Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
644/21.7T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI MOURA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONDUÇÃO SOB EFEITO DO ÁLCOOL
ACÇÃO DE REGRESSO DA SEGURADORA
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 27.º, 1, A), DO DL 291/2007, DE 21/8
ARTIGO 19.º, C), DO DL 522/85, DE 31/12
ARTIGO 504.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I- O direito da seguradora exigir do condutor do veículo seguro por si, o reembolso das quantias pagas por via de ressarcir os danos provocados com o acidente, nos termos do disposto no artigo 27º, 1, c) do Dec.-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, restringe-se à medida da contribuição do réu para a produção do acidente

II- Atento que a Ré seguia com uma TAS de 1,39 g/l ao comando de um veículo automóvel que se despistou num viaduto, embatendo depois num dos pilares deste, e que, entre outros, provocou lesões numa passageira, atento ao mais, considera-se que a condutora do veículo é a única responsável pela produção do mesmo.

Decisão Texto Integral:

                                                            -//-

Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

i)-

A... - COMPANHIA DE SEGUROS S.A., com sede na Rua ..., ..., intentou a 3 de Maio de 2021 acção para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação sob a forma de processo comum contra AA, maior, residente na Rua ..., ..., pedindo, ao abrigo do disposto no artigo 27º, 1, c) do DL 291/2007, de 21-8, a condenação deste no pagamento da quantia de € 20.457,79, relativa às despesas com o sinistro que suportou, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde a data da 1ª interpelação da Ré e até integral pagamento.

Para o efeito alegou:

I – DA LEGITIMIDADE DA AUTORA:
1.º A ora Autora exerce, devidamente autorizada, a indústria de seguros em vários ramos.
2.º No exercício da sua atividade, no âmbito do ramo automóvel, a Autora celebrou com a Ré um contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório titulado pela apólice n.º ...54, que ora se junta como Doc. n.º 1 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
3.º Em virtude da celebração do contrato de seguro foi transferida para a Autora a responsabilidade civil por danos emergentes de viação automóvel do veículo de matrícula ..-..-NB (doravante designado por NB).

II – DO SINISTRO E DA RESPONSABILIDADE DA OCORRÊNCIA DO SINISTRO:
4.º No dia 26 de agosto de 2018, pelas 15:20 ocorreu um acidente de viação na Estrada ..., ... ... no viaduto por baixo do IP6, na freguesia ... concelho ..., distrito ....
5.º No referido acidente foi interveniente o veículo de matrícula NB, conduzido pela Ré.
6.º No local do acidente, a Estrada ..., atento o sentido da EN ...14/..., configura uma curva descendente à direita.
7.º A faixa de rodagem é composta por duas vias de trânsito, uma para cada sentido,
8.º Sendo estas separadas entre si, por marca longitudinal continua demarcada no pavimento.
9.º A faixa de rodagem é balizada por rails de segurança em alumínio em ambos os lados,
10.º Medindo a mesma, aproximadamente 7,00 metros de largura.
11.º A velocidade máxima permitida naquele viaduto é de 40 km/h.
12.º No momento da ocorrência do sinistro, as condições meteorológicas eram de “bom tempo”.
13.º O piso é asfaltado e, à data do acidente, encontrava-se em bom estado de conservação, sem lombas ou buracos.
14.º Tudo conforme participação do acidente que se junta como Doc. n.º 2 e se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
15.º Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, circulava o veículo NB naquela estrada, atento o sentido da EN ...14/...,
16.º Quando ao aproximar-se do sobredito viaduto,
17.º A Ré perde o controlo do mesmo,
18.º Facto a que não é alheia a TAS de que era portadora.
Ora,
19.º Assim que a Ré perdeu o controlo do veículo NB, em pleno início de curva, este alterou a sua trajetória
20.º não se mantendo naquela que seria a sua trajetória natural, tendo em conta a configuração da via,
21.º Alargando a mesma, “saindo de frente” na curva,
22.º Cruzando toda a faixa de rodagem, da direita para a esquerda,
23.º Em direção aos rails de segurança localizados no lado esquerdo e fora da faixa, atento o sentido da EN ...14/...,
24.º Contra os quais a parte frontal do veículo NB, acaba por inevitavelmente embater.
25.º A violência deste primeiro embate foi de tal ordem, que os rails não conseguiram deter o veículo NB,
26.º Tendo o mesmo embatido no pilar em cimento situado imediatamente atrás daqueles rails.
27.º Tudo conforme resulta do Doc. n.º 2 já juntos, e das fotografias do local do acidente que demonstram a reconstituição provável do mesmo, que se juntam como Doc. n.º 3 e que se dá por integralmente reproduzido.
Nesta sequência,
28.º A GNR ... deslocou-se ao local, tendo tomado conta da ocorrência, conforme resulta do Doc. n.º 2 já junto.
29.º E os Bombeiros Voluntários ... a fim de prestarem os primeiros socorros às vítimas, a Ré e a ocupante do veículo NB, de seu nome BB.
30.º As quais foram transportadas, a primeira para o Centro Hospital do Oeste EP em Torres Novas e a segunda para o Centro Hospital do Oeste EP nas Caldas da Rainha para aí serem assistidas.
31.º Nesse contexto foi a Ré foi submetida a exame ao álcool através de recolha de sangue,
32.º Tendo acusado uma TAS de 1,39 g/l, conforme Aditamento ao Auto de Ocorrência que ora se junta como Doc. nº 4 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais e de documento a este anexo o que desde já se protesta juntar.
33.º Por tais fatos, integradores de um crime de condução de veículo com taxa de álcool superior a 1,2 g/l foi elaborado o Auto de Notícia com o NUIPC 321/18.....

III - DA RESPONSABILIDADE DA OCORRÊNCIA DO SINISTRO
34.º Ao atuar da forma descrita, a Ré demonstrou uma absoluta falta de cuidado e diligência a que estão adstritos todos os condutores que circulam com veículos automóveis.
35.º Com efeito, a Ré violou, designadamente, os artigos 3.º, n.º 2; 11.º 2, 13.º, 18.º n.º 1, 24.º n.º 1, 81.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código da Estrada.
36.º Caso a Ré tivesse cumprido os normativos legais a que se aludiu, o referido acidente dos presentes autos nunca teria ocorrido.
37.º Em função do exposto, resulta por demais evidente que a responsabilidade da ocorrência do sinistro deverá ser integralmente imputada à Ré.
38.º Por outro lado, e conforme se demonstrou, a Ré circulava com o veículo seguro com uma taxa de alcoolemia de pelo menos 1,21 g/l, já deduzida a margem de erro.
39.º Além da referida taxa de alcoolemia ser substancialmente superior à legalmente admitida, a mesma causou uma alteração anormal no estado físico e psíquico da Ré,
40.º que culminou com a ocorrência do sinistro acima descrito.
41.º Na verdade, é de conhecimento público que a ingestão de bebidas alcoólicas causa no utilizador, entre outros efeitos, uma alteração das capacidades visuais e auditivas, diminuição da coordenação motora, diminuição da capacidade de raciocínio e atenção do utilizador e diminuição geral dos reflexos do mesmo.
42.º Ora, como facilmente se constata, os efeitos relacionados com a ingestão de bebidas alcoólicas tiveram, na situação em apreço, um impacto determinante para a produção do acidente em apreço.
43.º Com efeito, caso a Ré não apresentasse a taxa de alcoolemia supra referida, estaria na plena disponibilidade das suas capacidades físicas e psíquicas,
44.º e certamente o sinistro em apreço não teria ocorrido, uma vez que não teria perdido o controlo do veículo e teria evitado o embate no veículo seguro na ora Autora.
45.º Apesar de a Autora não conhecer a motivação da Ré para que a mesma tenha circulado com veículo automóvel após o consumo de álcool,
46.º certo é que sempre esteve no domínio da sua vontade quando se colocou na situação.
47.º Apenas a Ré deu causa ao acidente, não tendo sido forçado a tal por fatores externos.

IV – DOS DANOS
48.º Conforme já referido supra e se alcança do teor da Participação de Acidente de Viação já junta aos autos como Doc. n.º 2 e respetivo aditamento a esta, junto como Doc. nº 4, do sinistro dos presentes autos, resultaram dois feridos, a Ré e a ocupante do veículo NB.
49.º Assim, por decorrência do acidente de viação, a ocupante do veículo NB, viria a necessitar de assistência médica, a qual foi prestada no Centro Hospitalar do Oeste EPE, nas Caldas da Rainha.
50.º No qual, em função das lesões e traumatismos derivados do embate provocado pela Ré, teve de permanecer internada desde o dia do acidente (26.08.2018) até 03.09.2018, data em que recebeu alta médica.
51.º Com efeito, assistida após e na decorrência do acidente nas urgências do suprarreferido Centro Hospitalar e após a realização dos exames médicos prescritos, foram diagnosticados, por força das lesões sofridas: fracturas alinhadas de vários arcos costais esquerdos, discreto espessamento pleural bilateral, alterações fibroatetectásicas basais de predomínio esquerdo, fratura da parede lateral do seio maxilar, hematoma peri-orbitario esquerdo, e hemossinus maxilar esquerdo.
52.º Tudo conforme informação clínica que ora se junta como Doc. n.º 5, Doc. nº 6 e Doc. n.º 7 e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.
53.º E como tal, após a data da alta continuou a necessitar de assistência e de tratamentos, os quais foram prestados pelo referido Centro Hospitalar.
54.º Na sequência do exposto a aludida Entidade apresentou à aqui Autora as faturas referentes aos serviços prestados, no montante de € 2.075,25 (dois mil e setenta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos.
55.º Tudo conforme faturas que ora se juntam como Doc. n.º 8, Doc. n.º 9 e Doc. n.º 10, respetivamente, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.
56.º Considerando que a responsabilidade adveniente da circulação do veículo NB se encontrava transferida para a aqui Autora, conjugado com o facto de a condutora do mesmo ser a exclusiva responsável pela eclosão do sinistro, em cumprimento do contrato de seguro firmado, pela Autora viriam a ser liquidadas as referidas faturas,
57.º Suportando a Autora o pagamento do referido montante de € 2.075,25 (dois
mil e setenta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos.
58.º Tudo conforme comprovativos de pagamento e respetivas relações de pagamentos que ora se juntam aos autos como Doc. n.º 11, Doc. n.º 12, Doc. n.º 13, Doc. n.º 14, Doc. n.º 15 e Doc. n.º 16 cujos teores se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.
59.º Mais, por decorrência direta do acidente sub judice e das lesões corporais sofridas, a ocupante do veículo teve necessidade de recorrer a várias Consultas de Fisiatria e de avaliação do dano, as quais foram prestadas no B..., S.A.
60.º Despesas essas que foram apresentadas à Autora pela B..., S.A., no montante total de € 513, 50 (quinhentos e treze euros e cinquenta cêntimos) conforme faturas que ora se juntam como Doc. n.º 17, Doc. n.º 18, Doc. n.º 19, Doc. n.º 20, Doc. n.º 21 e Doc. n.º 22 e Doc. n.º 23 cujos teores se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos.
61.º Por força do contrato de seguro junto como Doc. n.º 1, as referidas despesas no montante total de € 513, 50 (quinhentos e treze euros e cinquenta cêntimos) foram liquidadas pela ora Autora à sobredita entidade de saúde, 62.º Tudo conforme comprovativos de pagamento e respetivas relações de pagamentos que ora de juntam como Doc. n.º 24, Doc. n.º 25, Doc. n.º 26, Doc. n.º 27, Doc. n.º 28, Doc. n.º 29, Doc. n.º 30, Doc. n.º 31, Doc. n.º 32 e Doc. n.º 33 e se dão por reproduzido para os devidos efeitos legai
63.º Mais liquidou a ora Autora à referida sinistrada a título de despesas de transporte pelas deslocações desta às consultas e tratamentos suprarreferidos e a título de despesas medicamentosas a quantia total de € 426,49 (quatrocentos e vinte seis euros e quarenta e nove cêntimos)
64.º Tudo conforme faturas que ora se juntam como Doc. n.º 34, Doc. n.º 35, Doc. n.º 36, Doc. n.º 37 e Doc. n.º 38 e se dão por reproduzido para os devidos efeitos legais.
65.º E respetivos comprovativos de pagamento que se juntam como Doc. n.º 39, Doc. n.º 40, Doc. n.º 41, Doc. n.º 42 e Doc. n. 43.
66.º Acresce referir que, por força do acidente identificado em II provocado única
e exclusivamente pela Ré, a condutora do veículo NB ficou a padecer de uma incapacidade permanente global de 16.14 pontos, conforme relatório de avaliação clínica que ora se junta como Doc. n.º 44 e se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais. (lapso. Quem ficou a padecer dessa incapacidade foi a transportada BB)
67.º Por fim, por decorrência do acidente de viação supra retratado, pagou a ora Autora à referida sinistrada, a título de indemnização global pelos danos corporais sofridos, o valor de € 17.442,55 (dezassete mil quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), aí se incluindo o dano biológico, o quantum doloris (atribuído o grau 4), os dias de internamento (8 dias), os esforços acrescidos, e mais despesas de transporte,
68.º Quantia que resultou do consenso de ambas as partes,
69.º Tudo conforme ata de acordo e comprovativo de pagamento que ora se juntam como Doc. n.º 45 e Doc. n.º 46 e se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
70.º Tendo a Autora, desse modo, despendido com a regularização deste sinistro, o pagamento do montante total de referido de € 20.457,79 (vinte mil quatrocentos e setenta e nove cêntimos).
71.º Quantia essa que pretende reaver por meio da presente ação.

Juntou documentos e procuração.

ii)-

Citada, contestou a Ré.
Impugna, concluindo a final pela sua absolvição.

Fundamentalmente alega:

(…)

No que ao alegado em 9º da douta p.i. respeita, há que dizer que o balizamento por rails de segurança é apenas parcial, como bem se pode ver da fotografia que agora se junta sob o Doc. n.º 1, circunscrevendo-se à zona que se situa por debaixo da ponte ali existente.

Impugna-se a alegação vertida em 13º da douta p.i., quanto ao estado do piso, pois o mesmo apresentava, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, bastante gravilha.

No que tange ao ali aduzido em 18º, sem deixar de lhanamente admitir que o seu estado ébrio terá contribuído, e muito, para o evento, entende a Ré que a sua conjugação com a inesperada e anormal apresentação de bastante gravilha no local terá sido um pormenor que também contribuiu para o despiste, sem que saiba em que medida.

A viatura da Ré, ao contrário do que vai afirmado em 23º, 24º e 25º da douta p.i., não chegou a embater no rail, mas sim numa placa de cimento que lhe é perpendicular.
10º
Em consequência deste frontal embate, a viatura da Ré foi projectada – voou... - em direção ao pilar de suporte da ponte, onde veio a embater com o seu lado frente esquerdo.
11º
Tendo ali mesmo ficado imobilizada, tal como por forma bem esclarecedora, se vê da fotografia que se junta sob o Doc. n.º 2.
12º
A Ré seguia a uma velocidade moderada, não superior aos 40 kms/hora legalmente permitidos.
13º
Daí que a viatura se tenha imobilizado no lugar do embate - cfr. Doc. n.º 2 - o pilar de betão, sem ricochetear.
14º
Além do estado ébrio em que se encontrava a Ré, também contribuiu para a produção do acidente, pois, a inesperada gravilha que na ocasião cobria o pavimento.
15º
Relativamente à culpa pelo acidente, a mesma não pode deixar de ser atribuída à Ré.
16º
Porém, no que respeita às consequências do mesmo, designadamente, para o estado sanitário da ocupante Sr.ª D.ª BB, é manifesto que inexiste tal nexo causal.
17º
As lesões sofridas por esta senhora, referidas em 51º da douta p.i. e nos relatórios médicos, a saber:
- fracturas alinhadas de vários arcos costais esquerdos; discreto espessamento pleural bilateral; alterações fibroatetectásicas basais de predomínio esquerdo, fratura da parede lateral do seio maxilar, hematoma peri-orbitário esquerdo e hemossinus maxilar esquerdo, e, consequentemente, os tratamentos médicos a que foi sujeita, não podem ser integralmente, sequer maioritariamente, assacados à culpa na produção do acidente por parte da Ré, mas sim, em grande medida, à conduta omissiva protagonizada pela própria lesada BB, como abaixo se descreve.
18º
Não corresponda à verdade o que vai alegado em 66º da douta p.i., na parte em que se diz que, por força do acidente identificado em II provocado única e exclusivamente pela Ré, “a condutora do veículo NB” – ou seja, a aqui Ré – “ficou a padecer de uma incapacidade permanente global de 16,14 pontos, conforme relatório de avaliação clínica que ora se junta como Doc. n.º 44”.
19º
A Autora, por mero lapso, pretendeu referir-se à Sr.ª D.ª BB, e não à “condutora do veículo NB” e como tal sem o menor rebuço o aceita a Ré.
20º
Apenas não se aceita que tenha sido por culpa da aqui Ré que a ocupante da viatura tenha sofrido os males que refere.
21º
Porquanto, como já de seguida vai alegado e se demonstrará cabalmente no momento próprio, a conduta da ocupante da viatura, Sr.ª D.ª BB, contribuiu, decisivamente, para a gravidade das lesões por si sofridas.
22º
É que esta Senhora viajava sem cinto de segurança!
23º
A Ré, refira-se agora, com pleno apego à Verdade dos factos, havia “dado boleia”, a duas Senhoras: a Sr.ª D.ª CC, abaixo melhor identificada, que viajou no banco da frente, ao lado da Ré; e a Sr.ª D.ª BB, que ocupou o lugar atrás da referida dita Sr.ª D.ª CC.
24º
Quando esta Senhora, chegada ao seu destino, saiu da viatura, poucas centenas de metros antes do local do embate, a Sr.ª D.ª BB, permaneceu no banco de trás e do mesmo lado.
25º
A Sr.ª D.ª BB viajava, pois, aquando do despiste, no banco de trás, do lado direito e sem o cinto de segurança colocado.
26º
Com a violência do embate, esta Senhora, pelo exclusivo motivo da viajar sem cinto de segurança, foi projectada para a frente, partiu o banco frontal do lado direito, embateu no vidro da frente, que igualmente estilhaçou e foi cair, atento o sentido da marcha da viatura, do lado direito do rail de proteção, de bruços, no pavimento, a curta distância do pilar em betão, bem visível em ambas as fotografias que agora se juntam – Doc.s n.ºs 1 e 2.
27º
Não podem restar dúvidas razoáveis que, se a Sr.ª D.ª BB estivesse a fazer uso do cinto de segurança, não teria sido projectada para o exterior da viatura acidentada!
28º
Se a dita lesada tivesse tomado essa elementar e legal cautela, teria ficado retida no banco traseiro e apenas sofrido alguns hematomas, nada mais!
29º
Esta é a versão verdadeira dos factos, sem tirar nem pôr, a que a Autora não deu a menor atenção.
30º
Convicta de que lhe assistia, de qualquer modo, o direito de regresso, e que, por isso, nada tinha a perder, agilizou o processo, apressou-se a chegar a um acordo do a Sr.ª D.ª BB, sem minimamente, por um segundo sequer, ouvir o que a aqui Ré teria a dizer em sua defesa.
31º
Acordo esse celebrado nas costas da Ré, presuntivamente na suposição de que a mesma sempre teria que arcar com todos os encargos acordados com a ocupante da viatura, a falada Sr.ª D.ª BB
32º
E não foi por falta de esforço desta em fazer ouvir a sua voz, alertando, por carta, já em 27 de Setembro de 2019 – Doc. n.º 3, e renovando tal chamada de atenção, em 18 de Agosto de 2020 – Doc. n.º 4, para as concretas circunstâncias do acidente e, explicitamente, para o facto de que a lesada Sr.ª D.ª BB, “não fez uso, como devia, do cinto de segurança, sendo certo que, nas concretas circunstâncias do caso, tal omissão se revela de extrema relevância, porquanto é impensável que, se tivesse feito uso do dito cinto (…) houvesse sido projectada para o exterior da viatura, o que sucedeu e foi a causa mais relevante para as lesões por si sofridas”.
33º
A estas duas missivas da Ré, enviadas pelo aqui signatário, a Autora respondeu com ensurdecedor silêncio...
34º
Note-se, por ser bem significativo e esclarecedor do que sustentamos, que tendo o embate no pilar ocorrido da forma bem (melhor do que através de quaisquer palavras!) ilustrada na fotografia que constitui o Doc. n.º 2 junto à presente Contestação – frontalmente e do lado da condutora! - esta, a ora Ré, pouco mais sofreu do que leves escoriações!
35º
Mais refere expressamente a Autora (art.º 68.º da sua p.i.) que “pagou à ora sinistrada a título de indemnização global pelos danos corporais sofridos, o valor de € 17.442,55 (dezassete mil quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos) aí se incluindo o dano biológico, o quantum doloris (atribuído o grau 4), os dias de internamento (8 dias), os esforços acrescidos, e mais despesas de transporte” - art.º 67.º da douta p.i..
36º
Logo acrescentando (art.º 68.º da douta p.i.) que tal quantia “resultou do consenso de ambas as partes” - os seja, Autora seguradora e sinistrada.
37º
E que, desse modo, a Autora despendeu “com a regularização deste sinistro, o pagamento do montante total de referido de € 20.457,79 (vinte mil quatrocentos e setenta e nove cêntimos)”.
38º
Em sua análise do direito, a Autora é totalmente omissa acerca da relevante questão da existência, ou não, de nexo causal (de causalidade adequada) entre o acidente e os danos sofridos pela sinistrada!
39º
Contenta-se em constatar que, face ao estado ébrio da Ré, se verifica nexo causal entre tal estado e o acidente de viação – cfr. art.ºs 34.º a 47.º da douta p.i.
40º
Lida e relida a douta p.i., em seu ponto algum vai alegado o nexo causal – a luz dos critérios da causalidade adequada, acolhidos na nossa legislação – art.º 563º do Código Civil - entre o acidente e as lesões sofridas pela sinistrada.
41º
E esse nexo causal, não foi, na realidade, sequer indagado.
42º
É necessário determinar em termos de probabilidade, se o facto lesivo constitui ou não causa adequada à produção do concreto dano.
43º
Nada disto foi investigado, tendo-se a Autora precipitado – dando de barato a resposta afirmativa a esta questão, tudo, ademais, feito nas costas e sem auscultação da Ré!
44º
É entendimento generalizado, à luz desta teoria da causalidade adequada, que um facto só pode ser qualificado como causa jurídica de um dado dano quando seja de tal natureza que, nas condições normais da vida, ele seja idóneo, apto ou adequado à produção daquele tipo de consequências danosas – v. ANA PRATA, in “Dicionário Jurídico”, Volume I, pág. 1405.
45º
Se a Autora tivesse contactado a Ré e procedido a uma investigação mínima das circunstâncias do acidente, facilmente apuraria que a sinistrada seguia no banco de trás da viatura, atrás do lugar do pendura, e sem fazer uso do cinto de segurança.
46º
Nessas circunstâncias, com o embate quase frontal no pilar de betão, por não ter colocado o cinto de segurança, como lhe competia, a sinistrada foi projectada contra o vidro da frente da viatura e, atravessando-o, estatelou-se na via pública.
47º
Com tal projeção do seu corpo, partiu-se, inclusivé, o banco à sua frente, então desocupado.
48º
'Sibi imputet', se a Autora de nada disto curando, chegou precipitadamente a um acordo com a sinistrada (“por consenso de ambas as partes”) - art.º 68.º da sua p.i. - “nas costas” da ora Ré, julgando que sempre deteria sobre ela o direito de regresso.
49º
(cabe 'hic et nunc' parenteticamente questionar: 'quid juris', se em vez de 20 mil euros, tivessem Autora e sinistrada “por consenso de ambas as partes”, fixassem o quantum doloris em cinquenta mil euros?
50º
Fica a pergunta no ar...
51º
Do facto de ter sido – como realmente foi, a Ré quem “deu causa ao acidente” como bem aduz a Autora em 72º da douta p.i. - não pode, sem mais, extrapolar-se que foi “a única causa para a verificação dos danos que a Autora teve de suportar” - art.º 80º da douta p.i.!
52º
A jurisprudência citada na peça a que agora se dá resposta, não é aplicável ao caso dos autos, pois tão só visa sustentar que, quando a taxa de álcool no sangue ultrapassa a legalmente permitida, a seguradora fica dispensada de demonstrar que foi por causa da alcoolémia e da influência da mesma nas respectivas capacidades psico-motoras que o condutor praticou este ou aquele erro de condução e, com isso, deu causa ao acidente, bastando-lhe demonstrar  que, nesse momento, ele acusava uma concentração de álcool superior à permitida por lei.
53º
A ora contestante aceita a sua culpa pelo despiste, apenas admitindo que a gravilha existente no pavimento possa, com ela, “repartir” alguma dessa culpa.
54º
O que não aceita, nem pode aceitar, é que lhe seja atribuída a responsabilidade pelas lesões sofridas pela ocupante (que lhe pediu boleia...), quando esta viajava sem cinto de segurança!
55º
A Ré, como já acima vai aflorado, estava posicionada, no ponto da viatura mais susceptível de causar danos físicos (veja-se a fotografia constante do Doc. n.º 2), mas como levava o cinto de segurança colocado, sofreu apenas leves escoriações.
56º
Se tivesse colocado, como era seu dever, o cinto de segurança, a Sr.ª D.ª BB – que seguia, até, no banco traseiro - teria, presumivelmente, apenas apanhado um grande susto...

Junta procuração e documentos.

iii)-

Dispensou-se a audiência prévia.
Foi proferido despacho saneador, determinado o objeto do litígio e elencados os temas de prova sem quaisquer reclamações.
Atribuiu-se valor à causa.
Foi proferido despacho sobre meios probatórios.
Foi ordenada a realização de uma perícia à ocupante do veículo sinistrado “com vista a apurar as lesões, sequelas, e incapacidade por esta sofridas”. Fls. 136.

iv)-

Foi junto o relatório pericial à transportada no veículo, Sra. Dona BB, datado de 22 de Janeiro de 2022, elaborado pelo Serviço de Clínica e Patologia Forenses do Oeste, cfr.  Fls. 146 verso a 148 verso- com conclusões.

De tal perícia respigamos:

Nome: BB; Data de nascimento: .../.../1958.
(…)

A informação sobre o evento, a seguir descrita, foi prestada pela examinanda
À data do evento, a Examinanda tinha 59 anos de idade e era empregada fabril
(peixe). Actualmente está desempregada
No dia 27/08/2018, , terá sofrido acidente de viação - embate contra um poste,
com projeção do lugar do pendura.
Do evento terá(ão) resultado trauma do MSD, TCE sem perda de conhecimento, face e perna esquerda.
Na sequência do evento foi assistida no SU do Hospital da Caldas da Rainha onde foi suturada na cabeça e na face tendo sido imobilizada no MSD. Ficou internada cerca de 8 dias e iniciou tratamentos de fisioterapia em Peniche. Posteriormente passou para fisioterapia nas Caldas e foi observada pelos SCCS mais tarde, tendo alta a 07-01-2020.
B. DADOS DOCUMENTAIS
Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia dos registos do Hospital e dos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros: Trauma do MSD; apresentava equimose periorbitária esquerda, assimetria na expansão torácica e uma luxação do cotovelo direito. Feita redução da luxação e imobilização com tala gessada, após sedação.
- TC toraco-abdominal de 26-08: fraturas alinhadas de vários arcos costais esquerdos;
- TC CE e cervical de 26-08: hematoma periorbitário esquerdo, sem outras alterações.
- TC maxilo-facial de 26-08: fratura da parece lateral do seio maxilar, hematoma periorbitário esquerdo, hemossinus maxilar esquerdo.
Internada para vigilância com boa evolução clínica e laboratorial. Alta a 03-09 para consulta externa (informação não facultada)
- Eco ombro direito de 25-06-2019: elevação da cabeça umeral (...) rotura parcial
(...) fina lâmina de derrame subacrómio-subdeltoideu.
C. ANTECEDENTES
1. Pessoais
Não refere antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação
em apreço.
2. Familiares
Não refere antecedentes patológicos relevantes para o caso em apreço.
A informação sobre o evento, a seguir descrita, foi prestada pela examinanda. À data do evento, a Examinanda tinha 59 anos de idade e era empregada fabril (peixe). Actualmente está desempregada.
No dia 27/08/2018, terá sofrido acidente de viação - embate contra um poste, com projeção do lugar do pendura.
Do evento terá(ão) resultado trauma do MSD, TCE sem perda de conhecimento, face e perna esquerda.
Na sequência do evento foi assistida no SU do Hospital da Caldas da Rainha onde foi suturada na cabeça e na face tendo sido imobilizada no MSD. Ficou internada cerca de 8 dias e iniciou tratamentos de fisioterapia em Peniche. Posteriormente passou para fisioterapia nas Caldas e foi observada pelos SCCS mais tarde, tendo alta a 07-01-2020.

A. QUEIXAS
Nesta data, a examinanda refere as queixas que a seguir se descrevem:
 Manipulação e preensão: refere fazer tudo mas com mais dificuldade quando tem que usar o membro superior direito uma vez que tem menos força;
 Fenómenos dolorosos: no cotovelo direito, até à mão, com o frio e esforços, não recorrendo à toma de qualquer medicação;
 Outras queixas a nível funcional: "pele descaída" a nível da coxa esquerda.
B. EXAME OBJETIVO
A Examinanda apresenta-se: consciente, orientada, colaborante, com bom estado
geral, idade aparente de harmonia com a idade real.
A Examinanda refere ser dextra e apresenta marcha normal, sem apoio nem
claudicação
A examinanda apresenta:
 Crânio: sem alterações aparentes
 Face: sem alterações aparentes Membro superior direito: mobilidade ativa do cotovelo entre 80º e 110º; ombro:
ligeira rigidez associada a dor;
 Membro inferior direito: alterações de pigmentação ténues nas faces anterior e
medial da perna, com derrames dispersos;
 Membro inferior esquerdo: sem alterações aparentes a nível da coxa; complexo
cicatricial acastanhado com zona central nacarada na face anterior do terço médio
da perna, indolor, com cerca de 2cm de diâmetro.
DISCUSSÃO
1. Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano.
2. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 07/01/2020, tendo
em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica, o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efectuados
3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos
parâmetros do dano, os seguintes:
(…)

CONCLUSÕES
 A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 07/01/2020.
 Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 8 dias.
 Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 491 dias.
 Atendendo à avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades e considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afectando a examinada em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, atribui-se um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 17 pontos.
 Quantum Doloris fixável no grau 2/7. - tendo em conta o período de recuperação funcional e o tipo de traumatismo.
 Dano Estético Permanente fixável no grau 2 /7. - É fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a deformidade do cotovelo direito (não faz extensão completa em repouso, encontrando-se sempre “dobrado”).

v)-

Procedeu-se à realização da audiência final, com gravação dos trabalhos.
Foram juntas fotografias a corres correspondentes às já juntas aos autos.

vi)-

Com a ref. citius 102756163 e em 3 de Março de 2023 lavrou-se douta sentença.

Nela deu-se como provado o seguinte complexo de factos:

1. A autora dedica-se à actividade seguradora;
2. No exercício da sua actividade comercial, a autora outorgou com a ré um contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo automóvel titulado pela apólice n.º ...54 através do qual foi transferida para a autora a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo com a matrícula ..-..-NB;
3. No dia 26.08.2018, pelas 15:20 horas, ocorreu um embate na Estrada ...,
... ... no viaduto por baixo do IP6, na freguesia ..., concelho ..., distrito ...;
4. A ré era a condutora do veículo “NB” e circulava no sentido da EN ...14 para ..., existindo uma curva descendente à direita;
5. A faixa de rodagem é composta por duas vias de trânsito uma para cada sentido, separadas entre si por marca longitudinal continua demarcada no pavimento;
6. A faixa de rodagem é balizada, ainda que apenas parcialmente, por rails de segurança em alumínio em ambos os lados;
7. A faixa de rodagem mede aproximadamente 7,00 metros de largura;
8. A velocidade máxima permitida naquele viaduto é de 40 km/h;
9. No momento da ocorrência do sinistro, as condições meteorológicas eram de bom tempo;
10. O piso no local é asfaltado;
11. O piso encontrava-se em bom estado de conservação, sem lombas ou buracos;
12. Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, quando a ré se aproximou do viaduto supra referido em 4. perdeu o controlo do veículo “NB” no início da curva;
13. A ré não se manteve naquela que seria a trajectória natural da via;
14. A ré seguiu em frente na curva e cruzou toda a faixa de rodagem da direita para a esquerda seguindo na direcção dos rails de segurança localizados no lado esquerdo e fora da faixa, atento o sentido da EN ...14/...;
15. O veículo “NB” acabou por embater no pilar em cimento situado atrás daqueles rails;
16. Em consequência do embate a viatura da ré foi projectada em direcção ao pilar de suporte da ponte onde veio a embater com o seu lado frente esquerdo, do lado da condutora, tendo ali ficado imobilizada;
17. A viatura ficou imobilizada no lugar do embate;
18. A GNR ... deslocou-se ao local, tendo tomado conta da ocorrência;
19. Os Bombeiros Voluntários ... acorreram ao local a fim de prestarem os primeiros socorros à ré e à ocupante do veículo “NB”, BB;
20. A ré e BB foram transportadas, a primeira para o Centro Hospital do Oeste EP em Torres Novas e a segunda para o Centro Hospital do Oeste EP nas Caldas da Rainha para aí serem assistidas;
21. Após o embate acima descrito, a ré foi submetida, na qualidade de condutora do veículo “NB”, a exame ao álcool através de recolha de sangue, tendo acusado uma T.A.S de 1,39 g/l;
22. A ré ao atuar da forma descrita, demonstrou falta de cuidado e de diligência a que estão adstritos todos os condutores que circulam com veículos automóveis;
23. A taxa de álcool no sangue causou uma alteração anormal no estado físico e psíquico da ré que culminou com a ocorrência do embate supra referido;
24. A ingestão de bebidas alcoólicas causa no utilizador, entre outros efeitos, uma
alteração das capacidades visuais e auditivas, diminuição da coordenação motora,
diminuição da capacidade de raciocínio e atenção do utilizador e diminuição geral dos reflexos do mesmo;
25. Do sinistro resultaram dois feridos, a ré e a ocupante do veículo “NB”,
BB;
26. Na decorrência do embate, BB, ocupante do veículo “NB”, viria a necessitar de assistência médica, a qual foi prestada no Centro Hospitalar do Oeste EPE, nas Caldas da Rainha;
27. Em consequência das lesões e dos traumatismos derivados da ocorrência do embate provocado pela ré, a ocupante do veículo BB teve de permanecer internada desde o dia 26.08.2018 até ao dia 03.09.2018, data em que recebeu alta médica;
28. Em consequência do embate e após a realização dos exames médicos prescritos foram diagnosticados a BB as seguintes lesões: fracturas alinhadas de vários arcos costais esquerdos, discreto espessamento pleural bilateral, alterações fibroatetectásicas basais de predomínio esquerdo, fratura da parede lateral do seio maxilar, hematoma peri-orbitario esquerdo, e hemossinus maxilar esquerdo;
29. Após a data da alta médica, BB continuou a necessitar de assistência e de tratamentos, os quais foram prestados pelo Centro Hospitalar do Oeste, EPE, nas Caldas da Rainha;
30. O Centro Hospitalar do Oeste, EPE, apresentou à autora as faturas referentes aos serviços médicos prestados a BB, no montante de
€2.075,25 (dois mil e setenta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos);
31. A autora procedeu ao pagamento das despesas médicas decorrentes do sinistro, no âmbito das obrigações assumidas no supra referido contrato de seguro
despendendo a esse título o montante de €2.075,25;
32. Em consequência do sinistro e das lesões corporais sofridas, a ocupante do
veículo BB teve necessidade de recorrer a consultas de
fisiatria e de avaliação do dano, as quais foram prestadas no B..., S.A.;
33. A B..., S.A., apresentou as despesas a que se reporta o artigo 33. à autora no montante total de €513,50 (quinhentos e treze euros e cinquenta cêntimos);
34. A autora procedeu ao pagamento das despesas de consultas de fisiatria e de avaliação do dano, decorrentes do sinistro, no âmbito das obrigações assumidas no supra referido contrato de seguro despendendo a esse título o montante de €513,50 (quinhentos e treze euros e cinquenta cêntimos);
35. A autora liquidou à ocupante do veículo BB a título de despesas de transporte pelas deslocações desta às consultas e tratamentos supra referidos e a título de despesas medicamentosas a quantia total de €426,49 (quatrocentos e vinte e seis euros e quarenta e nove cêntimos);
36. Em consequência do embate causado pela ré, BB ficou a padecer de uma incapacidade permanente global de 16.14 pontos;
37. Na decorrência do referido sinistro, a autora pagou à ocupante do veículo BB, o valor de € 17.442,55 (dezassete mil quatrocentos e quarenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de indemnização global pelos danos corporais sofridos, aí se incluindo o dano biológico, o quantum doloris, atribuído o grau 4, os dias de internamento (8 dias), os esforços acrescidos e as despesas de transporte;
38. A quantia referida em 37. resultou de consenso obtido entre a autora e BB;
39. A ré tinha conhecimento da ilicitude de toda a sua actuação;
40. A ré não só podia como devia ter agido de forma contrária abstendo-se de consumir bebidas alcoólicas quando tencionava usar o veículo automóvel;
41. A ré havia transportado a título gratuito CC que viajava no banco da frente do veículo e BB que ocupou o lugar de trás do veículo;
42. Quando CC chegou ao seu destino saiu da viatura, poucas centenas de metros antes do local do embate, e BB permaneceu no banco de trás e do mesmo lado;
43. BB aquando do despiste viajava no banco de trás, do lado direito.

Nela deram-se como não provados os seguintes factos:

a) Que a parte frontal do veículo “NB” embateu nos rails de segurança;
b) Os rails de segurança não conseguiram deter o veículo “NB”;
c) Que a ré conduzia a uma velocidade não superior a 40 Kms/hora;
d) Que o piso onde ocorreu o embate apresentava gravilha;
e) Que a gravilha contribuiu para o despiste;
f) Que BB aquando do despiste viajava sem o cinto de
segurança colocado;
g) Que a conduta de BB, ocupante do veículo da ré, ao
não fazer uso do cinto de segurança contribuiu para a gravidade das lesões por si
sofridas;
h) Que pelo exclusivo motivo de viajar sem cinto de segurança, BB foi, com a violência do embate, projectada para a frente, partiu o banco frontal do lado direito, embateu no vidro da frente que estilhaçou e foi cair,
atento o sentido de marcha da viatura, do lado direito do rail de protecção, de bruços, no pavimento, a curta distância do pilar em betão;
i) Que se BB estivesse a fazer uso do cinto de segurança não teria sido projectada no banco traseiro e apenas teria sofrido alguns hematomas e apanhado um grande susto.

vii)-

Aplicado o direito aos factos, atentos os pedidos, foi a acção julgada, a final, procedente e, em consequência foi a Ré, AA, condenada a pagar à autora, A... - Companhia de Seguros S.A., a quantia global de €20.457,79 (vinte mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde o dia 17.05.2021, até efectivo e integral pagamento.
As custas ficaram pela Ré.

viii)-

Inconformada recorre a Ré, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

*
A Apelante apresenta as seguintes conclusões:

1ª – Na sua douta p.i., a Companhia de Seguros Autora em momento algum alega a existência de nexo causal entre o acidente e as lesões sofridas pela ocupante do veículo, BB;
2ª - E teria sempre que o fazer, sob pena de, a ser a Ré condenada no ressarcimento dessas mesmas lesões, a sentença extrapolar o pedido, padecendo assim do vício da condenação 'extra petitum';
3ª – Como veio a suceder – daí que 'hic et nunc' invoquemos o vício de nulidade que fulmina a douta Sentença ora em crise, por força do regulado na alínea e) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil;
4ª – A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir – art.º 609º, n.º 1, do Código de Processo Civil;
5ª – O Tribunal não pode alterar, substituir ou suprir a causa de pedir, isto é, o facto jurídico que o Autor invocara como base na sua pretensão, de modo a decidir a questão submetida ao seu veredito, com fundamento numa causa que o autor não pôs à sua consideração e decisão;
6ª - “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)” - art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil;
7º – No caso sub judice, não tendo a parte autora alegado sequer o nexo causal entre o acidente de viação e os danos sofridos pela ocupante BB, ao Tribunal recorrido estava vedado suprir essa omissão, logo também, condenar a ré a ressarcir a autora por tais danos;
8ª – Face à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, designadamente, ao teor das declarações prestadas pela testemunha DD, conjugadas com as regras da experiência comum e, até, com elementares Leis da Física, o Tribunal 'a quo' nunca poderia deixar de dar como facto provado que a ocupante do veículo BB, viajava, na ocasião, sem fazer uso do cinto de segurança;
9ª – Com efeito, do depoimento da referida testemunha resulta como incontornável tal conclusão, quando afirma que “o único cinto que estava posto era o da condutora e que tinha o pré-sensor rebentado. (…)”; que, perante a questão colocada pelo Tribunal se “o banco do pendura estava partido?”, respondeu “sim, sim. Eram as dobradiças que estavam partidas por causa do impacto de uma pessoa que devia vir do banco atrás do pendura. (…). O vidro não tinha, estava partido da projecção que a outra senhora quando nós chegámos estava no chão, sensivelmente a dois, três metros do carro, na faixa de rodagem”;
10ª – É facto notório, notável por qualquer pessoa de normal diligência que mais de 95% dos ocupantes dos bancos traseiros em viaturas ligeiras circulando em Portugal não fazem uso de cinto de segurança;
11ª - As Leis da Física ensinam que quem não use cinto de segurança, circulando no banco traseiro de uma viatura que embate contra um obstáculo inamovível a uma velocidade de cerca de 40 km/h (porventura um pouco superior), é projectada para o exterior da viatura transpondo o banco da frente e o vidro frontal;
12ª – Como também ensinam também que, se esse ocupante estiver usando cinto de segurança, 'ceteris paribus', tal projecção não acontece, ficando sim, o ocupante retido no assento da viatura, precisamente pelo “abraço” do cinto;
13ª - Esta versão, de que BB estaria fazendo uso do cinto de segurança (ou da inconclusiva não prova deste facto), não se sustenta, antes se esboroa-se fragorosamente, face à comprovada circunstância de a condutora da viatura, a ora Recorrente, sofrendo muito mais directamente o embate, porquanto a viatura, como se vê das reproduções fotográficas colhidas logo após o mesmo, colidiu com o pilar de betão precisamente do seu lado frente esquerdo (o do condutor), não foi projectada para o exterior da viatura (e teria certamente morrido, se tal acontecesse...), ficando retida no seu banco, pelo cinto de segurança (de onde teve que ser “desencarcerada”), e ao contrário da infeliz BB, sofreu apenas lesões ligeiras;
14ª - A douta Sentença é completa e incompreensivelmente omissa acerca do que sucedeu a BB na sequência do embate;
15ª - Apenas dá como não provado que a mesma “foi, com a violência do embate, projectada para a frente, partiu o banco frontal direito, embateu no vidro da frente que estilhaçou e foi cair, atento o sentido de marcha da viatura, do lado direito do rail de protecção, de bruços, no pavimento, a curta distância do pilar de betão”;
16ª – Quando da prova testemunhal e documental produzida não pode restar qualquer sombra de dúvida de que foi isso mesmo - com a violência do embate, projectada para a frente, partiu o banco frontal direito, embateu no vidro da frente que estilhaçou e foi cair, atento o sentido de marcha da viatura, do lado direito do rail de protecção, de bruços, no pavimento, a curta distância do pilar de betão – vejam-se as fotos constantes do Doc. n.º 2 junto à contestação, e do Documento junto pela Ré em Audiência de Discussão e Julgamento, no dia 16/01/2023 – Ref.ª 102628218); e oiça-se o depoimento insuspeito da testemunha DD – tendo como pano de fundo as mais elementares regras da experiência comum e, também, as Leis da Física;
17ª - Esta grave omissão de pronúncia sobre um aspecto material que o Tribunal deveria apreciar, pela sua relevância para a análise e ponderação da matéria jurídica controvertida, é hoje integradora da violação do estabelecido na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, uma vez que a fixação da matéria de facto passou a integrar a própria sentença, pelo que a respectiva omissão, ainda que parcial, cai na previsão da letra e do espírito da mencionada norma legal – v. anotação 6. ao art.º 615.º, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 3º Edição, de ABÍLIO NETO;
18ª - Dos depoimentos das testemunhas inquiridas em ADJ, mormente do prestado pelo Sr. DD, resulta incontornável que o Tribunal 'a quo' não poderia ter deixado de dar como provado que BB viajava sem fazer uso do cinto de segurança;
19ª - À luz do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame crítico e da avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência da vida e de conhecimento das pessoas;
20ª - O valor da prova não depende da sua natureza (directa ou indirecta), mas fundamentalmente da sua credibilidade, pelo que para tal dever-se-ão ter sempre presentes as regras da experiência, sendo que relativamente à prova testemunhal e por declarações, atenta a carga subjectiva inerente, deve o julgador rodear-se de especiais cuidados, aferindo cuidadosamente da idoneidade daquele que depõe ou presta declarações, tendo em vista os seus eventuais interesses na causa, bem como a sua eventual ligação “às partes” - RC, 8-1-1998, BMJ, 437º – 577;
21ª – Estas considerações servem como uma luva aos depoimentos das testemunhas BB e de DD;
22ª - Àquela, o Tribunal conferiu uma credibilidade de todo injustificada, sublinhando a “veemência” com que alegou fazer-se munir do cinto de segurança e com total postergação da circunstância de BB haver repetido 'ad nauseam' que “não se lembrava de nada”;
23ª - O seu nervosismo, e até, o choro, pareceram inculcar que, embora na realidade não tivesse interesse no desfecho da causa, ela estaria convicta do contrário;
24ª - O que, atentas as concretas circunstâncias, é suposição perfeitamente plausível, num leigo;
25ª – Nos antípodas, apresentou-se a testemunha DD, cuja credibilidade do depoimento, lúcido detalhado e calmo, não resulta a nosso ver minimamente afectada pelo facto, que honradamente referiu, de a Ré ser avó da sua então namorada, actual mulher;
26ª – A circunstância que esta testemunha referiu como justificativa da convicção a que chegou de que BB viajava sem cinto – apenas houve necessidade de cortar o cinto de segurança da ré e todos os outros não estavam colocados, nem partidos – é de uma força probatória irrefutável;
27ª – Assim não entendeu o Tribunal 'a quo', erroneamente;
28ª – Na apreciação de Direito efectuada na Douta Sentença vai omitida qualquer consideração acerca da falta de invocação, pela autora, do nexo causal entre o acidente e as lesões sofridas pela ocupante da viatura, BB;
29ª – Questão que se posiciona logicamente a montante daquel'outra sobre que se debruça a sentença, da apreciação da factualidade dos autos à luz da norma do ar5t.º 572.º do Código Civil:
“Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada”.
30ª – No que tange à apreciação da factualidade dos autos à luz desta norma legal, não podemos à mesma aderir, já que, ali se considera que “o que é essencial à chamada culpa do lesado, não é a censurabilidade do acto em termos de culpa (..) mas o da sua necessária causalidade para (a produção) ou para o agravamento dos danos”;
31ª – Mais adiante, vai expendido que “cabia à ré que invocou a culpa da lesada, fazer a prova desse processo causal, isto é, de que a lesada, por um lado, circulava sem cinto de segurança e, além disso, a prova de que por esse motivo e atentas as concretas circunstâncias em que o acidente se deu tal agravou as lesões corporais que para ela sempre decorreriam do acidente”;
32ª – E prosseguindo: “sucede que, prescrutada a factualidade supra consignada verifica-se que resultou incomprovado que BB aquando do despiste viajava sem o cinto de segurança colocado e, consequentemente, não se provou que tal tenha contribuído para a gravidade das lesões por si sofridas. A par desta factualidade resultou outrossim indemonstrado que se BB estivesse a fazer uso do cinto de segurança não teria sido projectada no banco traseiro e apenas teria sofrido alguns hematomas e apanhado um grande susto”;
33ª – É, bem ao invés, óbvio, facto notório que não carece nem de alegação nem de prova - art.ºs 412.º do Código de Processo Civil e também 257.º, n.º 2 do Código Civil –, esse facto de o não uso do cinto de segurança ser causa adequada de mais gravosas consequências, aplicado às concretas nuances do caso vertente;
34ª – A ser de manter como facto não provado o nessa sede descrito sob a alínea f) da Douta Sentença ora em crise (mera circunstância que aqui figuramos para facilidade de exposição... ), ainda assim, valeria a circunstância da não invocação pela parte autora da verificação da existência de nexo causalmente adequado entre o acidente e as lesões sofridas pela ocupante BB;
35ª – Foram violadas as normas dos artigos 342º do Código Civil; 609º, n.º 1, 615º, n.º 1, alíneas d) e e) – o que aqui se invoca ex vi do disposto no n.º 4 do mesmo dispositivo legal.
*
Pugna pela absolvição da Apelante.

*
Contra-motiva a Autora dizendo em conclusão:

1. As doutas Alegações de recurso não foram apresentadas tempestivamente, porquanto foram apresentadas 41 dias após a notificação da douta Sentença às partes.
2. Para além de a Recorrida não juntar o comprovativo de pagamento da multa devida pela apresentação extemporânea das doutas Alegações, nunca o douto Tribunal a quo poderá admitir o recurso, por extemporâneo.
3. A Recorrente não impugnou a matéria de facto nem tampouco socorreu-se da prova gravada, pelo que não poderia beneficiar do prazo acrescido de 10 dias, nos termos do disposto no nº 7 do artigo 638º do CPC.
4. Apesar de a Recorrente transcrever algumas passagens dos depoimentos das testemunhas prestados em Audiência de Julgamento [veja-se o ponto 46, 47 e 65 e após o ponto 85], tal não é suficiente, por si só, para dar cumprimento ao disposto no artigo 640º, nº 1 do CPC
5. A Recorrente limita-se a transcrever um excerto dos depoimentos das testemunhas sem indicar, em concreto, em que momento da gravação dos depoimentos é que podemos localizar aquelas passagens.
6. Uma vez que a Recorrente não impugnou a matéria de facto, porquanto não pugnou pelo aditamento/alteração dos factos provados e não provados e, bem assim, não indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, as Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente são extemporâneas.
7. Vem a Recorrente requerer a nulidade da Sentença nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC, pelo facto da Recorrida não ter alegado o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões da ocupante BB.
8. Não corresponde à verdade que a Recorrida não tenha alegado o nexo de causalidade [veja-se o teor dos artigos 29º, 30º, 48º a 67º da Petição Inicial].
9. A lesada foi submetida a prova pericial nos presentes autos, tendo sido demonstrado que lesões é que sofreu.
10. Ainda que a Recorrente não tivesse alegado o nexo de causalidade, o desfecho pretendido pela Recorrente não poderia ser a nulidade da Sentença, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC, uma vez que a Recorrente foi condenada pelo valor do pedido formulado na Petição Inicial [veja-se o que foi determinado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão datado de 28.10.2022, no âmbito do processo nº 425/06.08BEBRG].
11. Alega a Recorrente que a douta Sentença recorrida é omissa quanto ao que sucedeu à ocupante BB na sequência do acidente, pelo que é nula a Sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d), do nº 1 do artigo 615º do CPC.
12. A Mmª Juiz do Tribunal a quo, relativamente aos factos não provados h) e i) declarou que “No que concerne à alínea h) e i) inexiste outrossim, em face do que antecede, prova suficiente e segura sobre a sua verificação.”
13. A Mmª Juiz do Tribunal a quo fundamentou corretamente a razão pela qual não deu como provado que a ocupante BB não utilizava cinto de segurança nem que foi projetada para o exterior do veículo porque, de facto, tal não resultou provado.
14. A Recorrente não requer a alteração da matéria de facto para passar a constar do elenco de factos provados que “com a violência do embate, projectada para a frente, partiu o banco frontal direito, embateu no vidro da frente que estilhaçou e foi cair, atento o sentido de marcha da viatura, do lado direito do rail de protecção, de bruços, no pavimento, a curta distância do pilar de betão”.
15. Teria existido uma omissão de pronúncia se o douto Tribunal nem sequer tivesse feito constar do elenco de factos provados a matéria alegada pela Recorrente na douta Contestação nem tivesse fundamentado por que razão tais factos não resultaram provados.
16. A Recorrente inicia a suas doutas Alegações afirmando que a Recorrida não alegou a existência de nexo causal entre o acidente e as lesões sofridas por BB, referindo existir apenas um “nexo temporal”.
17. A Recorrida não entende se a Apelante afirma inexistir nexo de causalidade entre o acidente e as lesões ou se foi o alegado comportamento da lesada que contribuiu para o agravamento das lesões.
18. Afirmar-se que não existe nexo de causalidade entre as lesões e o acidente é o mesmo que dizer que determinadas lesões foram produzidas noutro evento que não o dos autos.
19. A Recorrente não demonstrou que as lesões de que a BB padeceu são decorrentes de outro evento.
20. Para que a tese de que a lesada contribuiu para o agravamento das lesões tivesse provimento era necessário que a Recorrente pugnasse pelo aditamento dos factos não provados f), g), h) e i) ao elenco de factos provados, o que não sucedeu.
21. Do elenco de factos provados constantes da douta Sentença recorrida não resulta qualquer facto provado que permita interpretar e concluir que a lesada BB contribuiu, de forma alguma, para o agravamento das lesões.
22. Parece à Recorrida que o cerne da questão no presente recurso será a circunstância de BB não utilizar cinto de segurança no momento do acidente.
23. A Recorrente invoca as leis da física e alegados factos notórios para defender a tese de que a lesada não utilizada cinto de segurança.
24. A Recorrida desconhece, sem ter de conhecer, qual a percentagem de pessoas que não utilizam cinto de segurança, pelo que, se tal facto depende de prova então não é um facto notório.
25. A Recorrente afirma que “As Leis da Física ensinam que quem não use cinto de segurança, circulando no banco traseiro de uma viatura que embate contra um obstáculo inamovível a uma velocidade de cerca de 40 km/h (porventura um pouco superior), é projectada para o exterior da viatura transpondo o banco da frente e o vidro frontal”
26. Questiona a Recorrida a que leis da física é que a Recorrente se está a reportar para concluir o que concluiu atrás.
27. Não pode o douto Tribunal superior considerar o depoimento da testemunha DD para demonstrar que a ocupante do veículo se encontrava sem cinto de segurança, uma vez que a testemunha não se encontrava no interior do veículo quando ocorreu o acidente nem tampouco o presenciou.
28. Dos factos provados e, diga-se, desde já, da prova produzida, não pode o Tribunal ad quem dar outra interpretação aos factos e imputar a culpa ou agravamento dos danos à lesada.
29. Em face do supra exposto, não merecendo a douta Sentença qualquer censura, deverá o douto Tribunal superior manter a Sentença recorrida.

Remata pela manutenção da decisão recorrida – facto e direito.

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*
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Na 1ª instância sustenta-se a inexistência das nulidades apontadas à sentença recorrida.

*
 
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.
“Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III - OBJECTO DO RECURSO 

As questões que se colocam ao julgador através da apelação consistem em:
- saber se o recurso foi interposto atempadamente;
- saber quais os factos a ter em conta;
- saber se a sentença padece de nulidade;
- conhecer do mérito da causa.

IV- mérito do recurso

Saber se o recurso foi interposto atempadamente

Levanta a Autora a questão da intempestividade do recurso.
Mas sem razão.
O recurso foi interposto no 1º dia útil após o terminus do prazo processual aplicável.
A sansão do nº 6 do artigo 139º do CPC mostra-se liquidada a fls. 200.

Saber quais os factos a ter em conta

A Apelante pretende ver como provado o facto dado como não provado - f) Que BB aquando do despiste viajava sem o cinto de segurança colocado;

Indica os tempos onde se podem encontrar os destaques dos depoimentos dos ficheiros da gravação – minutos e segundos.
Cumpre os ónus de impugnabilidade do artigo 640º do CPC.
 
Invoca para este desiderato o depoimento da testemunha EE, militar da GNR que esteve no local, e que disse em julgamento ter ouvido no local comentários segundo os quais quer a condutora, quer a passageira, não levavam o cinto de segurança colocado. Mas esta testemunha também diz que não pôde confirmar essa circunstância. Também diz que nem a posição das lesadas após o acidente viu pessoalmente.
Trata-se de um depoimento inseguro.
Invoca o depoimento da testemunha DD, bombeiro que esteve no local a retirar e estabilizar as vítimas, e que diz que o único cinto rebentado era o do banco da condutora. Também diz que o banco do pendura estava inclinado para a frente, com as dobradiças partidas. Era atrás deste lugar que a passageira BB seguia. Portanto no banco traseiro, lado direito.
Trata-se de um depoimento com alguma credibilidade que carece de ser acompanhado por mais provas porque efectivamente não viu se a Dona BB seguia com o cinto devidamente colocado ou não.
A sinistrada BB afirmou em julgamento ter o cinto posto.

Assim é evidente, utilizando as regras da experiência, e atento ao circunstancialismo, não se sabendo igualmente se os vidros do veículo iam abertos ou fechados, inexistir prova segura e credível relativamente ao ponto.

Mantemos o facto como não provado.

*

Portanto, mantemos o elenco de factos apurado na 1ª instância.
Não padece de contradição nem carece de ser oficiosamente alterado.

Saber se a sentença padece de nulidade

A Apelante arguiu nulidades na sentença recorrida.
O Senhor Juiz da causa já se pronunciou sobre a pretensão nos termos do artigo 617º, 1 do CPC, em termos assertivos que com o devido respeito, aqui se reproduzem por com eles estarmos de acordo.

Então temos: 

Conforme flui claramente da redacção da alínea d) do n.º1 do artigo 615.º, existe nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia, respectivamente, quando o tribunal não conhece ou conhece de pedidos, causas de pedir ou excepções de que devia ou não podia tomar conhecimento.
Por seu turno, para efeitos da alínea e) do mesmo normativo, existe igualmente nulidade da sentença quando o tribunal quando condene em objecto diverso do pedido. Existe condenação em objecto diverso do pedido quando aquela não tem qualquer correspondência com a pretensão formulada em juízo.
No caso dos autos, a autora peticiona a condenação da ré “ao pagamento do valor de € 20.457,79 (vinte mil quatrocentos e setenta e nove cêntimos), acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, a apurar, desde a primeira interpelação daquele até efetivo e integral pagamento, custas judiciais e respetivas custas de parte”. Sustenta o pedido no direito de regresso previstos no art. 27.º n.º1 al. c) do DL 291/2007, de 21 de Agosto e alega, para tanto, factos tendentes a demonstrar, por um lado, a existência de um contrato de seguro do ramo automóvel, mediante o qual a autora garantiu a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo de matrícula ..-..-NB, por outro lado, a existência de um acidente de viação (despiste) em que foi interveniente o veículo seguro e, por fim, a concluir pela responsabilidade, a título culposo, da ré, na qualidade de condutora do veículo seguro.
Mais alega que, nas circunstâncias em que ocorreu tal acidente, a ré conduzia sob o efeito do álcool, facto que foi determinante na produção do acidente. Alega, por fim, que, ela, autora, custeou as despesas inerentes à assistência hospitalar, clínica e medicamentosa prestada à passageira do veículo segurado e pagou indemnização à sinistrada pelos danos corporais sofridos em consequência do referido acidente.
Por seu turno, compulsada a sentença em referência, resulta que o julgador, concluindo que, sendo a condutora do veículo automóvel a (única) responsável pela produção do embate ajuizado e, além disso, simultaneamente portadora de uma taxa de alcoolemia no sangue superior ao mínimo legalmente autorizado, assiste à seguradora/autora o direito de regresso no que respeita às quantias que liquidou por força do contrato de seguro celebrado, à lesada e, bem assim, às entidades que prestaram os tratamentos e cuidados de que a mesma careceu, decidiu a final “Julgar a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenar a ré, AA, a pagar à autora, A... - Companhia de Seguros S.A., a quantia global de €20.457,79 (vinte mil, quatrocentos e cinquenta e sete euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde o dia 17.05.2021, até efectivo e integral pagamento.”.
Em face do exposto, afigura-se-nos que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não existe qualquer divergência entre o pedido formulado e dispositivo sentenciado, bem como entre a causa de pedir invocada pela autora e a fundamentação subjacente à decisão.
No que concerne ao nexo causal entre o acidente de viação e os danos sofridos pela ocupante, afigura-se-nos que o mesmo se mostra alegado, de forma bastante, nos artigos 48.º a 51.º da petição inicial, cuja factualidade foi transposta para os factos provados descritos sob os números 25 a 28.
Inexiste, em consequência, a alegada proibição de a sentença conhecer do nexo causal em referência.
…Com reporte à omissão de pronúncia quanto ao “que aconteceu à passageira na sequência do embate”, a sentença pronuncia-se expressamente quanto a tal factualidade, dando como não provados os factos descritos sob as alíneas f), g), h) e i).

Vai negada a invocação.

Do mérito da causa

A Autora seguradora aceitou a inteira e exclusiva responsabilidade do acidente por parte do condutor do veículo seguro por si, o ..-..-NB.
Ao todo a Autora despendeu € 20.457,79, relativa às despesas com o sinistro.
A Autora seguradora indemnizou os lesados, cumprindo o contrato de seguro automóvel obrigatório que havia celebrado, uma vez que, como acabamos e ver, o veículo por si seguro também é responsável pela produção do acidente.

A Autora considera ter o direito de exigir do condutor do veículo seguro por si, a Ré-, o reembolso da aludida quantia paga, atenta o disposto no artigo 27º, 1, c) do Dec.-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto ( actual redacção dada ao artigo 19º, al. c) do Dec.-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro ) sobre as Condições Gerais da Apólice.
Esta vem a ser portanto uma acção de regresso.

O direito de regresso da seguradora contra o condutor sob a influência do álcool do veículo seguro é uma realidade diversa do direito de indemnizar os lesados no acidente dos autos. É um direito ex-novo que nasce na esfera jurídica da seguradora precisamente com o cumprimento da obrigação de indemnizar.

De acordo com o art. 19.º, al. c) do Dec-Lei nº 522/85 de 31/12, “satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado”.
O Dec.-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, que revogou aquele diploma, dispõe no seu artigo 27º, 1: satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:
c)- contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos.

Sobre a questão de exigir ou não na acção de regresso nexo de causalidade entre a condução sob a influência do álcool e a produção do acidente, na vigência do Dec-Lei nº 522/85 foram defendidas na jurisprudência posições divergentes.
Foi então proferido o Acórdão uniformizador de jurisprudência nº 6/2002, in “Diário da República”, I série – 18.7.2002, que se reporta a situações de condução sob a influência do álcool e que fixou a seguinte jurisprudência: «a alínea c) do art. 19 do Dec. Lei nº 522/85, de 31.12, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente».

Com a redacção do artigo 27º, 1, c) do Dec.-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, passou a sustentar-se
I- entendimento semelhante ao do AC. Uniformizador;
II- entendimento diferente do do AC. Uniformizador.

Exemplo de entendimento semelhante podemos ver o Ac. TRP de 15-1-2013 proferido no processo nº 995/10.6TVPRT.P1, Relatora Exma. Des. Anabela Dias da Silva, consultável no site da dgsi.net, onde se ensina:

A actual redacção do art.º 27.º n.º1 al. do DL 291/2007, de 21.08 “…suporta duas interpretações:

Uma no sentido de que, circulando o condutor com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, se der causa a um acidente, relacionado ou não com a etilização, a seguradora tem direito de regresso;

Outra com o entendimento de que não basta o condutor etilizado ter dado causa ao acidente, sendo necessário que esta causa tenha emergido da própria etilização.
O condutor etilizado que vê uma pessoa conhecida no passeio ao lado e se distrai a olhar para ela, não reparando que está a entrar numa passadeira por onde passa um peão, que atropela, sem que o seu comportamento tenha algo a ver com a alcoolização, teria contra si o direito da seguradora na primeira das interpretações e não o teria na segunda.

Ainda que mais apegada à letra da lei, a primeira das interpretações tem contra ela os mesmos argumentos que já ficaram referidos em VII. Acrescentados dum de índole histórica, pois, estando firmado o entendimento de que tinha que haver uma relação de causalidade entre a etilização e o evento, se se pretendesse romper com ela, a redacção havia de ser muito mais categórica. A referência “quando tenha dado causa” não encerra um alargar da previsão a todos os casos em que o condutor tenha dado causa ao acidente, mas antes o consagrar, em texto legal, do que faltara ao texto anterior e já vinha sendo entendimento constante…”.
Nesse Acórdão perfilha-se e defende-se a referida segunda interpretação. E foi na esteira do mesmo que a sentença de 1.ª instância também decidiu. E quanto a nós correctamente.
Na verdade, não ignoramos a actual divergência jurisprudencial existente sobre a questão, já que alguns sufragam a primeira das referidas interpretações - veja-se entre outros o Acs. do STJ de 8.01.2009, da Relação de Coimbra de 8.05.2012 e da Relação do Porto de 13.12.2011 e, outros defendem a segunda interpretação – cfr. entre outros, Acs. do STJ de 7.06.2011, da Relação de Lisboa de 17.05.2012 e da Relação do Porto de 13.12.2011, de 19.01.2012 e de 20.09.2012, todos in www.dgsi.pt.
Também alguma doutrina tem defendido esta segunda interpretação, cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in “Prova por Presunção no Direito Civil”, pág. 273.
É verdade que a redacção anterior do art.º 19.º e a actual do art.º 27.º são diferentes, numa postulava-se
“…tiver agido sob a influência do álcool… “ e agora dispõe-se “…tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida…”, todavia e como se sabe, segundo o disposto no art.º 9.º do C.Civil -“A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Logo é necessário para uma correta interpretação do actual texto da lei ter-se em consideração todos os elementos hermenêuticos de interpretação da lei e não dar apenas relevância ao elemento literal, descurando os restantes elementos histórico, sistemático e racional.

A doutrina e a jurisprudência que têm defendido a segunda interpretação, ou seja, a de que se exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida a prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução com essa taxa e o acidente, com os seguintes argumentos: em primeiro lugar, um argumento de índole histórica, porquanto a redacção de 2007 vem na sequência do entendimento prevalecente anteriormente e plasmado no acórdão uniformizador de jurisprudência 6/2000, de 28.05, no sentido de que tinha de haver uma relação de causalidade entre a etilização e o evento. Dai que, se fosse propósito do legislador romper com tal estado de coisas, teria utilizado uma técnica legislativa mais assertiva. A referência a “tenha dado causa” visará, precisamente, consagrar a relação de causalidade entre a etilização e o acidente. Em segundo lugar, a desconsideração do nexo de causalidade levaria a uma objectivação das consequências da condução sob a influência do álcool em benefício da seguradora, imputando responsabilidades ao condutor que nada têm a ver com a conduta culposa consistente no estado etílico.
Nós acompanhamos e também defendemos este entendimento. Na verdade, o direito de regresso é no dizer de Antunes Varela, in “Obrigações em Geral”, vol. II, pág.334 “um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta”, ou seja, este direito das seguradoras não poderá ultrapassar a amplitude do direito em que se fundamenta, in casu na responsabilidade civil do segurado. Daí que considerar-se que o segurado que provoca um acidente com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, por si só, é condição para legitimar o direito de regresso da seguradora, estar-se-ia a sancionar (civilmente) o agente (segurado) pela taxa de álcool no sangue de que é portador, sem a necessidade de se estabelecer um nexo causal entre esse mesmo estado de alcoolemia e os danos resultantes do acidente, e consequentemente a alterar a natureza reparadora do direito civil (ao invés de sancionadora), pois que se sancionar-se-ia o agente em função da sua culpa e não da causalidade entre a sua acção e os danos casuísticos da mesma.
Assim entendemos que para que o direito de regresso, da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido tem a mesma, para além de provar a culpa do condutor na produção do evento danoso, alegar e provar, ainda, factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o evento dele resultante.

Exemplos de entendimento diferente ao do AUJ podemos ver:

O Ac. TRP de 31-12-2011 proferido no processo nº 592/10.6TJPRT.P1, Relator Exmo. Des. Rodrigues Pires, consultável no site da dgsi.net, cujo sumário é:
I - No âmbito do Dec. Lei no 522/85, de 31.12 - e de acordo com a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça - Acórdão n° 6/2002, de 28.5 - para que a seguradora que satisfez a indemnização tivesse direito de regresso era imprescindível que alegasse e provasse tanto a culpa do condutor na produção do acidente, como o nexo de causalidade entre a condução sob o efeito do álcool e o referido acidente.
II - Agora, com o novo regime legal introduzido pelo Dec. Lei n° 291/2007, de 21.8, art. 27°, n° 1, ai. c), para que o direito de regresso da seguradora proceda exige-se tão só que alegue e prove a culpa do condutor na produção do acidente e que este conduzia, com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei.
III - Já não se lhe impõe, que alegue e prove factos donde resulte o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.

No mesmo sentido o Ac. TRP de 16-12-2015 proferido no processo nº 4678/13.7TBVFR.P1, Relatora Exma. Des. Ana Lucinda Cabral, consultável no site da dgsi.net, onde se judicou o seguinte:

O Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8.2007 estatuí no seu do artigo 27.º, que: Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:
Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida…

Esta redacção suporta duas interpretações:
Uma no sentido de que, circulando o condutor com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, se der causa a um acidente, relacionado ou não com a etilização, a seguradora tem direito de regresso;
Outra com o entendimento de que não basta o condutor etilizado ter dado causa ao acidente, sendo necessário que esta causa tenha emergido da própria etilização.
A questão reside, pois, em determinar se, à luz da regulamentação do direito de regresso introduzida pelo DL nº 291/2007, se exige o nexo de causalidade entre a alcoolemia e os danos.

Com a revogação do DL nº 522/85 pelo DL nº 291/2997, a nova regulamentação do direito de regresso da seguradora no contrato de seguro automóvel obrigatório designadamente em matéria de alcoolemia sofreu uma alteração substantiva cujo alcance não pode ser menosprezado e revela que o legislador quis dispensar o nexo de causalidade quando exigiu para a procedência do direito de regresso, que o condutor conduzisse com álcool, referenciando este a um dado científico – a TAS – objectivamente determinável e controlável.
Com efeito, O legislador não podia ignorar a controvérsia gerada na vigência do DL nº 522/85 e o ponto final que lhe foi posto pelo AUJ nº 6/2002.
E se fosse seu propósito manter essa solução, di-lo-ia expressamente, mantendo a redacção do texto legal e esclarecendo mesmo o seu sentido de acordo com a interpretação que lhe foi dada pelo AUJ.

Antes, alterou o texto legal, retirando a expressão “agir ou conduzir sob a influência do álcool” e substituindo-a por outra, mais objectiva “conduzir com TAS igual ou superior à legalmente admitida”.
Esta exigência típica de conduzir sob a influência deve interpretar-se no sentido de que a ingestão de álcool (ou drogas) influi efectivamente na condução, afectando a capacidade do sujeito para conduzir com segurança, tornando a condução perigosa ex ante, potencialmente lesiva para a vida ou integridade dos demais participantes do tráfego.
Com o artigo 27º do DL nº 291/2007, à seguradora basta alegar e demonstrar a taxa de alcoolemia do condutor na altura do acidente, sendo irrelevante a relação de causa e efeito entre essa alcoolemia e o acidente, ou seja, os factos em que se materializava a influência do álcool na condução e que, como se disse, eram relevantes na vigência do DL nº 522/85 na interpretação do AUJ nº 6/2002.
Esta dispensa do nexo de causalidade no artigo. 27º do DL nº 291/2007 deve ser compreendida, perspectivando o direito de regresso da seguradora como de natureza contratual e não extra-contratual; quer dizer, a previsão legal do direito de regresso integra o chamado
estatuto legal imperativo do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
O risco assumido pela seguradora em tal contrato não cobre nem poderia cobrir os perigos acrescidos que a condução sob a influência do álcool envolve.
Isto porque, sendo proibida a condução com TAS igual ou superior a certo limite e sendo mesmo sancionada penalmente tal conduta quando atingir um limite superior (artigo 81º nº1 e 2 do Código da Estrada e 292º do Cód Penal), tal assunção de risco pela seguradora seria nulo, por contrariar normas legais imperativas (art. 280º nº1 CCivil).

Deste modo faz sentido que o contrato de seguro não funcione quando o condutor conduza com uma TAS proibida ou, mais precisamente, que a condução com TAS superior à legalmente permitida exclua a cobertura do seguro.
E se nas relações externas a seguradora não pode opor ao lesado as excepções fundadas no agravamento do risco causado pelo segurado ou condutor responsável, já o mesmo não acontece nas relações internas, entre a seguradora e o condutor responsável pois que, como se disse, sendo proibida a condução com TAS superior a certo limite, nunca ela poderia assumir o risco de tal condução.
O direito de regresso resulta do facto de o condutor – que é civilmente responsável – ter a sua responsabilidade garantida pela seguradora para quem foi transferida a sua responsabilidade através do contrato de seguro, seguradora essa que, por sua vez, suportou a indemnização devida aos lesados numa situação em que a cobertura do risco estava excluída.

A responsabilidade primeira é sempre a do condutor, como autor do facto ilícito que desencadeou a sua responsabilidade civil extracontratual e que, por via do contrato de seguro, foi transferida para a seguradora; logo, a responsabilidade da seguradora é meramente derivada daquela e do contrato de seguro.
E se, por qualquer razão o contrato de seguro for ineficaz e a seguradora não puder opor essa ineficácia ao lesado e tiver que cumprir a prestação convencionada no contrato de seguro – pagamento da indemnização – o direito de regresso é o único meio que ela tem de recuperar e reembolsar o que despendeu com esse pagamento.


No mesmo sentido o Ac. STJ de 6-4-2017 proferido no processo nº 1658/14.9TBVLG.P1.S1, Relator Exmo. Cons. Lopes do Rego, consultável no site da dgsi.net, cujo sumário é:

1. A alteração legislativa corporizada na art. 27º, nº1, alínea c) do DL 291/2007 (apagando a expressão agido sob influência do álcool e substituindo-a pelo – muito mais objectivado- segmento normativo conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida) teve como consequência dispensar a seguradora do ónus de demonstração de um concreto nexo causal entre o erro ou falta, cometido pelo condutor alcoolizado no exercício da condução, - e que despoletou o acidente - e a situação de alcoolemia, envolvendo a normal e provável diminuição dos reflexos e capacidade reactiva do condutor alcoolizado.
2. Assim, o sentido a atribuir ao regime normativo introduzido pelo DL 291/07 é o de ter estabelecido uma presunção legal, assente nas regras ou máximas de experiência, na normalidade das situações da vida, segundo a qual o concreto erro ou falta cometido pelo condutor alcoolizado – e que consubstancia a responsabilidade subjectiva por facto ilícito que lhe é imputada - se deveu causalmente à taxa de alcoolemia verificada objectivamente por meios técnicos adequados – deixando naturalmente a parte beneficiada pelo estabelecimento desta presunção legal de estar onerada com a prova efectiva do facto a que conduz a presunção, nos termos do art. 350º, nº1, do CC.

O Ac. STJ de 8-10-2009 proferido no processo nº 525/04.9TBSTR.S1, Relator Exmo. Cons. Pires da Rosa, consultável no mesmo site, é muito esclarecedor:

Agora, com a actual redacção do art.º 27.º n.º1 al. do DL 291/2007, de 21.08, as coisas são claras – o condutor dá causa ao acidente ( qualquer que seja a causa ) e, se conduzia com uma taxa de alcoolémia superior à permitida por lei, a seguradora tem direito de regresso contra ele.
Antes, … o direito de regresso da seguradora ( interpretado o art. 19º, al. c ) do Dec.lei nº522/85 pelo acórdão PUJ nº6/2002 ) exigia por parte desta a prova de um duplo nexo de causalidade – a prova da causa do acidente em si mesma, a prova de que o álcool tinha sido a causa dessa mesma causa.

Que dizer?

Parece-nos que as correntes que se apontaram sobre a interpretação da actual redacção do art.º 27.º n.º1 al. do DL 291/2007, de 21.08, têm mais a ver com os pressupostos do exercício do direito de regresso.

Não tem, no presente caso, relevo optar por uma ou por outra.

Porquê?

É que a seguradora só pode em sede de direito de regresso ser ressarcida na medida da contribuição do veículo por si segurado para e emergência do acidente.
 
Esta constatação bem a reconhece o Ac. STJ de 6-4-2017 proferido no processo nº 1658/14.9TBVLG.P1.S1, Relator Exmo. Cons. Lopes do Rego, já referido, onde se ensina que:
O direito de regresso invocado pela seguradora apenas se verificará, porém, na medida em que o acidente e o evento danoso sejam de imputar a um facto culposo do condutor, não abrangendo a parcela correspondente à medida em que o agravamento dos danos é antes de imputar à concorrência de um facto culposo do próprio lesado, justificando a aplicação do regime contido no art. 570º do CC.

Para isso é preciso, sem dúvida, avaliar a relação de causa e efeito entre essa alcoolemia e o acidente, o que se faz perante factos, podendo o Tribunal socorrer-se de presunções judiciais.

Parece-nos, salvo melhor opinião, certeira e ainda actual a lição do Ac. TRP de 7-6-2001, prolatado no p. nº 0130742, Relator Exmo. Des. Telles de Menezes, acessível  no mesmo site, onde se judica:
Tem de se concluir que para a seguradora ser titular do direito de regresso, se exige nexo de causalidade, pelo menos de forma indirecta, entre o álcool ingerido e a produção do acidente.
A não ser exigida a existência do referido nexo de causalidade, a seguradora teria sempre direito de regresso contra o condutor que apresentasse uma ínfima taxa de álcool no sangue. O que não faria qualquer sentido.

*

Está provado cientificamente que uma taxa de alcoolemia entre 0,5 e 0,8 g/l perturba os reflexos e a coordenação psicomotora e geral lentidão dos tempos de reacção. Cfr. Ac. TRE de 18-5-2006, in CJ, Tomo III, pág. 253.

É lícito à Relação em face da alcoolemia apresentada pela condutora Ré – 1,39 g/ a.s. e circunstâncias provadas do acidente concluir que este e verificou no todo ou em parte “por influência do álcool”.

Face aos factos, é inquestionável que a Ré, conduzindo o NB, se o fizesse sem estar sob a influência do álcool numa TAS superior à permitida, se podia ter apercebido da curva que tinha de desenvolver para a sua direita de trânsito, teria certamente reduzido a velocidade do veículo em função do desenho da estrada, não teria invadido a faixa de sentido contrário e entrado em despiste ao ponto de colidir com o pilar de betão do viaduto existente no local.
Ainda porque estava bom tempo, o piso estava seco e era de asfalto.
Ainda porque a velocidade máxima permitida para o local era de 40kms/h.
Teria podido – o que devia – seguir a sua marcha na hemi-faixa direita atento o seu sentido de trânsito.

Em face das circunstâncias cabe dizer que a produção do acidente se ficou a dever exclusivamente à conduta da Ré.

Sabemos que a Ré pretende assacar uma parte da responsabilidade à transportada gratuitamente BB.

Mas sem razão.
Para lá da factualidade provada e do que foi dito há a considerar que nos termos do disposto no artigo 504º do CC a responsabilidade pelos danos causados pelo NB, que cabe ao dono do veículo e que havia sido transferida para a Autora seguradora, aproveita às pessoas transportadas, como era o caso da Dona BB.

Depois, a dúvida que a Apelante coloca na minuta recursória, sobre se a falta de colocação pela transportada do cinto de segurança teria ou não evitado tão gravosas consequências, não é susceptível de pôr em causa o nexo de causalidade adequado entre o despiste e os danos cujo custo a Autora suportou, porque não vem provada qualquer circunstância estranha, anormal, que tivesse interrompido o nexo causal entre a conduta da Ré e o resultado do acidente.

*

Improcedem as conclusões da apelação.

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V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, indo confirmada a sentença recorrida.
Custas pela Apelante, ora Ré.

Valor da causa - € 20.457,79.

Coimbra, 10 de Outubro de 2023.

(Rui António Correia Moura)                                

(Alberto Ruço)

(Vitor Amaral)