Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7940/17.6YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
DENÚNCIA
Data do Acordão: 09/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - C.RAINHA - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.428, 1221, 1222, 1223 CC
Sumário: I – A exceção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428º do C.Civil) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.

II – A dita exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

T (…) Lda.” apresentou requerimento de injunção contra “E (…)Lda.”, reclamando o pagamento da quantia de € 39.060,29, alegando a existência de um contrato de prestação de bens/serviços.

Tendo a Ré apresentado oposição, foram os autos remetidos à distribuição como Ação Comum.

Foi proferido despacho de aperfeiçoamento, tendo a Autora apresentado novo articulado, alegando ter sido acordada com a Ré a reabilitação e reconstrução de uma adega, não tendo esta pago os valores acordados.

Na sua oposição, alegou a Ré que as obras efetuadas apresentavam diversos defeitos, razão pela qual não foram pagas as quantias reclamadas.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, definido o objecto do litígio e seleccionados os temas da prova, não tendo o despacho proferido sido objeto de reclamação.

*

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.

*

Na sentença, considerou-se, em suma, que tendo a Ré alegado que os trabalhos contratados e cujo pagamento a Autora reclama padecem de defeitos, sendo essa a razão pela qual se recusa a proceder ao pagamento reclamado enquanto não forem refeitos os trabalhos acordados, o que configura a invocação pela Ré da exceção de não cumprimento, sucedeu que apenas resultaram provados com eficácia excetiva parte dos danos invocados [os defeitos na estrutura metálica e no cabo eléctrico], sendo que também só em parte os mesmos ainda não foram reparados [os do cabo eléctrico já foram reparados], donde, na medida em que «o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser proporcional à gravidade da inexecução, sob pena de abuso de direito», atendendo a que apenas a quantia parcial de € 26.447,50 [do total reclamado de € 39.060,29] respeitava a trabalhos referentes à estrutura metálica, e não obstante recusava a Ré o pagamento da totalidade do valor reclamado – e sendo certo que relativamente à exceção se entendia que esta implicava a condenação na realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação – importava concluir no sentido de que deveria a Ré ser condenada no pagamento da quantia de € 10.262,80 (parcial este acrescido de juros moratórios), e ainda, no pagamento da quantia de € 26.447,50, mas esta contra a simultânea eliminação dos defeitos registados na estrutura metálica, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«Pelo exposto, e decidindo, julga-se a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré:

a) a pagar ao Autor a quantia de €10 262,80 (dez mil duzentos e sessenta e dois euros e oitenta cêntimos), acrescidos de juros à taxa legal prevista para os juros comerciais desde a data do vencimento e até integral pagamento, que se contabilizam na presente data no montante de €2 139,36.

b) A pagar à Autora a quantia de €26 447,50 (vinte e seis mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) contra a simultânea dos defeitos descritos nas alíneas I), J), K), L), M) e N) dos Factos Provados;

c)

Custas por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento – 72% a cargo da Autora e 28% a cargo da Ré, nos termos do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil

Registe e notifique.

Após trânsito devolva à Câmara Municipal os processos solicitados.»

                                                           *

Inconformada com essa sentença, apresentou a Ré recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

*

            Apresentou a A. tempestivamente as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

(…)

                                                           *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

            - incorreto julgamento da matéria de facto, quanto ao facto “provado” sob a al.G) [o qual devia ter uma resposta mais ampla, a saber, intercalando na sua redacção, a expressão “entre outras”], e quanto aos factos “não provados” sob os pontos 13) a 23) [os quais deviam ter sido integralmente considerados “provados”], acrescendo que devia também ter sido considerado “provado” o facto “Todos os defeitos foram denunciados pela Ré”;

            - incorreto julgamento de direito, mormente ao não se considerar que tinha havido uma tempestiva e válida denúncia dos defeitos no pavimento, e bem assim ao não se deferir que a exceção de não cumprimento se verificava quanto a todo o montante/dívida em causa.  

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado como “provado” pelo tribunal a quo, a que se seguirá o consignado como “não provado”, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.

Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados no tribunal a quo:

«A) No início de 2015 Autora e Ré acordaram que aquela realizaria as obras de construção civil para reabilitação, reconstrução e mudança de uso de uma adega e cómodos que a Ré tinha para uma unidade de recolha, armazenagem e embalamento de fruta (art.2º da petição inicial aperfeiçoada);

B) Tal obra abrangia a edificação de uma estrutura metálica e respectiva cobertura, bem como a instalação eléctrica (art.13º da petição inicial aperfeiçoada);

C) Os trabalhos que fossem sendo feitos só seriam facturados pela T(…) após autos de medição mensais e após aprovação dos mesmos pela E (…) (art.6º da petição inicial aperfeiçoada);

D) A instalação eléctrica foi realizada pela empresa I(…), para tal contratada pela Autora (art.15º da petição inicial aperfeiçoada);

E) A estrutura metálica e respectiva cobertura foram realizadas pela empresa P (…), Lda, para tal contratada pela Autora (art.16º da petição inicial aperfeiçoada);

F) As empresas contratadas, I (…) e P (…), facturavam os serviços prestados directamente à Autora e, posteriormente esta facturava-os à Ré, de acordo com os orçamentos aprovados entre ambas (art.17º da petição inicial aperfeiçoada);

G) A Autora emitiu as seguintes facturas (requerimento de injunção):

i) factura nº271, com data de 2/10/2015, e vencimento no mesmo dia, no valor de €5000, respeitante a “acréscimo nos serviços prestados referentes ao fornecimento e montagem de estrutura metálica e painel sandwich de armazém, zona administrativa e cómodo no logradouro na v/obra de reconstrução, alteração e mudança de uso para unidade de recepção, armazenagem e embalamento de frutas em (...) ;”

ii)Factura nº283, com data de 19/1/2016, e vencimento no mesmo dia, no valor de €7 105, respeitante a “serviços prestados na v/obra de reconstrução, alteração e mudança de uso para unidade de recepção, armazenagem e embalamento de frutas em (...) , concelho de (...) , conforme auto de medição nº9”;

iii) Factura nº284, com data de 8/2/2016, e vencimento no mesmo dia, no valor de €3 157,80, respeitante a “serviços prestados na v/obra de reconstrução, alteração e mudança de uso para unidade de recepção, armazenagem e embalamento de frutas em (...) , concelho de (...) , conforme auto de medição nº10”;

iv) Factura nº289, com data de 28/3/2016, e vencimento no mesmo dia, no valor de €18 847,50, respeitante a “conclusão dos serviços prestados referentes ao fornecimento e montagem de estrutura metálica e painel sandwich de armazém, zona administrativa e cómodo no logradouro na v/obra de reconstrução, alteração e mudança de uso para unidade de recepção, armazenagem e embalamento de frutas em (...) ;”

v) Factura nº312, com data de 10/10/2016, e vencimento no mesmo dia, no valor de €2 600, respeitante a “serviços extra prestados pela empresa P (…) Lda solicitados pelo Dono de Obra”;

H) As infiltrações existentes no armazém e zona de escritórios foram já reparadas (art.10º da contestação e art.25º e 26º da petição inicial aperfeiçoada);

I) Entra água na casa das máquinas, através da cobertura da estrutura metálica (art.10º e 11º da contestação);

J) Escorre água pelas paredes da casa das máquinas (art.12º da contestação);

K) A água na casa das máquinas escorre para cima de uma caixa de alimentação do quadro das máquinas e no quadro de instalação eléctrica (art.12º da contestação);

L) As infiltrações referidas verificam-se ao nível da caleira (algeroz) e na pala onde se encontram instalados os aparelhos de refrigeração e nas áreas envolventes às passagens das tubagens e cabos que ligam aos aparelhos de refrigeração instalados na pala (art.10º da contestação e art.5º do Código de Processo Civil);

M) Na sala utilizada pela Ré para o depósito de embalagens vazias escorre água pelas paredes, o que inutiliza as caixas (art.14º da contestação);

N) Continua a escorrer água pelas paredes quer na sala das máquinas quer no armazém das caixas, nomeadamente sempre que chove (art.18º da contestação);

O) Sempre que o pavimento do armazém é lavado a água fica depositada em várias poças ao longo do mesmo (art.23º da contestação);

P) A água não escoa para os vários sumidouros e/ou ralos instalados pela Autora (art.24º da contestação);

Q) E também não escoa para a rua (art.25º da contestação);

R) Para retirar a água que fica indevidamente depositada ao longo do pavimento os colaboradores da Ré têm de recorrer a esfregonas, baldes e rolos (Art.26º da contestação);

S) A água fica também depositada junto à porta da entrada para a sala de embalagem (art.27º da contestação);

T) Tal é resultado de a conjugação da drenagem, sumidouros/ralos, com as pendentes existentes não permitir o escoamento da água (art.5º do Código de Processo Civil);

U) No projecto de construção elaborado constam 8 ralos/sumidouros, não tendo sido instalados os ralos/sumidouros do telheiro da calibragem da fruta nem o do centro do armazém (art.5º do Código de Processo Civil);

V) Foi apresentado um projecto de alteração da instalação eléctrica junto da EDP (art.49º da petição inicial aperfeiçoada);

W) O cabo eléctrico que no projecto inicial tinha 14 metros de comprimento passou a ter o comprimento de 90 metros, a pedido da ré (art.51º da petição inicial aperfeiçoada);

X) O cabo de alimentação instalado, na sequência da alteração referida em W), desde o quadro da EDP na rua até ao quadro do armazém, para abastecimento de energia eléctrica à instalação frigorífica, não tinha secção suficiente para a potência necessária para funcionamento das câmaras frigoríficas (art.31º da contestação);

Y) Em consequência foi necessário instalar um novo cabo (art.32º da contestação);

Z) Em 8/7/2016 Ré remeteu à Autora carta nos seguintes termos: (art.36º da contestação)

“Ex.mos. Senhores,

No seguimento de reclamações anteriores, verbalmente e por escrito, informamos novamente que a obra de construção/remodelação que vos foi adjudicada apresenta vários defeitos.

Defeitos esses que são grave e que impedem a utilização do pavilhão,

Senão vejamos,

Como é do vosso conhecimento a cobertura apresenta vários defeitos, nomeadamente na estrutura metálica. Como consequência, entra água pelo telhado na zona dos escritórios, bem como na casa das máquinas.

Sendo certo que todas a tentativas que V.as. Ex.as. levaram a cabo para eliminar tais defeitos, se revelaram infrutíferas, porquanto os defeitos se mantêm e, por conseguinte, a água continua a entrar no interior das n/instalações, quer nos escritórios, quer na casa das máquinas.

No que respeita à entrada de água na casa das máquinas, a situação é preocupante, porquanto a água escorrega para cima de uma caixa de chegada de electricidade, como todos os riscos daí advenientes,

Mais uma vez realço que as ultima chuvas de Maio do corrente ano, causaram elevados prejuízos no escritório, na sala anexa e na cozinha, já que estas divisões ficaram inundadas como consequência da entrada de água no interior das instalações.

Todas estas divisões já se encontravam concluídas e pintadas.

Por força das inundações o estuque das paredes em causa está a apodrecer e o pladur dos tectos tem água.

 Sendo que o pavimento de tais divisões também ficou deteriorado.

De referir que, quer sala das maquinas, quer no armazém das caixas, continua a escorrer agua pelas paredes.

Quando está vento, a estrutura metálica da cobertura abana, fazendo muito barulho, de tal forma que as pessoas ficam com receio que caia.

Como também é do vosso conhecimento, quando V.as. Ex.as, executaram trabalhos no telheiro, caíram limalhas para cima do calibrador.

O que apenas se verificou por força da falta de cuidado na execução de tais trabalhos. Como consequência, existe ferrugem cm cima do calibrador.

Constatámos agora que de acordo com o projeto de electricidade elaborado por V.as, Ex.as, é necessário um cabo e abrir uma vala para inserir o mesmo. E, por conseguinte, executar uma nova conduta e novas caixas.

Só agora tivemos acesso a tal projecto, porquanto V.as. Ex.as, nunca o haviam facultado, apesar de o termos solicitado. Deste modo, temos de proceder à aquisição de um cabo e à construção de uma vala para inserir o mesmo.

O cabo já devia estar no local e não está, porque não foi colocado, em tempo, por V.as .. Ex.as., nomeadamente antes da colocação do pavimento.

Por força do exposto, para a realização das mencionadas obras, é necessário danificar o pavimento.

Como sabem, era e é absolutamente essencial que esta obra ficasse concluída em Agosto, de forma a permitir a armazenagem de fruta no pavilhão.

De outro modo, seremos forçados a arrendar um espaço para o efeito, tendo de imputar todos os custos a V.as, Ex.as., atendendo a tudo o que vai dito supra.

Por força da urgência que temos na conclusão dos trabalhos, iremos proceder à compra do cabo em causa, abertura da vaia, execução de uma nova conduta e de novas caixas, imputando de seguida as custas a V.as. Ex.as.

Perante o que vai dito, informamos que apenas procederemos ao pagamento do montante que ainda está em divida, apos a reparação/eliminação de todos os defeitos por parte de V.as. Ex.as., denunciados anteriormente e reiterados na presente comunicação.

Sendo que sem a eliminação, perfeita e sem vícios dos defeitos, não iremos proceder ao pagamento de qualquer quantia, invocando, assim, expressamente a exceção de não cumprimento do contrato, a que alude o artigo 428.° do Código Civil.”»

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Sendo que se consignou o seguinte em termos de factos não provados:

«1) Os trabalhos seriam feitos de acordo com o licenciamento/comunicação prévia de que a E (…) era titular (art.3º da petição inicial aperfeiçoada);

2) Para tais obras a T(…) utilizaria a sua estrutura e seria responsável pela direcção técnica (art.4º da petição inicial aperfeiçoada);

3) Os materiais utilizados seriam facturados pela T(…) à E (…)pelo valor do preço da sua aquisição, acrescido de 15% (art.7º da petição inicial aperfeiçoada);

4) Este acréscimo de 15% destinava-se a suportar os custos inerentes e à direcção técnica da obra por parte da TGM (art.8º da petição inicial aperfeiçoada);

5) A Ré E (…) contratou directamente outros trabalhadores que fizeram trabalhos de construção civil, à revelia da Autora (art.10º da petição inicial aperfeiçoada);

6) A Ré contactou trabalhadores da Autora, canalizador e pintor, para que passassem a trabalhar por conta da Ré (art.11º da petição inicial aperfeiçoada);

7) À revelia da Autora a Ré contactou a empresa II (…) para que esta passasse a facturar-lhe directamente os trabalhos (art.18º da petição inicial aperfeiçoada);

8) A II (…) passou a trabalhar directamente para a Ré (art.19º da petição inicial aperfeiçoada);

9) Na zona dos escritórios a P(…) colocou novos remates metálicos (art.27º da petição inicial aperfeiçoada);

10) Em Junho de 2016 a Autora aplicou tela de isolamento na sala utilizada para depósito de caixas vazias (art.31º da petição inicial aperfeiçoada);

11) A Autora procedeu à repintura dos locais em que tinha havido infiltrações (art.33º da petição inicial aperfeiçoada);

12) A pedido do Eng. Rego Filipe os pavimentos das câmaras frigóricas foram executados com uma ligeira pendente para o seu interior, de forma a manter-se alguma água para controlo de humidade (art.42º da petição inicial aperfeiçoada);

13) Entra água no interior do armazém, na zona de escritórios (art.11º da contestação);

14) Nos dias de chuva que ocorreram em Maio de 2016 o escritório, a sala anexa e a cozinha ficaram inundados pela quantidade de água que aí caía (art.15º da contestação);

15) Como consequência o estuque das paredes está a apodrecer (art.16º da contestação);

16) Acumulando-se água no pladur de tais tectos (art.17º da contestação);

17) O pavimento de tais divisões também ficou deteriorado (art.18º da petição inicial);

18) Sempre que há vento a estrutura metálica abana, fazendo muito barulho, de tal forma que a Ré receia que a mesma caia (art.20º da contestação);

19) Quando a Autora executou trabalhos de construção no telheiro caíram limalhas em cima do calibrador que, como consequência, ficou enferrujado (art.21º da contestação);

20) O pavimento de todo o armazém cedeu (art.22º da contestação);

21) Nas casas de banho dos colaboradores aparece água no chão, como consequência de fissuras no tubo aplicado pela Autora no interior das paredes (art.30º da contestação);

22) Para instalar um novo cabo foi necessário abrir outra vala, construir novas caixas de visita, o que implicou ter de partir o pavimento na zona do quadro do armazém para aí instalar uma nova caixa de chegada (art.32º da contestação);

23) A instalação do novo cabo implicou os seguintes custos suportados pela Ré: cabo de alimentação e acessórios: €1 731,51; tubo negativo para passagem do cabo: €585,40; abertura e fecho da vala €320 (8 horas x €40) (art.34º da contestação);»

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3.2 – A Ré/recorrente sustenta o incorreto julgamento da matéria de facto.

Começando pela apreciação que visa o facto “provado” sob a al.G) [o qual devia ter uma resposta mais ampla, a saber, intercalando na sua redacção, a expressão “entre outras”]:

Rememoremos, antes de mais, o teor literal do que se encontra consignado na redacção desta apontada alínea, a saber:

«G) A Autora emitiu as seguintes facturas (requerimento de injunção):

(…)»

Segundo a argumentação da Ré/recorrente «é a própria Apelada que no seu requerimento de injunção que refere que a Apelante “pagou várias faturas”, que não são obviamente peticionadas. Por conseguinte, a redação do ponto G) dos Factos Provados devia ser a seguinte:

“G) A Autora emitiu, entre outras, as seguintes faturas (…)”

O que é relevante porquanto a empreitada ora em causa cifrou-se numa avultada quantia, o que é relevante em sede de exceção de não cumprimento do contrato.»

Que dizer?

Compreende-se o sentido geral do objetivo da Ré/recorrente.

Acontece que não se julga útil nem necessário deferir a uma tal pretensão, na medida em que não estando alegado nem apurado qual o valor total da empreitada, nem dos montantes que já teriam sido pagos, o aditamento da referida expressão seria perfeitamente inconsequente para o efeito visado, sendo certo que já se depreende da conjugação do constante dos factos “provados” sob as als. c) e f) que houve outras facturas emitidas neste contexto.

Nestes termos, por irrelevante, se indefere a este 1º aspeto da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 

                                                           ¨¨

Passando agora à apreciação crítica visando os factos “não provados” sob os pontos 13) a 23) [os quais deviam ter sido integralmente considerados “provados”].

Tenha-se presente que está em causa nos primeiros nove factos em causa [13) a 21)] a existência de um conjunto de alegados defeitos na obra realizada e nos dois últimos [22) e 23)], o aspeto mais particular do que foi necessário em termos da reparação do cabo eléctrico e dos custos em que tal importou.

Sendo que a crítica da Ré/recorrente assenta em não terem sido alegadamente ponderados e valorados documentos por si juntos e a prova testemunhal produzida pelos depoimentos das testemunhas (…) [cujos depoimentos, nos segmentos que considera mais relevantes e impressivos, transcreve, especificando onde se localizam na correspondente gravação].

Vamos começar esta apreciação precisamente por esta prova testemunhal invocada, e com o conhecimento por grupos de factos, pela razão lógica decorrente da similitude da justificação que lhes será dada, sendo disso caso.

Vejamos.

«13) Entra água no interior do armazém, na zona de escritórios (art.11º da contestação);

14) Nos dias de chuva que ocorreram em Maio de 2016 o escritório, a sala anexa e a cozinha ficaram inundados pela quantidade de água que aí caía (art.15º da contestação);

15) Como consequência o estuque das paredes está a apodrecer (art.16º da contestação);

16) Acumulando-se água no pladur de tais tectos (art.17º da contestação);

17) O pavimento de tais divisões também ficou deteriorado (art.18º da petição inicial);»

De referir que, tanto quanto é dado perceber pelo constante das alegações recursivas, o “erro de julgamento” consiste precisamente em não se ter valorado positivamente o depoimento das testemunhas (…) para dar como “provada” a factualidade constante do ponto de facto “13)”!

 Ora, em relação a estes factos foi assim a “motivação” expressa na sentença recorrida:

«Em relação ao Factos Provado H) decorre do relatório pericial que os problemas de infiltrações haviam sido resolvidos, ainda que se desconheça quais as obras de reparação em concreto realizadas.

Assim, consideraram-se como Não Provados os Factos10), 11), 13), 15), 16) e 17).

Também quanto ao Facto Não Provado 14) nenhuma prova se produziu.»

Que dizer?

Que relativamente às citadas testemunhas, nos segmentos dos respetivos depoimentos que foram transcritos, nada ressalta de desadequação ou incorrecção do que foi ajuizado pelo Tribunal a quo: atente-se que o ponto de facto em causa faz referência a uma circunstância temporal presente (cf. “entra”) – que, na verdade, é o que importa e está em causa nos autos! – o que nenhuma das duas testemunhas em concreto afirmou.

Por outro lado, nenhum concreto meio de prova foi invocado sequer para fundamentar o eventual “erro de julgamento” quanto aos pontos de facto “14)” a “17)”…  

O que serve, desde logo, para dizer que estes meios de prova invocados em sede recursiva pela Ré/recorrente não foram omitidos ou ignorados, antes foram tidos em conta, ainda que para serem, no essencial, descredibilizados ou valorados em sentido diverso e sob outro prisma

Ademais, será sempre em função da concreta “motivação” constante da sentença em recurso que a apreciação dos fundamentos recursivos neste particular terá que ser operada.

É que perfilhamos o entendimento de que quando há impugnação da matéria de facto e ao tribunal de recurso é impetrada uma decisão à luz do disposto no art. 662º do n.C.P.Civil, a “Motivação” do tribunal a quo vai ser o objecto precípuo da atenção do tribunal de recurso, pois que o labor deste se orienta para a detecção de qualquer “erro de julgamento” naquela decisão da matéria de facto, em termos da apreciação e valoração da prova produzida (não podendo obviamente limitar-se à análise da coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto operada pelo tribunal a quo).

Sendo certo que, “não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento”.[2]

E assim o é em atenção ao entendimento de que a efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no dito art. 662º do n.C.P.Civil), impõe que a Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido.

É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no dito art. 607º, nº5 do n.C.P.Civil, o qual vale com idêntica amplitude na 2ª instância.

Importando não olvidar que “porque se mantêm vigorantes os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca, de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.”[3]

Daí que – conforme orientação jurisprudencial que se foi tornando prevalecente – «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição[4]

Isto é, que «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, [que não compete a este tribunal ad quem sindicar (artº 655-1 do CPC), e pelas razões já supra] expandidas.»[5]

Nesta linha, pode-se considerar que constitui jurisprudência sedimentada o seguinte:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela[6]

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão.[7]

Na verdade, e como decorre do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso».

Em conclusão, mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo Recorrente ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, pois que, à Relação apenas cabe um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou, apontando-se como casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas – v.g. por distração – determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

Nesta linha de entendimento, sempre foi sublinhado que «A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.»[8]

Assim, se o julgador de 1ª instância tiver entendido valorar diferentemente da ora Recorrente o citado depoimento, não pode nem deve a Relação pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém na presente sede (v.g. a inquirição presencial das testemunhas – os princípios da imediação e oralidade).[9]

Aliás, em consonância com este entendimento se mostra a circunstância de se manter no atual art. 640º, nº1, al.b) do n.C.P.Civil o dever (melhor, ónus) para o recorrente de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, donde ter ele que ser conjugado com o artº 607, nº5 do mesmo n.C.P.Civil – que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – pelo que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa, sendo por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”.

O que tudo serve para dizer que não se compreende de todo como é que a Ré/recorrente sustenta ter havido um qualquer erro na apreciação da prova neste particular.

                                                           ¨¨

Prossigamos para a situação do ponto de facto “18)”, cujo teor literal é o seguinte:

«18) Sempre que há vento a estrutura metálica abana, fazendo muito barulho, de tal forma que a Ré receia que a mesma caia (art.20º da contestação);»

Relativamente a este ponto de facto também vem invocado o depoimento da testemunha (…).

Mas sem razão.

Senão vejamos.

Foi a seguinte a “motivação” expressa neste particular pela sentença recorrida: «Já no que respeita ao Facto Não Provado 18), ainda que tenha sido afirmado pela testemunha (…)que efectivamente tal sucedia, resulta do relatório pericial que tal situação foi já resolvida, desconhecendo-se quando teria sucedido (se antes se depois do inicio dos autos).»

Ora se assim é, e quando é certo que a Ré/recorrente não impugna minimamente a valia probatória do relatório pericial, e estando como está em causa nos autos uma situação atual/presente, nem verdadeiramente se compreende o porquê da insistência em tal ponto, sendo certo, em todo o caso, que o depoimento invocado não foi omitido pelo Tribunal a quo, antes justificadamente desvalorizado.

                                                           ¨¨

Passemos ao ponto de facto “19)”, cujo teor literal é o seguinte:

«19) Quando a Autora executou trabalhos de construção no telheiro caíram limalhas em cima do calibrador que, como consequência, ficou enferrujado (art.21º da contestação);»

Relativamente a este ponto de facto também vem invocado o depoimento da testemunha (…), o qual efetivamente relatou a observação que teria feito da caída de limalhas e a chamada de atenção que teria feito ao operário em causa, sem que lograsse ser atendido.

Mas atentemos igualmente na “motivação” deste ponto de facto constante da sentença recorrida: «Quanto ao Facto Não Provado 19) do relatório pericial elaborado resulta que efectivamente o calibrador apresentava alguns pontos de ferrugem, sem lograr concretizar a sua origem.

Ora, a testemunha (…) esclareceu de forma que se afigurou credível que não tendo sido cortadas quaisquer peças de metal no cimo da estrutura de metal, quaisquer limalhas que tivessem caído apenas poderiam ter vindo da colocação dos parafusos, mas que pela sua dimensão e pela altura a que se encontravam, a cerca de 10 metros de altura, já cairiam frias, sem causa estragar.

A resposta a tal factualidade não poderia, assim, de deixar de ser negativa.»

Neste conspecto, e à luz do critério de apreciação já supra enunciado, também não se nos afigura que tenha havido qualquer “erro de julgamento” quanto a este ponto de facto.

Temos presente que a razão de ciência da testemunha (…) decorre de trabalhar na Ré, onde exerce as funções de agricultor no armazém que está em causa nestes autos e no qual a A./recorrida realizou as obras, sendo que essa testemunha sustentou que “acompanhou” a obra; sucede que a testemunha (…), cuja razão de ciência decorre precisamente de enquanto trabalhador por conta da A. ter executado a obra em causa, depôs quanto a este particular relatando uma versão do ocorrido plena de verosimilhança e em si mesma convincente, pelo que, salvo o devido respeito, não vislumbramos por que motivo se deve descredibilizar o afirmado por este último, em favor do relatado pelo primeiro, tanto mais que está em causa um equipamento mecânico (calibrador), cujo estado de conservação [anterior ao início dos trabalhos ajuizados] não se encontra atestado/certificado por qualquer forma, muito menos fidedigna e segura, acrescendo ainda que não foi feita qualquer perícia ao mesmo em ordem a definir a causa da “ferrugem” que o mesmo evidenciará, sendo certo que, à partida, é possível aventar mais do que uma, entre elas estando, obviamente, o natural desgaste fruto do tempo e utilização mais ou menos intensiva que lhe seja dado.

                                               ¨¨

            Vejamos, nesta sequência, os pontos de facto imediatamente subsequentes, a saber:

 «20) O pavimento de todo o armazém cedeu (art.22º da contestação);»

«21) Nas casas de banho dos colaboradores aparece água no chão, como consequência de fissuras no tubo aplicado pela Autora no interior das paredes (art.30º da contestação);»

Também quanto a estes pontos de facto não se pode dar acolhimento à crítica da Ré/recorrente.

É que, relativamente aos mesmos, logo ressalta que para além da prova documental constante da referência numa missiva, nenhum outro concreto meio de prova [no sentido de resultarem “provados”] é apontado e especificado pela Ré/recorrente nas suas alegações recursivas, sendo certo, em todo o caso, que dos segmentos da prova testemunhal gravada que foram transcritos, nada de concludente se retira para um tal efeito.

Ora, na dita missiva [que é a carta de 8/7/2016, reproduzida na al. “Z)” dos factos “provados”], o que concretamente foi referido, a saber, «Sendo que o pavimento de tais divisões também ficou deteriorado» [sublinhado nosso], enquanto consequência de “infiltrações”, nem sequer implica ou determina o dano a que se reportava o ponto de facto “20)” aqui em causa, isto é, uma “cedência” do pavimento.  

                                                           ¨¨

Resta, para finalizar esta parte, os pontos de facto “22)” e “23)”.

Rememoremos o seu teor literal, a saber:

«22) Para instalar um novo cabo foi necessário abrir outra vala, construir novas caixas de visita, o que implicou ter de partir o pavimento na zona do quadro do armazém para aí instalar uma nova caixa de chegada (art.32º da contestação);»

«23) A instalação do novo cabo implicou os seguintes custos suportados pela Ré: cabo de alimentação e acessórios: €1 731,51; tubo negativo para passagem do cabo: €585,40; abertura e fecho da vala €320 (8 horas x €40) (art.34º da contestação);»   

Como já se sublinhou supra, está nos mesmos em causa o aspeto mais particular do que foi necessário em termos da reparação do cabo eléctrico e dos custos em que tal importou.

Justificou-se na sentença recorrida a correspondente inserção nos factos “não provados” com a menção a que «Nada se apurou, porém, quanto à obras realizadas para se proceder à rectificação do cabo aplicado ou o valor despendido com as mesma».

Sustenta a Ré/recorrente nas alegações recursivas que a prova testemunhal feita e a prova documental por si junta determinava que estes factos deviam ter sido julgados “provados”.

Que dizer?

Em nosso entender, que assim não é.

Isto porque – e começando pela prova documental! – a mesma consiste em duas facturas, emitidas por entidades terceiras (…)– cf. docs. nos 9 e 10 do articulado de Oposição, respetivamente], é certo que referenciando artigos aparentemente relacionados com os trabalhos alegados, mas desconhecendo-se a sua efetiva utilização e nas quantidades daí constantes; acresce que a prova testemunhal invocada neste particular [(…)], também não discriminou minimamente a aplicação dos artigos, nem tão pouco nas quantidades e valores mencionados, acrescendo que o parcial atinente a “abertura e fecho da vala” [na quantidade/valor de “€320 (8 horas x €40)”] nem sequer consta de qualquer das duas facturas juntas.

Ademais, salvo o devido respeito, não tendo sido junto qualquer comprovativo de pagamento dos valores em causa, nem recibos das ditas facturas, o pagamento em referência não se encontra sequer indiciado!

Por outro lado, dos segmentos da prova testemunhal gravada que foram transcritos, nada de concludente se retira para este concreto efeito.

Finalmente, decorre muito direta e incisivamente do facto “provado” sob a al. “W)” [e que a Ré/recorrente não impugnou de per si], que a alteração feita a nível do cabo eléctrico teve lugar «a pedido da Ré»…  

Nesta linha de ponderação e sendo certo que relevava particularmente quanto a esta factualidade o todo que havia sido alegado, não vislumbramos que tenha sido cometido qualquer “erro de julgamento” em considerar o conjunto em causa como “não provado”…

                                                           ¨¨¨

Finalizemos com a apreciação da pretensão de que devia também ter sido considerado “provado” o facto “Todos os defeitos foram denunciados pela Ré”:

Esta é efetivamente a última questão a que importa dar solução.

Acontece que neste particular, salvo o devido respeito, a Ré/recorrente pretende que se defira o aditamento de factualidade basicamente “conclusiva”, acrescendo que sempre corresponderia a uma afirmativa imprecisa e vaga.

Ora, para além de tal não ter sido alegado como tal, as melhores regras e critérios que devem presidir e orientar esta tarefa, vedam definitivamente que se possa ou deva deferir a esta pretensão.

                                                              *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então entrar na análise da questão por último enunciada supra, a saber, a do alegado incorreto julgamento de direito, mormente ao não se considerar que tinha havido uma tempestiva e válida denúncia dos defeitos no pavimento, e bem assim ao não se deferir que a exceção de não cumprimento se verificava quanto a todo o montante/dívida em causa.

Será assim?

Quanto ao primeiro aspeto da discordância, cremos que a resposta é isenta de qualquer dúvida ou objecção, na medida em que não existe qualquer suporte factual para um tal julgamento de direito: desde logo, e decisiva e definitivamente, porque não resultou apurada factualidade no sentido de que a Ré/recorrente «denunciou os defeitos no pavimento em data anterior à entrada da injunção»…

Atente-se que estavam aqui em causa “defeitos” do pavimento a nível da sua estrutura/execução, que não deteriorações decorrentes de alegadas “infiltrações” [como eram os reportados na já citada carta de 8/7/2016, reproduzida na al. “Z)” dos factos “provados”]...

Já quanto ao segundo aspeto da discordância, o mesmo improcede porque não existiu qualquer erro de julgamento de direito nesse particular.

Senão vejamos.

Consabidamente, a exceção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428º do C.Civil) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.

Entendeu-se na sentença recorrida – tendo em conta que oposta a exceção, o excipiens vê suspensa a exigibilidade da sua prestação, suspensão que se manterá enquanto se mantiver a posição de recusa do outro contraente que deu causa à invocação da exceptio – que se tratava, assim, de uma recusa temporária do devedor, perante um credor que também ainda não cumpriu, que, por essa via, retarda legitimamente o cumprimento enquanto a outra parte no sinalagma contratual também não realizar a prestação a que está adstrita[10], pelo que, se considerou que podia e devia ter lugar, por juridicamente defensável [cf. §322 (1) do BGB do direito alemão], uma condenação quid pro quo (uma coisa pela outra), ou, “condenação num cumprimento simultâneo”.[11]

Assim sendo, a comprovação da exceção implicou, não absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo, ou seja, a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de € 26.447,50, contra a simultânea eliminação dos defeitos registados na estrutura metálica por parte daquele.

Já quanto ao montante/parcial de € 10.262,80 – em que igualmente foi a Ré condenada no pagamento à Autora! – não pôde nem pode operar a procedência da exceptio, desde logo porque – como bem sublinhado foi na sentença recorrida! – não se tratava de montante/parcial relativo à execução do pavimento [em função de cuja verificação havia um tal meio de defesa sido erigido].   

Acresce que sempre seria imprescindível para o reconhecimento e efetiva aplicação desta “exceptio” quanto a esse montante/parcial de € 10.262,80 – e admitindo-se apenas para efeitos deste raciocínio que o mesmo se reportava e era relativo à execução do pavimento! que a aqui Ré/recorrente tivesse denunciado os defeitos relativamente aos quais se queria prevalecer com uma tal invocação.

O que, como já vimos supra, não sucedeu…

Com efeito, é entendimento pacífico, quer a nível doutrinal, quer a nível jurisprudencial, que a exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo comprador (ou do dono de obra) se este tiver já, junto do vendedor (ou do empreiteiro, respetivamente), denunciado os defeitos da coisa e exigido a sua eliminação.[12]

«Com efeito, o regime próprio do contrato de empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a exceção do não cumprimento, pois se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.

É que perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos arts.1221, 1222 e 1223 do CC, ou seja, (1) o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos, (2) o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados, (3) o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, (4) o direito à indemnização, nos termos gerais.
Só que, para tanto, o dono da obra deve denunciar, no prazo legal, as situações de incumprimento lato senso, cujo ónus funciona como pressuposto do exercício dos referidos direitos.

Como elucida Pedro Martinez, “A exceptio non rite adimpleti contractus poderá unicamente ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem “ ( Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.328 ).»[13].

O que tudo serve para dizer que, como meio de defesa que é, sempre deverá a exceptio ser invocada tempestivamente [leia-se, «A exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem»[14]], pela parte a quem aproveita, que com ela visa paralisar temporariamente a pretensão da contraparte, sob pena de não poder operar validamente.

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede inapelavelmente o recurso.

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A exceção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428º do C.Civil) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação.

II – A dita exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela total improcedência da apelação, mantendo a sentença recorrida nos seus precisos termos.  

Custas pela Ré/recorrente.                                                              

Coimbra, 17 de Setembro de 2019

Luís Filipe Cravo ( Relator )

Fernando Monteiro                           

António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

[2] Citámos o Ac. do T.R de Coimbra de 17-04-2012, proc. nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc, que embora tendo sido prolatado na vigência do C.P.Civil, perfilha um entendimento perfeitamente transponível para o atual n.C.P.Civil; no mesmo sentido, veja-se A. ABRANTES GERALDES in “Julgar”, nº 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76 e o Ac. do S.T.J. de 15-09-2010, proferido no proc. nº 241/05.4TTSNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj, relativamente ao qual também se invoca a atualidade do entendimento nele perfilhado.
[3] Citámos agora o acórdão do T.R. do Porto de 19/09/2000, in C.J., Ano XXV - 2000, tomo 4, a págs. 186.
[4] Cf. o acórdão do T.R. de Coimbra de 25/5/2004, proferido no proc. nº 17/04, cujo texto integral está acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[5] Cf. acórdão do T.R. de Coimbra de 25/11/2003, proferido no proc. nº 3858/03, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[6] Cf. o acórdão do STJ de 20.05.2010, no proc. nº 73/2002.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[7] Cf., inter alia, os acórdãos do STJ de 9.07.2015 (no proc. nº 405/09.1TMCBR.C1.S1) e de 01.10.2015 (no proc. nº 6626/09.0TVLSB.L1.S1), ambos igualmente acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.

[8] Assim no acórdão do S.T.J. de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, cujo texto integral pode ser acedido em www.dgsi.pt/jstj.
[9] Neste sentido o acórdão do T.R. de Lisboa de 04/02/2014, proferido no proc. nº 982/10.4TVLSB.L1-1, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[10] Neste sentido, vide também o acórdão do STJ de 13-12-2007, no proc. nº 07A4040, disponível em www.dgsi.pt/jstj.
[11] Aderimos por inteiro a uma tal linha de entendimento – aliás, não questionada em si pela Ré/recorrente! – por juridicamente defensável [cf. §322 (1) do BGB do direito alemão], conforme melhor evidenciado no douto acórdão do T. Rel. de Coimbra de 29.01.2013 [proferido no proc. nº 17498/11.4YIPRT.C1], e bem assim de outro que lhe serviu de precedente, a saber, o acórdão do mesmo T. Rel. de Coimbra, de 13.9.2011 [proferido no proc. nº458/07], estando ambos os arestos acessíveis em www.dgsi.pt/jtrc.
[12] neste sentido, veja-se, por todos, PEDRO ROMANO MARTINEZ, in Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Colecção Teses, Almedina, págs. 328 e 330, e acórdão do STJ, de 10-12-2009, proferido no proc. nº 163/02.0TBVCD.S1, sendo que, particularmente para a empreitada, veja-se o acórdão do STJ, de 26-11-2009, proferido no proc. nº 674/02.8TJVNF.S, estando ambos estes arestos acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[13] Citámos agora o acórdão do T. Rel. de Coimbra de 21.10.2003, no proc. nº 432/03, também acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[14] Assim no acórdão do STJ, de 10-12-2009, proferido no proc. nº 163/02.0TBVCD.S1, citado em primeiro lugar na antecedente nota [13].