos, agressivos e descontrolados, desvalorizando-se deliberadamente a vontade que a menor expressou e violando, assim, parcialmente o direito à audição e participação nas responsabilidades parentais que lhe dizem respeito.

12. Realça a Recorrente que a opinião da criança deve ser “tida em consideração pelas autoridades judiciais na determinação do seu superior interesse”, não se exigindo que a decisão a tomar respeite integralmente essa opinião, mas sendo a mesma imprescindível para a ponderação dos interesses em causa e para a fundamentação da decisão, devendo o sistema jurídico garantir às crianças com capacidade de discernimento o direito de exprimirem livremente a sua opinião sobre as questões que lhes respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração tais opiniões, de acordo com a sua idade e maturidade, invocando o Acórdão do TRL 10-11-2022, PROCESSO N.º 3007/22.3R8LRS-B.L1-6 in www.dgsi.pt).

13. Por todo o exposto, a Recorrente propõe a fixação de regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que considera adequado, nos termos que indica:

1. As crianças ficam a cargo, ao cuidado e a residir com a mãe;

2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos filhos serão exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância da comunhão, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

3. O pai estará com os filhos aos fins-de-semana de quinze em quinze dias.

4. No dia de aniversário das crianças, estas farão uma refeição com cada um dos progenitores, em moldes a combinar entre ambos, sem prejuízo de, estando ambos de acordo, poderem fazer uma refeição na companhia de ambos os pais.

5. No aniversário dos progenitores, os filhos passarão o dia com cada um deles, em moldes a combinar entre ambos.

6. O pai pagará a título de alimentos a quantia mensal de 150€, para cada um dos menores, até ao dia 8 do mês que disser respeito por meio de transferência bancária.

7. Além disso, participará nas despesas escolares e de saúde na proporção de metade do seu valor.

14. A este respeito, e atendendo a tudo quanto se expôs, entendemos não assistir razão à Recorrente.

15. Veja-se que no dia 29 de novembro de 2023 teve lugar a conferência de pais entre os progenitores, na qual foi ouvida a criança EE, os pais e, por inexistir acordo, foi fixado regime provisório do qual resultou que as crianças ficariam a viver com ambos os progenitores, porquanto, naquele momento ambos os progenitores viviam na mesma casa, recusando-se a deixar a mesma e, face às declarações da criança e dos progenitores, o Tribunal encontrou, provisoriamente, a solução mais ajustada ao caso, não retirando as crianças do ambiente que conheciam.

16. A criança EE declarou fazer as refeições com o pai na cozinha, porque a mãe come na sala, que o progenitor se exaltava quando estudava com ela e com o irmão FF, ao passo que a mãe era carinhosa, mas também decorreu das suas declarações, entre tudo o mais, que o pai ajudava nos trabalhos de casa e estudo de português, inglês e história, e a mãe nos de ciência e matemática, que o pai brinca com ela e com o irmão à noite, que a mãe não ralha durante o estudo, que é o avô materno quem vai levar e buscar à escola, porque os progenitores estão a trabalhar, com exceção das sextas-feiras em que é o pai que a vai buscar, tendo ainda manifestado não querer sair de casa (sublinhado nosso).

17. Decorridos cinco dias da apontada conferência, os progenitores desentenderam-se e a Recorrente decidiu ausentar-se de casa no dia 4 de dezembro de 2023, levando consigo as crianças.

18. No dia 12 de dezembro de 2023 foi realizada nova conferência de pais tendo resultado da mesma que, após a primeira conferência, a Recorrente ficou desesperada com a realidade de ter de continuar a viver com o Recorrido na mesma casa, ainda que provisoriamente, tendo decidido dizer ao Recorrido tudo o que sentia que tinha sofrido nos últimos anos, não tendo obtido qualquer resposta daquele.

19. E que, nesse seguimento, a Recorrente foi viver para casa dos seus pais, levando consigo os filhos, não estabelecendo contactos com o Recorrido por qualquer via, nem através de SMS, como acontecia até então, pelo que aquele não via os filhos desde o dia 4 de dezembro de 2023.

20. Munido de tais informações, ponderou e entendeu o Tribunal a quo fixar o regime provisório nos termos definidos em 1., entendimento que sufragamos.

Isto porque,

21. A criança EE foi ouvida na primeira conferência de pais, da qual resultou o primeiro acordo provisório, sendo que as declarações que lhe foram solicitadas assentavam na premissa de que os progenitores viviam juntos, procurando-se obter os esclarecimentos sobre a dinâmica familiar nessas circunstâncias, de forma a encontrar a melhor solução para o caso concreto.

22. Ainda que em declarações EE tenha salientado as características afetivas da mãe e ríspidas ou agressivas do pai, tendo declarado querer viver com a mãe e que não queria sair de casa, não olvidemos que a mesma criança imputa tais comportamentos ao pai nas tarefas em que este desempenha o papel de educador, evidenciando que a mãe, aqui Recorrente, “não ralha”.

23. Cremos que o progenitor exercia um papel ativo na vida das crianças, sendo presente nas horas de estudo e refeições, não estando aqui a ser apreciado se, no papel de educador deve ou não impregnar uma atitude carinhosa ou assertiva.

24. Apesar do curto lapso temporal que medeia os dois regimes fixados, a verdade é que quando o Tribunal a quo fixou o regime provisório atual, as circunstâncias do núcleo familiar tinham sofrido alterações, nomeadamente, a Recorrente ter-se ausentado de casa com as crianças, por alegadamente não ser capaz de continuar a viver na mesma casa com o Recorrido.

25. Sem desconsiderar as motivações da Recorrente para se ausentar de casa, da conferência de pais resultou que o Recorrido não respondeu quando a Recorrente lhe disse tudo o que sentia quanto ao seu sofrimento dos últimos anos, pelo que estamos em crer que a alegada grande discussão que a Recorrente menciona na sua motivação de recurso não tenha sido o real motivo que a levou a cortar completamente o contacto via SMS com aquele e, ainda, a ausentar-se de casa, pretendendo sim evitar o convívio das crianças com o Recorrido, diabolizando ora a figura deste.

26. Na verdade, resulta dos autos que quer a Recorrente, quer o Recorrido, verbalizaram a sua decisão de não querer sair de casa, pelo que não consideramos que tenha sido a alegada discussão, nos termos descritos, a motivação de tal saída.

27. Tal decisão de saída da Recorrente alterou a vida das crianças, contrariando a vontade declarada da criança EE em não querer sair de casa, afigurando-se-nos que a pretensão última da Recorrente era separar as crianças do pai, aqui Recorrido, o que se pretendeu evitar com o regime provisório fixado, devidamente ponderado, em nosso ver, pelo tribunal a quo.

28. Assim, do que constava dos autos na data em que o Tribunal a quo fixou o regime provisório atual, é-nos evidente que a decisão procurou manter o Recorrido com o papel que até ali desempenhava, posição que, em nosso entendimento, não merece qualquer reparo.

29. Não temos dúvidas de que o Recorrido é presente na vida dos filhos, encarregando-se no dia a dia, de estudar com eles, ajudá-los nos trabalhos de casa, fazer as refeições com as crianças e, às sextas-feiras, ir buscá-las à escola, devendo tal realidade manter-se, dada a importância de manter os laços afetivos e o pai como uma das figuras de referência.

30. Estamos convictos de que o afastamento entre pais e filhos quebram a afetividade necessária para garantir um crescimento e desenvolvimento saudáveis.

31. Nesse sentido, dispõe o artigo 1906.o n.o 6 do Código Civil dispõe que “Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.”

32. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/02/2021 processo n.º 1671/18.7T8VIS-D.C1 ensina que “a solução da residência alternada tem ganhado força pela consciência de que os laços afetivos se constroem dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de fins-de-semana quinzenais – a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera “visita” em casa deste, levando a que o progenitor desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança. Haverá que promover um “tempo de qualidade” com ambos os progenitores, de modo a que cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia do seu filho, nos trabalhos escolares, nas brincadeiras, no momento de deitar, etc., levar e ir buscar à escola, conhecer os professores, os amigos, etc., de modo a que o menor continue a ter um pai por inteiro e uma mãe por inteiro.”

33. Não tendo o Tribunal a quo outros elementos, tentou, neste momento e até decisão final, manter a residência com ambos os progenitores, promovendo o convívio das crianças com os dois, mantendo assim a realidade que as crianças estavam habituadas. E, em nosso crer, foi a decisão mais acertada, pois acautela o superior interesse de EE e de FF.

34. Tanto que, além do mais, sempre se dirá que em escrutínio está um regime provisório e, como o próprio nome indica, porque provisória, é uma decisão passível de alteração a qualquer momento, consoante os elementos que forem apurados nos autos.

35. Ensina o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de fevereiro de 2021, processo n.o 2145/20.1T8CSC-A.L1-2, ao referir que “Nos termos do disposto no art.º 38.º do RGPTC o regime provisório deve ser fixado em conferência de pais em função dos elementos obtidos no processo, sem qualquer obrigatoriedade do juiz diligenciar pela obtenção de quaisquer outros meios de prova para além de ouvir as partes, sem prejuízo de posterior alteração da decisão em razão de outros elementos que venham entretanto a ser obtidos”.

36. Pelo que, estamos em crer, que bem andou o Tribunal a quo.

37. Tal decisão não é, em nosso ver, beliscada pela existência de um inquérito crime pela eventual prática de um crime de violência doméstica, no qual a Recorrente consta como ofendida e o Recorrido como arguido.

38. Pois o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo às referidas crianças não tinha conhecimento de nenhuma situação que impedisse a fixação do regime, entretanto fixado, porquanto o Recorrido foi constituído arguido, foi interrogado nessa qualidade, não lhe tendo sido aplicada medida de coação mais gravosa do que o Termo de Identidade e Residência.

39. Pelo que não concordamos com o entendimento da Recorrente quanto à alegada violação parcial do direito de audição da criança e participação nas responsabilidades parentais, por não ter sido tido em conta pelo Tribunal a quo a vontade declarada da mesma.

40. Pois que, o Tribunal a quo, em rigor, teve em consideração a sua vontade e opinião, mas a sua decisão não tem de respeitar integralmente essa opinião, uma vez que o Tribunal não deixou de desempenhar o papel que lhe cabe, diga-se, ponderar qual a melhor decisão para garantir o superior interesse da mesma e, bem assim, do seu irmão.

41. Entendemos, assim, que a decisão que fixou o regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo às crianças EE e FF, acautela o superior interesse das mesmas, não merecendo qualquer reparo.

42. Não colhe, a nosso ver, o alegado pela Recorrente quando alega que tal regime não acautelar o superior interesse das crianças por estes não terem sequer uma relação cordial, uma vez que sempre falaram por SMS acerca das crianças e as circunstâncias que levaram a Recorrente a sair de casa não são, em nosso entendimento, causa justificativa para deixar de o fazer. Sendo certo que, ainda que assim não se entenda, dos autos resulta que os Avós maternos são presentes na vida das crianças, podendo facilitar tais contactos de modo a que as mesmas convivam com o pai.

43. Igualmente, não colhe o alegado pela Recorrente de que o Tribunal a quo foi irrazoável ao decidir fixar provisoriamente uma residência alternada correndo

termos um inquérito pela prática de um crime de violência doméstica em que a Recorrente figura como ofendida e o Recorrido como arguido, porquanto o Recorrido foi constituído arguido, foi interrogado nessa qualidade, não lhe tendo sido aplicada medida de coação mais gravosa do que o Termo de Identidade e Residência, não existindo qualquer impedimento do tribunal na fixação de tal regime.

44. Estamos em crer que o argumento da alegada violação parcial do direito de audição da criança e participação nas responsabilidades parentais também não tem provimento, uma vez que o Tribunal a quo não só considerou tudo quanto foi declarado por EE, como retirou de tais declarações o que efetivamente seria melhor para esta e para o seu irmão FF e, diga-se, se assim não fosse e se a opinião da criança bastasse para as decisões a aplicar, não seria necessária a intervenção do Tribunal para salvaguardar que o seu interesse tem primazia sobre tudo o resto.

45. Por todo o exposto, assumimos a posição de que a fixação de regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais nos termos propostos pela Recorrente em 12. não acautela o superior interesse das crianças.

46. Não existem, assim, quaisquer reparos a fazer à decisão proferida, devendo o recurso interposto pela Recorrente ser julgado improcedente.

Face a tudo quanto se expôs, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta decisão recorrida.

Nesse sentido, V. Exas. apreciarão e farão a costumada JUSTIÇA”.

                                                                       *

            Por sua vez o segundo (progenitor da menor) termina a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

            “1. No seguimento da ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, intentada pelo ora Recorrido contra a Recorrente, foi necessário proceder à fixação de um regime de regulação das responsabilidades parentais dos menores EE, de 11 anos, e FF, de 4 anos.

2. Não tendo sido possível lograr acordo entre os progenitores relativamente ao exercício das responsabilidades parentais na conferência de pais realizada, decidiu fixar o Tribunal a quo um regime provisório, assente no pressuposto de que ambos os progenitores residiam na mesma habitação com os menores.

3. Todavia, pouco depois da realização da referida conferência de pais, as circunstâncias familiares alteraram-se, em virtude de uma alegada discussão entre o casal, tendo a Recorrente decidido, unilateralmente, retirar os menores da casa de morada de família sem o consentimento do progenitor, ora Recorrido;

tendo decidido autonomamente o regime de convívios entre este e os menores;

tendo passado a residir com os menores na habitação dos seus pais, impedindo a seu bel prazer o contacto dos menores com o pai.

4. É falsa tal alegação, dado que nenhuma discussão esteve na génese da decisão tomada pela Recorrente e que teve como intuito único o de privar o Recorrido dos contactos e convívios regulares com os seus filhos menores, uma vez que desde a entrada em juízo da ação de divórcio intentada contra a Recorrente, que esta cismou em levar a cabo uma demanda contra o Recorrido, usando os menores como arma de arremesso contra este.

5. Mesmo sabendo que está deliberadamente a criar um fosse irremediável de afastamento entre os menores e o progenitor, incutindo-lhes ideias e crenças que não têm qualquer fundamento e/ou prova palpável, convencida de que o que faz é no superior interesse das crianças.

6. A Recorrente continua a querer retratar o Recorrido como sendo uma pessoa conflituosa, agressiva e violenta, incutindo essas ideias na mente dos menores, influenciando-os, principalmente à filha mais velha do casal (em virtude da idade e compreensão desta), conforme se constatou no testemunho da menor, ouvido no âmbito da realização da primeira conferência.

7. Contudo, as insistentes tentativas de rotular o Recorrido de agressivo ou violento, têm vindo a resultar num nada, conforme se percebe, designadamente, pelo arquivamento do processo crime n.º 160/23..., em que a Recorrente acusou o Recorrido de violência doméstica, tendo-se concluído, não obstante, que “inexistem nos autos indícios suficientes da verificação do crime ou de quem foram os seus agentes”.

8. De salientar que os menores não possuem maturidade suficiente para perceber que o que lhes é relatado pela progenitora mais não passa do que uma sede de vingança contra o Recorrido e que não tem a mais pálida razão de ser.

9. A 12.12.2023, pelas 14h00, realizou-se uma nova conferência de pais que fixou o novo regime provisório de regulação das responsabilidades parentais – e que se mantém – tendo o Tribunal a quo entendido que “resulta que ambos têm ligação afetiva forte com as crianças, não se afigurando benéfico não aplicar o regime regra de residência alternada, mesmo considerando a relação entre os progenitores”.

10. Inconformada com o regime fixado, veio a Recorrente interpor o presente Recurso que, salvo melhor opinião, não merece qualquer provimento.

11. A jurisprudência tem sido relativamente unânime no que à fixação de uma residência alternada diz respeito, sendo esta fixação a que melhor acautela o fim último da regulação das responsabilidades parentais – o superior interesse da criança – só podendo ser afastada a residência alternada em caso de prevalência de alguma razão ponderosa que a desaconselhe. Que não é o caso, ainda que a Recorrente o tente, forçosamente, transmitir.

12. Os menores viveram, desde o seu nascimento, com ambos os progenitores, não conhecendo qualquer outra realidade se não aquela. Privá-los dessa realidade e da presença assídua e participativa nas suas vidas de qualquer um dos progenitores, é privá-los de toda a segurança e conforto a que os mesmos foram habituados desde os seus nascimentos.

13. É a defesa do superior interesse dos menores que deve prevalecer sobre qualquer outro interesse, designadamente o dos progenitores, no caso em concreto da Recorrente – que se recusa a colocar de parte os seus diferendos pessoais com o Recorrido, em prol do bem-estar dos menores – sendo primordial proteger e promover o desenvolvimento integral e harmonioso das crianças, assegurando todas as suas necessidades.

14. Egoisticamente a Recorrente prefere privar os menores da presença do progenitor a seu bel prazer, sem qualquer razão ou fundamento, servindo-se dos mesmos na sua demanda de vingança pessoal contra o Recorrido.

15. A Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, veio alterar o n.º 6 do artigo 1906.º do CC, tornando expressa a possibilidade de ser fixado o regime de guarda partilhada, com residência alternada, mesmo nos casos em que não haja mútuo acordo entre os progenitores nesse sentido.

16. O entendimento maioritário da jurisprudência é o de que a fixação judicial da residência alternada não depende de qualquer outro requisito que não seja o superior interesse da criança, admitindo-a em qualquer idade desta e independentemente da existência de conflito parental, devendo a mesma ser adotada sempre que não se verifiquem impedimentos de monta.

17. Sendo este entendimento o que melhor se coaduna com o direito do menor de manter relações próximas com ambos os progenitores possibilitando, ainda, que se dê cumprimento ao princípio constitucional respeitante à igualdade entre progenitores – artigo 36.º, n.ºs 3 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

18. A fixação de um regime de residência alternada com ambos os progenitores, acarreta uma série de benefícios, a saber: preserva e potencializa a relação afetiva entre a criança e ambos os pais; reflete de forma mais próxima o esquema de cuidados parentais praticado até ao divórcio/separação; incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais; reduz o risco de alterações nos vínculos afetivos entre pais e filhos, potenciadas por processos de sugestionamento e manipulação da criança; e tem em consideração os imperativos de justiça social relativos à proteção dos direitos da criança, assim como os relativos à autoridade parental, à autonomia, igualdade, direitos e responsabilidades.

19. “A residência alternada pode ser fixada pelo tribunal mesmo que os progenitores estejam em desacordo com ela e sem que seja necessário que não exista conflito entre eles.” (Ac. TRL datado de 20/09/2018, Processo 835/17.5T8SXL-2, in www.dgsi.pt).

20. “(...) É possível estabelecer o regime da residência alternada mesmo contra a vontade dos progenitores, desde que essa solução se revele como a mais adequada ao interesse da criança de manter uma relação o mais próxima possível com ambos os progenitores, de molde a que possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe pode proporcionar. (...) a residência alternada é a solução com melhor aptidão para preservar as relações de facto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os progenitores, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado do menor e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos, das suas responsabilidades parentais.”

(Ac. TRP datado de 21/01/2019, Processo 22967/17.0T8PRT.P1, in www.dgsi.pt).

21. “O estabelecimento da residência alternada permite equilibrar o princípio da igualdade entre os progenitores e o superior interesse da criança; · O conflito parental não pode ser limitador da escolha que melhor acautele o interesse das crianças, esse sim único critério a atender na fixação da residência da criança.” (Ac. TRL datado de 18/06/2019, Processo 29241/16.7T8LSB-A.L1-7, in www.dgsi.pt).

22. “(...) É que se a falta de capacidade de diálogo, entendimento e cooperação não impede o exercício conjunto das responsabilidades parentais, ela não impede também, nem poderia impedir, a residência alternada. (...) é contra a natureza das coisas e a lógica da experiência da vida, exigir dos progenitores, que se acabaram de divorciar/separar que estejam na melhor das harmonias um com o outro, ou seja, que se entendam, tenham capacidade de diálogo e de cooperação, se tal for visto como algo mais do que respeitarem as orientações educativas mais relevantes por eles tomadas para o exercício comum das responsabilidades parentais e não porem em causa as condições para esse exercício.” (Ac. TRL, datado de 06/02/2020, Processo 6334/16.5T8LRS-A.L1-2, , in www.dgsi.pt).

23. “(...) Entre os argumentos que favorecem a instituição da residência alternada avultam os seguintes: satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores; permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da identidade pessoal do menor; diminui o conflito parental e previne a violência na família; potencia a qualidade da relação progenitor/criança; reduz o risco e a incidência da “alienação parental”; mantém relações familiares semelhantes às do momento pré-divórcio, porque os relacionamentos com o pai e a mãe se aproximam dos da família intacta; os conflitos de lealdade que os jovens mostram tendem a desparecer com a organização dos tempos em família e a igual importância dos pais na vida dos mais novos; fortalece a atividade e os laços afetivos entre os filhos e os pais e reforça, por esta via, o papel parental; a criança sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias; melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais.” (Ac. TRL, datado de 15/12/2020, Processo 7090/10.6TBSXL-B.L1-7, in www.dgsi.pt).

24. “(...) IV - A presença física constante e em pé de igualdade dos dois progenitores na vida da criança gera vivências únicas e irrepetíveis ao(s)/à(s) filhos/as, sendo este contributo que os/as faz crescer, estruturar e ganhar identidade própria. Isso será, em cada caso, a concretização do “superior interesse do menor”. V - Cada progenitor tem de saber ter a lucidez de perceber que, ao dar por findo o seu projeto pessoal de comunhão com o/a outro/a, tem de lograr fazer – desde logo por Amor ao/à filho/a – um esforço (às vezes quase inumano) de abstração pelo novo rumo que seguiu a vida desse/a outro/a (o seu novo projeto, a sua nova relação), combatendo o despeito, a raiva, ou mesmo o ódio que, por compreensíveis que sejam, havendo um/a filho/a comum, têm de ser subvalorizados ou colocados em plano secundário. VI - Quem tem de ganhar neste tipo de processos é quem perde de certeza se os pais não ajudarem: o/a(s) filho/a(s).” (Ac. TRL, datado de 07/11/2023, Processo 1243/22.1T8PDL.L1-7, in www.dgsi.pt).

25. “(...) o objetivo de fixar responsabilidades parentais não deve (salvo se se ocorrerem situações objetivas que o aconselhem) ser escolher ou dar prevalência a um dos progenitores, mas antes verificar as potencialidades de ambos e organizar a nova relação entre eles e o filho. Serve isto para dizer que a solução da residência alternada tem ganho força redobrada pela consciência de que os laços afetivos se constroem dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de convívios em fins-de-semana quinzenais, na medida em que a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera “visita” em casa deste, levando a que o progenitor desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança. (...) Essa disputa, que nem sempre desaparece ou conhece tréguas com a regulação, pauta-se por uma intensa carga emocional, que facilmente descamba em comportamentos irrefletidos e irresponsáveis de um dos progenitores, que usa o processo de regulação das responsabilidades parentais e todos os meios processuais ao seu alcance com a finalidade de afastar o outro progenitor do projeto de vida dos filhos.” (Ac. TRL, datado de 12/01/2023, Processo 7918/20.2T8SNT-E.L1-6, in www.dgsi.pt).

26. A animosidade existente e que a Recorrente pretende transmitir, advém única e exclusivamente da sua parte. Os fundamentos apresentados pela Recorrente são totalmente infundados, uma vez que, conforme supra relatado, a fixação do regime de residência alternada, não depende nem do acordo dos progenitores, nem tão-pouco da não existência de conflito entre ambos. Conflito esse causado e alimentado pela Recorrente, diga-se! Como aliás se constata pela insistência em trazer à colação processos-crime, de modo a tentar retratar o Recorrido como violento e agressivo (e incapaz de zelar e cuidar dos menores), quando bem sabe o destino que, sucessivamente, é dado aos mesmos.

27. “A expressão “sendo a sua opinião tida em consideração” constante do art. 5.º, n.º 1 do RGPTC deve ser interpretada no sentido de impor ao julgador a ponderação dos pontos de vista e argumentos da criança, sem que o mesmo fique vinculado a decidir de acordo com a opinião da criança.” (Ac. TRL, datado de 10/11/2020, Processo 3162/17.4T8CSC.L1-7, in www.dgsi.pt). (destacados nossos)

28. A decisão do Tribunal a quo não passou pela “integral desvalorização da opinião da criança, que explicitamente, de forma clara e inequívoca, admitiu, face às circunstâncias atuais querer viver com a mãe, traçando ainda o progenitor enquanto agressivo e bruto e opondo-se, desta forma, à possibilidade de guarda conjunta”, conforme relata a Recorrente.

29. A decisão do Tribunal a quo (e bem!), não se vinculou, pura e simplesmente, à opinião da menor que discursou de forma percetivelmente induzida e ao encontro do que lhe havia sido instruído e incutido pela Recorrente. A menor tem 11 anos de idade e vive apercebendo-se das inúmeras tentativas da Recorrente em denegrir a imagem de bom pai de família do Recorrido, acreditando naquilo que lhe é transmitido pela sua mãe. Ainda que não corresponda à realidade.

30. O despacho proferido que fixou a residência alternada dos menores, acautelando o superior interesse dos menores (tal como a Lei prevê), não merece nenhum reparo.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, o recurso interposto pela Recorrente não deve merecer qualquer provimento, devendo manter-se o despacho recorrido, em conformidade com o alegado nas conclusões ora formuladas e na fundamentação incita no douto Tribunal a quo.

Só assim farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada...JUSTIÇA”

                                                           ***

            1.4. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

            “Recurso de 21.12.2023 (ref.a citius 3451560) e respostas de 18.01.2024 e 22.01.2024 (ref.as citius 3476697 e 3479295):

Por ter legitimidade (artigo 32.º, n.º 2 do RGPTC e 631.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), estar em tempo (artigo 32.º, n.º 3 do RGPTC), a decisão ser recorrível (artigo 32.º, n.º 1 do RGPTC e 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e terem sido apresentadas as devidas conclusões (artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil), admite-se o recurso apresentado pela Requerente Progenitora BB, que é de apelação (art.º, 644.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Civil), para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (artigo 32.º, n.º 4 RGPTC e artigos 645.º, n.º 1 alínea b) e 647.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil).

Admitem-se as respostas ao recurso apresentadas pelo Ministério Público e pelo progenitor AA.

Notifique e, após, remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo do artigo 641.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

                                                                       ***

            1.5. – Aos vistos. Após em tabela.

                                                                       ***

                                                           2. Fundamentação

            Os factos são os constantes do relatório supra e os que serão aludidos, na fundamentação de direito.

                                                                                         ***

3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que a questão a decidir consiste em saber:

Se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão, que fixe,  outro regime nos seguintes termos:

1. As crianças ficam a cargo, ao cuidado e a residir com a mãe;

2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos filhos serão exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância da comunhão, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

3. O pai estará com os filhos aos fins-de-semana de quinze em quinze dias.

4. No dia de aniversário das crianças, estas farão uma refeição com cada um dos progenitores, em moldes a combinar entre ambos, sem prejuízo de, estando ambos de acordo, poderem fazer uma refeição na companhia de ambos os pais.

5. No aniversário dos progenitores, os filhos passarão o dia com cada um deles, em moldes a combinar entre ambos.

6. O pai pagará a título de alimentos a quantia mensal de 150€, para cada um dos menores, até ao dia 8 do mês que disser respeito por meio de transferência bancária.

7. Além disso, participará nas despesas escolares e de saúde na proporção de metade do seu valor.

                                               *

A recorrente no seu recurso, entende que a decisão recorrida, não defende o superior interesse dos menores e por isso, deve ser substituído por outro regime, que defenda esses interesses.

Por sua vez os recorridos, têm entendimento diverso, referindo que, a decisão recorrida defende o superior interesse dos menores e por isso mesmo, deve ser mantida a decisão recorrida.

Apreciando.

Decorre de imposição constitucional, enunciada em vários preceitos, entre eles o art. 69º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra que “as crianças têm direito a proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, que o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais quando estes sejam conflituantes com os daquela.

Também da lei ordinária, no seguimento do constitucionalmente consagrado – vg. art.º 1878º, n.º 1, do Código Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência -, estabelece que o poder paternal é um poder-dever dos pais funcionalizado pelo interesse dos filhos, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens, tendo de o exercer, altruisticamente, ao interesse da criança.

Nos diversos casos de rutura da relação entre os progenitores, a lei estabelece – cfr. art. 1906º - a regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância.

Somente em casos excecionais, e mediante decisão fundamentada, poderá esta regra ser afastada pelo tribunal, face à conclusão, não meramente de que a mesma não é adequada, mas que se revela contrária aos interesses do menor (juízo conclusivo que pode advir de fatores de diversa etiologia) (cfr. Ana Prata e outros, in Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, pag 817).

O n.º7, do artigo 1906.º, determina que, no exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreça, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

Este tipo de processo é de jurisdição voluntária, pelo que nele o julgador não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, (art.ºs 12º, do RGPTC e 987º, do CPC) efetuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação mais adequada ao caso concreto.

Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (arts. 36.º, n.ºs 3 a 6, 67.º, 68.º e 69.º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse (cfr. Ac. RG. de 04/12/2012, Proc. 272/04.1TBBNC-D.G1, relatado por António Santos).

A Jurisprudência dos nossos Tribunais, designadamente a do STJ, vai no sentido de, “por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança”- conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto – que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse”. (cfr. Ac. STJ., de 04/02/2010, Proc. 1110/05.3TBSCD.C2,P1, relatado por Oliveira Vasconcelos).

A lei não define o que deve entender-se por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, a concretizar atentando nas necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, na sua idade, sexo, grau de desenvolvimento físico e psíquico, na continuidade das relações daquela, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra.

Assente que está qual o superior interesse que deve presidir à decisão do tribunal e que, em caso de incompatibilidade entre os direitos e os interesses dos progenitores e os da criança, é o interesse desta última que há-de impreterivelmente prevalecer, cumpre apreciar qual o melhor regime das responsabilidades parentais para as três crianças, que satisfaça de modo mais eficaz esse seu interesse.

E, para além da decisão quanto ao exercício das responsabilidades parentais em questões importantes para os menores, há que estabelecer a residência dos mesmos.

 Face à lei vigente, e embora a questão continue a ser muito discutida e, até, com entendimentos dispares, quer na doutrina quer na jurisprudência, verifica-se como possibilidades, quanto a tal, de a residência habitual ser com um dos progenitores, com um terceiro ou, ainda, por períodos alternados com um e outro dos progenitores (residência alternada).

A fixação da residência dos filho(s) reveste-se de primordial importância, constituindo o elemento determinante do regime de exercício das responsabilidades parentais, uma vez que cabe ao progenitor com quem o filho(s) resida habitualmente o exercício de tais responsabilidades quanto aos atos da vida corrente, competindo a cada um dos progenitores, pelo período em que o filho consigo resida, nos casos de residência alternada.

Podemos dizer, que os princípios basilares a observar, no que respeita à determinação da residência são:
- o
superior interesse da criança;
- a
igualdade entre os progenitores;
- e a
disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho(s) com o outro progenitor, prevalecendo, contudo, sempre o primeiro.

Temos para nós, que não o desaconselhando os outros dois princípios, o regime da residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias.

Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas.

Como já dissemos, a lei não define o que é o interesse da criança é um conceito jurídico indeterminado optando o legislador por um conceito desta natureza por entender que uma norma legal não pode jamais apreender o fenómeno familiar na sua infinita variedade e imensa complexidade.

Para o equilibrado desenvolvimento psico-afectivo dos filho(s) de pais separados ou divorciados, é indispensável uma boa imagem de cada um dos pais e ela não é possível – ou é muito difícil – se não mantiverem entre os dois uma relação correcta, serena, respeitosa, leal e colaborante, pelo menos na qualidade de progenitores.

É por isso que se fala em “responsabilidades parentais” entendidas estas como o “conjunto de poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho, designadamente tomando conta da pessoa deste, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens” (Princípio 1.º do Anexo à Recomendação n.º R (84) sobre as Responsabilidades Parentais adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa em 28 de Fevereiro de 1984).

Na exposição de motivos desta recomendação, é especialmente referido que “o objectivo (…) é convidar as legislações nacionais a considerarem os menores já não como sujeitos protegidos pelo Direito, mas como titulares de direitos juridicamente reconhecidos (…) a tónica é colocada no desenvolvimento da personalidade da criança e no seu bem estar material e moral, numa situação jurídica de plena igualdade entre os pais (…) exercendo os progenitores esses poderes para desempenharem deveres no interesse do filho e não em virtude de uma autoridade que lhes seria conferida no seu próprio interesse” (§ 3.º e 6.º da exposição de motivos).

Assim, o conteúdo das responsabilidades parentais é composto por um conjunto de direitos dirigidos à realização da personalidade dos pais, um conjunto de direitos e deveres irrenunciáveis, inalienáveis e originários, mediante os quais os pais assumem a responsabilidade dos filho(s).

Assim, as responsabilidades parentais definem-se, assim, como poderes funcionais cujo exercício é obrigatório ou condicionado, acentuando-se a funcionalização dos direitos dos pais aos interesses dos filho(s), consistindo, assim, não apenas no conjunto de direitos e obrigações, mas também nos cuidados quotidianos a ter com a saúde, a segurança, a educação e a formação da criança, através dos quais esta se desenvolve intelectual e emocionalmente.

Dito isto, impõe-se apenas averiguar no âmbito dos presentes autos se se verificam os pressupostos exigidos para a regulação do exercício das responsabilidades parentais nos termos pretendidos pela recorrente, contra o defendido, na decisão, recorrida, onde se optou pela residência alternativa.

Esta constitui uma modalidade singular de coparentalidade e caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais de uma criança(s) ter o filho a residir consigo, alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser de um ano escolar, um mês, uma quinzena ou uma semana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia a dia (divisão rotativa e tendencialmente paritária dos tempos de residência, dos cuidados e da educação da criança) em que, durante esse período de tempo, um dos progenitores exerce, de forma exclusiva os cuidados que integram o exercício das responsabilidades parentais. No termo desse período, os papéis invertem-se.

Enquanto um dos progenitores exerce a guarda durante o período que lhe é reservado nesse contexto, com todos os atributos que lhe são próprios (educação, sustento, etc), para o outro transfere-se o direito de fiscalização e de visitas.

Findo o período estipulado, a criança faz o caminho de volta para a casa do outro progenitor.

Adoptando uma definição que consideramos mais correcta, a residência alternada consiste numa divisão rotativa e tendencialmente simétrica dos tempos da criança com os progenitores por forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social com o filho durante os períodos em que se encontra com cada um deles.

Este modelo de coparentalidade é normalmente regido por normas de concertação, de valorização recíproca e de pacificação voluntária do quotidiano, através de concessões recíprocas que visam adaptar as modalidades de alternância às necessidades da criança mas não é (nem tem que ser) totalmente desprovida de tensões, advindo a sua especificidade do esforço de ambos os progenitores para os reduzir ou negar, procurando configurar uma modalidade de funcionamento de entreajuda e de simetria flexível.

São apontados alguns argumentos contra este modelo de coparentalidade partilhada, designadamente que o mesmo parece atender mais aos interesses dos pais do que dos filhos, ocorrendo praticamente uma divisão da criança e uma ambivalência afectiva, é prejudicial à consolidação dos hábitos, valores, padrão e formação da personalidade da criança, contradizendo o princípio da continuidade no lar e, finalmente, é susceptível de provocar na criança instabilidade emocional e psíquica.

Em sentido contrário, são enunciados como argumentos a favor que a residência alternada contribui para uma maior vinculação afectiva entre a criança e o progenitor não residente já que possibilita a inclusão dos filhos nos agregados familiares dos pais (em especial quando existam famílias recompostas), o que dificilmente sucede nos modelos tradicionais de guarda em que a criança é vista como “um mero visitante da casa do pai ou da mãe” e, numa sociedade em que os montantes das pensões de alimentos são tradicionalmente baixos, ou seja, abaixo das reais necessidades das crianças, permite atenuar os efeitos decorrentes da denominada “feminização da pobreza nas famílias monoparentais” ao garantir uma distribuição tendencialmente igualitária dos tempos da criança e da assumpção de encargos por ambos os progenitores, para além de permitir a cada um dos progenitores a utilização dos tempos em que o filho não se encontra consigo para recuperar as suas próprias disponibilidades (aquilo a que os ingleses chamam os “child free-time moments”).

Ao longo dos últimos anos, a jurisprudência tem sido cautelosa na aplicação deste regime, circunscrevendo-a normalmente a um conjunto de exigências e ao acordo dos progenitores, embora algumas decisões mais recentes refiram que constitui o melhor modelo para a educação da criança, já que a situação de instabilidade é sempre característica da vida da criança perante a situação de separação dos pais.

 Com efeito, a vinculação entre pais e filhos é um laço afectivo que perdura no tempo, caracterizando-se pela tendência a procurar e manter proximidade física e emocional com a figura de vinculação, a qual deve ser percepcionada como fonte de segurança, promotora de uma base segura a partir da qual a criança ou o adolescente vai explorando o seu mundo.

 Deste modo, a investigação tem vindo a demonstrar que a convivência assídua, segurança e gratificante com a mãe e com o pai é o mais consistente preditor do ajustamento global da criança, quer antes, quer depois do divórcio ou da separação dos progenitores já que, após essa dissociação familiar, as crianças terão que passar períodos separados de contacto com um e outro progenitor.

                                                           *

Aqui chegados, cabe ponderar e ver aquém assiste razão. Se à decisão recorrida, pugnada pelos recorridos ou se à recorrente.

Diga-se, desde já, como já referimos, temos para nós, que a residência em alternativa, é em principio, a que melhor defende os interesses dos menores, desde logo, por a presença física constante e em pé de igualdade dos dois progenitores na vida da criança gerar vivências únicas e irrepetíveis ao(s)/à(s) filhos/as, sendo este contributo que os/as faz crescer, estruturar e ganhar identidade própria. Isso será, em cada caso, a concretização do “superior interesse do menor”. Cada progenitor tem de saber ter a lucidez de perceber que, ao dar por findo o seu projeto pessoal de comunhão com o/a outro/a, tem de lograr fazer – desde logo por Amor ao/à filho/a – um esforço (às vezes quase inumano) de abstração pelo novo rumo que seguiu a vida desse/a outro/a (o seu novo projeto, a sua nova relação), combatendo o despeito, a raiva, ou mesmo o ódio que, por compreensíveis que sejam, havendo um/a filho/a comum, têm de ser subvalorizados ou colocados em plano secundário. Quem tem de ganhar neste tipo de processos é quem perde de certeza se os pais não ajudarem: o/a(s) filho/a(s).”  (cfr. Ac. Rel. de Lisboa de TRL, datado de 07/11/2023, Proc.º n.º 1243/22.1T8PDL.L1-7, relatado por Edgar Taborda Lopes).

Acresce ainda que a guarda partilhada do filho (s), com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades, sempre tendo em vista um “tempo de qualidade” no convívio entre aquele com ambos os progenitores (cfr. Ac. desta Relação, de 23 de Fevereiro de 2021, proc.º n.º 1671/18.7T8VIS-D.C1, relatado por Luís Filipe Cravo).

A recorrente opõe-se à residência alternada, por um lado, por se encontrar a correr termos o inquérito n.º 178/23.... que corre nos termos da Procuradoria da República da Comarca de Castelo Branco, por violência doméstica, onde é ofendida a recorrente.

Quanto a esta matéria, não vemos, que tal facto seja, só por si, impeditivo da residência alternativa, porquanto, por um lado, não sabemos, qual seja o desfecho que o mesmo irá ter, por outro, se os factos que suportam o inquérito, foram eventualmente praticados, na presença dos menores, porque não é referido, e qual o efeito que os mesmos tiveram ou poderão ter nos menores.

Assim, quanto a este argumento, não vislumbramos razão à recorrente.

Por outro, refere que o Tribunal “a quo” não teve presente o referido pela menor, que referiu, criança de 11 anos, que já atingiu a idade da razão e detém, por isso mesmo, discernimento e capacidade para se exprimir relativamente às questões que lhe digam respeito, merece e deve ser tida em consideração na ponderação da decisão do tribunal, pelo que, tendo a menor admitido de forma clara e inequívoca que quer viver com a mãe, caracterizando o pai enquanto agressivo e bruto e opondo-se, dessa forma, à possibilidade de guarda conjunta, não se entende que a decisão do tribunal “a quo” passe pela integral desvalorização da opinião da menor, decidindo de forma manifestamente desproporcional, violando, parcialmente, o direito de audição e participação da menor, e considerando irrazoavelmente existir naquele agregado familiar um tipo de interação capaz de suportar e levar a bom porto um regime de guarda conjunta.

Quanto a esta matéria, cabe, desde logo, referir, que a residência alternativa, não deve ser afastada, só pelo facto, da menor, ter referido de forma clara e inequívoca que quer viver com a mãe, caracterizando o pai enquanto agressivo e bruto, como bem refere o recorrido Ministério Público. Pois se assim fosse, não valeria a pena, efetuarem-se diligências para apurar o melhor bem estar da criança e apurar qual o superior interesse da mesma. Este tem de ser procurado, na análise conjunta, do referido pelos progenitores, pelo(s) menor(es), e outros elementos que resultem dos autos.

E foi nesta vertente que o Tribunal “a quo” analisou a questão em apreço.

Para aquilatarmos o superior interesse da criança, cabe também, atentar, como bem refere o recorrido, Ministério Público, que as declarações da menor - EE- tenham salientado as características afetivas da mãe e ríspidas ou agressivas do pai, tendo declarado querer viver com a mãe e que não queria sair de casa, não olvidemos que a mesma criança imputa tais comportamentos ao pai nas tarefas em que este desempenha o papel de educador, evidenciando que a mãe, aqui Recorrente, “não ralha”.

Tendo presente tal quadro, não vislumbramos, razão para alterar a decisão recorrida, quanto a esta matéria, até porque educar, pode implicar, por vezes, os pais serem mais “duros” com os filhos, até para os chamar à “razão”, desde que, tal não implique, um afastamento do aceitável.

Face ao quadro descrito, não vislumbramos que o comportamento do pai, tenha ultrapassado, tais limites, tanto mais, como bem refere o Ministério Público, a menor imputa tais comportamentos ao pai nas tarefas em que este desempenha o papel de educador.

Acresce, como refere o Ministério Público que a menor refere que o progenitor se exaltava quando estudava com ela e com o irmão FF, ao passo que a mãe era carinhosa, mas também resulta dos autos, entre tudo o mais, que o pai ajudava nos trabalhos de casa e estudo de português, inglês e história, e a mãe nos de ciência e matemática, que o pai brinca com ela e com o irmão à noite, que a mãe não ralha durante o estudo, que é o avô materno quem vai levar e buscar à escola, porque os progenitores estão a trabalhar, com exceção das sextas-feiras em que é o pai que a vai buscar, tendo ainda manifestado não querer sair de casa.

Face ao exposto, também nesta vertente improcede a pretensão da recorrente.

                                                     *

Quanto às pretensões da recorrente, na fixação da regulamentação parental, que propõe, 1. As crianças ficam a cargo, ao cuidado e a residir com a mãe; 2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos filhos serão exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância da comunhão, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível; 3. O pai estará com os filhos aos fins-de-semana de quinze em quinze dias; 4. No dia de aniversário das crianças, estas farão uma refeição com cada um dos progenitores, em moldes a combinar entre ambos, sem prejuízo de, estando ambos de acordo, poderem fazer uma refeição na companhia de ambos os pais; 5. No aniversário dos progenitores, os filhos passarão o dia com cada um deles, em moldes a combinar entre ambos; 6. O pai pagará a título de alimentos a quantia mensal de 150€, para cada um dos menores, até ao dia 8 do mês que disser respeito por meio de transferência bancária; e 7. Além disso, participará nas despesas escolares e de saúde na proporção de metade do seu valor.

Atendendo à manutenção da residência alternativa, decidida pelo Tribunal “a quo”, e às demais condições, aludidas na decisão recorrida, e por com elas concordarmos, até por terem como suporte a residência conjunta. Terão de improceder.

Face ao exposto e pelas razões expostas não vislumbramos razão para alterar a decisão recorrida.

                                                           ***

                                                    4.- Decisão

Pelo exposto, decide-se, por acórdão, julgar o recurso improcedente e manter nos seus termos a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário.

Coimbra, 9/4/2024

Pires Robalo (relator)

Cristina Neves (adjunta)

Teresa Albuquerque (adjunta)