Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | EMÍLIA BOTELHO VAZ | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE PRESTAÇÃO DE CONTAS TUTORA NOMEADA ÂMBITO TEMPORAL DA PRESTAÇÃO DE CONTAS | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DO FUNDÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 640.º, N.º 1, AL.ªS B) E C), 941.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 151.º, N.º 2, E 1944.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL | ||
| Sumário: | I – Não cumpre a exigência legal a que respeita a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC o recorrente que não procede à indicação dos concretos meios probatórios que evidenciam o erro de julgamento e assim impõem uma decisão diversa para cada um dos factos impugnados.
II – Sobre a tutora nomeada impende a obrigação de prestação de contas, nessa qualidade, apenas desde a sua nomeação e enquanto exercer as respetivas funções. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | *
Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: * Recorrentes: AA, BB e CC Recorrido: DD * I – Relatório
AA, BB e CC, intentaram a presente Ação Especial de Prestação de Contas contra DD, pedindo que esta apresente as contas relativas à administração que fez do património da sua falecida mãe, EE, no período de 27.09.2014 a 24.10.2019, durante o qual tomou conta da falecida mãe, que passou a viver consigo. Para tanto e no que aos autos releva, alegam que, tal como a R., são filhos da falecida EE, aduzindo que devido aos problemas de saúde de que esta padecia, a partir de Setembro de 2014 passou a viver com a R., que dela se comprometeu a tratar. Mais invocam que em Dezembro de 2015 detetaram movimentos anormais e injustificados na conta bancária da sua mãe, que se prolongaram até ao ano de 2019, efetuados pela falecida EE, mas por influência e decisão da R., no valor total de € 83.000,00, valor de que esta última dispôs em seu próprio benefício, nunca prestando quaisquer contas aos aqui AA. Acrescentam que a R. foi também nomeada tutora da sua mãe, depois de esta ter sido declarada interdita no âmbito dos autos n.º 194/16.... deste Juízo Local Cível, qualidade em que se manteve na administração do património da mãe, sempre em proveito próprio, e sem nunca prestar contas. Concluem pedindo que seja a Ré notificada para o prazo de 30 (trinta) dias apresentar as contas que são da sua responsabilidade. A R., por requerimento datado de 22/09/2020 veio proceder à Apresentação de Contas, desde a data em que foi nomeada Tutora da sua mãe EE até à data do seu falecimento, ou seja, de 25/08/2017 a 24/10/2019, tendo em consideração a Relação de Bens da Interdita apresentada nos respetivos autos de interdição, nomeadamente o facto de, como nela se referiu, as quantias existentes na conta nº ...61, do Banco 1..., se encontrarem tituladas em seu nome e da Interdita, uma vez que nela depositou as quantias em dinheiro que amealhou ao longo da sua vida, bem ainda porque para esta conta transferiu as quantias, exclusivamente, que tinha na nº ...12 do mesmo banco (cfr. reqt.º de 22.09.2020). * Os AA vieram deduzir contestação, impugnando as contas apresentadas, por entenderem que a receita é superior à indicada pela R., tanto mais que a conta ...61 foi aberta com € 83.000,00, património monetário da Interdita EE; mais aduzem que nos anos 2016, 2017, 2018 e até Outubro 2019 verificam-se (330) “LEV ATM” num total de € 60 080.00, movimento que a R. não explica, como devia, porquanto a Interdita residia consigo desde 2014. Negam também que na conta em causa existissem valores propriedade da R. nos montantes por esta indicados, por impossível que lograsse amealhar valores tão avultados. Mais impugnam as despesas apresentadas, por não serem verdadeiras e/ou não se mostrarem suficientemente demonstradas. * Foi fixado à ação o valor de € € 31.871,62. * Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o Objeto do Processo e os Temas da Prova * Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença que julgou a ação procedente, decidindo-se a final: “ III - DECISÃO: Nestes termos, e com os fundamentos supra expostos, deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, decide-se: aprovar as contas, relativas à administração que a R fez do património da falecida EE no período de 25.08.2017 a 24.10.2019, na qualidade de sua Tutora / Acompanhante, nos termos acima expostos, e, em consequência, condenar a R, DD, a entregar à Herança da falecida EE a quantia de € 12.130,92 (doze mil, centro e trinta euros e noventa e dois cêntimos), correspondente ao saldo apurado. ” * De tal sentença vieram os AA. AA, BB e CC interpor recurso, tendo na sequência da respetiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem: (…). * Não foram apresentadas contra-alegações de resposta. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II – FUNDAMENTOS. 2.1. Fundamentação de facto. Com interesse para a apreciação do presente recurso, importar considerar a tramitação processual e a factualidade que vem descrita no relatório antecedente. *** 2.2. Enquadramento jurídico. * Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar: a) – Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto; b) – Verificar se a prestação de contas deve respeitar ao período entre 27.09.2014 a 24.10.2019 ou, ao invés, do período entre 25.08.2017 a 24.10.2019, que foi o delimitado na decisão recorrida. * Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância Factos Provados 1) AA e R são filhos de EE, falecida em 24.10.2019, no estado de viúva; 2) desde Setembro de 2014, a falecida EE carecia de acompanhamento, designadamente com a sua higiene e administração de medicamentos; 3) por isso, passou a viver com a R desde 27.09.2014, situação que se manteve até ao óbito da falecida EE; 4) a falecida EE e a A BB eram titulares da conta n.º ...13, do Banco 1...; 5) em 30.09.2014, esta conta apresentava os seguintes saldos: € 230,58 em Depósitos à Ordem, € 56.711,78 em Depósitos a Prazo / Aplicações Financeiras
€ 18.000,00 em Seguros de Poupança / Unit Linked e
€ 18.095,77 em Carteira de Títulos
6) entre 19.01.2016 e 26.01.2016, foram movimentadas nesta conta e colocadas à Ordem as quantias de € 1.000,03 e € 32.500,00, existentes na conta a Prazo/aplicações Financeiras, e as quantias de € 4.110,02, € 2.752,31 e € 24.025,74, existentes em carteira de Títulos, num total de € 64.388,07; 7) e em 27.01.2016, desta conta foi transferida a quantia de € 65.000,00 para a conta nº ...61, do Banco 1...; 8) em 05.02.2016, foi movimentada na conta n.º ...13 e colocada à Ordem a quantia de € 18.000,00, existente em Seguros de Poupança / Unit Linked; 9) e em 19.02.2016, esta quantia foi transferida peara a conta nº ...61; 10) a conta nº ...61 era titulada pela R e pela falecida EE, bastando a assinatura de uma delas para a sua movimentação; 11) em 10.03.2016, os AA intentaram Acção Especial de Interdição/Inabilitação contra a falecida EE, por anomalia psíquica, acção que correu termos sob o n.º 194/16...., pelo Juízo Local do Fundão – Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco; 12) nessa acção, por sentença proferida em 29.11.2017, já transitada em julgado, foi a falecida EE declarada definitivamente interdita, em razão de anomalia psíquica, foi fixada a data de 25.08.2017 como data de início da incapacidade, foi R nomeada sua Tutora e o A AA nomeado Protutor; 13) em 30.12.2017, a conta nº ...61 apresentava os seguintes saldos: € 14,02 em Depósitos à Ordem, € 30.000,00 em Depósitos a Prazo e € 3.493,00 em Carteira de Títulos
14) a falecida EE auferia mensalmente as pensões de velhice e de sobrevivência, no montante global de € 559,93; 15) pelo menos, desde Agosto de 2017, as poupanças e pensões da falecida EE eram depositadas / creditadas na conta nº ...61; 16) a R era titular da conta n.º ...63 do Banco 1...; 17) em 26 e 30.04.2018, a R transferiu desta conta os montantes de € 14.500,00 e € 10.255,97 para a conta nº ...61; 18) a R efectuou depósitos e levantamentos na conta nº ...61; 19) a R detinha encargos em seu nome na conta nº ...61, provenientes de um empréstimo a que recorreu, no valor de € 10.000,00; 20) no ano de 2016, a R contratou FF, uma vizinha, para cuidar da sua mãe, nos períodos de tempo em ela, R, tinha que se ausentar de sua casa, mediante o pagamento da quantia de € 250,00 mensais, situação que se manteve até ao falecimento da sua mãe; 21) para assegurar o bem-estar e a comodidade da mãe, em 2014, a R. adquiriu: uma cama eléctrica articulada; um colchão ortopédico tripartido anti – escaras; um colchão em látex de média densidade; um cadeirão declinável; um elevador de levanto; uma arrastadeira; uma cadeira de duche; um andarilho; instalou aquecimento; WC privado com cadeira de duche; 22) a residência da R fica distante das cidades, hospitais e centros de saúde, mais próximos, tais como os Hospitais da Covilhã e de Castelo Branco, Silvares, Dornelas do Zêzere e Fundão; 23) nem a R nem o seu companheiro possuem carta de condução; 24) por isso, para efectivar deslocações aos vários hospitais e centros de saúde, fazer consultas, análises e exames, à farmácia, para levantamento de medicamentos, e tratar de assuntos atinentes à vida da falecida EE, a R recorreu à firma de transportes “A... Lda”; 25) à qual, entre Setembro de 2017 e Setembro de 2019, pagou a quantia total de 3.475,00; 26) os medicamentos que a falecida EE tinha que tomar foram adquiridos, quase em exclusivo, na “Farmácia ...”; 27) o seu custo, entre Agosto de 2017 e Setembro de 2019, ascendeu à quantia total de € 1.563,66; 28) face a problemas de saúde de carácter urgente, a falecida EE foi socorrida e transportada pelos serviços ambulatórios dos Bombeiros Voluntários ... nos dias 19.04.2018 e 08.11.2019, transportes cujo custo total ascendeu a € 113,53; 29) a falecida EE realizou meios complementares de diagnóstico no Centro Hospitalar ..., na ..., em 29.11.2017, que tiveram um custo de € 48,45; 30) os bens alimentares e produtos de supermercado fornecidos à falecida EE, nomeadamente carne fresca, pescada, arroz, massa, leite, bolachas de água e sal, azeite e diversos produtos de higiene e limpeza, foram adquiridos em dois estabelecimentos sitos na freguesia ... - a Mercearia de GG e o Mini – Mercado de HH; 31) o gasto médio mensal com estes produtos ascendeu a cerca de € 100,00 em cada um dos estabelecimentos identificados no ponto anterior; 32) a estada da falecida EE em casa da R obrigou gastos com água e luz; 33) no período de Agosto de 2017 a Outubro de 2019, a R pagou a quantia total de € 353,53, relativamente a consumos de água; 34) e a quantia média mensal de € 50,00, relativamente a consumos de electricidade; 35) a R pagou despesa relativa ao funeral da falecida EE, no valor de € 1.800,00, paga à agência funerária “B... Lda”; 36) no ano de 2019, a R procedeu ao pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis referente aos prédios que a falecida EE era proprietária, no valor de € 22,22; 37) desde Setembro de 2014, o agregado familiar da R era composto por esta, o seu companheiro e a falecida EE; * Factos não provados: a) a R usou as quantias referidas em 7) e 8) dos Factos provados em benefício próprio.
* Atentemos no tratamento da questão enunciada sob a alínea a). Os Recorrentes, como se vê das conclusões do recurso, mormente da al. b) das conclusões, pretendem a alteração do julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido relativamente aos pontos 20, 21 e 25 dos factos provados e relativamente à alínea a) ( e única) dos factos não provados, que entendem terem sido erroneamente dados como provados e não provado, respetivamente, defendendo que o tribunal a quo “fez uma incorreta apreciação da prova, designadamente testemunhal, documental, declarações dos Autores e da Ré, e, por isso, uma incorreta aplicação dos preceitos legais” – al. c) das conclusões dos recorrentes. - Analisemos. Nos termos do preceituado no Art. 640º nº1 do CPC, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Conforme prescrito na alínea a) do nº2 daquele mesmo art. 640º “ No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Já o art. 640º, nº 2, al. b) preceitua que “ Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente (…).” De tais normativos decorre que “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”, “deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos”, “relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos”. Mais deve deixar expressa “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [ neste sentido ver António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2018, 5ªedição, págs. 165 e 166; vide ainda, no sentido de uma concretização bastante pormenorizada daquelas exigências, o Acórdão TRP de 15/11/2018 (relator Miguel Baldaia de Morais), consultado em www.dgsi.pt, onde, de forma esclarecida, sintetiza que “o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto terá de alegar, especificar e esclarecer o porquê da discordância, isto é, como e qual a razão porque é que determinados meios probatórios indicados e especificados contrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal de 1ª instância”]. Como emerge da sua peça recursiva, os Recorrentes indicam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados (no caso, por referência aos números da factualidade provada e da factualidade não provada elencados na sentença). Cremos pois que, deste modo, cumpre a Recorrente os requisitos exigidos pelas alíneas a) do Art. 640º nº1 supra refletido. Quanto ao estipulado na al. b) do Art. 640º do C.P.C.: a impugnação da matéria de facto, ainda que apresentada com suporte em meios probatórios concretamente indicados, não pode evidenciar uma simples discordância com os termos em que tal matéria foi julgada pelo tribunal recorrido, pois a lei exige que a Recorrente, além de os especificar, explique porque é que aqueles meios probatórios que indica impõem decisão diversa da recorrida. Efetivamente, não pode deixar de levar a Recorrente a ter que ponderar esses meios probatórios concretos que indica no confronto com os outros meios probatórios que foram analisados pelo tribunal recorrido (expressamente referidos na enunciação da sua convicção) e que conduziram à solução fáctica que se visa impugnar. No caso, no que concerne ao requisito constante da alínea b) deste mesmo preceito, os recorrentes não satisfizeram os seus pressupostos ao não procederem à especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, porquanto não identificam, em relação aos depoimentos, as passagens da gravação de tais depoimentos nem transcrevem qualquer excerto que permita questionar ou afastar o provado. Isto vale por dizer que, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respetiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si – cfr. Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1). Ademais, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo ( ver António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228). Como emerge da sua peça recursiva, os Recorrentes indicam os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados (no caso, por referência aos números da factualidade provada e da factualidade não provada elencados na sentença), mas não indicam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre cada um dos tais pontos de facto, nos termos acima sobreditos, nem elencam os concretos meios probatórios constantes nos autos ou por localização no registo de gravação que determinariam, justificadamente, decisão diversa. Em síntese, resulta que a «rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto; b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação; f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 128 e 129). Destarte, o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação assenta nos seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes). Por outro lado, ao abrigo dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ter lugar quando tal seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» ( ver neste sentido Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609). Já no que concerne ao disposto na al. c) do nº 1 do art. 640º CPC, constata-se que os recorrentes não indicam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre tais pontos de facto e em relação a cada um dos factos. Volvendo ao caso em apreço, entendemos que os Recorrentes não cumpriram o ónus de impugnação a que estavam obrigados pelo Art. 640º, nº 1, als. b) e c) do C.P.C. Não obstante, no corpo das alegações, os Apelantes tenham indicado os concretos pontos de facto incorretamente provados e não provado, através da identificação do número e letra sob os quais foram enunciados na sentença recorrida e, bem assim, pela reprodução do seu texto, não concretizaram, nem nas alegações nem nas conclusões, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, bem como a decisão que no seu entender devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, omitindo aquelas exigências referidas no Art. 640º, nº 1, als. b) e c) do C.P.C. Conforme ressalta do Ac. TRP 2409/24.5T8MAI.P1, datado de 28/10/2025, Rel. Rodrigues Pires, por referência ao Art. 640º do C.P.C., “ Neste regime é possível distinguir-se dois tipos de ónus, tal como se entende o Acórdão do STJ de 29.10.2015 ( proc. 233/09.4TBVNG.G1.S1 relator Lopes do rego, disponível in www.dgsi.pt): - “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentaçãio concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes” e consta do transcrito nº 1 do art. 640º e -“um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas. indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes”, previsto no nº 2 do mesmo preceito. O ónus primário refere-se à exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, conforme previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do citado artigo 640.º, visa fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto e tem por função delimitar o objeto do recurso. O ónus secundário consiste na exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, e visa possibilitar um acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Conforme se afirma no Acórdão do STJ de 2.2.2022 (proc. 1786/17.9T8PVZ.P1.S1, relator Fernando Samões, disponível in www.dgsi.pt.), “os requisitos formais, impostos para a admissibilidade da impugnação da decisão de facto, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objecto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso.”[2] “Relativamente ao ónus primário, nem sequer é possível recorrer às alegações para suprir deficiências das conclusões, uma vez que são estas que enumeram as questões a decidir e delimitam o objecto do recurso, devendo, quanto à impugnação da decisão de facto, identificar os concretos pontos de facto impugnados e a decisão pretendida sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal decisão.” “Daí que, quando falte a especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, deva ser rejeitado o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, o mesmo sucedendo quanto aos restantes dois requisitos, nomeadamente a falta de indicação da decisão pretendida sobre esses mesmos factos.” “Por seu turno, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES (in “Recursos em Processo Civil”, 7ª ed., págs. 199/201) afirma que a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, sem que haja lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, deve verificar-se em alguma destas circunstâncias: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto; b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados; c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. Sucede que estas exigências “devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que (…) devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto como instrumento de realização de justiça.”. Nos termos do prescrito no art. 635º, nº 4, e no art. 639º, nº 1 e nº 2, ambos do C.P.C., deve entender-se que as «conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem» (Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1). Então, subsumindo o nosso raciocínio ao expendido, resulta que as conclusões de recurso têm que conter a indicação precisa da factualidade concreta cuja alteração se pretende ( ónus primário) e qual o sentido e os termos da mudança que se pretende em alternativa (ónus secundário), pois só assim «verdadeiramente [se] permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto» (Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1). Ainda neste sentido ver Ac. do STJ, de 26.11.2015, Relator Leonel Dantas, Processo nº 291/12.4TTLRA.C1.S - «III - Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados»; ou do mesmo relator Ac. do STJ, de 04.03.2015, Processo nº 2180/09.0TTLSB.L1.S2 - «I - As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código. II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado n fundamentação das alegações. III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados» e ainda Ac. do STJ, de 03.03.2016, Relatora Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1 - «I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso». Ainda conforme Ac. TRP nº 2409/24 citado, “Acontece que a tolerância que se poderá ter na verificação do cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil não pode ir ao ponto de se exigir ao Tribunal da Relação que ande a descortinar ou a intuir na motivação quais os concretos meios probatórios que o recorrente pretende que sejam tidos em atenção com vista à alteração da matéria de facto. A especificação desses meios probatórios deve constar de forma clara e inequívoca na motivação e preferentemente também nas conclusões. Por conseguinte, não pode considerar-se como cumprido o ónus primário a que se refere o art. 640º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil e a sua inobservância implica, nos termos deste preceito legal, a rejeição do recurso, quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, sem que possa haver lugar a despacho de aperfeiçoamento. ” Acrescentaremos ainda com interesse para o caso que no caso de recurso relativo à matéria de facto ( previsto no art. 640º do C.P.C.) não é admissível despacho de aperfeiçoamento, ao invés do que acontece com o recurso referente à decisão sobre a matéria de direito ( cfr. art. 639º do C.P.C.). Então, decorre do preceituado no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas». Mais resulta expressivo que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado). Então, o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, concretizar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, sendo que esta exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), « vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129, com bold apócrifo). No caso em apreciação, sobressai que os Apelantes, nas motivações e conclusões do recurso de apelação apresentado, não indicaram os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, bem como a decisão que no seu entender devia ser proferida sobre cada uma das questões de facto impugnadas, pelo que, não sendo admitida a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento para o efeito, fica o Tribunal ad quem inibido de apreciar a impugnação da matéria de facto apresentada nos moldes sobreditos. Face ao exposto, face à falta de requisitos legais de admissibilidade, por se considerar incumprido o ónus primário a que se refere o art. 640º, nº 1, als. b) e c) do CPC, rejeita-se o recurso sobre a decisão de facto apresentada pelos Apelantes. * Mantém-se, assim, integralmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo. * Prosseguindo e apreciando. Passemos agora ao tratamento da questão enunciada sob a alínea b). O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Das conclusões das alegações do recurso dos Apelantes, decorre que a questão a apreciar se traduz em apurar qual o âmbito temporal das contas a prestar pela R., de onde decorrerá a obrigação de prestar (ou não) contas por parte da ré, relativamente ao período anterior à nomeação para o cargo de legal representante da interdita EE sua mãe. Os Recorrentes pretendem que a Apelada preste contas da administração que fez do património da mãe, a falecida EE, desde que esta foi residir para casa da R., em Setembro de 2014, até à morte de EE, incluindo-se naquele período de tempo a administração que a R. levou a efeito enquanto tutora/acompanhante da mãe, no âmbito do processo de interdição que correu termos no Juízo Local do Fundão, sob o n.º 194/16..... Como bem se extrai da sentença recorrida, “…dúvidas não se colocam quanto o facto de a R, na qualidade de Tutora / Acompanhante, a quem foram cometidas, para além do mais, funções inerentes à administração do património da mãe e o administrou (facto que, no caso, a R admite), ter de prestar contas desta administração. Com efeito, segundo o disposto no art.º 151.º, n.º 2, do Código Civil, “O acompanhante presta contas ao acompanhado e ao tribunal, quando cesse a sua função ou, na sua pendência, quando assim seja judicialmente determinado.”, devendo as contas ser prestadas aos herdeiros do Acompanhado, em caso de falecimento deste – cfr. art.º 950.º do CPCV -, como é o caso dos autos.” Destaca-se, dos factos provados que: “1) AA e R são filhos de EE, falecida em 24.10.2019, no estado de viúva; 2) desde Setembro de 2014, a falecida EE carecia de acompanhamento, designadamente com a sua higiene e administração de medicamentos; 3) por isso, passou a viver com a R desde 27.09.2014, situação que se manteve até ao óbito da falecida EE 11) em 10.03.2016, os AA intentaram Acção Especial de Interdição/Inabilitação contra a falecida EE, por anomalia psíquica, acção que correu termos sob o n.º 194/16...., pelo Juízo Local do Fundão – Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco; 12) nessa acção, por sentença proferida em 29.11.2017, já transitada em julgado, foi a falecida EE declarada definitivamente interdita, em razão de anomalia psíquica, foi fixada a data de 25.08.2017 como data de início da incapacidade, foi R nomeada sua Tutora e o A AA nomeado Protutor; ” Cabe agora trazer à colação alguns conceitos respeitantes ao direito à prestação de contas, para apreciar a segunda questão do recurso, que respeita ao período abrangido pela prestação de contas, neste caso concreto. Vejamos. Prescreve o artigo 941º do CPC que “a ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.” Conforme contributo esclarecido de Jorge Duarte Pinheiro, in “As pessoas com deficiência como sujeitos de direitos e deveres. Incapacidades e suprimento – a visão do Jurista”, p. 474, E-book CEJ, 2015, “o principal efeito da interdição consiste na negação de capacidade geral de exercício do incapaz e na nomeação de um tutor, a quem caberá agir enquanto representante do interdito, tudo numa lógica inspirada no modelo pensado para a incapacidade por menoridade (cfr. artigo 139º Código Civil)”, ”; decorrendo por isso a obrigação de prestar contas do exercício da sua função, finda esta, do disposto no artº. 1944º, nº. 1, do C.C.. Por seu turno, refere Abílio Neto in Novo Código de Processo Civil anotado, 2ª Edição, a páginas 1001: “um segmento da doutrina particularmente autorizada opina no sentido de que a prestação de contas assenta e tem a sua raiz na “obrigação de informação” prevista no artigo 573º do Código Civil, da qual constitui uma das mais relevantes modalidades, o que, a ser assim, permite fundamentar a sua exigência pela referência a um princípio geral, mesmo em situações em que não haja uma norma concreta que a autorize ou imponha. Seja como for, o que se constata é que esta obrigação tem lugar sempre que alguém trate de negócios alheios ou de negócios ao mesmo tempo alheios e próprios, e a necessidade que o legislador sentiu de, sempre que entendeu pertinente, enunciar esse dever, leva-nos a concluir que a obrigação em apreço só existe nos casos expressamente consignados na lei.” Impõe-se consignar, face às questões colocadas pelos Recorrentes, circunscritas às suas conclusões que, o direito de prestação de contas, não é confundível com o direito mais amplo à informação previsto no art. 537º do CC, pois o dever de prestação de contas pode integrar o dever de informação, mas não se esgota nem se confunde com aquele. Como bem explica Vaz Serra, “Obrigação de prestação de contas e outras obrigações de informação”, BMJ nº. 79, pags. 149 a 150, a obrigação de informação é uma obrigação de carácter geral donde decorre a obrigação de prestação de contas, mas que não dispensa nem substitui a necessidade de norma de direito substantivo que imponha essa obrigação, ou negócio jurídico que a imponha, ou ainda que decorra do princípio geral da boa fé). No caso, a obrigação de prestar contas decorre do alegado pelos AA. na petição, ao invocarem a qualidade de tutora da R. para a administração de bens ( cfr. arts. 1936º e 1944º, nº 1 do CC). Prescreve o Art. 1944º, nº 1 do CC: “(Obrigação de prestar contas) 1. O tutor é obrigado a prestar contas ao tribunal de menores quando cessar a sua gerência ou, durante ela, sempre que o tribunal o exija.” Nos termos do disposto no Art. 1944º do Cod. Civil, inexistem quaisquer dúvidas quanto à obrigação do tutor de prestar contas desde a sua nomeação como tutor e enquanto tais funções se mantiverem, incumbindo à R., por força da sua nomeação como tutora, a administração dos bens da interdita por força da sua função de tutora. A dúvida que soçobra é se a R. tem a mesma obrigação, em momento anterior ao deferimento do seu cargo de tutora. Impõe-se esclarecer ( cfr. Ac. TRG Proc. 1631/13.4TBVCT-E.G1 que assim escreve sobre situação similar), face às alegações de recurso, que é na petição que o A. deve circunstanciar “ a razão por que pede contas ao R., ou seja, a razão por que se julga no direito de exigir a prestação de contas e por que entende que sobre o R. impende a obrigação de prestar contas -Alberto dos Reis, “Processos Especiais”, vol. I, pag. 314- isto no caso a que se reportam os autos (prestação forçada), embora a ação também possa ser proposta por quem tem o dever de prestá-las (prestação espontânea) –cfr. artº. 552º, nº. 1, d), do C.P.C.. Na verdade, esta ação não é diferente das demais, e por isso também na ação especial de prestação contas a causa de pedir consiste no facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido, ou no facto ou acto jurídico de onde emerge o direito invocado e pretendido fazer valer pelo autor (artº. 581º, nº. 4, do C.P.C.). Por isso terá o A. de dizer na p.i. a razão por que pede contas ao R., a razão por que se julga no direito de exigir a prestação de contas e por que entende que sobre o R. impende a obrigação de as prestar. Doutro modo, ou se assim não for, entra-se no campo da ineptidão da p.i. -artº. 186º, nº. 2, a), do C.P.C. (e caso abrangesse todo o pedido). É da análise da p.i. que concluímos não estar alegada factualidade relativa á administração de bens da interdita no período anterior ou posterior ao considerado na decisão recorrida. (…) Os A.A. tentaram “compor” os factos alegados quando exerceram o direito ao contraditório às exceções invocadas, mas ainda assim, e como se vê da reprodução que fizemos no relatório da alegação apresentada, fizeram-no de forma conclusiva e insuficiente.” Retomando o nosso caso, quanto ao período que antecede o momento em que a R. foi nomeada tutora: quanto a tal hiato temporal apenas haveria obrigação de prestação de contas por parte da R. se esta tivesse efetivamente praticado atos de administração do património da sua mãe EE. Ora, para além de a R. negar que sobre si impenda a obrigação de prestar contas relativamente àquele lapso temporal, pois que só admite que administrou o património da mãe EE desde 25.08.2017, data fixada como a de início da incapacidade da falecida EE, defendendo que, até a mãe ser declarada interdita, foi a mãe que administrou o próprio património e não a R., sobressai do invocado pelos AA. que estes não alegam, e muito menos provam, factos consubstanciadores da prática pela R. de atos de administração do património da sua mãe EE em datas anteriores a 25/08/2017. Não se surpreende na factualidade carreada pelos AA. qualquer alegação nesse sentido que tenha resultado demonstrada, limitando-se os AA a defender que, desde Setembro de 2014, a R levantou e/ou transferiu dinheiro de uma conta de que a falecida EE era titular, juntamente com a sua filha BB, para uma outra conta titulada por si e pela falecida, momento a partir do qual quantias ficaram à sua inteira disposição, “(…) havendo razões para acreditar que as contas foram movimentadas para proveito e uso pessoal (…)” da R.. No caso, os apelantes mostram inconformismo relativamente ao momento em que existe a obrigação de a R. prestar contas: entendemos que a obrigação de prestar contas se inicia com a qualidade de tutor, que resulta do ato de nomeação, pois antes desse momento não existe a qualidade de tutor e, portanto, nessa qualidade, não há qualquer obrigação legal de prestar contas ( poderia porventura haver uma responsabilização civil, verificados que estejam os respetivos pressupostos, mas não através da ação especial de prestação de contas), obrigação que apenas nasce desde o momento em que a Ré foi nomeada como tutora e não antes. Não tendo resultado comprovado que a R. administrou o património da sua falecida mãe entre Setembro de 2014 e 25.08.2017, resulta incontornável que inexistem elementos dos quais resulte a obrigação de prestação de contas por parte da R relativamente ao período temporal entre Setembro de 2014 e 25.08.2017. Também o reparo que os Recorrentes fazem sobre a aplicação indevida do Art. 941º CPC não tem qualquer razão de ser pois, face a quanto antecede, transparece que a exigência de prestação de contas da R. tutora referente ao período anterior ao da sua nomeação naquela qualidade e, caso mereçam tutela jurídica, tem que ser apurado em processo distinto deste, pois extravasam o âmbito do presente processo especial de prestação de contas que apenas abrange o período temporal em que a R. desempenhou as funções de tutora nomeada. Conforme Acs. da Relação de Guimarães, Proc. 2182/13.2TBBCL-A.G1, de 9/4/2019 e Proc. 1631/13.4TBVCT-E.G1 de 3/3/2022, a obrigação de prestação de contas da tutora ora R., nessa qualidade (e o correspondente direito de as exigir por parte dos herdeiros da interdita), terá nos presentes autos de se reportar (e só poderá reportar-se) ao período em que exerceu a respetiva função, ou seja, no caso, no período de 25.08.2017 a 24.10.2019, pelo que alcançamos a mesma conclusão a que chegou o tribunal a quo.
Por todo o exposto e sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que a decisão recorrida se terá de manter e, em consequência, improcede a apelação. * III. DECISÃO Em conformidade com o exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Apelantes e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pelos Apelantes. Notifique. * Emília Botelho Vaz Hugo Meireles Cristina Neves
Sumário nos termos do disposto no Art. 637º, nº 7 do Código de Processo Civil: SUMÁRIO: (…). |