Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2460/19.7T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
REQUISITOS
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Data do Acordão: 12/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 227º E 1152º C. CIVIL E 11º E 102º CÓDIGO DE TRABALHO.
Sumário: I – O contrato de trabalho está definido no artº 1152º do Cod. Civil, reproduzido, no essencial, no artº 11º do CT:
"Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta."

II - Em face da definição legal, e de harmonia com que a doutrina e jurisprudência têm entendido, são dois os elementos constitutivos do contrato de trabalho:

a)- subordinação económica;

b)- subordinação jurídica.

III - O primeiro elemento traduz-se no facto de o trabalhador receber certa retribuição do dador de trabalho; para que se verifique o segundo é necessário que na prestação da sua actividade o trabalhador esteja sob as ordens, direcção e fiscalização do dador de trabalho.

IV - Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

V - A subordinação jurídica traduz-se no poder do empregador conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; é ao credor que cabe programar, organizar e dirigir a actividade do devedor; a ele incumbe não apenas distribuir as tarefas a realizar, mas ainda definir como, quando, onde e com que meios as deve executar cada um dos trabalhadores.

VI - Para que haja responsabilidade pré-contratual é necessário que existam efectivas negociações e que a mesmas sejam suscetíveis de criar uma razoável base de confiança no outro contraente, e que tal ruptura seja ilegítima - Ac. Rel. Lisboa de 2001-07-08, CJ, Tomo 4.º, pág. 77.

VI - Se alguém inicia e prossegue negociações, criando na outra parte expectativas de negócio, mas com o propósito de as romper ou de não fechar o contrato, ou formando no decurso dessas negociações tal propósito de forma arbitrária, dessa maneira defraudando a confiança que a outra parte tenha formado na celebração deste, viola aquelas regras, devendo indemnizar os prejuízos que cause - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2020, in www.dgsi.pt/.

Decisão Texto Integral:                 









    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
                    M... veio instaurar a presente acção emergente de contrato de trabalho contra G..., Lda,   pedindo que a Ré seja condenada a:

                    a) Reconhecer a existência do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré.

                    b) Pagar à Autora todos os créditos salariais devidos pelo trabalho realizado durante os dois dias em que laborou para a empresa, acrescido do respectivo subsídio de refeição,

                    c) Pagar à Autora o valor contratualmente garantido de €3.200,00, acrescido de juros de mora desde o dia da cessação do contrato até integral pagamento.

                    d) Pagar à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais a arbitrar em montante nunca inferior a €2.000,00.

                    Alegou, para tanto e em síntese, que trabalha habitualmente como profissional de telecomunicações.

                    Tal como havia sido previamente acordado, a Ré, representada pelo seu Director Geral, ..., enviou para a Autora uma proposta de trabalho e um plano de trabalho especialmente delineado para a Autora, na qual se obrigou a admitir aquela ao seu serviço, por contrato de trabalho.

                    Tal proposta configurou uma verdadeira promessa de trabalho dirigida à Autora, que esta aceitou, motivo que a levou a fazer cessar o seu anterior contrato e a rejeitar uma outra proposta de emprego efectuada pela operadora ...

                    Uma vez aceite tal proposta, a Autora apresentou-se ao serviço da F..., iniciando-se de imediato a actividade laboral, sendo que durante dois dias a Autora desempenhou efectivamente as funções de operadora de loja, em local pertencente à Ré, sob a sua direcção, durante o horário de funcionamento daquela, utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe haviam sido disponibilizados

                    No entanto, sem que nada o fizesse prever, e sem instauração de qualquer processo disciplinar, mediante contacto telefónico, foi comunicado à Autora  que estaria dispensada de comparecer ao serviço da F..., não tendo a Ré pago à Autora a quantia contratualmente garantida.

                    O  legal representante da Ré não procedeu de acordo com os ditames da boa-fé nos preliminares e formação do contrato de trabalho, como também não o fez durante a sua execução, configurando ainda a sua actuação ao despedi-la por chamada telefónica um despedimento ilícito. Tal situação causou danos não patrimoniais à Autora, defraudando as suas legítimas expectativas em relação à manutenção do vínculo contratual, danos esses que devem ser ressarcidos pela Ré.

                    A Ré apresentou contestação onde, essencialmente, alega que não foi celebrado qualquer contrato de trabalho entre a Autora e a Ré, pelo que não existe da sua parte qualquer responsabilidade pela cessação do mesmo.

                    Foram estabelecidas conversações entre a Autora e o ...  tendentes à eventual contratação laboral da Autora, sem que contudo se tenha sequer concretizado qual seria a entidade patronal da Autora.

                    A proposta constante do email enviado à Autora não consubstanciava uma proposta contratual completa, não constando da mesma aspectos essenciais caracterizadores da relação laboral - objecto da prestação de trabalho, categoria profissional a exercer, local onde iria ser desempenhado o trabalho, nem os períodos de trabalho.

                    A Autora não manifestou qualquer vontade de celebrar o contrato, nem nunca se apresentou ao serviço da Ré.

                    Na sequência de tal contestação, veio a Autora  deduzir incidente de intervenção provocada de S..., Lda,  e de ....

                    E na sequência de tal pedido de intervenção reformulou o seu pedido, passando a ser o da condenação da Ré a:

                    - Pagar à Autora todos os créditos salariais devidos pelo trabalho realizado durante os dois dias em que laborou para a empresa, acrescido do respectivo subsídio de refeição,

                    - Pagar à Autora o valor contratualmente garantido de €3.200,00, acrescido de juros de mora desde o dia da cessação do contrato até integral pagamento.

                    - Pagar à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais a arbitrar em montante nunca inferior a €2.000,00.

                    E, subsidiariamente ser a chamada S..., Lda, condenada a:

                    - Pagar à Autora todos os créditos salariais devidos pelo trabalho realizado durante os dois dias em que laborou para a empresa, acrescido do respectivo subsídio de refeição,

                    - Pagar à Autora o valor contratualmente garantido de €3.200,00, acrescido de juros de mora desde o dia da cessação do contrato até integral pagamento.

                    - Pagar à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais a arbitrar em montante nunca inferior a €2.000,00.

                    Ou ainda, também subsidiariamente, ser o chamado ... condenado a:

                    - Pagar à Autora todos os créditos salariais devidos pelo trabalho realizado durante os dois dias em que laborou para a empresa, acrescido do respectivo subsídio de refeição,

                    - Pagar à Autora o valor contratualmente garantido de €3.200,00, acrescido de juros de mora desde o dia da cessação do contrato até integral pagamento.

                    - Pagar à Autora uma indemnização por danos não patrimoniais a arbitrar em montante nunca inferior a €2.000,00.

                    A S..., Lda, veio fazer sua a contestação da Ré e o chamado ... veio apresentar contestação, de idêntico teor àquela outra.

                    Realizado o julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré e os chamados do pedido.
                                                           x
                    Inconformada, veio a Autora apresentar o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

...
                        A Ré G... contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.

                    Foram colhidos os vistos legais.

                    O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação.

                    Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como questões em discussão:
                 - se foi celebrado entre as partes um contrato de trabalho;
                    - se a Ré ou os chamados agiram de má-fé nos preliminares da celebração de contrato.
                    A 1ª instância considerou provados os seguintes factos, não objecto de impugnação:

                        1- A Autora nos últimos 4 anos trabalhou, entre outras actividades, como comercial na área das telecomunicações, em lojas ...

                        2- A Ré é uma empresa do Ramo das telecomunicações, com elevada implantação regional.

                        3- No dia 9 de Outubro de 2018, tal como previamente havia sido acordado, o Sr. ..., sócio gerente da Ré, do endereço ... enviou para a Autora um email com o assunto “proposta de trabalho” no qual consta “conforme combinado junto envio a proposta de trabalho. Tal como falamos e pelo motivo que me explicou, se aceitar a proposta e para que se sinta mais confortável nos primeiros 4 meses de trabalho, garanto-lhe um valor mínimo a receber de 800,00€, ou se ultrapassar que é o que tenho a certeza que vai acontecer receberá o valor a quem tem direito”, conforme documento constante de fls. 12 dos autos.

                        4- Em tal email foi ainda enviada à Autora um documento denominado de “plano de trabalho”, nos termos constantes do documento de fls. 13 a 15 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

                        5- A Autora demonstrou interesse na sua admissão.

                        6- Na data de tal email a Autora trabalhava como operadora na loja da ..., situada no ..., o que fazia desde 27-08-2018, através de empresa de trabalho temporário, tendo a mesma cessado tal contrato com efeitos em 11-10-2018.

                        7- O Grupo F..., da qual faz parte a Ré G..., é uma MultiOperadora de grande prestígio, composta por profissionais com dezassete anos de experiência no ramo das telecomunicações e que está associada, nomeadamente, a serviços de televisão e internet, venda de telemóveis e smartphones, bem como assistência técnica.

                        8- Que conta atualmente com sete lojas em cinco cidades do interior do país e tem um número considerável de colaboradores, onde se destacam as Lojas ...

                        9- Destacando o grau de qualidade dos serviços que oferece e a fiabilidade da empresa.

                        10- No ano de 2017, inclusive, as Lojas ... venceram, respetivamente, o 1º e 2º lugar na categoria de melhor loja de agente do país.

                        11- Privilegiando a contratação de colaboradores especializados.

                        12- No plano de trabalho aludido no nº 4, constava a oferta de uma retribuição mensal base no valor do salário mensal mínimo, ao qual acrescia o pagamento de subsídio de alimentação, no valor de 4,77€ diários, Formação ... com certificação, a disponibilização de veículo automóvel durante o horário de trabalho com Plafond disponível de gasóleo de 200,00€, a atribuição de um telemóvel com chamadas ilimitadas para todas as redes entre outras comissões.

                        13- No dia 14 de Novembro de 2018 (domingo) pelas 23h40, o referido

 ... do endereço ... enviou para a Autora um email, com o assunto “Proposta de Trabalho” no qual consta “ Por decisão estratégica da minha empresa resolvemos não avançar para a sua contratação, assim sendo fica sem efeito o que tínhamos falado. Lamento pelo transtorno que possa ter causado”, conforme documento de fls. 36 verso dos autos.

                        14- A Autora tem dois filhos menores a seu cargo, situação que era do conhecimento do referido ...

                        15- A Autora e o sr. ... estabeleceram conversações tendentes à eventual contratação da Autora, sem que, contudo, entre ambos se tenha concretizado, além do mais, qual seria a eventual entidade empregadora.

                        16- O Sr. ... é Director Geral do grupo F..., trabalhando indistintamente para a Ré e para interveniente sociedade comercial por quotas denominada S..., Lda., com o número único de identificação fiscal e matrícula ..., com sede na Rua ..., ambas com sede em ..., com o mesmo objecto social e das quais, juntamente com o senhor ... aquele é sócio gerente.

                        17- A Autora, no dia 12 de Outubro de 2018 (sexta-feira), por instruções do Sr. ..., deslocou-se a ..., para uma entrevista e para ultimar pormenores com vista à assinatura do contrato.

                        18- Nesse dia a Autora não foi apresentada ao outro sócio porque o mesmo não se encontrava presente.

                        19- Nesse dia não foi assinado qualquer contrato, por o sr. ... ter tido necessidade de se ausentar, tendo sido referido à Autora que o mesmo seria ultimado na segunda feira seguinte, o que não veio a suceder em face do email aludido no nº 13.

                        20- A Autora após o recebimento do email aludido no nº13, em data não concretamente apurada trabalhou na Loja ...

                        21- A Autora respondeu ao email referido no nº 13, nos termos constantes do documento de fls. 43 verso que aqui se dá por reproduzido.          

                                                   x
                 - o direito:
                    - a primeira questão se foi celebrado entre as partes um contrato de trabalho:

                    Quer em sede de petição inicial quer no recurso, entende a Autora que, em face das reuniões presenciais, comunicações via telefónica e troca de correspondência, onde foram ultimados os pormenores que iriam reger a relação contratual, entre as partes foi verdadeiramente celebrado um contrato de trabalho, pese embora não reduzido a forma escrita.

                    A sentença recorrida, concluindo pela negativa e após citar a legislação e a doutrina aplicáveis, referiu:

                    “Ora, no caso em apreço, perante os factos provados não se poderá concluir que vigorou entre Autora e Ré uma relação laboral, ou seja que entre ambas tenha sido celebrado um contrato de trabalho.

                        Na verdade, pese embora a troca de mensagens via email, entre a Autora e o Sr. ..., com vista à contratação da Autora, do teor dos mesmos não resultam verificados os elementos essenciais para que se possa concluir que foi ultimada a celebração de um contrato de trabalho.

                        Efectivamente, de tal correspondência, não resulta qual seria a entidade patronal da Autora, se a Ré se a chamada S..., Lda, sendo o referido ... sócio gerente de ambas as sociedades, se o próprio ...

                        Também não resulta da mesma correspondência qual o objecto do trabalho, ou seja, as concretas funções que a Autora iria exercer, o local e horário de trabalho e em que data se iniciaria tal contrato.

                        Por outro lado, também não logrou a Autora demonstrar, como havia alegado que que na sequência de tal correspondência trabalhou para a Ré, ou para alguns dos chamados durante dois dias, que durante esses dois dias desempenhou efectivamente as funções de operadora de loja, em local pertencente à Ré sob a sua direcção, durante o horário de funcionamento da ré, utilizando os equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe haviam sido disponibilizados, sendo que também não demonstrou ter exercido qualquer actividade para os chamados.

                        Assim, resulta desde logo que a Autora não logrou demonstrar, desde logo dois dos elementos essenciais e caracterizadores da existência de um verdadeiro contrato de trabalho, ou seja a actividade que seria desenvolvida e a subordinação jurídica, pois que não demonstrou ter exercido qualquer tipo de actividade para a Ré ou para qualquer dos chamados, sendo certo que da correspondência trocada não constam tais elementos essenciais.

                        Desta forma, dos factos provados não se pode extrair que entre a Autora e a Ré ou de qualquer dos chamados vigorou um contrato de trabalho, que cessou ilicitamente por iniciativa de qualquer deles, com a comunicação via email de 14 de Novembro de 2018”.

                    Subscrevemos, sem reserva e na sua totalidade, estas considerações.

                    O contrato de trabalho está definido no artº 1152º do Cod. Civil, reproduzido, no essencial, no artº 11º do CT:

          "Contrato  de  trabalho  é aquele pelo qual uma  pessoa  se obriga,  mediante  retribuição,  a  prestar  a  sua  actividade intelectual  ou  manual  a  outra pessoa, sob  a  autoridade  e direcção desta."

          Em  face  da  definição  legal, e de  harmonia  com  que  a doutrina   e   jurisprudência  têm  entendido,  são   dois   os elementos constitutivos do contrato de trabalho:

                    a)‑ subordinação económica;

                    b)‑ subordinação jurídica.

                    O  primeiro  elemento traduz‑se no facto de  o  trabalhador receber  certa  retribuição do dador de trabalho; para  que  se verifique  o  segundo  é necessário que na  prestação  da  sua actividade  o  trabalhador  esteja sob as  ordens,  direcção  e fiscalização do dador de trabalho.

          Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

                    A subordinação jurídica traduz-se no poder do empregador conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou; é ao credor que cabe programar, organizar e dirigir a actividade do devedor; a ele incumbe não apenas distribuir as tarefas a realizar, mas ainda definir como, quando, onde e com que meios as deve executar cada um dos trabalhadores.

                    Desta breve enunciação retira-se, inequivocamente, que constituem elementos essenciais do contrato de trabalho, para além da, uma vez que estamos perante um contrato intuitu personae,  determinação da entidade empregadora, a descrição da actividade funcional do trabalhador, qual a concreta actividade a que o trabalhador se obriga, bem como que a mesma é exercida através da sujeição às ordens, directivas e instruções daquela entidade.

                    Ora, nem da “proposta de trabalho” contida no email a que se refere o facto 3, nem do “plano de trabalho“ a que aludem os factos 4 e 12 constam tais elementos essenciais, não esquecendo que quem interveio nas comunicações trocadas com a  Autora foi o ..., que, sendo embora sócio-gerente da Ré, também é Director Geral do grupo F..., trabalhando indistintamente para a Ré e para a interveniente S... - facto 16. E nas conversações tendentes à eventual contratação da Autora, nunca entre a Autora e o ... se  concretizou, além do mais, qual seria  a eventual entidade empregadora.

                    Por outro lado, não logrou a Autora provar, como alegou e como lhe competia - artº 342º, nº 1, do Cod. Civil - , que chegou a trabalhar dois dias para a Ré, que desenvolveu qualquer tipo de actividade para esta e em que o moldes o fez, de modo a poder concluir-se pela existência da descrita subordinação jurídica.

                    Daí que, e sem qualquer dificuldade de percepção e análise, tenha de ser negativa a resposta a esta primeira questão.

                    Ficando prejudicadas, dado a Autora não ter provado, como lhe competia, a existência de contrato de trabalho, quaisquer considerações sobre a licitude da cessão do mesmo, por ter ocorrido no decurso do período experimental.
                    - a segunda questão - se a Ré ou os chamados agiram de má-fé nos preliminares da celebração de contrato:

                    Aqui a apelante entende que se verificou a denominada culpa in contrahendo, dado que toda a actuação da Ré, desenvolvendo as negociações que existiram, foi no sentido e criar na Autora toda a expectativa de que o contrato seria celebrado. Violou assim a Ré os deveres pré-contratuais e incorreu em responsabilidade, devendo indemnizar a Autora pelos danos causados.

                    A este respeito escreveu-se na sentença:

                    “Ora, estabelece o artº 102º do CT, referente à culpa na formação dos contratos, que “Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato de trabalho, deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos culposamente causados.”

                        Desta forma, na formação do contrato de trabalho, as partes devem nortear a sua conduta pelas regras da boa fé, sendo este princípio aplicável tanto nos preliminares como na fase de negociação do contrato.

                        Este princípio decorria já do artº 227º do Código Civil, mas encontra-se também expressamente consagrado no Código do Trabalho.

                        Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II, situações laborais individuais, 2ª ed. Revista e actualizada, pág. 134 e seguintes, “Trata-se de uma concretização objectiva do princípio geral da boa fé, que faz apelo a uma actuação dos contraentes conforme aos valores dominantes na ordem

jurídica. No caso, o princípio impõe às partes que não frustrem injustificadamente as expectativas da outra parte em relação ao negócio e que adotem um comportamento correcto para com ela, respeitando designadamente, os deveres de informação e de lealdade. Tal como sucede em termos gerais, a violação culposa destes deveres que cause danos à outra parte, faz surgir o dever de indemnizar, desde que se verifiquem os requisitos da tutela da confiança – i.e., a criação de um estado de confiança no declaratário sobre a formação do contrato, a imputação dessa situação ao declarante, o investimento do declaratário nessa situação de confiança, e por fim, a frustração injustificada da situação de confiança pelo declarante com um resultado danoso para o declaratário.”

                        Ora, no caso em apreço, verifica-se que a proposta de trabalho que foi apresentada por email à Autora, como supra se referiu não versava sobre todos os aspectos essenciais caracterizadores de um futuro contrato de trabalho, pois que não resultavam desde logo a identificação da entidade empregadora, as concretas funções ou actividade que a autora iria desempenhar, o seu horário de trabalho e o local de trabalho, não revelando uma intenção inequívoca de contratar, nem do mesmo consta a manifestação da Autora em aceitar o trabalho.

                        Por outro lado, também não se pode concluir que a Ré ou qualquer dos chamados tenha agido de má-fé nas negociações preliminares à formação do contrato, geradora de responsabilidade pré-contratual ou in contrahendo.

                        Na verdade, não resultaram comprovados factos que permitam concluir que foi criada na Autora um estado de confiança sobre a formação do contrato e que lhe tenham sido criadas legítimas expectativas de que o mesmo fosse ultimado.

                        Efectivamente, estava apenas em causa uma proposta que implicaria posteriores negociações e concretização de aspectos que podiam não vir a ser aceites quer pela Autora quer pela empregadora contratante.

                        (…)

                        Ora, no caso em apreço, perante os factos provados não se pode concluir pela existência de qualquer comportamento culposo da Ré ou de qualquer dos

chamados que de forma injustificada tenha frustrado as expectativas da Autora ou da sua confiança no sentido de que o contrato viria a ser celebrado, tanto mais que ainda era necessário acordar determinados aspectos que podiam não ser aceites por qualquer das partes.

                        Assim, terá que se considerar que não se mostram preenchidos os requisitos da responsabilidade pré-contratual ou in contrahendo que determine a obrigação de indemnizar pela Ré ou por qualquer dos chamados”.

                    Também aqui concordamos inteiramente com a sentença.

                    Como se refere no Ac. da Rel. do Porto de 8/9/2020, in www.dgsi.pt, “Tendo em conta os ensinamentos do Prof. Almeida e Costa podemos afirmar que o Código Civil coloca sob a égide do princípio da boa fé as fases fundamentais do desenvolvimento do vínculo contratual: a formação (artigo 227º; a integração (artigo 239º) e a execução (artigo 762º).

                        Estipula o artigo 227º do C.Civil que “quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

                        A doutrina sustenta que os deveres pré-contratuais encontram a sua fonte na relação que nasce entre as partes com o fim de preparar o conteúdo do futuro contrato. Isto porque o fim essencial e principal de quem negoceia é a “representação preventiva” do futuro contrato o mais próximo possível da realidade.

                        Ora, é precisamente para atingir este fim que incidem os chamados deveres de comportar-se segundo a boa fé, vinculando cada uma das partes a comunicar, conformemente à verdade, tudo aquilo de que a outra parte carece para formar um quadro exacto sobre a matéria objecto das negociações. (sublinhado nosso).

                        (…)

                        “A culpa in contrahendo funciona, assim, quando a violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade conduza á frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo da busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuíram.

                        Ao falar-se em responsabilidade pela culpa na formação dos contratos, o vocábulo “formação” é usado em sentido amplo abrangendo todo o processo genético do acordo quer se chegue ou não a concluir o contrato”.

                    Para que haja responsabilidade pré-contratual é necessário que existam efectivas negociações e que a mesmas sejam suscetíveis de criar uma razoável base de confiança no outro contraente, e que tal ruptura seja ilegítima - Ac. Rel. Lisboa de 2001-07-08, CJ, Tomo 4.º, pág. 77.

                    Se alguém inicia e prossegue negociações, criando na outra parte expectativas de negócio, mas com o propósito de as romper ou de não fechar o contrato, ou formando no decurso dessas negociações tal propósito de forma arbitrária, dessa maneira defraudando a confiança que a outra parte tenha formado na celebração deste, viola aquelas regras, devendo indemnizar os prejuízos que cause - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2020, in www.dgsi.pt/.

                        No caso concreto, e como já se referiu, as comunicações efectuadas entre as partes, a “proposta de trabalho” e o "plano de trabalho” não incluíram elementos essenciais do contrato de trabalho - a identificação da entidade empregadora, as concretas funções ou actividade que a Autora iria desempenhar, se o iria fazer sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, o horário de trabalho e o local de trabalho.

                    Por outro lado, desses e dos outros factos dados como provados não resulta a inequívoca vontade da Ré ou dos chamados de contratar, mas uma mera intenção do sócio-gerente de tal vir a acontecer, não se sabendo se o seria para a Ré ou para qualquer dos chamados. E por serem desconhecidos da Autora tais elementos não está minimamente demonstrado que a mesma anuísse ao que quer que fosse, sendo que, como acentua a sentença, estava apenas em causa uma proposta que implicaria posteriores negociações e concretização de aspectos que podiam não vir a ser aceites quer pela Autora quer pela empregadora contratante.

                    Daí que nunca se pudesse ter constituído no espírito da Autora qualquer legítima expectativa da que o contrato seria celebrado.

                    E a responsabilidade por culpa in contrahendo decorre do facto de

uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído e não da ruptura das negociações, da não conclusão do contrato ou da recusa da sua celebração, as quais são manifestações da liberdade contratual negativa - cfr. neste sentido Ac. da Rel. de Coimbra de 27/05/2015, no proc. 512/13.6TBCBR.C1, in www.dgsi.pt, citado pela sentença.

                    Improcede, assim, o recurso.
                    Decisão:

                    Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

                    Custas pela apelante.

                                                                     Coimbra, 18/12/2020