Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
38/10.0TBTBU-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
MEIOS DE PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.52, 58, 60 E 61 CEXP.
Sumário: 1. O facto de no processo de expropriação estar em causa uma matéria eminentemente técnica não implica, por si só, que não tenha qualquer utilidade a inquirição de testemunhas indicadas pela parte.

2. O tribunal só pode dispensar a produção de quaisquer elementos probatórios requeridos, quando já se encontre esclarecido sobre os factos controvertidos, ou quando tais elementos probatórios não sejam de alguma foram aptos para atingir a finalidade de esclarecer tais factos.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Os presentes autos são de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante E.P.- Estradas de Portugal, S.A. e Expropriados A (…), M (…) e L (…).

Não tendo havido acordo para a fixação amigável do montante indemnizatório, realizou-se a arbitragem, tendo sido apresentado relatório que atribui à parcela expropriada o valor de € 96.401,83 e juros no valor de € 66,62, quantias que foram depositadas.

Foi proferido despacho nos termos do artº 51 nº 5 do C. Expropriações a adjudicar à entidade expropriante, livre de quaisquer ónus e encargos, a propriedade do seguinte prédio: “Parcela denominada nº 184 com a área de 11.553 m2, a destacar de prédio rústico com a área total de 84.170 m2, situado em Catraia de Baixo ou Catraia dos Seixos Alvos, na freguesia e concelho de Tábua, inscrito na matriz predial sob o nº 8197 da Repartição de Finanças de Tábua e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tábua sob o nº 5565/19990623.

A Estradas de Portugal recorreu para o tribunal do acórdão arbitral, concluindo que a justa indemnização deve ser fixada em € 44.672,55.

Os Expropriados vêm responder e apresentar recurso subordinado, requerendo a fixação da indemnização em € 125.000,00 actualizada em conformidade com o disposto no artº 24 do C.E. Alegam, em síntese, que o valor da indemnização deve corresponder ao valor real e corrente do bem em situação normal de mercado; que é possível edificar no terreno que dispõe de acesso directo à via pública e dispõe de infraestruturas, tendo de ser avaliado como solo apto para construção e tendo um valor real e corrente de mercado de € 163.117,50; que a parcela expropriada não estava ocupada por um pinhal e não se destinava a exploração florestal, situando-se em zona de grande procura para construção urbana, sendo que pelo menos 7.500 m2 da parcela de terreno expropriado se situam em espaço urbano, e a mesma tem de ser considerada como um todo. A final, indicam o seu perito bem como identificam quatro testemunhas.

Foi proferido despacho com o seguinte teor: “Versando ambos os recursos interpostos sobre matéria eminentemente técnica, relacionada com a interpretação e aferição em concreto dos critérios legalmente estabelecidos para a atribuição de uma justa indemnização aos expropriados, não cremos, por ora, que a inquirição das testemunhas indicadas a fls. 182 possa trazer utilidade à decisão da causa, já que a avaliação pericial reunirá, à partida, os conhecimentos técnicos necessários e relevantes para a tomada de decisão. Pelo que se dispensa, por ora, a inquirição de testemunhas (artº 61 nº 1 do C.E.).

Os expropriados inconformados com tal despacho vêm interpor recurso do mesmo formulando as seguintes conclusões:

1 – Os ora recorrentes, expropriados nos autos à margem identificados, face ao recurso interposto pela expropriante da decisão arbitral, ao abrigo do artigo 52º do C.E., interpuseram eles próprios recurso subordinado, ao abrigo do disposto no artigo 60º do mesmo diploma legal.

2 – Apresentaram as suas alegações, nos termos e fundamentos que aqui se dão por reproduzidos, tendo alegado a matéria de facto que entenderam.

3 - Para além de outras provas, indicaram, ao abrigo do disposto no já referido artigo 60º nº 2 do C.E. e do C.P.C., prova testemunhal, ou seja quatro testemunhas.

4 – A Meritíssimo Juiz, por douto despacho proferido, que aqui se dá por

reproduzido, entendendo que se trata de matéria eminentemente técnica, entendeu também que a inquirição das testemunhas indicadas não traz utilidade à decisão da causa, já que a avaliação pericial reunirá, à partida, os conhecimentos técnicos necessários e relevantes para a tomada de decisão.

5 - E dispensou, por ora, a inquirição das testemunhas com base no disposto no Artigo 61º nº 1 do C.E.

6 – Os expropriados alegaram matéria de facto, nomeadamente:

- Que uma parte da parcela seja facilmente vendida por 2,5 €/m2;

- Que colocada a parcela expropriada no seu todo no mercado livre de compra e venda seria vendida por preço superior a 163.117,50€;

- Que no local o valor por metro quadrado de construção para habitação é superior a 650,00€/ m2

7 – O douto despacho recorrido deveria ter admitido, de imediato, a prova testemunhal indicada a inquirir no momento oportuno.

8 - Assim não tendo decidido violou, entre outras, as disposições contidas nos artigos 60º e 61º do Código das Expropriações e a Lei 168/99 de 18 de Setembro.

A Expropriante não apresentou contra-alegações.

II. Questões a decidir

tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas suas conclusões (artº 684 nº 3 e 685 A nº 1 a 3 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 660 nº 2 in fine.

- da não admissão imediata da prova testemunhal, indicada pelos expropriados no seu requerimento de resposta e interposição do recurso subordinado.

III. Fundamentação de facto

A matéria de facto relevante para a questão a decidir é a que consta do relatório efectuado.

IV. Razões de Direito

- da não admissão imediata da prova testemunhal, indicada pelos expropriados no seu requerimento de resposta e interposição do recurso.

Na realização da expropriação, a justa indemnização aparece como contrapartida daquela, conforme prevê desde logo o artº 1º do Código das Expropriações, estabelecendo o artº 23 deste código os critérios que devem presidir à sua fixação.

            Dentro do quadro estabelecido neste artigo e considerando os critérios que devem presidir à fixação da justa indemnização, verifica-se que o prejuízo do expropriado deve medir-se pelo valor real e corrente dos bens.

            A justa indemnização há-de repor no património do expropriado o valor dos bens de que ele ficará privado. Esse valor corresponderá ao preço que um comprador prudente, em condições normais de mercado, pagaria pela coisa, para a continuar a aplicar ao fim a que estava destinado.

Não concordando as partes com a decisão arbitral que fixa o valor da indemnização, podem as mesmas recorrer daquela.

O artº 58 do C. Expropriações prevê que: “No requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente deve expor logo as razões da discordância, oferecer todos os documentos, requerer as demais provas, incluindo a prova testemunhal, requerer a intervenção do tribunal colectivo, designar o seu perito e dar cumprimento ao disposto no artº 577 do C.P.C. O artº 60 nº 2 vem dispor de forma equivalente para o recurso subordinado ou para a resposta, momento em devem ser oferecidos todos os documentos, requeridas as demais provas, incluindo a prova testemunhal, requerida a intervenção do tribunal colectivo, etc.

Por seu turno, o artº 61 do mesmo diploma, com a epígrafe “Diligências instrutórias”, dispõe logo no seu nº 1, que findo o prazo para a apresentação da resposta, seguem-se imediatamente as diligências instrutórias que o tribunal entenda úteis à decisão da causa. O nº 2 prevê como obrigatória a realização da avaliação, observando-se para a mesma o regime da perícia fixado nos artº 578 e 588 do C.P.C.

Vejamos então se o tribunal pode dispensar, logo à partida, a inquirição das testemunhas arroladas pelo Recorrente, ao abrigo o disposto no artº 61 nº 1 do C. Expropriações, que dispõe que se seguem as diligências instrutórias que o tribunal entenda úteis à decisão da causa.

Diz-nos Salvador da Costa, in. Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, em anotação a este artº 61, a pág. 367 que:

“A particularidade deste normativo é a de que, no quadro do princípio inquisitório, o juiz pode restringir os meios de prova oferecidos pelas partes ou diligenciar para além deles, de harmonia com o que, no seu prudente arbítrio, considere útil para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito.

Temos aqui, pois, uma vertente de intervenção discricionária do juiz sobre a utilidade das diligências instrutórias (…).”

Daqui decorre que não é obrigatória a produção de todas as provas produzidas pelas partes, designadamente da testemunhal, tudo dependendo da apreciação que o juiz faça da sua pertinência e interesse para a decisão da causa- vd. neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/06/2009, in. www.dgsi.pt

Importa, no entanto, ter em conta, tal como nos diz o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/04/2007, in. www.dgsi.pt, que: “É certo que se deve privilegiar o andamento célere do processo, e arredar, por questões de economia processual, as diligências e actos inúteis. Mas tais princípios nunca poderão colidir com o princípio supremo e último da busca e descoberta da verdade material e da justa composição do litígio – cf. art. 265º, nº 3, do CPC.” Há que ter em conta que a parte que recorre ao tribunal, no sentido de fazer valer a sua pretensão, tem o direito de nela intervir no sentido de procurar a melhor defesa dos seus direitos, no âmbito dos mecanismos que a lei lhe concede. Qualquer parte em processo judicial, para defesa dos seus direitos, tem direito à prova, corolário de um processo equitativo, por sua vez consequência do direito de acção judicial- este um importante significante do direito de acesso aos tribunais, direitos todos eles reconhecidos pelo art. 20º, nº1 e 4, da Constituição da República Portuguesa- e, consequentemente, à admissão das provas requeridas- vd. neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 23/02/2011, in.www.dgsi.pt

O despacho sob recurso dispensou a prova testemunhal, limitando-se a dizer: “Versando ambos os recursos interpostos sobre matéria eminentemente técnica, relacionada com a interpretação e aferição em concreto dos critérios legalmente estabelecidos para a atribuição de uma justa indemnização aos expropriados, não cremos, por ora, que a inquirição das testemunhas indicadas a fls. 182 possa trazer utilidade à decisão da causa, já que a avaliação pericial reunirá, à partida, os conhecimentos técnicos necessários e relevantes para a tomada de decisão.”

Não podemos, contudo, deixar de considerar que o tribunal “a quo” formula um juízo antecipado e precipitado sobre a utilidade da inquirição das testemunhas, num momento inicial, em que ainda não dispõe no processo de todos os elementos probatórios necessários à decisão.

A avaliação dos peritos é, naturalmente, determinante para a fixação da indemnização pelo tribunal, pelos conhecimentos técnicos que nela são expressos por pessoas habilitadas, constituindo uma verdadeira prova pericial, sendo aliás obrigatória, por imposição legal. Contudo, importa não esquecer que o seu resultado está sujeito à livre apreciação do tribunal, de acordo com o disposto no artº 389º do C.Civil.

No âmbito do processo de expropriação a avaliação é a “prova rainha”, considerando precisamente que está em causa matéria eminentemente técnica, tratando-se de uma diligência probatória essencial e imposta por lei, conforme estabelece o nº 2 do artº 61 do C. Expropriações. Contudo, não raro, tal elemento probatório tem de ser conciliado e conjugado com outros, de forma a permitir o esclarecimento cabal do tribunal, relativamente a todos os factos a apurar. Aliás o resultado da perícia pode não ter a unanimidade de todos os peritos, podendo ser necessário o recurso a outros elementos probatórios para o tribunal se esclarecer e tomar posição.

É desta forma que os já mencionados artº 58 e 60 nº 2 prevêm a possibilidade das partes apresentarem os meios probatórios que considerem úteis para a boa decisão da causa, incluindo a prova testemunhal, a que a norma faz menção expressa.

É que, por um lado, o facto de se tratar de uma matéria eminentemente técnica não implica por si só que não tenha qualquer utilidade a inquirição de testemunhas; se assim fosse, aliás, a própria lei teria previsto a impossibilidade da prova testemunhal por inútil, em face da matéria “eminentemente técnica”, ou a exclusividade da prova pericial, o que não acontece, pelo contrário. Por outro lado, cremos que o tribunal só pode dispensar a produção de quaisquer elementos probatórios quando já se encontre esclarecido sobre a matéria controvertida, ou quando os elementos probatórios requeridos não sejam de alguma foram aptos para atingir o fim de esclarecer os factos controvertidos.

Neste caso, não se verifica nem uma situação, nem a outra: num momento em que a perícia ainda não foi realizada, em que nem sequer se sabe se os peritos têm uma opinião unânime ou divergente sobre o valor da indemnização a atribuir, obviamente que o tribunal não se encontra esclarecido de forma a poder “dar-se ao luxo” de dispensar a prova testemunhal apresentada; também não pode concluir-se que os depoimentos das testemunhas não são aptos a esclarecer o tribunal sobre a matéria de facto controvertida, já que mesmo a formulação de um juízo técnico sobre a justa indemnização tem de assentar em factos, sendo aliás os mesmos alegados pelos Recorrentes na peça processual apresentada e passíveis de ser objecto de depoimento, por se reportarem a realidades que podem ser apreendidas, conhecidas e racionalizáveis por qualquer pessoa, que delas tendo conhecimento as podem transmitir ao tribunal.

Considera-se por isso que a dispensa da inquirição das testemunhas é prematura e não pode encontrar justificação apenas no facto de estar em causa matéria eminentemente técnica, conforme considerou o despacho recorrido, não sendo possível concluir que aquela diligência é inútil para a decisão da causa, razão pela qual se revoga o despacho recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que admite o rol de testemunhas apresentado pelos expropriados.

V. Sumário:

1. O facto de estar em causa uma matéria eminentemente técnica não implica, por si só, que não tenha qualquer utilidade a inquirição de testemunhas indicadas pela parte.

2. O tribunal só pode dispensar a produção de quaisquer elementos probatórios requeridos, quando já se encontre esclarecido sobre os factos controvertidos, ou quando tais elementos probatórios não sejam de alguma foram aptos para atingir a finalidade de esclarecer tais factos.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se procedente o recurso intentado pelos Expropriados A (…), M (…) e L (…) na sequência do que se revoga o despacho recorrido, que se substitui por outro que admite o rol de testemunhas por eles apresentado.

Custas pela parte que vier a decair a final e na proporção do decaimento.

Notifique.

                                                           *

                                              

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                                Luís Cravo (1º adjunto)

                                               Maria José Guerra (2ºadjunto)