Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
975/14.2TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
CONCEITO
CONTRATO DEFINITIVO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 413º E 763º, Nº 2, AMBOS DO C. CIVIL.
Sumário: I) Apesar de celebrado com vista à outorga de um outro contrato e de por isso mesmo dever qualificar-se como um contrato preliminar, o contrato-promessa é um negócio completo e distinto do contrato definitivo, podendo a efectiva celebração deste ter ou não efeitos extintivos em relação àquele, o que só pode determinar-se no confronto dos respectivos conteúdos contratuais.

II) Por regra e na ausência de disposição nele contida a esse propósito, a celebração do contrato definitivo não extingue as obrigações decorrentes do contrato-promessa que não se integram no seu sinalagma específico e principalmente visado pelos contraentes, por não integrarem o objecto principal das prestações a que os contraentes se obrigaram, nem o leque das obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando.

III) O termo inicial da sanção pecuniária compulsória judicial deve coincidir com o trânsito em julgado da decisão judicial que a imponha.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

A autora propôs contra a ré a presente acção declarativa condenatória com a forma de processo comum, pedindo a condenação da ré a:

a) Cumprir o acordado no contrato promessa de compra e venda celebrado em Março de 2011: a substituir a garantia bancária entregue pela autora no processo administrativo ... a correr termos na Câmara Municipal de ... (cl.ª 9ª) e permitir a colocação e manutenção da tela publicitária afixada na estrutura de estabilização da fachada enquanto esta estrutura se mantiver (cl.ª 10ª);

b) Pagar à autora a quantia de € 1.554,07 referente à comissão bancária e respectivo imposto de selo pago da garantia bancária prestada pela autora no âmbito do processo administrativo ... da Câmara Municipal de ..., desde 19/11/2011 a 19/2/2014 e juros de mora à taxa legal para operações comerciais calculados desde a data de vencimento de cada comissão até 24/2/2014;

c) Pagar à autora as comissões bancárias, imposto de selo e respectivos juros de mora, que se vencerem após aquela data até à data da substituição da garantia bancária prestada pela autora;

d) Pagar à autora a quantia de € 19.500 a título de indemnização pelo impedimento do uso da estrutura de estabilização da fachada para afixação de publicidade desde 20/1/2013, a que deverão acrescer os respectivos juros de mora à taxa legal para operações comerciais;

e) Pagar à autora uma quantia a liquidar, mas não inferior a € 1.500 por cada mês que se vencer após Fevereiro de 2014 até à data em que a ré permitir à autora afixar a tela publicitária na estrutura de estabilização de fachada, acrescida dos respectivos juros de mora;

f) Pagar à autora e ao Estado a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso, no cumprimento das obrigações supra descritas, uma indemnização não inferior de € 100, desde a data do incumprimento até à data do cumprimento efectivo.

Alegou, em resumo, o seguinte: em Março de 2011 a autora e a ré celebraram o contrato-promessa de compra e venda de um imóvel de que a autora era dona, assumindo a ré, nesse contrato, a obrigação de providenciar pela substituição de uma caução de € 20.000 prestada pela autora num processo de licenciamento de obras pendente na Câmara Municipal de ..., assim como a obrigação de manter naquele imóvel a tela publicitária da autora afixada à estrutura de estabilização da fachada enquanto a mesma estrutura se mantivesse; em Abril de 2011 foi celebrado o contrato prometido; a ré não cumpriu as obrigações de substituição de caução e de manutenção de tela publicitária acima referidas, incumprimento esse que causou à autora os danos melhor enunciados na petição e cujo ressarcimento implicam a condenação da ré a satisfazer as peticionadas indemnizações; só a ré, na qualidade de proprietária do imóvel, pode cumprir o acordado, devendo ser fixada sanção pecuniária compulsória que a impele ao cumprimento.

Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Alegou, em resumo, o seguinte: tentou, sem sucesso e por oposição da Câmara Municipal de ..., a substituição da garantia bancária a que se obrigou, não podendo ser responsabilizada pela não substituição dessa garantia uma vez que fez todas as diligências necessárias para que à mesma se procedesse; a obrigação de manutenção da tela publicitária mantinha-se apenas até ao momento em que a mesma não fosse retirada do local onde se encontrava afixada, o que veio a acontecer por razões alheias à vontade da ré, que recusou legitimamente a reposição da tela retirada, tanto mais que a mesma anunciava algo que não conheceria existência no futuro; não foram estabelecidos prazos para cumprimento das obrigações que a autora sustenta terem sido incumpridas.

Saneado o processo, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, procedeu-se a julgamento, com observância estrita das formalidades legais, logo após o que foi proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

Julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, em consequência do que:

a) Condeno a ré a proceder à substituição da garantia bancária entregue pela autora no processo administrativo ... a correr termos na Câmara Municipal de ..., garantia bancária a que se reporta a cláusula 9ª do contrato-promessa identificado em 1) dos factos provados dos fundamentos de facto desta sentença.

b) Condeno a ré a permitir à autora a colocação e manutenção da tela publicitária a afixar na estrutura de estabilização da fachada - a que se reporta a cláusula 10ª do contrato promessa identificado em 1) dos factos provados dos fundamentos de facto desta sentença - enquanto esta estrutura se mantiver.

c) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de € 570,80 (quinhentos e setenta euros e oitenta cêntimos) a título de capital referente às comissões bancárias e respectivo imposto de selo pagos pela autora pela garantia bancária prestada no âmbito do processo administrativo ... da Câmara Municipal de ..., capital pago pela autora desde o dia 27/02/2013 e até ao dia 18/02/2014.

d) Ao capital referido em c) acrescem os juros de mora com as taxas previstas para os juros comerciais vencidos e contabilizados desde a data de vencimento da obrigação de pagar cada uma das obrigações parcelares compreendidas na quantia total referida em c), nos termos constantes do ponto 8) dos factos provados dos fundamentos de facto desta sentença, bem assim os juros de mora com as taxas previstas para os juros comerciais vincendos até efectivo e integral pagamento, em cujo pagamento à autora condeno a ré.

e) Condeno a ré a pagar à autora a quantia, a liquidar em incidente ulterior, referente a comissões bancárias, imposto de selo e respectivos juros de mora vencidos e vincendos às taxas previstas para os juros comerciais [associada a quantia a que se reporta esta alínea à garantia bancária referida em a) e c) deste segmento decisório], que se vencer após a data referida em c) (18/02/2014) e até à data da substituição, pela ré, da garantia bancária prestada pela autora.

f) Condeno a ré a pagar à autora e ao Estado, em parte iguais e a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações referidas em a) e b), uma indemnização diária de € 100,00 (cem euros), cujo termo inicial coincide com o dia da notificação desta sentença à ré e cujo termo final coincide com o cumprimento efectivo, por parte da ré, das obrigações referenciadas.

g) Absolvo a ré do demais peticionado pela autora.

h) Condeno a autora e a ré no pagamento das custas da acção na proporção do seu decaimento, proporção que desde já fixo em ½ para cada uma das partes, sem prejuízo do acerto final dependente do resultado da liquidação da sentença, procedendo-se ao rateio de acordo com a respectiva sucumbência aquando da liquidação.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a ré, rematando as suas alegações com as conclusões seguintes:

...

A autora também não se conformou com  sentença, dela tendo apelado, apresentando as seguintes conclusões:

...

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 - NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se os recursos da ré e da autora relativos à decisão sobre a matéria de facto devem ser rejeitados;

2ª) se a ré estava originariamente impedida de cumprir a cláusula 9ª) do contrato-promessa porque tal cláusula não foi transposta para a escritura pública pela qual se outorgou no contrato prometido e porque não foi atribuída eficácia real ao contrato-promessa;

3ª) se a ré apenas estava obrigada a manter a tela publicitária até ao momento em que por qualquer razão a mesma deixasse de estar afixada à estrutura de estabilização da fachada do prédio objecto do contrato-promessa referido no ponto 1º) dos factos provados, e não até ao momento em que fosse retirada essa estrutura de estabilização, tendo-se extinguido essa obrigação por força da danificação da tela referida no ponto 15º) dos factos provados;

4ª) se ré não pode cumprir por sua única iniciativa e vontade as obrigações cujo incumprimento por parte dela justificaram a sua condenação na sanção pecuniária compulsória fixada na sentença recorrida, não podendo uma dessas obrigações ser cumprida sem que terceiros incorram em violação de lei, razão pela qual a dita sanção foi fixada com violação do princípio da adequação;

5ª) se a sanção pecuniária compulsória só é devida a contar do trânsito em julgado da sentença que a impôs;

6ª) se a ré deveria ter sido condenada a pagar à autora uma indemnização por prejuízos decorrentes do facto daquela ter recusado a reposição da tela publicitária referida no ponto 4º) dos factos provados.

III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados

O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:

...

B) De direito

Primeira questão: se os recursos da ré e da autora relativos à decisão sobre a matéria de facto devem ser rejeitado.

1.1. Nos termos do art. 639º/1 do NCPC, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”.

Prescreve o art. 640º/1 do NCPC “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;” – art. 640º/2/a NCPC.

Resulta daquele primeiro normativo a imposição ao recorrente de dois ónus, a saber: 1º) o de alegar; 2º) o de formular conclusões.

Assim, com vista à satisfação daquele primeiro ónus, o recorrente deve apresentar a alegação onde: a) expõe os motivos e argumentos da sua impugnação, explicitando as razões pelas quais considera que a decisão está errada ou é injusta, seja do ponto de vista da apreciação da prova produzida e do julgamento da matéria de facto levada a efeito com base nela, seja do ponto de vista da interpretação e da aplicação do direito aos factos que devem considerar-se provados; b) enuncia o objectivo que visa alcançar com o recurso.

Por seu turno, para satisfação do segundo dos enunciados ónus, o recorrente deve terminar a sua minuta com a formulação de conclusões, por via das quais deve indicar resumidamente, através de proposições sintéticas, os fundamentos, de facto e/ou de direito, com base nos quais pede a alteração ou anulação da decisão – as conclusões são, assim, proposições onde se sumaria a exposição analítica do corpo das alegações.

Assim, em caso de recurso com impugnação da decisão sobre a matéria de facto e uma vez que também nesse domínio são as conclusões que delimitam o seu âmbito, delas têm de constar proposições que delimitem o seu objecto, fixando, pelo menos, o âmbito fáctico do recurso, por indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados (arts. 639º/1 e 640º/1/a do NCPC).

Por outro lado, pelo menos no corpo das alegações – sem prejuízo de também o poder fazer nas conclusões – o recorrente deve também delimitar: a) o objectivo recursório visado, por indicação da decisão que deve ser proferida em substituição da impugnada e quanto a cada ponto de facto que se considere incorrectamente julgado (arts. 639º/1 e 640º/1/c do NCPC); b) o âmbito probatório do recurso, por indicação dos concretos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida e, no caso de prova gravada, das concretas passagens da gravação a analisar pelo tribunal de recurso (arts. 639º/1 e 640º/1/b/2 do NCPC)[1].

Finalmente, o recorrente fáctico deve, também, proceder a uma apreciação crítica dos elementos que prova que invoca em benefício da sua pretensão recursiva, apresentando as concretas razões pelas quais desses meios de prova se impunha retirar conclusões fácticas diversas daquelas a que chegou o tribunal recorrido, sendo que no domínio da prova testemunhal essa apreciação crítica não se basta com a invocação de alguns depoimentos e com a mera transcrição dos mesmos[2].

Caso o recorrente não satisfaça as exigências enunciadas nos três antecedentes parágrafos ficam por preencher os requisitos de admissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto legalmente enunciados e cuja inobservância é cominada com a imediata rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao suprimento (art. 640º/1/2/a do NCPC).

Importa reter, igualmente, que para lá do delimitado pelas conclusões não é lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo se se tratar de questões de conhecimento oficioso que não tenham já sido decididas com trânsito em julgado.

Por outro lado, como ensina Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2013, pp. 128 e 129), pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo ele uma pretensão a um Tribunal que não intermediou a produção da prova, é antes compreensível “(…) uma maior exigência (…), sem possibilidade de paliativos (…)”, importando “(…) observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”.

Assim, naquelas situações, como a que ocorre nestes autos, de terem sido gravados os meios probatórios invocados como fundamentos do recurso e de ser possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, o recorrente tem de indicar, com exactidão, pelo menos nas alegações, as concretas partes dos depoimentos testemunhais em que se funda a divergência recursiva fáctica.

Tal indicação deve ser feita preferencialmente por referência à numeração temporal do registo áudio de cada um dos concretos excertos que se invoquem como fundamento da discordância, com identificação da hora, dos minutos e dos segundos de início e de fim de cada uma dessas passagens da gravação, embora se admita que também possa ser feita pela transcrição desses concretos excertos em termos de ficar claro para o tribunal de recurso quais as concretas partes de que depoimentos devem ser ponderadas e analisadas na reapreciação da matéria de facto, tudo sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.

Assim, conjugando as exigências legais referentes ao ónus de alegar e formular conclusões com as exigências enunciadas no art. 640º/1/2 do NCPC relativamente ao recurso incidindo sobre a matéria de facto, facilmente se depreende que nas conclusões do recurso o recorrente também tem de identificar, ainda que de modo sumário, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, devendo pelo menos no corpo das alegações identificar e analisar criticamente os meios de prova com base nos quais deve ser alterada a decisão impugnada, bem como indicar o sentido alternativo em que o julgamento da matéria impugnada deveria ter sido efectuado, sendo que no caso de estarem em causa depoimentos gravados, devem igualmente constar pelo menos das alegações, por imposição dos arts. 639º/1 e 640º/2/a do NCPC, com exactidão, os depoimentos e as correspondentes passagens das gravações em que o recorrente funda o seu recurso.

Neste sentido se pronuncia, na doutrina, Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 126), ao sustentar que “Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;”, acrescentando que “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

(…)

b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;

(…)

d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda” – p. 128.

No mesmo sentido se têm pronunciado os nossos tribunais superiores, como facilmente se depreende, apenas a título de exemplo, das seguintes decisões: acórdãos do STJ de 19/2/2015, proferido no âmbito da revista 299/05.6TBMGD.P2.S1, e de 4/3/2015, proferido no âmbito da revista 2180/09.0TTLSB.L1.S2; acórdão da Relação do Porto de 15/9/2014, proferido no âmbito da apelação 11/10.8TBGDM.P1; acórdão da Relação do Porto de 16/6/2014, proferido no âmbito da apelação 378/12.3TTLMG.P1; acórdão da Relação do Porto de 3/6/2014, proferido no âmbito da apelação 2438/11.9TBOAZ.P1; acórdão da Relação de Guimarães de 13/10/2014, proferido no âmbito da apelação 2149/12.8TBVCT.G1; acórdão da Relação de Lisboa de 12/2/2014, proferido no âmbito da apelação 26/10.6TTBRR.L1-4; acórdão da Relação de Lisboa de 13/3/2014, proferido no âmbito da apelação 569/12.7TVLSB.L1-6; acórdão da Relação de Lisboa de 3/9/2013, proferido no âmbito da apelação 1084/10.9TVLSB.L1-1; acórdão da Relação de Coimbra de 8/5/2012, proferido no âmbito da apelação 695/09.0TBMGR.C1; acórdão da Relação de Coimbra de 20/3/2012, proferido no âmbito da apelação 21/09.8TBSRE.C1; acórdão da Relação de Évora de 7/12/2012, proferido no âmbito da apelação 614/11.3TTPTM.E1; acórdão da Relação de Coimbra de 10/2/2015, proferido no âmbito da apelação 2466/11.4TBFIG.C1; acórdão da Relação de Lisboa de 15/4/2015, proferido no âmbito da apelação 164/10.5TTCLD.L2.

Volvendo ao caso em apreço e aplicando-lhe quanto vem de referir-se, é forçoso concluir no sentido de que deve ser rejeitado o recurso da ré incidindo sobre a matéria de facto, posto que não se encontra delimitado o respectivo âmbito fáctico.

Na verdade, percorridas as conclusões – e só a estas nos devemos ater para efeitos de delimitação daquele âmbito fáctico – fica sem se perceber que concreta matéria de facto se pretende ver julgada em sentido divergente daquele em que o foi pelo tribunal recorrido.

A recorrente não explicita nas conclusões que concreto ponto da matéria de facto dada como provada, de entre os 17 que a esse respeito são enunciados na decisão recorrida, nem que concreto ponto da matéria de facto dada como não provada, de entre as três alíneas que a tal propósito são enunciadas na mesma decisão, pretende ver julgado em sentido diferente daquele em que o foi pelo tribunal a quo.

Na verdade, muito embora na conclusão 5ª) se aluda às condições alegadas pela ré como sendo as que essencialmente determinaram o negócio celebrado entre as partes[3], em nenhuma parte das conclusões vem referido que essa matéria foi incorrectamente julgada, devendo ser decidida em termos diferentes do que o foi pelo tribunal recorrido.

Como assim, pela leitura exclusiva das conclusões que tem de ser efectuada para os efeitos em apreço, não pode considerar-se que o âmbito fáctico do recurso seja constituído pela relação de essencialidade entre aquelas condições e o concreto negócio celebrado entre a autora e a ré.

Por outro lado, consta da conclusão 7ª que “Estes documentos importam para a boa decisão da causa, nomeadamente, tendo em consideração os valores e características do negócio celebrado entre as partes, e em nada foram impugnados pela ora Apelada, que o Tribunal “a quo” não valorou violando o valor probatório que a lei confere aos mesmos e não os considerando como factos provados viola assim o disposto nos artigos 371º, n.º 1 e 376º n.º 1 ambos do CC e artigo 413º do CPC, incorrendo em notória violação da lei.”.

Parece, pois, que a ré pretende que determinados documentos fossem considerados como factos provados e que nessa medida fossem esses documentos que integravam e delimitavam o âmbito fáctico que está em apreço.

Ora, essa aparente pretensão da ré não pode lograr qualquer espécie de acolhimento, pois que um documento não constitui um facto, sendo antes um “…objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.” (art. 362º do CC); logo, os documentos não podem integrar, nem delimitar, o âmbito fáctico de um recurso, integrando antes o correspondente âmbito probatório.

Finalmente, não se descortinam das conclusões outros factos provados ou não provados que sejam objecto da discordância recursiva fáctica da ré e que, nessa medida, integrassem e delimitassem o referenciado âmbito fáctico.

Não estando delimitado o âmbito fáctico do recurso e face a quanto supra se expendeu, deve tal recurso ser imediatamente rejeitado, sem possibilidade de qualquer espécie de convite à sanação do vício determinante de tal rejeição.

1.2. Ex abundati cautela e para a eventualidade de se poder sustentar que o âmbito fáctico do recurso era integrado pela matéria descrita na alínea b) dos factos descritos como não provados[4], por delimitação indirecta desse âmbito decorrente da mera circunstância de ser essa a matéria que está referenciada na conclusão 5ª), mesmo que sem manifestação explícita nas conclusões de qualquer desacordo relativamente aos termos em que a mesma foi julgada pelo tribunal recorrido, sempre se dirá, de modo resumido, que não poderia tal matéria ser dada como provada.

Com efeito, o que estava em causa neste âmbito era uma relação de causalidade essencial entre determinadas condições alegadas pela ré e que supra se identificaram, por um lado, e a celebração do negócio em questão entre a autora e a ré, por outro lado, no sentido de que este negócio não teria sido celebrado se aquelas condições se não tivessem registado ou tê-lo-ia sido com conteúdo substancialmente diferente daquele que lhe foi conferido.

Ora, os documentos invocados pela ré nas suas alegações e conclusões, podendo ter a virtualidade de demonstrarem inequivocamente a existência daquelas condições[5], jamais poderiam lograr, por si só e desacompanhados de outros elementos de prova referentes à génese, desenvolvimento e conclusão do iter negocial que desembocou naquele negócio, a demonstração de que sem aquelas condições o negócio não teria sido concluído nas exactas condições em que o foi ou tê-lo-ia sido com conteúdo substancialmente diferente daquele que lhe foi conferido.

Como assim, exclusivamente com base nessa prova documental, pois que outra não é invocada pela ré a respeito da temática em análise, não poderia este tribunal dar como provada a matéria constante da alínea b) dos factos descritos como não provados pela sentença recorrida.

1.3. Quanto ao recurso fáctico da autora, pretende esta que se dê como provada a matéria descrita na alínea a) dos factos não provados, do seguinte teor: “Que para usufruir de espaço publicitário semelhante aquele onde se encontra a tela referida em 4) e 15) dos factos provados a autora pagaria cerca de cerca de € 1.500,00 por mês.”.

Esta matéria de facto é absolutamente irrelevante para a correcta decisão a proferir nestes autos, sendo por isso absolutamente inútil, logo proibida por lei (art. 130º NCPC), qualquer actividade cognitiva e decisória tendente a confirmar ou a alterar a decisão recorrida no específico segmento que está em análise.

Precise-se que está em causa uma pretensão indemnizatória formulada pela autora contra a ré com fundamento em alegado incumprimento por esta da cláusula 10ª do contrato referido no ponto 1) dos factos descritos como provados decorrente da recusa da ré em providenciar ou permitir a substituição da tela publicitária referida no ponto 4) dos factos provados e que se danificou durante o temporal ocorrido em Janeiro de 2013 (ponto 15 dos factos provados).

Para fundamentar a pretensão indemnizatória que formulou a este respeito, alegou a autora o seguinte:

28º

Para usufruir de um espaço publicitário semelhante (em zona central e de grandes dimensões), a A. pagaria sempre cerca de € 1.500,00 por mês.

29º

Pelo que, ao proibir injustificadamente a A. de usufruir do espaço publicitário, conforme tinha ficado acordado no negócio inicial, a R. causou um prejuízo que, neste momento, ascende a € 19.500,00.

30º

Para além de que, face à actual situação de crise que o pais atravessa, a publicidade é fundamental para dar a conhecer as empresas e, consequentemente, captar clientes.”.

É sabido que entre os pressupostos constitutivos da obrigação de indemnização se conta, entre outros, o do dano, e que cabe ao lesado o ónus de alegação e provada desse pressuposto (art. 342º/1 do CC).

Por outro lado, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos efectivamente suportados pelo lesado e que este provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º do CC), a significar que os danos relevantes neste domínio são apenas os realmente produzidos na esfera jurídica do lesado, quedando irrelevantes aqueles que se mostrem meramente potenciais ou virtuais.

O dever de indemnizar compreende o dano emergente e o lucro cessante (art. 564º/1 do CC): o primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão e traduzem-se numa desvalorização patrimonial; o segundo abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão, traduzindo-se numa não valorização patrimonial (A. Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª ed., vol. I, p.  621, e  Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 377).

Ora, em termos de danos emergentes, a autora não alegou qualquer prejuízo que tenha suportado em consequência da conduta da ré, sendo que o valor de cerca de €1.500 que a autora teria de despender, mas que efectivamente não despendeu, para aceder a um espaço equivalente àquele de que foi privada representa apenas um prejuízo potencial ou virtual que, como visto, é irrelevante para se ter por preenchido o pressuposto do dano em consideração.

Por outro lado, em termos de lucros cessantes, a autora não invocou uma única valorização patrimonial de que foi privada pela conduta ilícita da ré e de que teria beneficiado não fora tal conduta.

Além disso, pretender-se, tal como a autora sustenta nas suas alegações, que aquele valor de 1.500 euros representaria a compensação a obter pela privação da publicidade decorrente da conduta da ré e dos efeitos depreciativos dela decorrentes para a actividade económica da autora, sem a mínima concretização de qualquer concreta depreciação, equivale a pretender-se uma indemnização por um lucro cessante que não se provou, a calcular por um dado valor que a ter-se despendido, mas que nunca se despendeu, teria de ser valorado em sede de danos emergentes; ou seja, numa dupla ficção em termos de prejuízo patrimonial que não é legalmente sustentável, compensar um lucro cessante não demonstrado, com base no valor de um dano emergente que não chegou a produzir-se.

Como assim, logo à face da petição inicial e a despeito do valor de 1.500 euros invocado no art. 28º, estava votada ao insucesso a pretensão indemnizatória em apreço por falta de alegação de qualquer dano relevante em sede de obrigação de indemnização, sendo que essa omissão alegatória persistiu até ao momento do encerramento da discussão em primeira instância.

De tudo flui, pois, que mesmo a dar-se como provada a matéria de facto descrita na alínea a) dos factos não provados, ainda assim estaria totalmente votada ao insucesso a pretensão indemnizatória que está em apreço e que radicava naquela matéria de facto, facto só por si suficiente para demonstrar a irrelevância de tal matéria e a inutilidade de qualquer actividade que vise discutir se a mesma deveria ou não ter sido dada como provada, com a consequente e legal proibição dessa actividade (art. 130º NCPC) a impor que se rejeite a apreciação da pretensão recursiva fáctica da autora.

Segunda questão: se a ré estava originariamente impedida de cumprir a cláusula 9ª) do contrato-promessa porque tal cláusula não foi transposta para a escritura pública pela qual se outorgou no contrato prometido e porque não foi atribuída eficácia real ao contrato-promessa.

Tenha-se em consideração que o objecto principal do contrato-promessa, datado de 28/3/2011, respeita a uma promessa de compra e venda do imóvel descrito no ponto 1º) dos factos provados, promessa essa que viria a ser concretizada através da compra e venda formalizada pela escritura datada de 15/4/2011 que está referida no ponto 5º) dos factos dados como provados.

Porém, a par desse objecto principal e das prestações recíprocas as que as partes se obrigaram por referência ao mesmo – emissão das declarações negociais de compra e de venda e pagamento do preço devido pela compra – a autora e a ré acordaram complementarmente, na parte ora em relevo, em que a ré entregaria na Câmara Municipal de ... uma garantia bancária no valor de € 20.000 para substituir a que se encontrava entregue pela autora na mesma entidade (cláusula 9ª).

É fora de dúvida que: i) o contrato-promessa não tinha eficácia real, porque não foram cumpridas as exigências formais do art. 413º do CC; ii) a referida cláusula 9ª não foi transposta para o contrato definitivo.

Apesar do exposto, a autora e a ré continuaram vinculadas ao cumprimento dessa mesma cláusula, mesmo depois da celebração do contrato definitivo.
Com efeito, apesar de celebrado com vista à outorga de um outro contrato e de por isso mesmo dever qualificar-se como um contrato preliminar, o contrato-promessa é um negócio completo e distinto do contrato definitivo[6], podendo a efectiva celebração deste ter ou não efeitos extintivos em relação àquele, o que só pode determinar-se no confronto dos respectivos conteúdos contratuais.
Na verdade, “A par de obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando, outras há que surgem como autónomas ou “desvinculadas” da obrigação da contraparte, como sucede com as prestações que se traduzem em efeitos antecipados do contrato prometido (cf. Ana Prata, “O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil”, p. 632). São, estas últimas, obrigações que não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, escapando à obrigação típica principal e às que integram deveres secundários ou acessórios e instrumentais daquela. Tais obrigações, pela sua natureza, não deverão deixar de poder ser invocadas, quando se mostre que as partes, ao realizarem o contrato prometido, não pretenderam alterar o objecto das obrigações clausuladas na promessa (modificando-as ou extinguindo-as) e na medida em que as mesmas sejam providas da necessária autonomia, como fundamento de acção de cumprimento ou indemnização por incumprimento ou cumprimento defeituoso (art. 762.º, n.º 2, do CC), mas sempre fora do regime do cumprimento ou do incumprimento do contrato-promessa enquanto tal e do complexo das obrigações jurídicas que o enformam em atenção à principal.” - acórdão do STJ, de 13/9/2011, proferido no processo 122/07.7TCGMR.G1.S1; em sentido idêntico, acórdãos do STJ de 27/5/2003, proferido no processo 03A1232, de 27/11/2007, proferido no processo 07A3717, de 5/5/2007, proferido no 07A1364, de 15/4/2010, proferido no processo 9275/05.8TBVVG.P1.S1, de 14/6/2011, proferido no processo 13788/05.3TBOER.G1.S1, e de 16/4/2013, proferido no processo 2449/08.1TBFAF.G1.S1.
Como ensina Ana Prata “ (…) a autonomia dos dois negócios impõe que se considerem subsistentes, mesmo após a conclusão do contrato definitivo, as obrigações constituídas pela promessa que não tenham encontrado extinção solutória na celebração daquele contrato. Isto é, se do contrato-promessa emergia a obrigação de celebrar um contrato com certo objecto e vem a concluir-se um contrato cujo objecto só parcialmente recobre o convencionado, estar-se-á, em princípio, perante um cumprimento parcial, que não preclude o direito do credor a exigir a prestação da parte em falta. Este, que é o regime geral do cumprimento, levanta neste quadro acrescidas dificuldades de interpretação da vontade das partes, resultantes do acto do cumprimento parcial se apresentar como um acto negocial, susceptível de mais facilmente ser entendido como modificativo do conteúdo da obrigação. Não creio que de tal natureza negocial se possa extrair qualquer presunção de modificação, antes parecendo que ao contrato prometido se deve aplicar integralmente o n.º 2 do art. 763.º, não carecendo, pois, o credor de expressamente salvaguardar o seu direito à prestação não cumprida para tal direito se manter. Julgo, pois, que, como diz a jurisprudência italiana mais recente, deve exigir-se que a vontade modificativa seja expressamente manifestada para que possa considerar-se satisfeito o direito do credor com a celebração do contrato principal e, consequentemente, precludida qualquer pretensão contra o promitente.” - Ana Prata, O Contrato Promessa e o seu Regime Civil, pp. 651/652.

Ora, reportando-nos ao caso dos autos, não pode deixar de reconhecer-se que: i) a cláusula 9ª) em apreço é, justamente, daquelas a que tem de reconhecer-se autonomia em relação à obrigação típica principal de compra e venda e às que integram deveres secundários ou acessórios e instrumentais daquela; ii) não emerge do contrato definitivo ou da demais matéria de facto dada como provada que as partes tenham alterado ou extinguido as obrigações autónomas emergentes dessa cláusula, razão pela qual a mesma persistiu na sua validade e eficácia obrigacionais após a celebração do contrato definitivo, podendo o seu incumprimento ou cumprimento defeituoso constituir fonte de autónoma responsabilidade civil contratual.

Dúvidas não subsistem de que a ré não cumpriu essa obrigação autónoma (ponto 11º dos factos provados).

É sabido que, em tese geral, o incumprimento definitivo de uma obrigação emerge da perca do interesse do credor na prestação, objectivamente apreciada, ou do incumprimento pelo devedor da prestação no prazo razoavelmente fixado pelo credor por via da denominada interpelação admonitória (art. 808º do Código Civil).

Porém, situações existem em que aquele incumprimento se regista mesmo sem interpelação admonitória e sem perda do interesse do credor na prestação.

Reportamo-nos aos casos em que o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito[7] ou adopta uma qualquer outra conduta manifestamente incompatível com o cumprimento e inequivocamente reveladora da sua intenção de não cumprir[8].

É o que ocorre na situação em apreço, tendo em conta que: i) a ré jamais providenciou pelo cumprimento da sua obrigação (ponto 11º dos factos provados) até ao momento do encerramento da discussão em primeira instância (15/2/2016 – fls. 137), decorridos que estavam cerca de 5 anos a contar da data da assunção dessa obrigação; ii) interpelada em Janeiro de 2013 no sentido de dar cumprimento à sua obrigação, a ré respondeu, em Fevereiro de 2013, que nada providenciaria nesse sentido, devendo ser a ré quem teria de “… solucionar o problema com a Câmara Municipal.” (pontos 12º e 13º dos factos provados).

Nenhuma dúvida, pois, de que a ré incumpriu definitivamente a sua obrigação de providenciar pela substituição da garantia bancária que vem sendo considerada.

Sustenta a ré, no entanto, nas suas alegações, que esteve originariamente impossibilitada de cumprir a referida obrigação, tendo em conta que o processo de licenciamento de obras a que a referenciada garantia respeitava não estava em nome da ré, mas sim no da autora, não assistindo à ré, à face do art. 68º do CPA, qualquer legitimidade para requerer a substituição da garantia bancária em causa.

Improcede tal argumentação.

Em primeiro lugar porque a mesma não atenta devidamente na matéria de facto provada, em especial quanto ali se refere que não existiu qualquer impedimento à substituição da garantia a que a ré se obrigou e que a Câmara Municipal aceitava (ponto 11º dos factos provados).

Como assim, a ré esteve em condições materiais que lhe permitiram a substituição a que se obrigou e se a ela não procedeu foi apenas porque não diligenciou nesse sentido.

Em segundo lugar, porque realmente se não vislumbra que do referenciado art. 68º do CPA resulte qualquer impedimento a que a ré requeresse a substituição da garantia bancária, tendo em conta que: i) dispõe essa norma que “Têm legitimidade para iniciar o procedimento ou para nele se constituírem como interessados os titulares de direitos, interesses legalmente protegidos, deveres, encargos, ónus ou sujeições no âmbito das decisões que nele forem ou possam ser tomadas, bem como as associações, para defender interesses colectivos ou proceder à defesa colectiva de interesses individuais dos seus associados que caibam no âmbito dos respectivos fins.”; ii) a ré era titular de deveres em relação a um dos elementos integrantes daquele processo de licenciamento de obas – a garantia bancária que dele constava e que a ré se comprometeu a substituir  – assistindo-lhe, por isso, legitimidade para se constitui como interessada no âmbito daquele procedimento.

Tudo para concluir no sentido de que nenhuma censura deve ser dirigida à sentença recorrida quando concluiu no sentido de que a ré incorreu numa situação de incumprimento definitivo em relação à obrigação de substituição que está em apreço, por consequência do deveria indemnizar a autora pelos danos causalmente decorrentes para esta dessa situação de incumprimento.

Finalmente, cumpre recordar que no concreto aspecto em análise da responsabilidade contratual emergente do incumprimento da cláusula 9ª) que está em apreço, não vem colocada em crise nos recursos interpostos a medida da indemnização fixada pelo tribunal recorrido e os critérios em que assentou, estando esta matéria, por isso, fora do âmbito cognitivo e decisório deste tribunal.

Terceira questão: se a ré apenas estava obrigada a manter a tela publicitária até ao momento em que por qualquer razão a mesma deixasse de estar afixada à estrutura de estabilização da fachada do prédio objecto do contrato-promessa referido no ponto 1º) dos factos provados, e não até ao momento em que fosse retirada essa estrutura de estabilização, tendo-se extinguido essa obrigação por força da danificação da tela referida no ponto 15º) dos factos provados.

A resposta a esta questão é, manifestamente, negativa.

É do seguinte teor a cláusula contratual (a 10ª do contrato referido no ponto 1º dos factos provados) a ter em conta para os efeitos em apreço: “Compromete-se ainda a segunda outorgante a manter a tela publicitária afixada à estrutura de estabilização da fachada, enquanto esta não for retirada.”.

Com efeito, o elemento determinante a ter em conta na interpretação da cláusula em apreço para efeitos da questão que ora se aborda respeita ao pronome demonstrativo “esta” utilizado na última oração, sabendo-se que os pronomes desse tipo têm por função explicitar a posição de uma certa palavra em relação a outras ou ao contexto.

Ora, de acordo com as boas regras da morfologia, quando se utilizam numa oração pronomes demonstrativos para fazer referência a outros elementos já mencionados nessa mesma oração, o pronome “este” refere-se ao elemento mais próximo, reportando-se o “aquele” ao mais distante.

Como assim, de acordo com essas boas regras, o pronome “esta” utilizado na cláusula 10ª em análise reporta-se inequivocamente à “estrutura de estabilização da fachada”, sendo nesse sentido que a cláusula deve ser interpretada por um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a aqui autora.

A matéria de facto também não permite concluir que a vontade real de declarante e declaratário fosse diversa daquela para que aponta a interpretação do referenciado declaratário normal.

Tal interpretação tem correspondência no texto da declaração interpretanda.

Como assim, ao contrário do sustentado pela ré, respeita os artigos 236º e 238º do CC a interpretação sufragada na decisão recorrida no sentido de que a ré se comprometeu a manter a tela publicitária afixada à estrutura de estabilização da fachada enquanto tal estrutura não for retirada.

Acresce dizer que os factos provados não suportam as conclusões sustentadas pela ré (conclusões 17ª a 19º) no sentido de que uma tal interpretação: i) implicaria a permanência de tela publicitária “ad eternum”, pois tal obrigação de permanência cessará no exacto momento em que a fachada seja intervencionada em termos de deixar de carecer da respectiva estrutura de estabilização; ii) é contrária à vontade da ré no momento da outorga do contrato promessa.

Neste enquadramento e a respeito da questão em análise, a sentença recorrida não é passível de qualquer juízo censório.

Quarta questão: se ré não pode cumprir por sua única iniciativa e vontade as obrigações cujo incumprimento por parte dela justificaram a sua condenação na sanção pecuniária compulsória fixada na sentença recorrida, não podendo uma dessas obrigações ser cumprida sem que terceiros incorram em violação de lei, razão pela qual a dita sanção foi fixada com violação do princípio da adequação.

No que toca à obrigação emergente para a ré da cláusula 10ª) acima citada e da condenação que a esse respeito lhe foi imposta, os factos provados não permitem sustentar, sequer indiciariamente, a impossibilidade de cumprimento sustentada pela ré, nem sequer a necessidade de uma intervenção permissiva/colaboradora de terceiro que não possa ou não queira protagonizá-la.

Repare-se que a obrigação fica satisfeita, deixando de ser devida qualquer sanção pecuniária compulsória que foi determinada na sentença recorrida apenas para o caso de subsistir o seu incumprimento a partir do momento da notificação daquela decisão, mediante mera comunicação pela ré à autora de que está autorizada a recolocar e a manter a tela publicitária que se encontrava afixada antes da ocorrência referida no ponto 15º) dos factos provados, assim revertendo a recusa referida nesse mesmo ponto, e com a manutenção subsequente pela ré de um comportamento permissivo dessa recolocação e manutenção; a ré não está obrigada a colocar ela própria a referida tela, nem o cumprimento da sua obrigação exige a colocação efectiva dessa tela por quem quer que seja.

Com efeito, a ré não foi condenada a recolocar a tela; apenas foi condenada “…a permitir à autora a colocação e manutenção da tela publicitária a afixar na estrutura de estabilização da fachada…” (alínea b do dispositivo da sentença supra transcrito)

Como assim, a autorização de recolocação e manutenção da tela publicitária que é suficiente para se ter por cumprida a obrigação da ré em apreço e para que não seja devida a esse propósito qualquer sanção pecuniária compulsória depende exclusivamente da vontade da ré.

No que respeita à obrigação de substituição da caução a que se reporta a referenciada cláusula 9ª), tendo em conta a matéria de facto dada como provada no ponto 11º) dos factos provados, no sentido de que a Câmara Municipal de ... aceita a substituição dessa caução, não existindo qualquer impedimento à sua concretização por parte da ré, fica sem qualquer espécie de suporte fáctico o entendimento sustentado pela recorrente de que está impossibilitada de cumprir essa obrigação e de, por via disso, fazer cessar a situação de incumprimento em que se encontra e que determinou a sua condenação na dita sanção.

Por outro lado, os factos provados também não suportam o alegado pela ré no sentido de que a Câmara Municipal de ... alguma vez tenha recusado à ré legitimidade para substituir a garantia bancária em questão, estando agora impossibilitada de reverter essa sua recusa.

Finalmente, como supra sustentado, não se vislumbra que o art. 68º do CPA constitua obstáculo a que a ré solicite a substituição da garantia bancária e que a Câmara Municipal de ... a aceite.

Tanto basta para que se imponha resposta negativa à questão em análise.

Quinta questão: se a sanção pecuniária compulsória só é devida a contar do trânsito em julgado da sentença que a impôs.

A resposta a esta questão deve ser afirmativa.

Com efeito, e muito em síntese: i) a sanção pecuniária compulsória deve ser fixada na sentença como acessório da condenação principal, sendo tal acessoriedade da "astreinte" que leva esta a acompanhar a condenação principal no seu percurso, razão pela qual a exigibilidade daquela não deve ter lugar antes da exigibilidade desta; ii) sendo a sanção pecuniária compulsória um meio de coerção ao cumprimento e ao respeito de uma condenação judicial, o seu termo inicial não deve ocorrer antes do momento em que o cumprimento se tenha por definitivamente devido e a exequibilidade da decisão judicial foi adquirida; iii) se o devedor condenado impugna a decisão condenatória, o recurso da condenação principal também deve afectar a condenação dela acessória em sanção pecuniária compulsória cujo fim é, também, o de constranger ao cumprimento e ao respeito daquela mesma condenação principal.

Como assim, a sanção pecuniária compulsória, para cumprir a sua finalidade coercitiva de impelir ao cumprimento, não poderá ter um termo inicial anterior à data do trânsito em julgado da sentença que a preveja – neste sentido, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pp. 421 a 428; acórdão do STJ de 19/3/2002, proferido no processo 00S3720, máxime nota 28; acórdão da Relação de Guimarães de 19/2/2007, proferido no processo 2138/07-2; acórdãos da Relação de Lisboa de 22/5/2013, proferido no processo 1041/06.0TTLSB.L1-4, e de 19/12/1991, proferido no processo 0036486.

Nesta parte deve proceder, pois, a apelação da ré.

Sexta questão: se a ré deveria ter sido condenada a pagar à autora uma indemnização por prejuízos decorrentes do facto daquela se recusado a reposição da tela publicitária referida no ponto 4º) dos factos provados.

Já supra se discorreu no sentido de que a autora não satisfez, como lhe competia (art. 342º/1 do CC), o ónus de alegação, e muito menos o correspondente ónus da prova, de que a recusa da ré referida no ponto 15º) dos factos provados lhe causou danos emergentes e/ou lucros cessantes, ainda que de montante ainda indeterminado.

Logo, inviabilizada fica, por indemonstração de um dos pressupostos constitutivos da obrigação de indemnizar, qualquer possibilidade da ré ser condenada a pagar uma qualquer indemnização à autora, mesmo a liquidar posteriormente, posto que a relegação para o incidente de liquidação da quantificação de uma indemnização também tem por pressuposto necessário o da demonstração do dano em sede declarativa, embora de quantificação ainda indeterminada.

Assim sendo, bem andou a sentença recorrida ao absolver a ré da pretensão indemnizatória que está em apreciação.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de: i) julgar parcialmente procedente a apelação da ré, substituindo-se na alínea f) do segmento decisória a expressão “…cujo termo inicial coincide com o dia da notificação desta sentença…” pela expressão “…cujo termo inicial coincide com o dia do trânsito em julgado desta sentença…”; ii) julgar improcedente, no mais, a apelação da ré; iii) julgar improcedente a apelação da autora; iv) condenar a ré e a autora nas custas da apelação da ré, na proporção de 1/5 para a autora e de 4/5 para a ré; v) condenar a autora nas custas da sua apelação.

A secção entregará ao relator do presente acórdão, por termo nos autos, certidão do mesmo.

Coimbra, 15/11/2016.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Maria Domingas Simões)

(Jaime Carlos Ferreira)


Sumário:
I) Apesar de celebrado com vista à outorga de um outro contrato e de por isso mesmo dever qualificar-se como um contrato preliminar, o contrato-promessa é um negócio completo e distinto do contrato definitivo, podendo a efectiva celebração deste ter ou não efeitos extintivos em relação àquele, o que só pode determinar-se no confronto dos respectivos conteúdos contratuais.
II) Por regra e na ausência de disposição nele contida a esse propósito, a celebração do contrato definitivo não extingue as obrigações decorrentes do contrato-promessa que não se integram no seu sinalagma específico e principalmente visado pelos contraentes, por não integrarem o objecto principal das prestações a que os contraentes se obrigaram, nem o leque das obrigações acessórias ou secundárias que intervêm no evoluir do contrato e que, como tais, se apresentam como instrumentais do exacto cumprimento da obrigação principal e da satisfação do interesse do credor, nela se projectando.
 III) O termo inicial da sanção pecuniária compulsória judicial deve coincidir com o trânsito em julgado da decisão judicial que a imponha.

(Jorge Manuel Loureiro)


***


[1] Aderimos, assim, à posição que vem sendo sufragada pelo  STJ relativamente aos ónus que terão de ser cumpridos em sede de recurso da decisão sobre a matéria de facto e sobre os concretos locais da minuta recursiva em que tais ónus devem ser cumpridos – por exemplo, acórdão de 3/12/2015, proferido no processo 3217/12.1TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, local onde estão disponíveis todas as outras decisões de tribunais superiores que sejam citadas nesta decisão sem outra referência de origem; acórdão de 1/10/2015, proferido no processo 824/11.3TTLRS.L1.S1.
[2] Acórdão do STJ de 3/12/2015, proferido no processo 1348/12.7TTBRG.G1.S1, e acórdão do STJ de 9/7/2015, proferido no processo 961/10.1TBFIG.C1.S1, este último com sumário disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Mensais/civel2015_07.pdf.

[3] As divergências existentes entre a área física do prédio que foi objecto do negócio e a área de construção projectada para esse imóvel no âmbito do processo administrativo de obras n.º 935/07, bem como a pendência de diversas acções judiciais incidindo sobre aquele prédio e tenho como causa aquelas divergências.

[4]As condições que determinaram a celebração do negócio pela autora foram, essencialmente, as referentes às divergências existentes entre a área física do prédio e a área projectada bem como as diversas acções judiciais pendentes.
[5] Divergências entre a área física do prédio que foi objecto do negócio e a área de construção projectada para esse imóvel, bem como as acções judiciais decorrentes dessas divergências.
[6] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., pp. 83/44, e Manual dos Contratos, 4.ª ed., pp. 209/210).
[7] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º vol. AAFDL, 1980, p. 457, Baptista Machado, RLJ, Ano 118, p. 275, Brandão Proença, A Hipótese da Declaração (Lato Sensu) Antecipada de Incumprimento por parte do Devedor, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003, p. 364, Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, AAFDL, p. 296; acórdãos da Relação de Coimbra de 24/3/92 e 28/5/92, CJ, XVII, II, p. 50 e XVIII, III, p. 115; acórdão do STJ de 7/3/91, BMJ nº 405, p. 458.

[8] Calvão da Silva, A Declaração da Intenção de não Cumprir, Estudos de Direito Civil e Processo Civil (Pareceres), Coimbra, 1996, p. 137; acórdãos do STJ de 14/4/2015, proferido no processo 203/11.2TVLSB.L1.S1, de 10/5/2010, proferido no processo 8/03.4TBALM.L1.S1, de 10/1/2012, proferido no processo 25/09TBVCT.G1.S1; acórdão da Relação de Évora de 8/3/2012, proferido no processo 436/09.1T2STC.E1.