Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
280/13.1TBCND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: CONTRATO PROMESSA
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
BENFEITORIAS
Data do Acordão: 06/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 442, 793, 801, 802, 822, 1273 CC
Sumário: 1. O promitente-comprador que vê penhorado o prédio prometido vender, com data marcada para a sua venda judicial, sem que possa exigir a celebração do contrato prometido por falta de licença de habitabilidade e sem que o promitente vendedor demonstre vontade e capacidade económico-financeira de libertar o prédio prometido dos ónus que sobre ele incidem, goza do direito à resolução do contrato e a reclamar na execução os seus créditos resultantes do incumprimento do contrato.

2. Destinando-se as obras a ser incorporadas na fração, o que inviabiliza o seu levantamento, o promitente-comprador tem, ainda, na sequência da resolução do contrato, o direito à indemnização por tais benfeitorias pelo respetivo valor.

3. Tendo as benfeitorias em causa sido executadas pela própria promitente vendedora, por conta das quais a promitente compradora procedeu à entrega de determinados valores, o valor a reembolsar à promitente compradora por tais benfeitorias deverá corresponder ao valor por si adiantado a tal título.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I - RELATÓRIO

S (…) intenta a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra:

- C (…), Lda.,

- H (…)

- B (…) S.A.,

peticionando:

que se considere resolvido por incumprimento da promitente vendedora o contrato de promessa celebrado com a Ré, sendo esta condenada a devolver-lhe o sinal em dobro (€ 50.000, 00) e a pagar-lhe as benfeitorias realizadas (€ 8.910, 00), condenando-se todos os RR. a reconhecer à autora o direito de retenção sobre o imóvel prometido vender, ou,

subsidiariamente,

a considerar-se o contrato não resolvido, deverá o mesmo ser considerado denunciado pela autora, sendo a Ré condenada a devolver-lhe o sinal (€ 25.000, 00) e a pagar-lhe € 5.930, 00, de despesas tidas com o imóvel, verificando-se direito de retenção da autora.

Alegando, para tal e em síntese:

a autora celebrou com a Ré um contrato de promessa de aquisição de imóvel (terreno onde a Ré edificava habitação), tendo a autora pago € 25.000, 00 de sinal,

convencionando-se a celebração do contrato definitivo nos 30 dias posteriores à obtenção do alvará de licença de utilização;

posteriormente, a A. entregou à Ré a quantia de € 5.930, 00, destinada à instalação de portas de segurança e chão radiante;

quando pronta a habitação, a Ré permitiu a sua utilização pela A. que aí se instalou com a família, tendo efetuado obras de instalação de bens que, tal como aqueles, não são suscetíveis de remoção;

não só a promitente vendedora não obteve ainda a licença de utilização, tendo, o imóvel prometido foi, entretanto, objeto de penhora pelo segundo R. em processo onde o terceiro R. é credor reclamante;

 tal penhora torna impossível a obtenção de crédito pela A., condição prevista negocialmente para concretização do contrato prometido;

por carta datada de abril de 2013, a autora comunicou à Ré a resolução do contrato por incumprimento imputável a esta.

O B (...) contesta, alegando, em síntese:

inexiste fundamento para a resolução contratual por não se verificar incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprimento da promessa, existindo apenas mora, não tendo sido fixado prazo certo para obrigação de obtenção da licença e inexistindo fundamento objetivo para eventual perda de interesse da A., não tendo existindo, ademais, interpelação admonitória;

a existência de uma penhora sobre o imóvel não constitui impossibilidade de venda;

quanto à impossibilidade de obtenção de crédito, quando muito, a Autora poderia denunciar o contrato, solicitando as quantias pagas, mas sem direito de retenção por não ser a extinção do negócio culpa da promitente vendedora;

A Ré C (…), Lda., contesta, negando ter recebido qualquer comunicação de resolução do contrato. Mais afirmou, quanto aos pagamentos alegados pela autora para alterações da moradia, ter recebido nunca mais de € 4.930, 00; considera não estarem devidamente alegados os factos relativos a benfeitorias e à compensação pelo respetivo valor;

quanto à promessa de venda, não constitui incumprimento a existência da penhora que pode ser levantada a qualquer momento, nomeadamente com o pagamento do preço pela A. que a Ré canalizaria para o cumprimento da obrigação executiva;

ademais, não existe prazo para cumprimento da obrigação emergente da promessa para a promitente vendedora;

não é verdade que a autora tenha deixado de poder obter empréstimo pela existência de ónus sobre o imóvel, o qual sempre esteve hipotecado, como a autora sabia, tendo sido esta, todavia, quem se desinteressou pela obtenção do empréstimo quando emigrou para o estrangeiro sendo abusivo pretender ver extinto o negócio depois de tal procedimento de sua parte;

é abusiva a pretensão da autora ao reembolso de benfeitorias que, estando para além das autorizadas em contrato, foram efetuadas na vigência de promessa quando a promissária não informou a promitente vendedora e não diligenciou pela obtenção do empréstimo bancário;

 ademais, deve a autora à Ré a quantia de € 1.000, 00, relativa ao clausulado em 3º do contrato, contra crédito que deverá extinguir parcialmente o alegado pela A..

A autora apresenta novo articulado no qual requer a condenação da Ré promitente vendedora como litigante de má-fé.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, que, julgando a ação improcedente, absolveu as rés do pedido.

Não se conformando com a mesma, a autora dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, das quais aqui se faz a seguinte súmula[1]:

(…)


*

A Ré B (…) apresenta contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

A Ré C (…) apresenta contra-alegações defendendo a rejeição do recurso por falta de pagamento de taxa de justiça (questão já ultrapassada nos autos pelo reforço da taxa de justiça efetuado pela Apelante), ou, quando assim se não entenda, pela manutenção da sentença recorrida.


*

Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.                                                                                              
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil[2] –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Resolução do contrato com fundamento em incumprimento por parte da Ré – se a resolução foi validamente operada.
3. Direito a benfeitorias.
4. Direito de retenção.
5. Direito a resolução com fundamento na impossibilidade de obtenção de financiamento.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Impugnação da matéria de facto.

 Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


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1. Lapso de escrita  

Reconhecendo-se a existência de um lapso de escrita constante da parte final da alínea 22 da “Matéria de Facto Apurada”, passará a lerse «29/04/2013», onde por lapso se fez constar «29/04/2012»,

2. Aditamento de factos relevantes

Reclama a apelante contra a circunstância de o tribunal não ter tido em consideração os seguintes factos que se encontrarão provados documentalmente, face às certidões juntas aos autos:

- O imóvel foi penhorado no âmbito do processo 1134/11.1TBCBR, em que é exequente o Réu H (...) , sendo Executado a Ré C (...) e reclamantes a Autora e a Ré B (...) (certidão judicial de fls. 91 e ss).

- A Ré C (…), L.DA foi citada para o processo nº. 1134/11.1TBCBR em 5/12/2011 e notificada da penhora do prédio prometido em 26/10/2012, não tendo deduzido oposição nem à execução, nem à penhora, encontrando‐se o processo executivo na fase de venda judicial (despacho proferido no âmbito do referido processo, cuja cópia se encontra junta a fls. 83 e certidão de fls. 91 e ss.);

- Em 27/01/2013, a Autora deduziu reclamação de créditos no âmbito da execução que corre termos sob o processo nº 1134/11.1TBCBR, reclamando um crédito no valor de 58.910,00€, sendo que 50.000,00€ correspondem ao dobro do sinal prestado e 8.910,00€ a benfeitorias realizadas no prédio prometido, e invocando um direito de retenção sobre o imóvel prometido e aí penhorado (cópia da reclamação de créditos de fls. 260 a 287);

- Por sentença proferida em 27/06/2013, no Apenso A do processo 1134/11.1TBCBR, transitada em julgado, foram graduados os seguintes créditos: sobre os imóveis penhorados, indicados sob os nos 1, 2 e 3 do mencionado auto de penhora: o crédito do B (...) , S.A. até ao montante máximo de € 1.529.270,00€, graduado em primeiro lugar e a dívida executada em segundo lugar; sobre o imóvel penhorado sob o nº 4 referido no auto da penhora, correspondente ao prédio prometido, foi determinado que a graduação dos créditos reclamados sobre esse imóvel aguarde até que a Autora obtenha título executivo na presente ação, que propôs para o efeito (sentença de graduação e verificação de créditos proferida no âmbito do processo executivo de fls. 78 a 82, e certidão judicial de fls. 91 e ss).

- Em 8/04/2013, a Ré B (…), S.A. requereu a declaração de insolvência da Ré C (…) LDA., dando origem à ação que correu termos sob o processo nº 167/13.8TBCDN, tendo sido proferida sentença de declaração de insolvência em 26/03/2014, a qual foi revogada pela Relação de Coimbra mediante decisão transitado em julgado em 21/10/2014, julgando‐se como provado que a Ré C (…), LDA. deve à Ré B (...) a quantia de 334.467,82€ e ao Réu H (…) a quantia de 125.408,22€. (certidão do processo de insolvência de fls. 118 a 134.

Confirmando-se que tais factos resultam provados das certidões juntas aos autos a fls. 91 e ss. (respeitante ao processo executivo), 83 (cópia da reclamação de créditos), certidão respeitante ao processo de insolvência de fls. 118 a 124, fls. 286 e 287, e dada a relevância que os mesmos ostentam para a decisão das questões em apreço (como se verá mais adiante, aquando da apreciação da subsunção dos factos ao direito), proceder-se-á ao seu aditamento à matéria de facto apurada.


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(…)

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A. Matéria de facto
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, com os aditamentos determinados na sequência da procedência parcial da impugnação da matéria de facto deduzida pela Apelante:
1 - Encontrase descrito na Conservatória do Registo Predial de CondeixaaNova sob o número 1315, sito na (...) CondeixaaNova, e aí inscrito a favor da Ré C (…), um prédio urbano correspondente a lote de terreno para construção, designado como “Lote 7”, com 336 m2, que confronta a note com (...), a Sul com (...), nascente com Lote 8 e poente com lote 6 (doc. de fls. 137).

2 - O mencionado prédio encontrase inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2091 (doc. de fls. 12).

3 - A fls. 13 v. e ss. acha-se um doc. intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, mediante o qual a Ré Construções prometeu vender à Autora, que por sua vez prometeu comprar, livre de quaisquer ónus e encargos, pelo preço de 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), «um lote de terreno para construção urbana com a área de 336 m2, sito na Urbanização (...) CondeixaaNova sob o artigo n.o 2092 [indicouse por lapso 2092, quando o artigo correto é o 2091] descrito na Conservatória do Registo Predial de CondeixaaNova sob o nº 1315, onde se encontra em construção uma moradia tipo T4, isolada, composta de r/chão e 1o andar e logradouro, e será entregue pela primeira outorgante [ora Ré] a segunda outorgante [ora Autora] devidamente acabada e concluída”.

4 - Na cláusula 2.a c) lê-se: “A quantia restante de € 150.000, 00, será paga através de empréstimo bancário, aquando da realização da escritura pública de compra e venda, que realizar-se-á 30 dias após a obtenção do Alvará de Licença de Utilização”.

5 - Na cláusula 3.a lê-se: “Este contrato está condicionado à concessão do referido empréstimo bancário ao 2.o outorgante, sob pena de devolução pelo 1º outorgante ao 2º do valor de € 25.000, 00 do sinal mais despesas de alterações na moradia já efetuadas no valor de € 5.930, 00. Sendo a quantia de € 1.350, 00, pelo pagamento de portas e € 4.580,00, para pagamento de instalação do chão radiante. Sendo assim, o primeiro outorgante compromete-se a restituir o valor total investido pelo segundo outorgante no valor de € 30.930, 00, se o segundo outorgante não obter empréstimo bancário até 31 de Dezembro de 2012”.

6 - Já na cláusula 4ª consignou-se: “A marcação da escritura de compra e venda competirá ao Segundo Outorgante, que para o efeito notificarão a Primeira, por carta registada, com aviso de receção, para a morada constante do cabeçalho, com 10 dias de antecedência, para comparecerem ou fazerem-se legalmente representar no dia, hora e local designado para o efeito”.

7 - A Ré C (…)ão logrou até à data obter licença de utilização para o prédio prometido vender.
8 - O imóvel foi penhorado no âmbito do processo 1134/11.1TBCBR, em que é exequente o R. H (…) (doc. de fls. 91 e ss.).
Fatos apurados após audiência
9 - A Autora entregou à Ré C (…), Lda., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia total de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros), tendo entregue a quantia de 10.000,00€ em Dezembro de 2010 e a quantia de 15.000,00€ em Outubro de 2011.
10 – As partes acordaram em que a A. aplicaria as portas da casa e garagem e que a Ré pagaria o respetivo valor convencionado de € 1.350, 00, tendo a A. procedido a expensas suas a tal aplicação.
11 – Em data anterior a 1/08/2012, a Ré Construções concluiu os trabalhos de construção da moradia edificada no prédio prometido.
12 - Em 1/08/2012, a Ré C (…), Lda. entregou o prédio prometido à Autora para que esta, juntamente com a sua filha de 2 anos, o seu companheiro e o filho do seu companheiro, aí fixassem a residência a partir dessa data.
13 - A Ré C (…), Lda. entregou então à Autora todas as chaves do edifício implantado no prédio prometido vender.
14 - A Autora mobiliou e equipou a moradia, nomeadamente adquirindo e instalando frigorifico, máquinas de lavar roupa e louça, chaminé de exaustão, placa vitrocerâmica,  instalando uma divisória quebra ambiente entre a entrada e a zona de estar, adquirindo e instalando móveis nas três casas de banho e uma cabine de duche e uma proteção de banheira, instalou proteção nas escadas, colocando cadeiras, mesas e carpetes nas salas, e camas e demais mobiliários e roupa de cama em cada um dos quartos que compõem a moradia.
15 – Com a aquisição e instalação da chaminé de exaustão a A. despendeu montante não apurado.
16 - Com a aquisição e instalação da divisória quebra ambiente despendeu o montante de 400,00€.
17 - Com os móveis de casa de banho, três lavatórios e dois armários, despendeu o montante € 493, 50.
18 – Com a cabine de duche e proteção de banheira despendeu € 361, 90.
19 – As portas de segurança e chão radiante não são suscetíveis de serem removidos.
20 - A Autora habitou a moradia deste 1/08/2012, acompanhada da sua filha de 2 anos, do seu companheiro e do filho do seu companheiro, aí comendo, dormindo, passando os tempos livres, recebendo familiares e amigos, procedendo ao pagamento das despesas inerentes ao uso do prédio, nomeadamente, água, televisão e à limpeza e manutenção do prédio prometido, até ter emigrado para Inglaterra, em julho de 2013, aí regressando quando vem a Portugal e sendo o imóvel cuidado por familiares na sua ausência.
21 - A Autora desenvolveu negociações com vista à obtenção de um crédito à habitação para efeito de pagamento do remanescente do preço da compra e venda prometida.
22 - A 30.4.2013, depois de ter tentado em vão contactar o gerente da Ré C (…) Lda. na respetiva sede, a Autora deslocouse à residência do mesmo, sita na Rua (...) Pombal, depositando na respetiva caixa de correio a carta de fls. 174 e ss., dirigida à Ré C (…), Lda. com data de 29/04/2013.
23 - Em 2/05/2013, a Autora remeteu para a sede da Ré C (…), Lda., sita na (...) CondeixaaNova, carta registada com aviso de receção com o mesmo teor da mencionada carta datada de 29/04/2013.
24 - A carta remetida pela Autora em 2/05/2013 para a sede da Ré C (…)Lda. veio devolvida com as indicações «não atendeu» e «objeto não reclamado».
25 - A A. sabia que o imóvel se encontrava hipotecado aquando da outorga do contrato referido em C) e que poderia ser necessário aumentar o valor da hipoteca para financiamento da construção.
26 – Em abril/maio de 2012, o B (...) fez uma análise preliminar da capacidade económica da autora, na sequência da qual lhe comunicou verbalmente que considerava financeiramente viável a concessão à autora de um de crédito à habitação no valor de € 150.000,00, para pagamento do remanescente do preço.
27 - O empréstimo de que a autora carecia para aquisição do prédio só poderia ser obtido mediante a constituição de hipoteca sobre o imóvel, circunstância que a Ré Construções não ignorava.
28 - A Ré C (…) não deu conhecimento à A. da penhora que passou a incidir sobre o imóvel.
29 - A A. tomou conhecimento da penhora por consulta efetuada na Conservatória do Registo Predial, a 7.1.2013, após o que contactou o legal representante da Ré que a informou que a situação se encontrava resolvida.
Ter-se-ão ainda em consideração os seguintes factos, cujo aditamento foi determinado na sequência da impugnação deduzida pela Apelante:
30. O imóvel foi penhorado no âmbito do processo 1134/11.1TBCBR, em que é exequente o Réu H (…), sendo Executado a Ré C (…) e reclamantes a Autora e a Ré B (...) (certidão judicial de fls. 91 e ss).
31. A Ré C (…), L.DA foi citada para o processo nº. 1134/11.1TBCBR em 5/12/2011 e notificada da penhora do prédio prometido em 26/10/2012, não tendo deduzido oposição nem à execução, nem à penhora, encontrandose o processo executivo na fase de venda judicial (despacho proferido no âmbito do referido processo, cuja cópia se encontra junta a fls. 83 e certidão de fls. 91 e ss.);
32. Em 27/01/2013, a Autora deduziu reclamação de créditos no âmbito da execução que corre termos sob o processo nº 1134/11.1TBCBR, reclamando um crédito no valor de 58.910,00€, sendo que 50.000,00€ correspondem ao dobro do sinal prestado e 8.910,00€ a benfeitorias realizadas no prédio prometido, e invocando um direito de retenção sobre o imóvel prometido e aí penhorado (cópia da reclamação de créditos de fls. 260 a 287);
33. Por sentença proferida em 27/06/2013, no Apenso A do processo 1134/11.1TBCBR, transitada em julgado, foram graduados os seguintes créditos: sobre os imóveis penhorados, indicados sob os nos 1, 2 e 3 do mencionado auto de penhora: o crédito do B (...) , S.A. até ao montante máximo de € 1.529.270,00€, graduado em primeiro lugar e a dívida executada em segundo lugar; sobre o imóvel penhorado sob o nº 4 referido no auto da penhora, correspondente ao prédio prometido, foi determinado que a graduação dos créditos reclamados sobre esse imóvel aguarde até que a Autora obtenha título executivo na presente ação, que propôs para o efeito (sentença de graduação e verificação de créditos proferida no âmbito do processo executivo de fls. 78 a 82, e certidão judicial de fls. 91 e ss).
34. Em 8/04/2013, a Ré B (…), S.A., requereu a declaração de insolvência da Ré C (…), LDA., dando origem à ação que correu termos sob o processo nº 167/13.8TBCDN, tendo sido proferida sentença de declaração de insolvência em 26/03/2014, a qual foi revogada pela Relação de Coimbra mediante decisão transitado em julgado em 21/10/2014, julgandose como provado que a Ré C (…) LDA. deve à Ré B (…) a quantia de 334.467,82€ e ao Réu H (…) a quantia de 125.408,22€. (certidão do processo de insolvência de fls. 118 a 134.
35. As partes acordaram que a Autora suportaria o custo da aquisição e instalação de chão radiante, tendo a Autora entregue à Ré C (…), Lda., pelo menos, a quantia de 3.580,00 € a esse título.
Aditar-se-ão ainda os seguintes factos, dada a sua relevância para a apreciação das questões em apreço:
36. O contrato promessa celebrado entre autora e Ré C(…) encontra-se datado de 16 de fevereiro de 2012.
37. Por comunicação datada de 21.01.2013, foi, na execução 1134/11.1TBCBR, designado o dia 8 de março de 2013, para abertura de propostas em carta fechada, relativamente à venda do imóvel prometido vender (fls. 74 dos autos).

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1. Direito à resolução do contrato por parte da autora.
O juiz a quo, partindo do entendimento de que “a existência de ónus sobre o bem prometido não impede o cumprimento da promessa e não constituiu índice da intenção de não cumprir”, e da consideração de que, embora a licença de habitabilidade não tenha sido obtida até à data, não tendo sido fixado qualquer prazo para a obtenção de tal licença, nem sequer se poderia afirmar que a ré estava em mora, e muito menos em incumprimento definitivo, veio a julgar improcedente o pedido de resolução do contrato.
Insurge-se a Apelante contra tal entendimento, com os seguintes fundamentos:
A Ré C (…) revelou definitiva vontade de não cumprir, (i) ao permitir que o prédio prometido fosse alvo de penhora, acentuando o risco do direito da promitentecompradora, não obstante ter assumido o compromisso de vender esse imóvel livre de ónus e encargos, (ii) ao não deduzir qualquer reação relativamente à penhora do prédio prometido, conformandose com a sua venda judicial, (iii) ao ocultar a existência dessa penhora à Autora/promitente compradora e (iv) ao induzir a Autora em erro prestandolhe informação falsa quanto à regularização da penhora, tentando que a mesma não utilizasse os meios legais ao seu dispor para a defesa do seu direito, designadamente a dedução de reclamação de crédito no processo executivo e a instauração da presente ação.
Em seu entender tais circunstâncias são, segundo o princípio da boa-fé, incompatíveis com a intenção de cumprir o contrato, revelando a vontade da Ré C (...) de não cumprir definitivamente o contratopromessa celebrado com a Autora, exprimindo recusa categórica de cumprimento.
O circunstancialismo de facto dado como provado, levar-nos-á subscrever inteiramente, nesta parte, a alegação do recorrente.
Se não, vejamos.
A pretensão deduzida a título principal pela autora passa pela apreciação da validade da declaração de resolução do contrato promessa, em nosso entender, operada pela reclamação de créditos por si deduzida na execução nº 1134/11.1TBCBR, a 27.01.2013, e que voltou a formalizar pela carta que enviou à Ré, datada de 29 de abril de 2013, que aqui se reproduz parcialmente, na parte referente aos fundamentos aí invocados pela autora para a sua opção pela resolução:
A C (…), Lda., incumpriu definitiva e culposamente o contrato-promessa melhor identificado em epígrafe, por mim outorgado na qualidade de promitente compradora, em consequência da penhora efetuada sobre o imóvel prometido no âmbito do processo que corre termos no (…). Circunstância que determinou a constituição a meu favor do direito a reclamar a devolução em dobro da quantia entregue a título de sinal, acrescida de uma indemnização pelas benfeitorias entretanto realizadas no imóvel prometido. (…)
Para além de inviabilizar de per si definitivamente a outorga da escritura prometida, a mencionada penhora deu origem a uma reclamação de créditos apresentada pelo B (...) , S.A., beneficiária de hipoteca constituída sobre o prédio prometido, inviabilizando o distrate dessa mesma hipoteca e, de igual modo, a outorga da escritura de compra e venda prometida.
A referida penhora tornou ainda definitivamente impossível a obtenção do empréstimo bancário necessário para o pagamento do montante remanescente do preço prometido encontra-se igualmente inviabilizada pela circunstância de o imóvel prometido vender não dispor de licença de utilizaçºao, não tendo V.Exas. logrado a sua obtenção junto dos competentes serviços do Município de Condeixa-a-Nova.
Assim, para a hipótese de se entender que o mencionado contrato promessa se mantém em vigor, no que se não concede, venho por esta forma resolver esse mesmo contrato, com efeitos imediatos, com fundamento imputável a Vssas. Ex.as, consubstanciado na realização da penhora sobre o imóvel prometido, efetuada no âmbito do processo judicial melhor identificado supra, na inviabilização do distrate da hipoteca que onera o prédio prometido, na subsequente impossibilidade de obter o empréstimo bancário necessário para o pagamento do remanescente do preço prometido e na não obtenção da licença de utilização (…)”.
Antes de nos debruçarmos sobre a bondade dos fundamentos invocados pela autora como constitutivos do seu direito à resolução do contrato e à restituição do sinal em dobro e indemnização por benfeitorias, cumpre salientar que, apesar de mais tarde ter enviado à ré uma carta a comunicar-lhe a resolução do contrato, nesta carta a autora mais não faz do que reproduzir a posição já por si assumida ao deduzir reclamação de créditos na execução nº 1134/11.1TBCBR (doc. junto a fls. 146 a 163): posição esta consistente em considerar que, não tendo a ré, aí executada, logrado até então obter a licença de utilização para o prédio prometido, o que inviabiliza a outorga do contrato prometido, “o cumprimento definitivo do contrato prometido encontra-se irremediavelmente votado ao insucesso em consequência da penhora que recai sobre o prédio objeto do mesmo”. E, logo aí, a aqui autora exerceu as pretensões que constituem o objeto da presente ação e que aqui pretende ver reconhecidas: devolução do sinal em dobro e o direito a benfeitorias, bem como o consequente direito de retenção.
Resumidamente, o fundamento invocado para a resolução do contrato por parte da autora reside na inviabilização da celebração da escritura de compra e venda face à ocorrência da penhora efetuada no âmbito do processo executivo nº1134/11.1TBCBR.
Vejamos os factos essenciais a considerar:
- as partes celebram o contrato promessa de compra e venda da moradia a 12 de fevereiro de 2012, numa altura em que esta ainda não estava concluída e não tinha licença de habitabilidade;
- acordaram em que a escritura definitiva seria celebrada no prazo de 30 dias após a obtenção do Alvará de Licença de Utilização;
- terminados os trabalhos de construção da moradia, a 1 de agosto de 2012 a ré entregou a moradia à autora para que esta e a sua família aí fossem residir;
- penhorado o prédio prometido no âmbito do processo 1134/11.1TBCBR movido contra a Ré Construtora, e notificada de tal penhora em 26.10.2012, não deduziu oposição nem à execução nem à penhora, encontrando-se o processo executivo na fase de venda judicial;
- a Ré construtora não deu conhecimento à autora da penhora que passou a incidir sobre o imóvel;
- a A A. tomou conhecimento da penhora por consulta efetuada na Conservatória do Registo Predial, a 7.1.2013, após o que contactou o legal representante da Ré que a informou que a situação se encontrava resolvida;
- Por comunicação datada de 21.01.2013, foi, na execução 1134/11.1TBCBR, designado o dia 8 de março de 2013, para abertura de propostas em carta fechada, relativamente à venda do imóvel prometido vender (fls. 74 dos autos).
- Em 27/01/2013, a Autora deduziu reclamação de créditos no âmbito da execução que corre termos sob o processo nº 1134/11.1TBCBR, reclamando um crédito no valor de 58.910,00€, sendo que 50.000,00€ correspondem ao dobro do sinal prestado e 8.910,00€ a benfeitorias realizadas no prédio prometido, e invocando um direito de retenção sobre o imóvel prometido e aí penhorado (reclamação de créditos de fls. 260 a 287);
- a Ré Construtora não obteve até hoje o Alvará de Licença de Utilização.
Face a tal circunstancialismo de facto, é bom de ver que, quando a autora tomou conhecimento da existência da penhora, não lhe restava qualquer outra alternativa que não fosse a opção pela resolução do contrato e a reclamação na execução do consequente crédito ao sinal em dobro e do seu direito a benfeitorias, invocando o direito de retenção pelo facto de se encontrar na posse da moradia prometida vender.
Com efeito, a autora não poderia, desde logo, forçar a Ré a celebrar a escritura pública, uma vez que não se encontravam reunidos os requisitos exigidos por lei para a sua realização: para a celebração de qualquer escritura que envolva a transmissão da propriedade relativamente a imóveis é requisito legal a exibição de Alvará de Licença de Utilização[3] e tal licença não tinha sido, ainda, emitida, como o não foi, até hoje.
Por outro lado, ficou consignado no contrato promessa que o bem seria vendido à autora “livre de ónus e encargos”, e sobre o imóvel não impendia uma hipoteca, como a ré deixou que sobre mesmo viesse a incidir uma penhora.
E, quer a obtenção do alvará, quer o levantamento dos ónus que incidiam sobre o imóvel, eram obrigações que impendiam sobre a Ré e que a esta cumpria satisfazer como requisitos prévios e indispensáveis à realização da escritura (e até para a concessão pelo B (...) do próprio empréstimo à autora).
Por outro lado, sendo os bens vendidos na execução livres dos direitos de garantia que os oneram (artigo 824º, nº2 CC), o credor que sobre ele detenha algum direito real de garantia, terá de reclamar os seus créditos na execução (ainda que não vencidos ou que ainda não disponha de título executivo) sob pena de perder tal garantia.
Por fim, o facto de a ré nem sequer a ter informado da efetivação da penhora é indiciador da falta de vontade desta (ou da sua incapacidade económico-financeira) para, procedendo ao pagamento da quantia exequenda, lograr o levantamento da penhora. Com efeito, para o levantamento de tal penhora, não lhe bastava proceder ao pagamento da quantia exequenda, no valor de cerca de 125.000,00 € (também esta respeitante a um contrato promessa de compra e venda não cumprido por parte da Ré). É que à data da convocação de credores, há muito que a Ré C (…)havia entrado em incumprimento quanto ao credor hipotecário, B (…) S.A., aqui Ré: a Ré Construtora havia deixado de pagar ao B (...) a prestação vencida em 07.04.2012, o que determinara o vencimento imediato das restantes, no valor de 334.190,00 €[4]. Tais dificuldades financeiras vêm ainda a ser confirmadas pela posterior instauração de um procedimento de insolvência, pelo próprio B (...) , no qual a Ré chegou a ser declarada insolvente, por decisão de 07.07.2014, embora tal decisão viesse a ser posteriormente revogada pelo tribunal da Relação.
Nestas condições, e com o risco de, deixando passar o prazo da reclamação de créditos, não só, não conseguir lograr a celebração do contrato prometido (sendo obrigado a abrir mão da moradia prometida vender), como ficar sem qualquer garantia patrimonial para o seu consequente crédito derivado do incumprimento da ré, não se vislumbra que outra atitude poderia a autora tomar, a não ser considerar resolvido o contrato, reclamando o subsequente crédito indemnizatório na execução (requerimento que deu entrada na execução a 27.01.2013 (doc. de fls. 149 a 173). Aliás, exatamente como o fez o credor hipotecário, que também aí foi reclamar o seu crédito.

Não se questiona que só o incumprimento definitivo atribuiu à contraparte o direito à resolução do contrato e que, no caso em apreço, não havia sido fixado qualquer prazo máximo para a realização da escritura, pelo que, em tese geral, as partes ainda estariam em tempo de a realizar. E, em tempo, estariam. Questão diferente passa por determinar se a ré (algum dia) estaria em condições para cumprir a sua parte e se seria exigível à autora que ficasse à espera que a Ré viesse a satisfazer as condições de que dependia a realização da escritura.

Com efeito, subscrevemos a orientação dominante na doutrina[5] e na jurisprudência[6], de que, também no contrato promessa, por regra, só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato[7] e a exigência do sinal em dobro (ou a perda do sinal, se o incumprimento for do promitente-comprador).

Quando a prestação for ainda possível, a situação de mora poderá converter-se em incumprimento definitivo, nas seguintes situações:

a) quando, em consequência da mora, o credor perder o interesse na prestação, perda de interesse a apreciar objetivamente;

b) quando o devedor em mora não realizar a prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor;

c) quando o devedor declara, de forma expressa ou tácita, que não cumprirá ou não quer cumprir.

O incumprimento referir-se-á diretamente ao incumprimento da obrigação principal, que, no caso do contrato promessa se traduz na celebração da escritura definitiva – mediante a emissão da declaração negocial correspondente ao contrato prometido. – ou de uma obrigação secundária que se reflita diretamente no incumprimento da obrigação de concluir o contrato prometido.

Aceita-se que, em abstrato, a penhora do imóvel prometido vender não inviabiliza, por si só e automaticamente, o cumprimento do contrato promessa – o promitente vendedor poderá por fim a tal encargo procedendo ao pagamento da quantia exequenda ou entrando em negociação com o exequente. E, dentro da mesma ordem de ideias, ainda que o bem prometido venha a ser transmitido a terceiro no âmbito do processo executivo, também nesse caso, a transmissão continua a não constituir causa impeditiva do cumprimento do contrato-promessa: o promitente vendedor pode sempre voltar a adquirir o bem a fim de cumprir a sua promessa.

Contudo, haverá que atentar em que a situação da celebração de um contrato promessa de um imóvel onerado com uma hipoteca – situação comum, normalmente resolvida com a extinção de tal ónus em simultâneo com o pagamento do respetivo preço no ato da escritura – não se pode equiparar, para o efeito em questão, à posterior penhora desse mesmo imóvel.

A penhora, ao contrário da hipoteca, é, desde logo, demonstrativa da existência de dificuldades financeiras, pressupondo que o devedor incorreu numa situação de incumprimento prévio. E, aí, coloca-se a questão da capacidade (e da vontade) do promitente vendedor de proceder às diligências necessárias para libertar o bem dos ónus e encargos que sobre ele impendem. Tendo-se obrigado a transmitir o bem livre de ónus e encargos, o levantamento de tais ónus é pressuposto essencial ao cumprimento da obrigação principal de celebração do contrato prometido. Ora, à data em que a autora apresentou a sua reclamação de créditos no processo executivo, o valor dos créditos relativamente aos quais a ré entrara em incumprimento e que se encontravam garantidos pelo imóvel prometido vender (créditos reclamados pelo B (...) Réu e pelo aí exequente), ascendia a mais de 400.000,00 €[8] (não colhe, assim, o argumento invocado pela Ré Construções, de que, até à data da escritura, poderia proceder ao levantamento da penhora e que o faria se viesse a receber da autora o valor do preço em falta: tal valor era já manifestamente insuficiente para fazer face ao valor dos créditos garantidos através do prédio prometido).

Assim sendo, a inércia da Ré na obtenção do alvará (a moradia prometida encontrar-se-ia concluída desde Agosto de 2012) e em proceder ao levantamento de tais ónus, equivale a uma declaração de que não pretende cumprir.

Como se afirma no Acórdão do STJ de 24.01.2008[9], não era necessário esperar pela venda do prédio em processo executivo para, só então, dar a promessa de venda como definitivamente incumprida, resultando o incumprimento da tácita, mas inequívoca, desvinculação das obrigações decorrentes do contrato-promessa: “Nada tendo feito para erradicar a hipoteca, cujo conhecimento sonegaram à promitente vendedora, e deixando penhorar o prédio, sem reação, e, de novo, sem a esta fazer a devida comunicação, os réus, promitentes vendedores, fizeram em definitivo tábua-rasa dos compromissos assumidos pela autora, deixando patente que, da parte deles, o contrato não era para cumprir, de nada passando a interpelação para o cumprimento.”

Ou, como se afirma no Acórdão do STJ de 16.05.2000[10], “o incumprimento verificou-se quando a promitente vendedora deixou penhorar a fração autónoma, sem reação e sem dar conhecimento ao promitente-comprador. (…), é obvio que a partir de então ficou certo que a promitente vendedora se desligou em definitivo dos compromissos assumidos com o autor, de nada passando a interessar a interpelação para o cumprimento. A promitente vendedora deixou bem entendido que, da parte dela, o contrato não era para cumprir”.

A doutrina tem vindo a aceitar a equiparação à declaração expressa de não cumprir ao “comportamento do devedor que seja univocamente incompatível com a vontade de cumprir”[11].

Por outro lado, no caso em apreço, na impossibilidade de interpelar a Ré para cumprir, ou de recorrer à execução específica, face à ausência de alvará, se a autora não apresentasse a sua reclamação na execução até à transmissão dos bens penhorados (artigo 865º, nº3 do anterior CPC), arriscava-se a perder a garantia dos créditos derivados do incumprimento da ré.

Assim sendo, e apesar não ter sido fixado no contrato qualquer prazo máximo para a realização da escritura prometida, não se vê qualquer utilidade nem faz qualquer sentido, perante o circunstancialismo descrito, a exigência de que a autora fizesse à Ré uma prévia interpelação admonitória para converter o incumprimento da ré em incumprimento definitivo (atentar-se-á em que a declaração de não querer cumprir poderá acarretar o incumprimento definitivo ainda que ocorra antes do vencimento da obrigação).

Como se afirma no Acórdão do STJ de 20-05-2015, a propósito de um promitente-comprador que veio a constatar que sobre o imóvel incidiam duas penhoras e das hipotecas, estando um dos processos executivos já na fase da venda por negociação particular, “este quadro é particularmente grave ponto em causa, de modo muito intenso, a realização do fim da prestação que era a aquisição do imóvel totalmente livre.” “E contra isto não se diga que a qualquer momento, o devedor pode pagar tudo, com levantamento das penhoras, fim dos processos executivos e distrate das hipotecas, estando habilitado a cumprir o contrato promessa. Seria um raciocínio em que a realidade da vida estaria obnubilada por uma visão puramente teórica, quando a aplicação do direito pressupõe um olhar atento sobre a realidade.”

Aliás, muito se estranha a atitude do Apelado B (...) , ao vir, nas suas contra-alegações, defender a inexistência de incumprimento por parte da Ré Construtoras e que ainda seria possível o cumprimento do contrato quando, ela própria, há muito não acreditava na capacidade económico-financeira de Ré para satisfazer as suas obrigações. Com efeito, ainda antes da efetivação da penhora, em abril de 2012, o Novo B (...) considerara vencidas as prestações do contrato de mútuo garantido pela hipoteca incidente sobre o imóvel e foi o Novo Banco quem, por requerimento de 8 de abril de 2013, veio a requerer a insolvência da ré C (…)

Concluindo, à data em que a autora, confrontada com a pendência da ação executiva na qual foram penhorados, entre outros, o imóvel prometido vender, e encontrando-se agendada a respetiva venda, era óbvio que a Ré não tinha intenção de cumprir, ainda que por incapacidade económico-financeira. Assim sendo, a opção pela resolução do contato e pela reclamação dos consequentes créditos indemnizatórios na execução, surge como a única razoável, considerando-se válida a resolução operada pela autora.
2. Efeitos da resolução do contrato-promessa.
O incumprimento da Ré atribui à autora o direito à devolução do sinal em dobro, no montante global de 50.000,00 € (artigo 442º, nº2 CC), e tendo obtido a tradição da coisa, goza de direito de retenção pelo crédito resultante do incumprimento imputável à outra parte (artigo 755º, nº1, al. f), CC).
Encontrando-se a promitente compradora de boa-fé – o imóvel foi-lhe entregue voluntariamente pelo promitente vendedor no âmbito do contrato-promessa celebrado entre ambas –, a autora teria ainda direito à indemnização por benfeitorias necessárias e úteis, nos termos prescritos no artigo 1273º CC.
Inicialmente, a autora começou por pedir a condenação da Ré no reembolso das benfeitorias realizadas no montante de 8.910,00 €, invocando o direito de retenção nos termos do artigo 754º CC.
De tais valores, a autora apenas logrou provar ter efetuado à sua custa, as seguintes obras, no imóvel prometido vender:
14 - A Autora mobiliou e equipou a moradia, nomeadamente adquirindo e instalando frigorifico, máquinas de lavar roupa e louça, chaminé de exaustão, placa vitrocerâmica, instalando uma divisória quebra ambiente entre a entrada e a zona de estar, adquirindo e instalando móveis nas três casas de banho e uma cabine de duche e uma proteção de banheira, instalou proteção nas escadas, colocando cadeiras, mesas e carpetes nas salas, e camas e demais mobiliários e roupa de cama em cada um dos quartos que compõem a moradia.
15 – Com a aquisição e instalação da chaminé de exaustão a autora despendeu montante não apurado.
16 - Com a aquisição e instalação da divisória quebra ambiente despendeu o montante de 400,00€.
17 - Com os móveis de casa de banho, três lavatórios e dois armários, despendeu o montante € 493, 50.
18 – Com a cabine de duche e proteção de banheira despendeu € 361, 90.
19 – As portas de segurança e chão radiante não são suscetíveis de serem removidos.
10 – As partes acordaram em que a autora aplicaria as portas da casa e garagem e que a Ré pagaria o respetivo valor convencionado de € 1.350, 00, tendo a A. procedido a expensas suas a tal aplicação.
35. As partes acordaram que a Autora suportaria o custo da aquisição e instalação de chão radiante, tendo a Autora entregue à Ré C (…)Lda., pelo menos, a quantia de 3.580,00 € a esse título.

Face a tais factos, a autora reclama, agora, unicamente, em sede de alegações de recurso, ter direito ao valor dos melhoramentos introduzidos no prédio prometido, correspondentes à instalação de portas e de chão radiante, no valor de 5.930, 00 €, não sendo tais melhoramentos suscetíveis de ser removidos, “despesas que correspondem, no caso das portas, a benfeitorias necessárias na medida em que se mostram necessárias para a conservação do prédio prometido e, no caso do chão radiante, a benfeitorias úteis, na medida em que, não sendo indispensável para a conservação do mesmo prédio, lhe aumentou, todavia, o valor.”

Na sua contestação, a Ré nega a atribuição de qualquer direito a benfeitorias à autora, com a alegação de que esta não alega factos que permitam qualificar tais obras como benfeitorias, bem como os necessários à sua qualificação como necessárias ou úteis, nem a medida do enriquecimento sem causa.

Desde logo, atentar-se-á em que só as benfeitorias voluptuárias não são indemnizáveis (artigo 1275º CC), e a Ré nunca alega que alguma das obras efetuadas pela autora ou por ela suportadas se integrem nessa categoria.

Quanto à distinção entre benfeitorias necessárias ou úteis, o seu regime diverge, porquanto, as primeiras dão sempre lugar a indemnização, e as segundas só darão lugar a indemnização, no caso de não puderem ser levantadas sem detrimento da coisa. Neste ultimo caso, o possuidor terá direito unicamente ao valor da coisa calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Na inexistência de factos que nos permitam concluir se as obras em causa constituem benfeitorias necessárias ou úteis, dentro da classificação que delas é feita pelo artigo 216º CC, a autora apenas teria direito a indemnização relativamente àquelas em que se demonstrasse não poderem ser removidas sem detrimento da coisa.

E, relativamente às portas e ao chão radiante, ficou demonstrado que não são suscetíveis de serem removidos (ponto 19 da matéria de facto), pelo que, em relação a estas teria a autora direito de indemnização.

Nega a ré o direito a tal indemnização, com a alegação de que “não se apurou detrimento da coisa (do imóvel e não das portas e do chão) no caso de serem removidas”.

As benfeitorias úteis que não possam ser levantadas conferem tanto ao possuidor de boa-fé como ao possuidor de má-fé o direito ao valor das benfeitorias, valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273º, nº 2, do Código Civil).

No caso em apreço, ficou efetivamente provado que as portas e o chão radiante “não podem ser levantados” (o que se compreende, uma vez que se trata de bens incorporados no próprio imóvel) e a ré não impugnou tal matéria de facto.

É claro que, poder, poderiam sempre. O que não podiam era ser levantados sem que se se destruísse o chão e danificasse o próprio apartamento – a moradia ficaria sem cobertura sobre o cimento e sem portas, elementos essenciais para uma cada de habitação. É este o sentido a dar à matéria de facto contida no ponto 19, e que preenche o conceito de “não poderem ser levantadas sem detrimento da coisa”, dando lugar à indemnização do nº2 do artigo 1273º.

Determina o artigo 1273º que o cálculo do valor das benfeitorias será efetuado mediante as regras do enriquecimento sem causa – medido entre o custo, que corresponderá ao empobrecimento do possuidor e o do enriquecimento do titular do direito.

No caso em apreço, o valor de tais obras resultou de um acordo entre a autora e a ré, valor este que, segundo o acordado, deveria ser devolvido à autora no caso de o contrato prometido não se viesse a celebrar por impossibilidade de obtenção de financiamento, parece justo e adequado que seja também esse o valor de tais obras, para efeitos de reembolso à autora na sequência da resolução do contrato validamente exercida pela autora.

Atentar-se-á, ainda, que no caso em apreço, as obras não foram realizadas pela autora, mas apenas por si (parcialmente) custeadas, tendo sido a ré quem procedeu à sua execução (clausula 3ª do contrato e art. 6º da contestação): a autora entregou à Ré as quantias de 1.350,00 €, para pagamento das portas, e da quantia de 3.580,00 € para aplicação do chão radiante (não se provou que tenha procedimento ao pagamento da totalidade da quantia acordada), tendo sido a ré quem as executou (por si ou por outrem). Poderemos, assim, afirmar que, no caso em apreço, a medida do empobrecimento da autora corresponderá à medida do empobrecimento da Ré, devendo esta devolver as quantias que recebeu da promitente compradora para pagamento de tais obras.

Reconhece-se, assim, à autora, o direito a indemnização por benfeitorias no valor de 4.930,00 € (único valor que se provou ter sido gasto pela autora na realização de tais melhoramentos), bem como o respetivo direito de retenção.
A pretensão da autora/apelante é de proceder na sua quase totalidade.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e considerando-se validamente resolvido o contrato promessa, condenando a Ré C (…) Lda., a devolver à autora o sinal em dobro, no montante de 50.000 €, e a pagar-lhe o valor das benfeitorias realizadas, no montante de 4.930,00 €, reconhecendo à autora o direito de retenção sobre o imóvel prometido vender relativamente a tais créditos.

Custas pela Apelante e pelas Apeladas que contra-alegaram, na proporção do vencimento, sendo as da ação suportadas pela autora e pelos réus, na proporção do decaimento.

Coimbra, 28 de junho de 2016

Maria João Areias ( Relatora )

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.

1. O promitente-comprador que vê penhorado o prédio prometido vender, com data marcada para a sua venda judicial, sem que possa exigir a celebração do contrato prometido por falta de licença de habitabilidade e sem que o promitente vendedor demonstre vontade e capacidade económico-financeira de libertar o prédio prometido dos ónus que sobre ele incidem, goza do direito à resolução do contrato e a reclamar na execução os seus créditos resultantes do incumprimento do contrato.

2. Destinando-se as obras a ser incorporadas na fração, o que inviabiliza o seu levantamento, o promitente-comprador tem, ainda, na sequência da resolução do contrato, o direito à indemnização por tais benfeitorias pelo respetivo valor.

3. Tendo as benfeitorias em causa sido executadas pela própria promitente vendedora, por conta das quais a promitente compradora procedeu à entrega de determinados valores, o valor a reembolsar à promitente compradora por tais benfeitorias deverá corresponder ao valor por si adiantado a tal título.


[1] Face ao nítido incumprimento por parte do apelante do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, imposto pelo nº1 do artigo 639º do CPC.
[2] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o artigo 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[3] Dispõe o Artigo 1º do DL 281/99, de 26 de julho:
“Apresentação da licença de utilização
1 – Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas frações autónomas sem que se faça perante o notário prova suficiente da inscrição na matriz predial, ou da respetiva participação para a inscrição, e da existência da correspondente licença de utilização, de cujo alvará, ou isenção de alvará, se faz sempre menção expressa na escritura.”
[4] Como se constata da sentença de graduação de créditos proferida no apenso da execução nº 1134/11.1TBCBR-A, junta a fls. 78 a 82 do processo físico.
[5] Cfr., entre outros, João Calvão da Silva, “Sinal e Contrato Promessa”, 11ª ed., Almedina 2006, pág. 123 a 128, e “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 4ª ed., pág. 299, Ana Prata, “O Contrato Promessa e o se Regime Civil”, Almedina, pág. 780 e 781, Manuel Januário da Costa Gomes, “Em Tema de Contrato Promessa”, 6ª reimpressão, pág. 27, nota 4, e págs. 48 e 49, José Carlos Brandão Proença, “Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, A Dualidade Execução Específica – Resolução”, Separata do número especial do BFDC – Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. António Ferrer Correia, 1984, Coimbra 1987, págs. 115, e 117 a 1126, em especial, págs. 125, e 154 e 155.
[6] Cfr., entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 03.10.2010, de 28.06.2011, relatados por Moreira Alves, e de 12.11.2009, relatado por Garcia Calejo, 06.10.2011, relatado por Lopes do Rego, e 06.07.2011, relatado por Granja da Fonseca, disponíveis in http://www.dgsi.pt.jstj.
[7] O nosso código prevê quatro tipos de inadimplência de que pode resultar o direito de resolução: a de impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor (art. 793º, nº2), a de impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor (art. 801º, nº2), a de impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor (art. 802º), e a de mora, sempre que venha a converter em incumprimento definitivo, nos termos do art. 808º, nº1 – Cfr., neste sentido, entre outros, João Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “Obra Dispersa”, Vol. I, Scientia Iuridica Braga - 1991, pág. 126 e 127.
[8] Incapacidade económica que veio a ser confirmada pelo facto de, tendo sido deduzido um processo de insolvência, nele sido decretada a insolvência da requerida, embora tal declaração tenha sido posterior revogada pela 1ª instância. Os elementos constantes dos autos deixam-nos mesmo a dúvida se a Ré Construtora não terá sido declarada novamente insolvente, uma vez que ressalta a existência de pelo menos um outro processo de insolvência instaurado contra si e a ultima certidão emitida relativamente à execução nº1134/11.1TBCBR consta que a mesma se encontra suspensa na sequência da declaração da insolvência da Ré Construtora.
[9] Acórdão relatado por Santos Bernardino, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Acórdão relatado por Quirino Soares, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Neste sentido, entre outros, Ana Prata, “O Contrato Promessa (…), págs. 709 a 712.