Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2091/13.5TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ASSISTENTE
REQUERIMENTO
ABERTURA DA INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 283.º, 267.º, 308.º DO CPP
Sumário: I - O requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente na sequência de despacho de arquivamento do Ministério Público em procedimento por crime público ou semi-público, deve conter, além do mais, uma verdadeira acusação, implícita e alternativa, narrando os factos e indicando as disposições legais aplicáveis, e assim definindo o objecto da instrução.

II - A omissão da narração dos factos, objectivos e subjectivos, no requerimento determina a sua rejeição, nos termos do art. 287.º, n.º 3, do CPP, por inadmissibilidade legal da instrução por falta de objecto.

III - Tendo, in casu, o requerimento instrutório do assistente omitido a narração dos factos pelos quais deveria o arguido ser pronunciado e submetido a julgamento, não merece censura o despacho recorrido que o rejeitou.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No Processo nº 2091/13.5TALRA que corre termos no [já extinto] 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Alcobaça, onde é ofendido e assistente, A... e arguido, B..., o Digno Magistrado do Ministério Público proferiu, em 7 de Maio de 2014, despacho de arquivamento do inquérito.

O assistente requereu, em 27 de  Maio de 2014, a abertura da instrução.

Remetidos os autos a juízo, a Mma. Juíza de instrução, por despacho de 12 de Junho de 2014, rejeitou, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente.


*

Inconformado com a decisão, recorreu o assistente, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1ª O Tribunal a quo decidiu, por inadmissibilidade legal, rejeitar o requerimento de abertura da instrução, o qual mostra-se legal e admissível.

2ª Assim, compulsados os autos de inquérito e atos jurisdicionais, verifica-se que nenhuma diligência foi efetuada por parte do Ministério Público nem pelo Exmo , Sr. Dr. Juiz de Instrução, apenas conclusões.

3ª De fato, os factos alegados na participação do assistente que, grosso modo, foram dados por confirmados nos autos.

4ª O ora arguido pretendeu apenas, de forma vexatória, acusar o ora assistente, querendo imputar-lhe crimes de ameaças, injúrias, entre outros, todavia totalmente irracionais e sem qualquer fundamento factual conducente a tais práticas.

5ª O arguido atuou com desonestidade aquando da apresentação da queixa referente aos alegados crimes supra mencionados, atitude onde se infere de astúcia maliciosa aquando da regência de tais procedimentos, pois apenas se preocupou em apresentar a queixa, sem juntar qualquer prova.

6ª Denegrindo inevitavelmente a imagem do assistente, ainda que não tenha trazido factos para sustentar tais acusações.

7ª Houve uma denúncia, como referido, completamente infundada, compaginando apenas uma atitude vexatória/incriminatória, absolutamente desproporcionada.

8ª Não vislumbramos nesta situação nada mais do que um atentado aos direitos do assistente/ofendido, mais concretamente um crime de denúncia caluniosa.

9ª Estamos perante um crime de denúncia caluniosa pois houve o lançar de suspeita a outra pessoa (assistente), com suposta conduta idónea a provocar procedimento criminal, com "dolo qualificado" por parte do arguido, isto é, com a consciência da falsidade da imputação e ainda a intenção de que se instaure procedimento contra o assistente/ofendido.

10ª Face ao exposto, tudo nos evidencia e encaminha para a efetiva ocorrência de um crime por parte do arguido, ao usufruir para lá do aceitável de um direito que lhe assistia, isto é, o direito à queixa.

11ª Utilizou este mecanismo legal para alcançar fins egoísticos, irracionais e, acima de tudo, através de condutas ilícitas!

                12ª O que para tanto bastava inquirir as testemunhas arroladas pelo assistente, o que o Tribunal o quo não o fez, como é sua obrigação legal.

13ª A intenção, os fatos concretos, foram identificados, os quais são suficientes para integrar o tipo legal do crime.

14ª Naturalmente que, com a inquirição das testemunhas arroladas confirmava-se, no todo, o elemento subjetivo do tipo legal de crime.

15ª Prova essa que não foi realizada, tendo o Tribunal a quo vedado ao assistente, pois sem a cabal visualização e audição da prova, jamais pode concluir-se da forma do despacho sob análise.

16ª Pelo exposto o arguido denunciou caluniosamente o assistente, incorrendo, assim, na prática do crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo art. 365º do Código Penal.

17ª Mais, é notório o elemento subjetivo do tipo legal de crime, isto é, é visível a intenção do arguido na sua conduta, pois a participação surge no intuito meramente vingativo, uma vez que o assistente possuiu vários processos em trâmite no Tribunal contra o mesmo.

18ª Pelo que, de tantos fatos que constam no requerimento de abertura de instrução (e até no próprio inquérito), não se compreende tal decisão (tais decisões).

19ª De fato, tal prática por parte do arguido (denunciação caluniosa) é um artifício já utilizado pelo mesmo por diversas vezes para coagir/chantagear o assistente e até outras pessoas (testemunhas arroladas pelo assistente e não inquiridas), afim de desistirem de ações judiciais intentadas contra os mesmos, ou praticarem atos de acordo com as vontades deles.

20ª Por outro lado, com a abertura de instrução pretendia-se demonstrar e provar a conduta dolosa do arguido.

21ª Pois, de fato, tais fatos outrora imputados ao assistente são falsos.

22ª Pelo exposto o arguido denunciou caluniosamente o assistente, incorrendo, assim, na prática do crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo art. 365º do Código Penal.

23ª Nenhum meio de prova foi feito nos autos, nomeadamente o requerido pelo assistente, nada mais, ou seja, nenhuma diligência de prova se fez no sentido de apurar a verdade.

25ª O mínimo exigido (a qualquer cidadão), face às regras previstas na Constituição da República Portuguesa, face a estas notórias falsidades, era ouvir a prova requerida pelo assistente, o que sempre se requereu e sempre foi negado.

26ª É que, lendo o douto despacho de arquivamento e despacho de rejeição por inadmissibilidade legal da instrução, salvo o devido respeito, fica-se sem saber isso mesmo, por manifesta falta de obtenção de meios de prova no âmbito do inquérito e instrução, o que devia ter sido feito (ou dito) e não o foi.

27ª Sendo certo que a(s) pessoa(s) identificada(s) como participado(s) continua (m) ainda hoje a dizer em público que só parará (ão) quando destruir (em) por completo o assistente, tudo porque não pretende (m) pagar a dívida que contraiu.

28ª Requereu-se a inquirição de testemunhas exatamente com assuntos similares ao do assistente e nada foi feito ou investigado ou requerido ou ouvido.

29ª Os fatos estão concretamente identificados, devidamente descritos e com desencadeamento lógico, no espaço e tempo.

30ª E, por isso se propugna que o douto despacho de rejeição se mostra ilegal, pois deveria haver lugar à instrução para realização da prova requerida e, nesse seguimento, despacho de pronúncia contra o(s) denunciado(s) pela prática do crime.

31ª Bem como não se investigaram quaisquer fatos constantes na douta participação.

32ª Pois se assim não acontecer, viola-se claramente a Constituição da República Portuguesa no acesso do assistente à Justiça, o que é notório.

33ª O assistente participou fatos que não foram investigados/ouvidos/valorados, nem na fase de inquérito nem na instrução, fatos esses que deveriam ser investigados/ouvidos/valorados como era obrigação.

34ª De fato nos autos supra não houve inquérito nem instrução, direitos que foram vedados ao assistente, pelo que tanto do despacho de arquivamento como o despacho sob análise são nulos.

35ª O que, nos termos do artigo 119°, alínea d), e 120°, n.º 3, alínea c), ambos do C. P. Penal, comporta uma nulidade insanável, nulidade que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.

36ª Pelo que deve ser ordenado a realização da instrução quanto aos fatos participados pelo assistente, nos termos do artigo 122° do C. P.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgada procedente por ter provimento, conforme se propugna nas conclusões, tudo com as devidas consequências legais, sendo que assim se fará a costumada JUSTIÇA.


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1º – Sendo a instrução requerida pelo assistente é aplicável ao respectivo requerimento, por força da parte final do n.º 2 do artigo 287.º do CPP, o disposto no artigo 287.º, n.º 3, alíneas b) e c), do mesmo diploma legal, o que significa que o mesmo terá de conter, sob pena de nulidade, "a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada" e, bem assim, a "indicação das disposições legais aplicáveis".

2º – Não cumprindo o requerimento de abertura de instrução deduzido nos autos os requisitos previstos nos artigos supra-mencionados, enferma o mesmo da nulidade aí prevista, a qual não é uma nulidade meramente formal, mas afecta a própria instrução, que se encontra desprovida de objecto e, portanto, seria sempre inexequível, pelo que a instrução é legalmente inadmissível.

Porém, decidindo, V.Exª farão a costumada JUSTIÇA.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, concluiu pelo não provimento do recurso.

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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, manifestando a sua concordância com o parecer e concluído pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a questão a decidir é a de saber se o requerimento de abertura de instrução padece de deficiência que determine a sua rejeição, como se decidiu na decisão impugnada. 


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            Para tanto, importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:

            “ (…).

ABERTURA DE INSTRUÇÃO requerida pelo assistente A... (Fls. 256 e 261):

A... vem, na qualidade de assistente, e na sequência da notificação do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, pela prática, pelo arguido B..., de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º do Código Penal, requerer a abertura de instrução, conforme consta de fls. 256 e ss dos autos, pugnando pela pronúncia do arguido pela prática de tal crime.

Alega o assistente que o arguido, com a queixa apresentada, pretendeu, de forma vexatória, acusar o assistente, querendo imputar-lhe crimes de ameaças, injúrias, entre outros, totalmente irracionais e sem qualquer fundamento factual conducente a tais práticas.

Mais refere o assistente que o arguido actuou com desonestidade, aquando da apresentação da referida queixa, denegrindo inevitavelmente a imagem do assistente.

Conclui o assistente que o arguido incorreu na prática do crime de denúncia caluniosa porque lançou uma suspeita contra o assistente, com suposta conduta idónea a provocar procedimento criminal, com dolo qualificado por parte do arguido, isto é, com consciência da falsidade da imputação e com a intenção de que se instaurasse procedimento criminal contra o assistente.

Pretende o assistente, com a presente instrução, demonstrar e provar a conduta dolosa do arguido, uma vez que os factos outrora imputados ao assistente são falsos.


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Cumpre apreciar.

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O Ministério Público procedeu ao arquivamento do inquérito no que respeita à prática, pelo arguido, de um crime de denúncia caluniosa, por considerar inexistirem indícios de que o arguido conhecia a falsidade da imputação, aquando da queixa em referência (fls. 236 e 237).

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In casu, visa a instrução a comprovação judicial da decisão de arquivamento do inquérito no que a tais factos respeita (artigo 286º, nº 1 do CPP).

*

O requerimento de abertura de instrução pressupõe que a assistente considere que, em face dos indícios recolhidos durante o inquérito, se podia e devia ter imputado ao arguido a prática de factos que o responsabilizam criminalmente.

Por isso é que o requerimento de abertura de instrução, quando apresentado pelo assistente, tem de assumir uma acusação alternativa, ou seja, tem de ter o conteúdo da acusação que a assistente sustenta que o Ministério Público deveria ter formulado no termo do inquérito.

Prescreve o artigo 287º do CPP que:

1 – A instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:

(…)

b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.

2 – O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for o caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c). Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.

3 – O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal.

Por sua vez, dispõe o artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c) do CPP,

« (…)

b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.

c) A indicação das disposições legais aplicáveis.

(…)»

Estas as normas que importa ter presentes para a apreciação do requerimento de abertura de instrução.


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Ora, in casu, pretende o assistente que o arguido sejam pronunciado pela prática de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º, nº 1 do Código Penal, nos termos do qual:

Quem, por qualquer meio, perante autoridade ou publicamente, com a consciência da falsidade da imputação, denunciar ou lançar sobre determinada pessoa a suspeita da prática de crime, com intenção de que contra ela se instaure procedimento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Constata-se que o assistente não descreve, em termos concretos, a factualidade suficiente para o preenchimento do tipo objectivo do ilícito imputado, uma vez que do requerimento apresentado não constam os factos necessários à imputação do referido crime – os factos em concreto praticados pelo arguido e as circunstâncias de tempo, modo e lugar dos mesmos.

Com o devido respeito, que é muito, o explanado no requerimento apresentado consubstancia a descrição de conclusões acerca da conduta do arguido que, em concreto, se desconhece, porque ali não se encontra narrada.

Ora, como se viu, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente na sequência de despacho de arquivamento, para além de poder conter as razões de discordância em relação à decisão de arquivamento e a indicação dos meios de prova mal valorados ou inconsiderados (o que, no caso, não contém), e o conjunto de diligências probatórias que se pretende sejam levadas a cabo, deve conter os factos concretos que permitam a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, isto é, haverá de consubstanciar uma verdadeira acusação.

Assim, nas situações em que o assistente reage contra o arquivamento, é o seu requerimento que fixa o objecto do processo e traça os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade de investigação e cognição do juiz de instrução, devendo, para tanto, o assistente de carrear factos concretos e susceptíveis de integral uma conduta penalmente punível.

Por outras palavras: o requerimento de abertura de instrução tem que conter, por um lado, factos concretos (ou seja, situações ou acontecimentos ocorridos no mundo do ser, verificáveis porque referidos a acontecimentos históricos pretéritos) e, por outro lado, tais factos hão-de ser suficientes para integrar ou preencher todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em causa.

E assim é porque tal requerimento equivale à acusação e é sobre a factualidade aí descrita que se poderá fundar o despacho de pronúncia, uma vez que este é o corolário da instrução e esta está limitada pelo requerimento de abertura de instrução, pois que, nos termos dos artigos 303º, nº 3 e 309º, nº 1 do CPP, é nula a decisão instrutória que pronuncie por factos que constituam alteração substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução.

Donde, se os factos relatados no requerimento de abertura de instrução não integram, só por si, a prática de um tipo criminal, a inclusão na pronúncia de outros factos (novos), ainda que conjugados com os articulados pela assistente, que conduzam ao preenchimento do tipo de crime em causa, equivaleria à pronúncia do arguido por factos que constituiriam alteração substancial dos descritos no requerimento de abertura de instrução, o que não é legalmente admissível.

Acresce que não compete ao juiz de instrução proceder a novo inquérito ou a segundo inquérito para suprir a insuficiência de que padeça o primeiro, bem como não lhe compete analisar os autos para fazer a enumeração e a descrição dos factos indiciados e que sejam aptos a preencher o tipo de crime em causa, sob pena de se transferir para o juiz de instrução o exercício da acção penal, em clara violação da estrutura acusatória do nosso processo penal.

Diga-se, além do mais, que, entendendo o assistente que há aspectos que carecem de investigação complementar, apesar do arquivamento, deveria ter suscitado a intervenção hierárquica (artigo 278º do CPP) ou, mediante novas provas, requerido a abertura do inquérito, em ordem ao prosseguimento do mesmo, e não requerer a abertura de instrução, pois esta destina-se, unicamente, a comprovar a decisão de acusar ou de arquivar o inquérito, não sendo uma nova fase deste último para aprofundar ou completar a investigação [Neste sentido, entre outros, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.05.2006 e de 8.10.2002, ambos publicados in www.dgsi.pt.].

Estabelece-se, a este propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Fevereiro de 2000, CJ XXV, Tomo I, p.153, que Quando se considere que alguns pontos da matéria de facto não se acham devidamente esclarecidos ou que a prova indiciária obtida através do inquérito não foi devidamente valorada, ou que o mesmo enferma de insuficiência, os meios próprios para reagir a tais vícios são a reclamação hierárquica e a arguição da respectiva nulidade.

Do exposto resulta que, in casu, é legalmente inadmissível a instrução requerida pelo assistente, na sequência de despacho de arquivamento, porquanto a mesma não descreve a totalidade dos factos necessários ao preenchimento do tipo de crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido, não produzindo, por isso, verdadeira acusação alternativa.

Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 287º, nº 3 do CPP, rejeita-se, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura de instrução, deduzido pelo assistente.

Custas pelo assistente, no mínimo legal.

(…)”.


*

*


            1. A instrução é uma fase intermédia e facultativa do processo penal [na forma comum] que tem por finalidade exclusiva a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art. 286º, nº 1, do C. Processo Penal).

A comprovação judicial é realizada através da conjugação e ponderação dos meios de prova produzidos – em sede de inquérito e na própria instrução – em ordem a ajuizar-se da existência ou não, de indícios suficientes de estarem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança sendo, a final, formalmente explicitada na decisão instrutória. Assim, dispõe o art. 308º, nº 1 do C. Processo Penal – código a que pertencem todas as disposições legais citadas sem menção de origem – que, se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Por outro lado, consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (nº 2 do art. 283º, aplicável ex vi, nº 2 do art. 308º).

No caso de que nos ocupamos, tendo a instrução sido requerida pelo assistente, visaria a comprovação judicial da decisão que ordenou o arquivamento do inquérito, uma vez que o procedimento não é dependente de acusação particular. Porém, adianta-se desde já que o presente recurso não tem por objecto a problemática da suficiência ou insuficiência dos indícios, ainda que o recorrente a ela se refira em várias das conclusões formuladas na motivação, mas antes, uma questão que lhe àquela é prévia e que é a de saber quais são os requisitos essenciais que devem ser observados no requerimento de abertura de instrução e qual a consequência do seu incumprimento.

Posto isto.

2. Dispõe o art. 287º do C. Processo Penal, com a epígrafe, «Requerimento para abertura da instrução», no seu nº 2 e na parte que ora releva:

“ (…)

2 – O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º (…)”.

Embora não esteja sujeito a formalidades especiais, o requerimento de abertura da instrução deve conter sempre, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância quanto à acusação ou não acusação.

No que especificamente respeita ao requerimento do assistente, a lei impõe ainda que dele constem as especificações previstas nas als. b) e c) do nº 2 do art. 283º. Assim, do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente – que se destina, como dissemos, a obter a comprovação judicial da decisão do Ministério Público em se abster de acusar em procedimento por crime público ou semi-público – deve obrigatoriamente conter, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, e ainda, a indicação das disposições legais aplicáveis

Daqui decorre que, no segmento da narração dos factos e indicação das disposições legais aplicáveis, o requerimento de abertura de instrução do assistente deve estruturar-se, substancialmente, como uma verdadeira acusação, como uma acusação alternativa à que, na perspectiva do requerente, foi e não devia ter sido, omitida pelo Ministério Público.

Esta exigência resulta da circunstância de o objecto do processo ser definido, simplificadamente, pela acusação, pública ou privada, que nele tenha sido deduzida e portanto, pelos concretos factos imputados ao arguido (cfr. art. 339º, nº 4). A estrutura acusatória do processo penal e a salvaguarda das garantias de defesa do arguido impõem a definição do themadecidendum e a sua tendencial imutabilidade. Ora, se o Ministério Público se absteve de acusar por crime público ou semi-público e o assistente pretende, ao requerer a instrução, que o arguido seja levado a julgamento, é evidente que será o respectivo requerimento a definir o objecto da instrução e portanto, a balizar, não só o âmbito da investigação a levar a efeito pelo juiz de instrução, como o da decisão instrutória. Por isso, a sujeição do juiz de instrução à vinculação temática definida pelo requerimento de abertura de instrução, enquanto acusação alternativa, determina a nulidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento (art. 309º, nº 1).

Em suma, o requerimento de abertura de instrução do assistente deve estruturar-se como uma acusação, dele tendo que constar a narração, ainda que sintética, dos concretos factos imputados ao arguido fundamentadores da aplicação de pena ou medida de segurança ou seja, os factos preenchedores do tipo, objectivo e subjectivo, do crime pelo qual pretende ver este pronunciado.

3. Vejamos agora qual a consequência de o requerimento de abertura de instrução do assistente não ser substancialmente uma acusação, por ter omitido o quis, oquid, o ubi, o quibusauxiliis, o quomodo e o quando, definidores da exigível narração.

Nestes casos, há que concluir que a instrução carece de objecto o que, independentemente de determinar ou não, a sua inexistência jurídica (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, III, 2ª Edição, pág. 151), conduz à sua inadmissibilidade legal (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 737 e Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 1003).

E a inadmissibilidade legal da instrução é uma das causas de rejeição do requerimento (art. 287º, nº 3).

4. Aqui chegados, nada melhor do que transcrever o requerimento para abertura da instrução do assistente, para depois analisarmos a sua estrutura à luz das considerações antecedentes.

Assim, tem o dito requerimento o seguinte teor, na parte relevante:

“ (…).

1º Os presentes autos foram arquivados, porquanto "não se indicia que o arguido B..., ao efetuar a queixa contra o A..., tivesse atuado com a consciência da falsidade da imputação ou imputações e que tivesse como certo que os fatos objetos da denúncia fossem falsos, unicamente com o desígnio de fazer desencadear procedimento críminal".

2º Salvo o devido respeito, discordamos em absoluto de tal decisão.

3º Vejamos os factos alegados na participação do assistente que, grosso modo, foram dados por confirmados nos autos.

4º De fato, o ora arguido pretendeu apenas, de forma vexatória, acusar o ora assistente, querendo imputar-lhe crimes de ameaças, injúrias, entre outros, todavia totalmente irracionais e sem qualquer fundamento factual conducente a tais práticas,

5º Conforme se veio a constatar, inclusive, pela decisão do douto despacho.

6º O arguido atuou com desonestidade aquando da apresentação da queixa referente aos alegados crimes supra mencionados, atitude onde se infere de astúcia maliciosa aquando da regência de tais procedimentos, pois apenas se preocupou em apresentar a queixa, sem juntar qualquer prova.

7º Denegrindo inevitavelmente a imagem do assistente, ainda que não tenha trazido nem vontade, nem factos para sustentar tais acusações.

8º Deste modo, e atentando ao douto acórdão do STJ, consultável em www.dgsi.pt.  datado de 21-04-2010, tendo como Relator o Sr. Conselheiro Oliveira Mendes:

"I – Toda a participação ou queixa criminal contém, em regra, objectivamente, uma ofensa à honra, por comunicar a prática de factos configuradores de um comportamento criminoso. A denúncia de um crime, quando identificado o seu autor ou o suspeito de o ter cometido, objectivamente, atinge a honra do denunciado. Apesar disso, é evidente que ninguém pode ser impedido de participar um facto delituoso.

II – Ao direito à honra do denunciado contrapõe-se o direito à denúncia como via necessária de acesso à justiça e aos tribunais para defesa dos interesses legalmente protegidos do denunciante, direito constitucionalmente consagrado - art. 20. o da CRP. Num Estado de direito é impensável, pois, impedir quem quer que seja de participar um facto delituoso, com a justificação de que em consequência da participação ir-se-á lesar a honra do participado. (…)"

9º Pelo que,

"(…) V – Trata-se evidentemente do princípio da ponderação de interesses, o qual se acha sempre subjacente a todas as situações de conflito, constituindo o fundamento último da justificação do facto.

VI – Ora, como o STJ vem decidindo, o direito de denúncia prevalece sobre o direito à honra, visto que como garantia de estabilidade, da segurança e da paz social no Estado de direito deve assegurar-se ao cidadão a possibilidade quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos. "Quase irrestrita" por a limitação maior consistir em a denúncia não ser feita dolosamente (com a consciência da sua falsidade) e do teor dos seus termos, os quais devem limitar-se à narração dos factos, sem emissão de quaisquer juízos de valor ou lançamento de epítetos sobre o denunciado."

10º "A denúncia não ser feita dolosamente" – foi exatamente o que se sucedeu in casu.

11º Houve uma denúncia, como referido, sem nenhuma pretensão de sustentação, completamente infundada, compaginando apenas uma atitude vexatória/incriminatória, absolutamente desproporcionada.

12º Não vislumbramos nesta situação nada mais do que um atentado aos direitos do assistente/ofendido, mais concretamente um crime de denúncia caluniosa.

13º Neste sentido, importa atentar ao pressupostos de crime de uma denúncia caluniosa, o que, de acordo com o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 20-11-2013, tendo tido como relator a sra. Desembargadora Maria Dolores Silva e Sousa (consultável em http://www.trp.pt/jurispitij.html):

"I – São elementos constitutivos do crime de denúncia caluniosa:

- Conduta típica: Denunciar ou lançar suspeita por qualquer meio;

- Sujeito passivo; Outra pessoa (determinada ou identificável);

- Objecto da conduta: Imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, idóneos a provocarem procedimento criminal;

- Destinatário da acção: autoridade e/ou círculo indeterminado de pessoas (denúncia a urna autoridade ou suspeita feita publicamente);

- Elemento subjectivo: dolo qualificado por duas exigências – a consciência da falsidade da imputação e a intenção de que contra outrem se instaure procedimento.

II – O elemento subjectivo do crime de denúncia caluniosa traduz-se na falsidade da imputação, devendo o dolo (intenção de que contra outrem se instaure procedimento) revestir duas das três formas previstas no art. 14º do Código Penal: dolo directo ou necessário, sendo de excluir a punibilidade a titulo de dolo eventual.

III – A consciência da falsidade da imputação significa que, no momento da acção, o agente conhece ou tem corno segura a falsidade dos factos objecto da denúncia ou suspeita.

IV – A intenção tem de se reportar apenas à instauração (ou continuação) do procedimento e não ao seu desfecho.

V – Comete a infracção quem realiza o facto com a intenção de que o processo venha a ser instaurado, mesmo que não tenha razões para acreditar na condenação.

VI – Quando o agente sabe ou tem como seguro que o resultado (a saber: o procedimento) terá lugar, não precisa de querer alcançá-lo. Pode ser-lhe pura e simplesmente indiferente ou encará-lo mesmo corno coisa indesejável."

14º Assim, com o apoio da descrição supra citada, é-nos mui fácil compreender que efetivamente estamos perante um crime de denúncia caluniosa pois,

15º Houve o lançar de suspeita a outra pessoa (assistente), com suposta conduta idónea a provocar procedimento criminal, com "dolo qualificado" por parte do arguido, isto é, com a consciência da falsidade da imputação.

16º e ainda a intenção de que se instaure procedimento contra o assistente/ofendido.

17º Assim, nos melhores termos de direito, e atentando ainda ao douto acórdão do Tribunal Rel. Porto, datado de 12-03-2014, tendo tido por relator Sr. Desembargador Artur Oliveira:

"I – Apresentada uma queixa-crime, na qual se imputam factos ou juízos desonrosos a outra pessoa, deverá a mesma ser analisada de forma a perceber se (i) ela apenas denuncia factos suscetíveis de configurar um crime, (ii) se os apresenta de forma dolosa com a consciência da sua falsidade, ou se, além da denúncia, (iii) emite juízos de valor vexatórios sobre o denunciado.

II – No primeiro caso, temos o puro exercício de um direito, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado pelo artigo 20º da CRP e, por isso, apesar da imputação da prática de factos que podem constituir crime, não há impedimento ou restrição ao exercício do direito pois que deve assegurar-se ao cidadão a possibilidade quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos.

III – No segundo caso – em que a denúncia é feita de forma dolosa com a consciência da sua falsidade –, estamos perante a prática do crime de Denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º, do Cód. Penal. Este é o mecanismo através do qual a Lei assegura o respeito pelos direitos dos visados em denúncias infundadas, feitas com consciência da falsidade e com a intenção clara de instauração de procedimento.

IV – No terceiro caso – em que a denúncia não se limita à narração dos factos e, numa linguagem ofensiva, emite juízos de valor vexatórias sobre o denunciado – a situação pode constituir um crime de Difamação, p. e p. pelo artigo 180º, n.º 1, do Cód. Penal, na medida em que o denunciante se serve da queixa para atingir, especificamente, a honra e consideração do denunciado."

18º Não estando nós perante uma situação enquadrável no primeiro caso, conforme se afirmou anteriormente, tudo nos evidencia e encaminha para a efetiva ocorrência de um crime por parte do arguido, ao usufruir para lá do aceitável de um direito que lhe assistia, isto é, o direito à queixa.

19º Utilizaram este mecanismo legal para alcançar fins egoísticos, irracionais e, acima de tudo, através de condutas ilícitas!

20º Pelo exposto os arguidos denunciaram caluniosamente o assistente, incorrendo, assim, na prática do crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo art. 365º do Código Penal.

21º É notória a intenção do arguido na conduta no intuito meramente e notoriamente vingativa, uma vez que o assistente possuiu vários processos em tramite no Tribunal contra o mesmo, quais sejam:

1) Processo nº 5063/09.0TBLRA do 2.º Juízo Cível do Trib. Jud. de Leiria: Ação Ordinária movida por E..., filho de A..., contra o Sr. B... e outros, no valor de 35.616,77 €, por conta de um bungalow vendido pelo mesmo, pago, mas jamais entregue;

2) Processo nº 5063/09.0TBLRA-A do 2.° Juízo Cível do Trib. Jud. de Leiria: Providência Cautelar de Arresto, apenso ao processo acima referenciado, na qual inicialmente foi arrestado um bungalow, ficando o Sr. B... corno fiel depositário, no entanto o mesmo vendeu-o sendo necessário o arresto de outros bens. Somente na terceira tentativa de arresto conseguiu-se levar a cabo a decisão judicial e arrestar os bens existentes na residência do Sr. B..., uma vez que o mesmo sempre apresentou comportamento agressivo e perturbador;

3) Processo n.º 2688/11.8TBLRA do 2º Juízo Cível do Trib. Jud. de Leiria: Ação Ordinária/Pauliana movida por E... contra a Sra. F..., Sr. B... e outros, que tem como objeto a anulação de diversas transações efetuadas pelos mesmos, simuladas, com o fim único de subtrair o património deles em detrimento dos seus credores;

4) Processo nº 3970/09.0TBLRA do 5º Juízo Cível do Trib. Jud. de Leira: Execução movida por G..., Lda. contra o Sr. C..., no valor de 7.905,18 €, por conta de um fornecimento de bens e serviços às sociedades H..., Lda. e I..., Lda. , geridas à época pelo Sr. B..., na qual foi entregue letras para pagamento das faturas cujo sacado é o Sr. C.... No âmbito desse processo foi penhorado 1/3 do salário do Sr. C..., sendo que o mesmo não apresentou oposição à execução;

5) Processo n.º 5051/10.4TBLRA do 1º Juízo Cível do Trib. de Leira: Execução movida por G..., Lda. contra o Sr. C..., no valor de 9.942,76 €, por conta de um fornecimento de bens e serviços às sociedades H..., Lda. e I..., Lda., geridas à época pelo Sr. B..., na qual foi entregue letras para pagamento das faturas cujo sacado é o Sr. C...;

6) Processo n.º 142/10.4GBACB do 1º Juízo do Trib. Jud. de Alcobaça: (I) Queixa-crime movida pela Dra.D... (advogada e esposa de A...) contra o Sr. B..., condenado pelo crime de injúria agravada (art. 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea I do CP), e na pena de 160 dias multa. Condenado ainda a pagar 7.000,00 € a título de indemnização civil, pelo fato de tê-la injuriado no cumprimento do exercício de sua profissão;

7) Processo n.º 962/11.2TAACB do 1º Juízo do Trib. Jud. de Alcobaça: (II) Queixa-crime movida pelo Sr. A... e Dra. A... contra do Sr. B..., na qual o mesmo já foi pronunciado, por ter proferido em juízo, aquando de suas declarações, palavras injuriosas e caluniosas contra os queixosos;

8) Inquérito nº 2027/12.0TALRA – 2ª Secção do M.P. Leiria apenso ao Inquérito nº 2119/11.3TALRA da 1ª Secção do M.P. Leiria: (III) Queixa-crime movida por A... contra B... e C..., na qual o C... foi acusado pelo crime de corrupção passiva, na forma tentada, p.p. pelos artigos 22º, 23º e 373º, nº 1, por ref. aoart. 386º, nº 1, todos do CPP, e pelo crime de acesso ilegítimo p.p pelo art. 6º, nº 1 e 4, a) da Lei 109/2009 de 15/09, consumado.

22º De fato, tal prática por parte do arguido (denunciação caluniosa) é um artifício já utilizado pelo mesmo por diversas vezes para coagir/chantagear o assistente e até outras pessoas, afim de desistirem de ações judiciais intentadas contra os mesmos, ou praticarem atos de acordo com as vontades deles.

23º Nomeadamente, entre outras pessoas, J... e L....

24º Por outro lado, com a presente abertura de instrução pretende-se demonstrar e provar a conduta dolosa do arguido.

25º Pois, de fato, tais fatos outrora imputados ao assistente são falsos.

30º Pelo exposto o arguido denunciou caluniosamente o assistente, incorrendo, assim, na prática do crime de denúncia caluniosa previsto e punível pelo art. 365º do Código Penal.

Termos em que e nos demais de direito, requer a V. Exa. que seja declarada aberta a instrução e, em consequência, proferido despacho de pronúncia do arguido/participado pela prática do crime denúncia caluniosa.

Como rol de testemunhas requer a inquirição das seguintes, bem como a sua notificação:

(…)”. 

Como se vê, no dito requerimento, o assistente, limitou-se:

- A transcrever parte da conclusão de direito do despacho de arquivamento do Ministério Público, afirmando a sua discordância quanto ao decidido [arts. 1º e 2º];  

- Dizendo passar à revisão dos factos participados dados por confirmados nos autos, enunciou apenas conclusões sobre a conduta do arguido – pretendeu «imputar-lhe crimes de ameaças, injúrias, entre outros, todavia totalmente irracionais e sem qualquer fundamento», «actuou com desonestidade aquando da apresentação da queixa (…) atitude de onde se infere astúcia maliciosa (…) sem juntar qualquer prova», «denegrindo inevitavelmente a imagem do assistente» – e transcreveu o sumário de um acórdão do nosso mais Alto Tribunal [arts. 3º a 10º];

- Seguiu-se a enunciação de novas conclusões – «denúncia (…) sem nenhuma pretensão de sustentação, completamente infundada, compaginando apenas uma atitude vexatória/incriminatória, absolutamente desproporcionada» – e a transcrição do sumário de um acórdão da Relação do Porto [arts. 11º a 13º];   

- Concluiu depois que havendo o lançar de suspeita de conduta idónea a provocar procedimento criminal, com consciência da falsidade da imputação, se está perante um crime de denúncia caluniosa, e procedeu à transcrição do sumário de outro acórdão da Relação do Porto [arts. 14º a 17º];

- Volta a reafirmar o cometimento do crime de denúncia caluniosa, por ter o arguido excedido o limite aceitável do direito de queixa, usando-o para alcançar fins egoístas, através de conduta ilícita e enuncia uma lista de processos judiciais que correm entre ambos e que, em seu entender, notoriamente demonstram o intuito meramente vingativo do arguido [arts. 18º 21º];

- Termina, dizendo que o arguido já utilizou o mesmo artifício diversas vezes para o coagir bem como a outras pessoas – que nomeia – que a instrução visa demonstrar a conduta dolosa por os factos imputados serem falsos, e que o arguido incorreu na prática de crime de denúncia caluniosa [arts. 22º a 30º].

Temos pois que, em parte alguma do requerimento é apresentada uma acusação alternativa à omitida pelo Ministério Público, da qual constem os factos necessários ao preenchimento do tipo, objectivo e subjectivo, do crime de denúncia caluniosa, por cuja prática pretendia a pronúncia do arguido.

O assistente discordou do entendimento do Ministério Público sobre a indiciação do dolo do arguido relativamente ao crime em questão, e apresentou os seus argumentos para sustentar a dissensão. Acontece que a argumentação deduzida, independentemente da sua exactidão – e nem sempre as conclusões tiradas estão conformes a factos objectivamente demonstrados nos autos, como é o caso da afirmação de que o arguido, na queixa que apresentou contra o assistente, não indicou qualquer prova [no auto de denúncia de fls. 6 a 9, o aí denunciante B...indicou uma testemunha, identificada na inquirição de fls. 14 a 15 como cônjuge daquele], ou o caso de nem que todos os processos indicados como correndo entre assistente e arguido os tenham como partes [como resulta da sua identificação no próprio requerimento], aspectos que, no entanto, serão sempre marginais à questão de que cuidamos – é apenas enquadrável no âmbito das razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, sendo, no entanto, insusceptível de traduzir uma verdadeira acusação. Com efeito, o assistente sustentou, argumentativamente, as razões pelas quais entendia estar indiciada a conduta dolosa do arguido mas, e contrariamente ao afirmado na conclusão 29ª, omitiu, como lhe era imposto pelos arts. 287º, nº 2 e 283º, nº 3, c), do C. Processo Penal, a narração dos factos, objectivos e subjectivos, que imputava ao arguido e pelos quais, com a requerida fase processual, pretendia obter a sua pronúncia.

Esta omissão, como supra se deixou dito, determina que a instrução careça de objecto, conduzindo à sua inadmissibilidade legal que, como se sabe, é uma das causas de rejeição do requerimento (art. 287º, nº 3 do C. Processo Penal).

5. Evidentemente que a rejeição do requerimento para abertura da instrução não permite que o juiz de instrução comprove a decisão de arquivamento do inquérito, designadamente através da produção da prova requerida pelo assistente, mas daí não decorre uma violação da Constituição da República Portuguesa, pela negação do acesso à Justiça ao recorrente, como é pretendido na conclusão 32ª.

É que, como se viu, a rejeição do requerimento, ficou a dever-se apenas à apontada deficiência substancial de que padece, deficiência da exclusiva responsabilidade do assistente, sendo certo que há muito se mostra afastada a possibilidade de convite ao seu aperfeiçoamento, face à jurisprudência uniformizada pelo Acórdão nº 7/2005, de 12 de Maio (DR, I-A, de 4 de Novembro de 2005).

O que antecede é integralmente aplicável à pretendida nulidade do despacho recorrido, qualificada como insanável, nos termos da alínea d) do art. 119º do C. Processo Penal – conclusões 34º e 35º –, limitando-nos a dizer que a norma citada, quando referida à instrução, exige um esforço de interpretação, na medida em que, hoje, a instrução nunca é obrigatória (cfr. art. 286º, nº 2 do C. Processo Penal), no sentido de que se refere à instrução já requerida e sem existência de razão para rejeição (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, Rei dos Livros, Volume I, 3ª Edição, 2008, pág. 743 e ss.).


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            Em síntese conclusiva:

            - O requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente na sequência de despacho de arquivamento do Ministério Público em procedimento por crime público ou semi-público, deve conter, além do mais, uma verdadeira acusação, implícita e alternativa, narrando os factos e indicando as disposições legais aplicáveis, e assim definindo o objecto da instrução;

- A omissão da narração dos factos, objectivos e subjectivos, no requerimento determina a sua rejeição, nos termos do art. 287º, nº 3, do C. Processo Penal, por inadmissibilidade legal da instrução por falta de objecto; 

- Tendo, in casu, o requerimento instrutório do assistente omitido a narração dos factos pelos quais deveria o arguido ser pronunciado e submetido a julgamento, não merece censura o despacho recorrido que o rejeitou.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.


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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS. (art. 515º, nºs 1, b) do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).

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Coimbra, 4 de Fevereiro de 2015


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves -adjunto)