Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98/08.3EACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: REPRODUÇÃO ILEGÍTIMA DE PROGRAMA PROTEGIDO
PROGRAMA INFORMÁTICO
LICENÇA
SOFTWARE
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VOUGA, OLIVEIRA DO BAIRRO – JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS14º DO DEC. LEI Nº 252/94, DE 20 DE OUTUBRO, 9º, Nº 1 E 10º, NºS 1 E 4, DA LEI Nº 109/91, DE 17 DE AGOSTO, 8º, Nº 1 E 9º, DA LEI Nº 109/2009, DE 15 DE SETEMBRO.
Sumário: 1.- O preenchimento da ação típica do crime de reprodução ilegítima de programa protegido, não exige a verificação cumulativa das três modalidades de ação previstas art. 9º, nº 1, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto a saber, reprodução, divulgação e comunicação ao público, de programa informático protegido;

2.- Reprodução é a fixação da obra num meio que permita a sua comunicação e a obtenção de cópias, integrais ou não, dela, o que engloba a reprodução em CD como a reprodução na memória de computador;

3.- Tendo o arguido instalado um programa informático em computadores da sociedade que geria, sem que tivessem sido obtidas as necessárias licenças da proprietária daquele, o que quis e sabia, está preenchido o tipo do crime de reprodução ilegítima de programa protegido, ainda que a utilização do programa instalado fosse exclusivamente para uso interno da sociedade.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
 
I. RELATÓRIO


Na Comarca do Baixo Vouga, Oliveira do Bairro – Juízo de Instância Criminal, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, dos arguidos, A... e B..., Lda., ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, a cada um, de sete crimes de reprodução ilegítima de programa protegido, p. e p. arts. 14º, nº 1, do Dec. Lei nº 252/94, de 20 de Outubro e 9º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 4, da Lei nº 109/91, de 17 de Agosto e hoje, pelos arts. 8º, nº 1 e 9º, da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro.

Por sentença de 24 de Janeiro de 2013 foi o arguido condenado, pela prática de um crime de reprodução ilegítima de programa protegido, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 14º, nº 1, do Dec. Lei nº 252/94, de 20 de Outubro, 9º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 4, da Lei nº 109/91, de 17 de Agosto, e 30º do C. Penal, na pena de cento e sessenta dias de multa à taxa diária de € 8, perfazendo a multa global de € 1.280, e foi a arguida condenada, pela prática do mesmo crime e nos termos das mesmas disposições legais, na pena de cento e sessenta dias de multa à taxa diária de € 50, perfazendo a multa global de € 8.000, tendo ambos os arguidos sido absolvidos do demais imputado.
*
            Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
            “ (…).
            1 – A decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao decidir como decidiu os factos considerados como provados nos números 7 e 8. Efectivamente:
                2 – Quanto aos pontos n.ºs 7 e 8, deveria ter sido dado como provado que:
a) O Arguido agiu numa situação de erro, não preenchendo assim a sua conduta o elemento cognitivo do dolo previsto no artigo 14.º do Código Penal;
b) O Arguido não sabia que a sua conduta era proibida e punida por Lei;
c) A utilização dos computadores e programas era apenas para uso profissional/interno da sociedade arguida, não se encontrando assim preenchido o tipo objectivo do ilícito;
d) A comunicação e validação da apreensão efectuada pelo Digno Magistrado do Ministério público foram efectuadas a 29 de Setembro de 2008.
3 – Pelo que o Tribunal "A Quo" por manifesta insuficiência de prova documental e contradição da testemunhal, não podia ter dado como provados os pontos 7 e 8 incorrendo assim em manifesto erro na apreciação da prova produzida, e violação dos princípios do direito probatório e do principio "in dubio pro reo" o que acarreta a nulidade da douta sentença nos termos do disposto nos artigos 379.°, n.º 1, alínea b) e c) e 374.°, n.º 2, ambos do C.P.P.
4 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal "A Quo" violou entre outras as normas previstas nos artigos 14.°, n.º 1, do Decreto-Lei N.º 252/94 de 20 de Outubro e artigos 9.°, n.º 1, 10.°, nºs 1 a 4, da Lei N.º 109/91, de 17 de Agosto e artigos 30.°, 127.° do Código Penal, artigo 201.°, n.º 2 e 75.° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto Lei N.º 63/85, de 14 de Março, bem como o previsto nos artigos 118.°, 119.°, 171.° e 178.°, n.º 5, do Código de Processo Penal.
5 – Ao decidir como decidiu o douto Tribunal "A Quo" cometeu um erro notório na apreciação da prova carreada para os autos, designadamente da prova documentada e gravada, dando como provados factos e outros como não provados que se consideram incorrectamente julgados, tudo sem esquecer uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, enfermando pois a douta Sentença também do vício previsto no artigo 410, n.º 2, alíneas a), b) e c) e, ainda, em clara violação do disposto nos artigos 374.°, n.º 2, o que acarreta a sua nulidade nos termos do disposto no n.º 1, alíneas a) e b), todos do C.P.P.
6 – Não se encontrando assim preenchido o tipo legal do crime pelo qual o Arguido vinha acusado.
7 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal "A Quo" não se encontra devidamente fundamentada, ou seja, peca por uma incorrecta interpretação e análise crítica da prova produzida em Audiência de Julgamento, de acordo com o princípio de livre apreciação da prova, e em absoluta inobservância dos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, nomeadamente quanto aos factos dados como provados e não provados, à sua fundamentação, à convicção formada e à aplicação do direito, enfermando, consequentemente, erro no julgamento da matéria de facto ao decidir como decidiu.
8 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal "A Ouo " não fez uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada e não provada, pelo que, obviamente, devia ter decidido de forma diversa.
9 – O Tribunal "A QUO" ao não fazer uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada violou (nomeadamente) o disposto nos Artigos 9.°, n.º 1, 10.°, n.ºs 1 a 4, da Lei N.º 109/911 e 374.°, n.º 2.°, do Código do Processo Penal.
TERMOS EM QUE, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser dado provimento ao presente Recurso, e em consequência ser a douta Sentença revogada e substituída por outra que absolva os Arguidos, pela prática dos crimes de reprodução ilegítima na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 14.°, n.º 1, do Decreto-Lei N.º 252/94, de 20 de Outubro e artigos 9.°, n.º 1, 10.°, n.ºs 1 a 4, da Lei N.º 109/91, de 17 de Agosto, e artigo 30.°, do Código Penal, tudo com as legais consequências, FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA.
(…)”.
*

            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
            “ (…).
            1 – Não assiste razão aos recorrentes ao alegarem que a apreensão efectuada nos autos a 25.09.2008 não foi validada no prazo legal para o efeito, uma vez que a validação pela autoridade judiciária somente ocorreu a 29.08.2008, conforme decorre de f1s. 2, o que conduz à nulidade de toda a prova.
2 – Com efeito, e conforme resulta claramente de fls. 6 e 95, a apreensão efectuada pela ASAE foi comunicada e validada pela autoridade judiciária no próprio dia, ou seja, a 25.09.2008, ali constando o seguinte despacho: "Valido a apreensão efectuada, ao abrigo do disposto no artigo 178º n.º 1, 3 e 5 do C.P.Penal. O.Bairro, 25.09.2008", estando devidamente assinado pela Magistrada do Ministério Público.
3 – A validação constante de f1s. 2, a que se referem os recorrentes, terá sido efectuada por mero lapso, pelo que a apreensão a ter em conta é a supra referida, ao contrário do que é alegado pelos arguidos, não existindo, por conseguinte, qualquer nulidade.
4 – Ao insurgirem-se contra a matéria de facto dada como assente, em particular quanto aos pontos 7 e 8, e na qual se escorou a condenação dos arguidos, opinam estes no sentido de que a prova produzida e valorada pelo julgador deveria ter conduzido ao apuramento de diferente quadro factual, alegando que a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, de insuficiência para a decisão da matéria dada como provada, bem como a existência de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
5 – Defendem os recorrentes na motivação que "(…) os referidos factos, identificados como n.ºs 7 e 8, da lista de factos provados, foram assim fixados, além do mais, em notório erro de julgamento no que tange à apreciação da prova produzida e em manifesta violação do disposto no artigo 374º, n.° 2, do Código de Processo Penal e dos princípios do direito probatório e das regras da experiência comum(…).
(…) Os factos n.ºs 7 e 8 não podem ser dados como provados, devendo, assim, ser dado como provado que os Arguidos terão agido numa situação de erro, não preenchendo a sua conduta o elemento cognitivo do dolo previsto artigo 14º, do Código Penal".
6 – Alegam os recorrentes que os depoimentos prestados em audiência de julgamento impunham uma decisão diferente daquela que foi tomada na decisão recorrida, no entanto, não lhes assiste razão.
7 – Compreendem-se as considerações expendidas pelos recorrentes sobre o que deveria ou não ter sido dado como provado, uma vez que se fundamentam na sua própria e compreensível interessada valoração das provas produzidas, no entanto, não podem tais considerações procederem em detrimento da convicção crítica, isenta, imparcial e objectiva que presidiu à apreciação e valoração da prova feita pelo Tribunal a quo.
8 – Ora, com as considerações vertidas na motivação do recurso apresentado, pretendem os recorrentes colocar em causa a formação da convicção do julgador, o que não nos parece aceitável, em virtude do processo de formação da convicção do julgador não poder ser sindicado em sede de recurso, na medida em que se refere a algo que deriva da sua intima convicção e, naturalmente, sujeito a uma margem de discricionariedade.
9 – Os recorrentes não terão atendido ao princípio fundamental da livre apreciação da prova em vigor no nosso direito processual penal, vertido no art. 127º do CPP, o qual estabelece que a prova é valorada e apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, o que, contudo, não deve ser confundido com o livre arbítrio ou discricionariedade.
10 – Ao valorar livremente a prova, procurando através dela alcançar a verdade material, tem o julgador a obrigação de ser claro, enunciando genericamente as suas motivações, explanadas de forma racional, coerente, justa e fundamentada, de modo a afastar o livre arbítrio, e bem assim justificar a confiança no julgador.
11 – Por outro lado, há que salientar o facto do juiz de julgamento ser também ele o juiz da oralidade e da imediação, encontrando-se, por isso, numa posição privilegiada para melhor apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, a isenção, as contradições, as solidariedades, as pequenas cumplicidades, entre muitas outras, avaliando o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais e que facilmente escapam no recurso, tendo, assim, uma percepção própria do material probatório, insindicável.
12 – Não se nos afigura que a sentença recorrida padeça de qualquer erro notório na apreciação da prova, o qual apenas se verifica quando da factualidade provada se extrai uma conclusão ilógica, irracional e arbitrária ou notoriamente violando as regras da experiência comum.
13 – Com efeito, no caso sub judice, o Tribunal apreciou criticamente a prova, fundamentando de forma lógica e coerente a sua convicção, sendo que em toda a motivação se constata uma intenção de objectividade.
14 – O Tribunal indicou fundamentos suficientes de modo a que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção quanto aos factos dados como provados e aos que foram dados como não provados.
15 – Assim sendo, atento o teor da sentença recorrida, temos para nós que a factualidade apurada não foi resultado de uma convicção puramente subjectiva, emocional ou imotivável da Juiz a quo, mas, ao invés, e conforme se extrai da motivação, resultou de uma convicção pessoal, em todo o caso objectivável e motivável, conforme é exigido pelo art. 374°, n.º 2 do CPP.
16 – Não existe, por conseguinte, erro notório na apreciação da prova, na medida em que os factos dados como provados e não provados se apresentam com bastante clareza e precisão, encontrando-se em perfeita consonância com a motivação.
17 – Com efeito, o que efectivamente vem alegado pelos recorrentes não é tanto uma situação que se subsuma ao erro na apreciação da prova, mas antes a forma como o Tribunal procedeu à apreciação e valoração da mesma, ao que, no nosso entendimento, não existe qualquer censura a fazer.

18 – Defendem também os recorrentes a existência de insuficiência da matéria de facto de molde a considerar-se verificado o crime pelos quais foram condenados.
19 – Verifica-se insuficiência da matéria de facto, nas palavras de BORGES DE PINHO, Dos Recursos Penais, 2ª edição, Braga, 2005, P. 30, "…quando se verifique incorrecta formação de um juízo por a conclusão ir além das premissas, isto é, quando a matéria de facto provada é insuficiente para a formulação de uma solução correcta de direito, dado não conter os elementos necessários à mesma, não permitindo por isso e assim um juízo seguro de absolvição ou de condenação.".
20 – Todavia, no presente caso, perante a matéria de facto dada como provada, bem andou o tribunal a quo ao dar como verificada a prática pelos arguidos do crime em referência, reprodução ilegítima de reprodução de programa protegido, uma vez que, quer o elemento objectivo, quer o subjectivo, se encontram, sem margem de dúvida, devidamente preenchidos.
21 – Com efeito, da matéria dada como provada resulta que:
7. O arguido agiu de forma livre, voluntária, em representação e no interesse da empresa arguida, com os propósitos concretizados de ter em seu poder, mediante instalação efectuada nos computadores pertencentes e utilizados pela empresa arguida, os programas informáticos supra aludidos, bem sabendo que a empresa ou o próprio não eram titulares da necessária autorização emitida pelas entidades proprietárias daqueles programas para que os pudessem reproduzir e utilizar nas circunstâncias supra descritas.
8. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
22 – Assim, é por demais evidente que o arguido A..., e bem assim a sociedade arguida, através daquele, instalou ou reproduziu programas informáticos protegidos, sem que tivesse a devida autorização das entidades proprietárias para o efeito, pelo que preenchido está o elemento objectivo do tipo de ilícito em questão.
23 – No que respeita ao elemento subjectivo do crime, interessa referir que nos factos dados como provados consta que os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo o arguido agido de forma livre e voluntária, em representação e no interesse da empresa arguida, pelo que entendemos estar, inequivocamente, preenchido o elemento subjectivo do crime em referência, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer reparo ao concluir como verificada a prática do crime, inexistindo, por conseguinte, a alegada insuficiência da matéria de facto para fundamentar a decisão de condenação.
24 – No que tange à alegada contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, entendemos que também aqui não assiste razão ao recorrente.
25 – Estipula o art. 374°, n.° 2 do CPP, no que concerne ao requisitos da sentença:
"Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, da facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.".
26 – Conforme o referido normativo legal, existe contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão quando, segundo um raciocínio lógico, a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária. Assim, sempre que, considerados os factos enumerados e a respectiva prova existir uma desarticulação ilógica entre o que foi dado como assente, ou entre a factualidade apreciada e as respectivas conclusões, estaremos em face de uma contradição na fundamentação.
27 – Contradição essa alegada pelos recorrentes na motivação, os quais referem, para além do mais: "(…) A fundamentação da decisão efectuada pelo Tribunal "A Quo" não deixou claro o processo de raciocínio que conduziu a tomar a decisão, ou seja, além da enumeração das razões de facto e de direito, a sentença proferida deveria nos termos do disposto no artigo 374º n.º 2, do CPP efectuar o exame crítico das provas, o mesmo é dizer; na sua descrição e respectivo juízo de valor que ofereçam em termos de suporte decisório, o que de todo não se verifica nos presentes autos.
(…) Ao exame crítico da prova encontra-se ausente da motivação que consta da douta Sentença proferida.".
28 – Ora, no que a tal matéria diz respeito há que realçar que a fundamentação da sentença não tem que ser exaustiva, antes completa, por forma a ser inteligível por todos, enumerando os factos essenciais ou relevantes para a decisão da causa, e em termos de reconstituir o processo lógico-mental seguido pelo julgador.
29 – Tal transparência dirige-se não só às partes como também à comunidade em geral, "servindo de instrumento de ponderação e legitimação" da própria decisão judicial.
30 – Nos presentes autos, entendemos que a sentença recorrida cumpriu tal desiderato, uma vez que o tribunal fundamentou devidamente a sua decisão, analisando de forma crítica e isenta a prova produzida, revelando coerência, razoabilidade e objectividade no raciocínio levado a cabo, raciocínio esse explanado na motivação de forma clara e precisa.
31 – Da fundamentação da sentença, tal como se encontra estruturada, resulta com clareza que a prova produzida foi analisada criticamente, demonstrando-se de forma concisa, mas suficiente, a razão pela qual se valorou diversamente as provas produzidas, nomeadamente a testemunhal.
32 – Com efeito, a decisão recorrida enumera os diversos meios de prova de que se socorreu, exibindo o que de mais relevante deles colheu, sendo esclarecedora em termos de conteúdo, resultando da fundamentação que o tribunal a quo procedeu à valoração da prova de acordo com o princípio da livre convicção probatória.
33 – Pelo que, assim sendo, temos para nós não existir a alegada contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, pelo que a sentença recorrida não padece do alegado vício, não sendo, por conseguinte, nula, ao invés do que é alegado pelos recorrentes.
34 – Em suma, inexiste o invocado erro notório na apreciação da prova, bem como inexiste a alegada insuficiência quanto à matéria de facto dada como provada, muito menos contradição entre a fundamentação e a decisão.
35 – Alegam, ainda os recorrentes, que a sentença recorrida não fez uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada e não provada, não se encontrando preenchido o tipo legal do crime pelo qual foram condenados, ou seja, o crime de reprodução ilegítima de programa protegido, p. e p. pelo art. 9º da Lei n.º 109/91, de 17.8, aplicável aos programas de computador por força do art. 14º do DL. n.° 252/94, de 20/10.
36 – Para tanto, citam na motivação do recurso a doutrina defendida por FARIA COSTA in 'Les Crimes Informatiques et d’ autres crimes dans le domaine de la technologie au Portugal", pag. 538, segundo a qual o tipo objectivo do ilícito não se encontra preenchido, já que a reprodução penalmente proibida deve entender-se como aquela que visa, ou tem por objectivo uma comunicação ao público.
37 – Desta forma os recorrentes dão a entender que, para que se considere verificado o crime em questão, a reprodução do programa informático implica uma comunicação ao público, daí defenderem que deveria ter sido dado como provado que os computadores e programas reproduzidos eram apenas para uso profissional/interno da sociedade arguida, o que não foi.
38 – Afloram, assim, de forma ténue, que a reprodução de programa informático só é criminalmente punível quando se destina à divulgação ou comunicação ao público e não quando se destina a uma utilização interna, neste caso, da sociedade arguida.
39 – Dispõe o aludido art.º 9°, n.º 1 da citada Lei n.º 109/91, de 17/08:
1 – Quem, não estando para tanto autorizado, reproduzir, divulgar, comunicar ao público programa informático protegido por lei será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Por sua vez, dispõe o artigo 140 do D.L n.° 252/94, de 20/10:
1 – Um programa de computador é protegido contra a reprodução não autorizada.
2 – É aplicável ao programa de computador o disposto no n.° 1 do art.° 90 da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto.
40 – No crime em referência, o interesse que a lei pretende proteger é a propriedade intelectual, uma vez que visa garantir ao titular dos direitos de criação dos programas o uso dos mesmos mediante autorização, devidamente remunerada.
41 – Os elementos típicos do tipo legal correspondem:
- a falta de autorização; a acção, consistente em reproduzir, divulgar ou comunicar ao público; objecto da acção – o programa informático legalmente protegido; o dolo.
42 – Ora, conforme resulta da matéria dada como provada, nas instalações da sociedade encontravam-se a ser utilizados três computadores, nos quais estavam reproduzidos e instalados três programas "Autocad LT 2004 – serial n.º 341 – 43594876", sendo que a arguida apenas possuía uma licença para um daqueles programas. Os dois programas Autocad LT 2004, relativamente aos quais não havia qualquer licença de utilização, foram instalados e reproduzidos em dois computadores, pertencentes à empresa arguida, e eram utilizados pelos seus trabalhadores no âmbito das suas funções profissionais.
43 – Defendem os recorrentes, na esteira da tese de Faria Costa, que a reprodução de programas só é penalmente punida quando se destinar à divulgação ou comunicação ao público. No entanto, tal interpretação cumula os requisitos da letra da lei, "reproduzir", "divulgar" e "comunicar ao público", abstraindo-se da reprodução não autorizada feita para utilização interna ou privada, independentemente da dimensão de tal utilização.
44 – Ora, a entender-se assim, a norma em causa pouca ou reduzida prática teria, uma vez que, como é consabido, a denominada "pirataria" de software corresponde a grande percentagem da criminalidade informática, sendo que, na maioria das situações, essa "pirataria" (reprodução não autorizada) destina-se ao uso privado e não para divulgar ou comunicar ao público, por forma a evitar a aquisição do programa original, habitualmente de alto custo.
45 – Assim sendo, a interpretação mais correcta da norma em referência será aquela que considera os requisitos legais como alternativos e não cumulativos, interpretação essa que perfilhamos. Será, então, punível nos termos do art. 9º, n.º 1 da Lei n.º 109/91 de 17/08, o acto de "reproduzir", independentemente da intenção com que essa reprodução tenha sido efectuada. Ou seja, tanto é punível o acto de reproduzir um determinado programa informático, como é punível o acto de o divulgar ou comunicar ao público.
46 – Pelo que, revertendo ao caso dos autos, tendo o arguido efectuado reprodução, em dois computadores, de programa legalmente protegido sem que tivesse autorização para o efeito, com vista a serem utilizados internamente pelos trabalhadores da sociedade arguida no âmbito do exercício da sua actividade funcional, temos para nós que o Tribunal a quo fez uma correcta qualificação jurídica dos factos que lhe foram submetidos para apreciação ao entender estarem preenchidos os requisitos objectivos e subjectivos do tipo legal em causa e ao condenar os arguidos pela sua prática.
47 – Entendemos, assim, não existir qualquer reparação ou censura a efectuar à decisão recorrida, uma vez que a mesma se encontra correctamente elaborada, não padecendo de qualquer vício, não tendo violado qualquer norma ou princípio legal.
Termos em que, ao julgarem improcedente o recurso, mantendo a douta sentença recorrida, farão V.ªs Excelências a habitual JUSTIÇA.
(…)”.
*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, e concluiu pelo não provimento do recurso.
*

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
           
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
*
*
*
*

II. FUNDAMENTAÇÃO


            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
            Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
            - A nulidade da sentença [arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, b) e c), do C. Processo Penal];  
            - A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova;
            - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto [pontos 7 e 8 dos factos provados] e a violação do in dubio pro reo;
            - O não preenchimento do tipo do crime de reprodução ilegítima de programa protegido.
*

            Para a resolução destas questões, importa ter presente o que, de relevante, consta da decisão recorrida. Assim:

A) Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:
            “ (…).
1. A empresa arguida “ B..., Lda”, é uma sociedade por quotas, encontra-se sediada na Rua (...), (...), n.º (...), Oliveira do Bairro, nesta comarca, é titular do NIPC (....) e tem por objecto a exploração de gabinete de engenharia, arquitectura, design e publicidade, construção civil, compra e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; promoção imobiliária; importação, exportação, comercialização e distribuição de materiais de construção civil, ferragens, ferramentas, máquinas e equipamentos para a construção civil e indústria.
2. A empresa arguida tem como sócio e gerente o arguido A..., desde a data de constituição, em 31-07-2007.
3. Em 25-09-2008, nas instalações da empresa arguida, designadamente no Gabinete de Projectos de engenharia e arquitectura, sita na Rua (...), Oliveira do Bairro, nesta comarca, a arguida tinha em seu poder três computadores, nos quais estavam reproduzidos e instalados três programas “Autocad LT 2004 – serial n.º 341 – 43594876”, sendo que a empresa arguida apenas possuía uma licença para somente um daqueles programas.
4. Os dois programas Autocad LT 2004, relativamente aos quais não havia qualquer licença de utilização, foram instalados e reproduzidos pelos arguidos em dois computadores, pertencentes à empresa arguida, e eram utilizados por C... e D... , todos trabalhadores da empresa arguida e no âmbito das suas funções profissionais, e tinham o valor de € 1.200,00 cada um, ao que acrescia IVA no valor de € 240,00, respectivamente.
5. Acresce que todos os programas supra aludidos eram regulamente utilizados pelos trabalhadores da empresa arguida, a mando do arguido e em representação e no interesse da empresa arguida, até à data de 25 de Setembro de 2008.
6. Em 22 de Outubro de 2008, a empresa arguida, por intermédio do arguido A..., adquiriu duas licenças para dois programas de Autocad, com o intuito de regularizar a situação supra descrita.
7. O arguido agiu de forma livre, voluntária, em representação e no interesse da empresa arguida, com os propósitos concretizados de ter em seu poder, mediante instalação efectuada nos computadores pertencentes e utilizados pela empresa arguida, os programas informáticos supra aludidos, bem sabendo que a empresa ou o próprio não eram titulares da necessária autorização emitida pelas entidades proprietárias daqueles programas para que os pudessem reproduzir e utilizar nas circunstâncias supra descritas.
8. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
9. O arguido é primário face ao Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
10. O arguido tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade; vive sozinho; aufere mensalmente € 650, como gerente da empresa Inreis; tem duas filhas menores de idade, pagando de pensão de alimentos a quantia de € 250; tem como encargo mensal a prestação do empréstimo para aquisição de habitação própria no montante de € 350 a € 400 por mês; não tem outros encargos, além dos normais.
11. O Cyberlink Power DVD trata-se de uma amostra gratuita, aplicada aquando da sua montagem pelo fornecedor.
(…)”.

B) Foram considerados não provados os seguintes factos:
“ (…).
- Os arguidos tinham também reproduzido e instalado em dois computadores, pertencentes à empresa, dois programas “Microsoft Office 2007 Professional”, com o nº de série HPFWX-VCV2Y-FK2W8-96CMBRMGWW e CWDF9-KGK2Q-23PGX-YCCDB-D4Q6B, com o valor de € 392,00 cada, ao que acrescia IVA no valor de € 78,40 respectivamente, sem que os arguidos possuíssem as necessárias licenças de utilização.
- Os dois programas “Microsoft Office 2007 Professional” ora aludidos eram utilizados por E... e C...., todos trabalhadores da empresa arguida e no âmbito das suas funções profissionais.
- Os arguidos tinham ainda instalado e reproduzido em dois computadores, pertencentes à empresa arguida, dois programas “Windows XP Professional Português”, com o n.º de série 55729OEM-0044312-43097 e com a chave V8YR4-FPGPK-2GDKD-2T8CX-FPK3D e KWF9V-9XG4J-YP2KB-XPMRY-T8J78 76452-OEM-0027804-51272, com o valor de € 344,56 cada, ao que acrescia IVA no valor de € 68,91 respectivamente, sem que os arguidos possuíssem as necessárias licenças de utilização.
- Os dois programas “Windows XP Professional Português” ora aludidos eram utilizados por C.... e D...., todos trabalhadores da empresa arguida e no âmbito das suas funções profissionais.
- Os arguidos tinham ainda instalado e reproduzido num computador, pertencente à empresa arguida, um programa Cyberlink “Power DVD”, no valor de € 70,00, ao que acrescia € 14,00 de IVA, sem que nenhum dos arguidos possuísse a necessária licença de utilização.
- O programa ora aludido era utilizado por C...., trabalhador da empresa arguida e no âmbito das suas funções profissionais.
- Em relação ao programa “Microsoft Office 2007 Professional” os arguidos possuem a licença correspondente ao nº de série HPFWX-VCV2Y-FK2W8-96CMB-RMGWW e CWDF9-KGK2Q-23PGX-YCCDBD4Q68, tendo sido por lapso da empresa fornecedora “DualPro” que as respectivas etiquetas não foram coladas/aplicadas na estrutura dos PC’s fiscalizados.
- Em relação ao “Windows XP Professional Português” os arguidos possuem licença com o nº de série KWF9V-9XG4J-YP2KB-XPMRYT8J78.
C) Dela consta a seguinte motivação de facto:
“ (…).
A convicção do Tribunal formou-se com base na análise crítica da prova produzida em sede de audiência.
Assim, quanto aos factos provados, no resultado da prova pericial junta aos autos, sendo certo que o arguido, após a respectiva fiscalização, tratou de regularizar a situação do programa Autocad (vide especificamente fls. 261); com esta regularização não se pode concluir, como pretende o arguido, que não tivesse consciência da falta de licença, pois é do senso comum haver necessidade de licença, tanto mais para quem exerce a sua actividade profissional centrada na utilização de programas informáticos. Já em relação ao programa Cyberlink, uma vez que o arguido refere ter vindo já instalado da empresa onde adquiriu o computador, é credível que desconhecesse a necessidade de qualquer tipo de licença (vide fls. 544).
Nos esclarecimentos prestados pelo perito F..., que se limitou a confirmar o teor do relatório por si apresentado, referindo ainda que os programas com número de séries diferentes provavelmente correspondem a outras licenças que não foram apresentadas, sendo que pesquisou na base de dados na lista negra de números de
licenças, disponível na internet, e tais licenças não constavam, pelo que podem existir; não pode verificar se a empresa tinha ou não essa licença válida; já em relação ao Ciberlink trata-se de um programa de licença ao proprietário, apesar de acompanhar normalmente de forma gratuita o computador, não tendo sido apresentado qualquer comprovativo de licenciamento do programa, mas também não resultou provado que tal fosse obrigatório.
No depoimento da testemunha D...., funcionário da arguida, como desenhador/projectista, desde 2006, tendo estado ausente apenas durante o ano de 2009; depôs de forma convincente, esclarecendo que esteve presente na data da fiscalização; trabalhava num dos computadores apreendidos, nomeadamente, com o programa Autocad; quando instalou o Autocad foi-lhe dada a licença – não sabe se instalou nos três computadores; o Microsoft Office 2007 estava instalado em dois computadores, com duas licenças; do Windows XP tinham três licenças; do programa Cyberlink Power DVD nunca foi instalado pela empresa, já estava instalado quando o computador foi comprado; quando fazia a instalação do programa recebia um mail de confirmação da instalação com sucesso.
No depoimento das testemunhas E..., funcionária da empresa arguida, de Fevereiro de 2008 a Dezembro de 2009 e G..., ali funcionária até final do ano de 2008, início de 2009; depuseram de forma convincente, esclarecendo que estavam presentes na data da fiscalização pela ASAE; tinham um computador onde trabalhavam em vários programas, nomeadamente, Autocad, Microsoft Office, Windows XP; não instalavam, nem viu instalar qualquer programa; quanto às licenças, nada sabe.
No depoimento da testemunha C...., funcionário da empresa arguida desde Maio de 2008; estava presente à data da fiscalização; nunca ouviu qualquer conversa sobre instalação de programas de computadores, pois quando chegou o computador já estava apto a funcionar; utilizava o programa Autocad e processamento de texto Windows XP; só depois de ter ocorrido a fiscalização é que ouviu falar nas licenças.
No depoimento da testemunha H..., inspector adjunto especialista da ASAE, que procedeu à fiscalização da empresa arguida; depôs de forma objectiva, esclarecendo que, no dia da fiscalização, pode constatar que o programa Autocad estava instalado em vários computadores, havendo apenas uma licença, pelo que os outros foram apreendidos.
No depoimento da testemunha J..., que forneceu equipamento informático à empresa arguida; depôs de forma convincente, esclarecendo que o programa Autocad permite ser instalado em vários computadores; já o programa Windows Microsoft Office 2007 e Windows XP, tal não é possível, porque o programa tem uma licença, e se quiser novamente instalar o programa, tem de obter uma nova
chave, que elimina a anteriormente dada.
Refira-se que, em relação à apreensão dos computadores, realizada no dia da fiscalização à empresa arguida, a mesma foi validada, pela autoridade judiciária, no próprio dia 25.09.2008, conforme resulta de fls. 6 dos autos.
A convicção do Tribunal formou-se ainda com base no documento de fls. 544, junto pelo arguido, no certificado de registo criminal de fls. 592, e relatório social de fls. 555-557.
A convicção do Tribunal quanto aos factos não provados alicerçou-se na dúvida sobre a prova produzida, e por isso, se aplicou o princípio “in dubio pro reo”, no sentido de que um “non liquet” na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A falta de prova de um facto, não se provando o seu contrário ou uma qualquer outra versão do mesmo facto, dá lugar apenas e tão só a um “non liquet”, a um estado de incerteza que deverá conduzir à consideração do facto em questão como não provado, não resultando daí que deva considerar-se provado o facto contrário.
Assim, o relatório pericial, com os vários esclarecimentos oportunamente solicitados, não foi conclusivo. Ou seja, em relação ao Microsoft Office Basic 2007, concluiu-se que, e passo a citar “como não me foi feita chegar a chave do produto, não poderei fazer a correspondência”; sendo que a fls. 376, o perito refere que “os documentos apresentados para comprovar o licenciamento do produto Microsoft Office Basic 2007 não provam conclusivamente que a caixa fotocopiada corresponde a qualquer um dos programas instalados nos computadores, uma vez que nesta não consta a “Chave do Produto”, código alfanumérico único que acompanha a caixa aquando da aquisição do produto e necessário para a instalação do programa.
Assim, não é possível corresponder a licença este documento a qualquer uma das cópias deste programa instaladas nos computadores”. Restará sempre a dúvida.
Já em relação ao Windows XP Professional, persiste a dúvida quanto à existência da licença, uma vez que a fls. 376, o Sr. Perito referiu o seguinte: “relativamente aos documentos apresentados para comprovar o licenciamento do produto Windows XP Professional, instalado nos computadores 1, 2 e 3, intitulados de “Doc 4”, “Doc 5” e “Doc 6”, apenas o “Doc 6” demonstra a legitimidade do produto instalado no computador 1. Nos restantes documentos não consta o dístico que contém o número de série, essencial para a correspondência das licenças. Consequentemente não é possível garantir a legitimidade das cópias do programa Microsoft Windows XP Professional nos computadores 2 e 3 mediante os documentos apresentados”. Ora, também aqui tal perícia não é conclusiva, pelo que persistem dúvidas, apesar dos vários esclarecimentos solicitados, e audição do Sr. Perito em audiência de julgamento; aliás, ainda frisou, na audição em julgamento, não ter encontrado as chaves dadas na lista negra divulgada na internet, o que levanta ainda mais dúvidas sobre a sua existência.
O programa Cyberlink não é referido de forma clara na perícia, sendo que o arguido desconhecia a instalação de tal programa, e do teor de fls. 544, pelo que, na dúvida, também se terá de optar por considerar facto não provado.
(…)”.

D) E a seguinte fundamentação de direito quanto à tipicidade da conduta:
“ (…).
A Lei 109/91, de 17.08. versa sobre crimes como a falsidade e a sabotagem informática relativos a dados ou programas informáticos, o acesso ilegítimo a sistemas ou redes de intercepção ilegítima ou a reprodução ilegítima de programa protegido. As regras deste diploma aplicam-se tanto às pessoas singulares como a empresas e outras pessoas colectivas.
A realidade “cibercrime” é identificada genericamente com um conjunto de condutas por meio de computadores e mais recentemente, através da Internet. É, contudo, possível dividir os crimes informáticos em três ou quatro grupos.
No primeiro grupo, incluem-se os crimes informáticos, que se encontram identificados na Lei da Criminalidade Informática, como ilegítima. Depois temos um grupo de infracções em que o computador surge como um instrumento da prática do crime, como são disso exemplos a burla informática ou o de garantia ou de crédito. O terceiro grupo tem a ver com os conteúdos na Internet, ou os direitos de autor sobre conteúdos disponíveis na rede ou sobre programas.
Nos presentes autos os arguidos encontram-se acusados pela prática de sete crimes de reprodução ilegítima de programa protegido, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, do Decreto-lei nº 252/94, de 20-10, e artigos 9º, nº 1, e 10º, nºs 1 a 4, da Lei nº 109/91, de 17 de Agosto, ou pelos artigos 8º, nº 1, e 9º, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, conforme o regime que se considerar mas favorável.
O artigo 9º, nº 1 da Lei nº 109/91, de 17.08. dispõe que “quem, não estando para tanto autorizado, reproduzir, divulgar ou comunicar ao público um programa informático protegido por lei será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
Já o artigo 10º da Lei nº 109/91, de 17.08., estipula que “pelos crimes previstos na presente lei são aplicáveis às pessoas colectivas e equiparadas as seguintes penas principais: a) admoestação, b) multa, c) dissolução”.
Cumpre, neste momento, analisar se se aplica a Lei nº 109/91, de 17.08., revogada pela Lei nº 109/2009, de 15.09., que entrou em vigor em 15.10.2009 (vide artigo 30º e 31º desta Lei), ou esta última, ao caso concreto.
Refira-se, em primeiro lugar, que as alterações de redacção detectáveis na sucessão de normas não implicaram qualquer alteração significativa em termos de conteúdo.
No entanto, se para a pessoa singular todo o regime se manteve inalterado, já em relação à pessoa colectiva, se verifica uma agravação do regime aplicável.
Vejamos.
Com a Lei 109/91, de 17.08., é aplicável a pena de admoestação, multa e dissolução – artigo 10º, nº 1 – sendo que, em relação à pena de multa se alteraram os seus pressupostos, pois que, à data dos factos, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 50 e € 1000.
Com a redacção dada pela Lei 109/2009, de 15.09., as pessoas colectivas e entidades equiparadas são penalmente responsáveis pelos crimes previstos na presente lei nos termos e limites do regime de responsabilização previsto no Código Penal.
Ora, tal regime encontra-se previsto nos artigos 90º-A e seguintes do Código Penal. Aí encontram-se previstas a aplicação das penas de admoestação, e da pena de dissolução, de forma idêntica ao regime da Lei 109/91; já em relação à pena de multa, verifica-se uma agravação no quantitativo diário da pena de multa, que passará de € 100 a € 10.000 – artigo 90º-B, nº 5 do Código Penal.
Como tal, não se irá aplicar o regime previsto na Lei 109/2009, de 15.09 (com entrada em vigor em 15.10.2009), mas sim a Lei 109/97, de 17.08., vigente à data da prática dos factos (25-09-2008).
Passemos à análise do tipo legal de crime.
Relativamente ao que deva entender-se por programa informático, o artigo 2º, al. c) da Lei nº 109/91, de 17.08, define-o como sendo “um conjunto de instruções capazes, quando inseridas num suporte explorável em máquina, de permitir à máquina que tem por funções o tratamento de informações, indicar, executar ou produzir determinada função, tarefa ou resultado”.
Na linguagem corrente dos cientistas de computação, os programas de computador são designados pela expressão “software”, a qual, aliás, é comummente usada pela generalidade dos utilizadores dos computadores.
Dir-se-á ainda a este respeito que será juridicamente indiferente falar-se em protecção de programas de computador ou em protecção de software.
Importante é atentar em que o bem jurídico cuja tutela se pretende exercer através da referida protecção é a propriedade intelectual, ou seja, o direito de autor, não sendo essencial à consumação do crime a verificação do prejuízo económico.
Serão elementos objectivos do tipo de crime em apreço: a) a falta de autorização; b) a acção, numa das três modalidades previstas – a reprodução, a divulgação ou a comunicação ao público; c) o objecto da acção, consistente num programa informático protegido por lei.
Trata-se, é bom de ver, de um crime de realização plúrima, material e de dano1. Do ponto de vista dos elementos objectivos do tipo, o preenchimento far-se-á com a verificação, nos termos gerais, dos elementos do dolo tal como vêm definidos no artigo 14º do Código Penal.
O conceito de reprodução pode suscitar dúvidas. No entanto, sempre se dirá, no nosso entender, que aquela que melhor protege o bem jurídico cuja tutela se visa alcançar, é a seguinte: “o conceito de reprodução, para efeitos penais, tal como para efeitos cíveis, se basta com a memorização em computador”, “bastando-se igualmente com a reprodução do programa para o disco rígido do equipamento informático, sem que para tal tivesse o arguido licença”2.
Resulta desta peculiar configuração do tipo de crime em apreço que o desencadear da acção em qualquer das três modalidades referidas – reproduzir, divulgar ou comunicar ao público – é suficiente para a consumação do crime, não se exigindo que a lesão do direito de autor se traduza num prejuízo económico, efectivamente verificado.
1 Neste sentido pode consultar-se a excelente exposição levada a cabo no Acórdão do
Tribunal da Relação do Porto de 23.04.2003, disponível na Internet, na página www.dgsi.pt.
2 Cf. decisão identificada na nota anterior.
Vejamos o que resultou da factualidade provada.
A empresa arguida “ B..., Lda”, é uma sociedade por quotas, encontra-se sediada na Rua (...), (...), n.º (...), Oliveira do Bairro, nesta comarca, é titular do NIPC (....) e tem por objecto a exploração de gabinete de engenharia, arquitectura, design e publicidade, construção civil, compra e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; promoção imobiliária; importação, exportação, comercialização e distribuição de materiais de construção civil, ferragens, ferramentas, máquinas e equipamentos para a construção civil e indústria, tendo como sócio e gerente o arguido A..., desde a data de constituição, em 31-07-2007.
Em 25-09-2008, nas instalações da empresa arguida, esta tinha em seu poder três computadores, nos quais estavam reproduzidos e instalados três programas “Autocad LT 2004 – serial n.º 341 – 43594876”, sendo que a empresa arguida apenas possuía uma licença para somente um daqueles programas.
Os dois programas Autocad LT 2004, relativamente aos quais não havia qualquer licença de utilização, foram instalados e reproduzidos pelos arguidos em dois computadores, pertencentes à empresa arguida, e eram utilizados por C.... e D...., todos trabalhadores da empresa arguida e no âmbito das suas funções profissionais, e tinham o valor de € 1.200,00 cada um, ao que acrescia IVA no valor de € 240,00, respectivamente.
Acresce que todos os programas supra aludidos eram regulamente utilizados pelos trabalhadores da empresa arguida, a mando do arguido e em representação e no interesse da empresa arguida, até à data de 25 de Setembro de 2008.
O arguido agiu de forma livre, voluntária, em representação e no interesse da empresa arguida, com os propósitos concretizados de ter em seu poder, mediante instalação efectuada nos computadores pertencentes e utilizados pela empresa arguida, os programas informáticos supra aludidos, bem sabendo que a empresa ou o próprio não eram titulares da necessária autorização emitida pelas entidades proprietárias daqueles programas para que os pudessem reproduzir e utilizar nas circunstâncias supra descritas.
Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Tais programas constituem sem dúvida cópia ou reprodução de programas licenciados para um dos computadores, sendo a sua utilização ilegal já que não autorizada pelo titular dos seus direitos de autor.
Acresce que o arguido sabia as condições em que poderia usar os programas de computador em causa.
Contudo, entende o tribunal que, cada um dos arguidos, praticou tão só um crime de reprodução ilegítima de programa protegido, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, do Decreto-lei nº 252/94, de 20-10, e artigos 9º, nº 1, e 10º, nºs 1 a 4, da Lei nº 109/91, de 17 de Agosto, na forma continuada.
Assim, dispõe o artigo 30º do Código Penal “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”, sendo que o nº 2 do mesmo artigo estipula que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Verifica-se, portanto, que existe um só crime, porque a culpa só leva a um juízo de censura; o agente comete várias acções que são tratadas num quadro de unidade criminosa, porque existem circunstâncias que facilitam a actividade criminosa e a sua continuação, que diminuem a culpa do agente.
Ora, é este o caso dos autos. Os arguidos instalaram o programa em dois outros computadores existentes na empresa arguida, nas mesmas circunstâncias, o que leva a concluir por um só juízo de censura, de culpabilidade, e que facilitaram a actividade criminosa – a empresa tinha vários computadores, com funcionários que precisavam de trabalhar com o programa Autocad nos seus computadores, para bem desempenharem as funções profissionais.
Pelo exposto, os arguidos praticaram, cada um, um crime de reprodução ilegítima de programa protegido, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1, do Decreto-lei nº 252/94, de 20-10, e artigos 9º, nº 1, e 10º, nºs 1 a 4, da Lei nº 109/91, de 17 de Agosto e artigo 30º do Código Penal.
(…)”.
*
*

            Questão prévia

            1. Alegam os arguidos no corpo da motivação, sob o título «Questão prévia» que, nos termos da motivação de facto da sentença, para a formação da convicção do tribunal contribuiu a apreensão dos computadores cuja validação pela autoridade judiciária ocorreu em 25 de Setembro de 2008, quando o que resulta dos autos, a fls. 2, é que a apreensão foi efectuada naquela data mas a comunicação e validação pelo Ministério Público só tiveram lugar em 29 de Setembro de 2008, o que significa ter sido excedido o prazo de 24h e terem sido violados os arts. 75º e 201º, nº 2, do C. do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, e os arts. 118º, 119º, 171º e 178º, nº 5, do C. Processo Penal, com a consequente nulidade de toda a prova.
            Apesar de ter sido abandonada pelos recorrentes, na medida em que a ela se não referem nas conclusões do recurso, entendemos conveniente tecer sobre esta questão algumas considerações.
            Começaremos por dizer que a invalidade de um determinado meio de prova só afecta o próprio meio de prova e não os demais, salvo quando estes tenham sido obtidos através daquele, o que, manifestamente, nunca ocorreria nos autos.

            Quanto ao mais.
            Fls. 2 dos autos consiste num ofício enviado pela ASAE ao Magistrado do Ministério Público do Tribunal Judicial da comarca de Oliveira do Bairro, datado de 29 de Setembro de 2008, comunicando o início do inquérito referente ao NUI/PC000098/08.3.EACBR, que tem carimbo de entrada do referido tribunal de 1 de Outubro de 2008.
            No canto superior esquerdo da mesma folha, no talão da distribuição aí aposto, pode ler-se que recebeu o registo 197777 98/08.3EACBR, como inquérito, atribuído à Magistrada L...., distribuído em 3 de Outubro de 2008.
            No canto inferior esquerdo da mesma folha pode ler-se, em letra manuscrita:
- RDA como inquérito (reprodução ilegítima de programa de computador protegido).
- Conclua, validando-se desde já as apreensões – art. 178º, nº 1, do CPP.
OB, 2008-10-01.
A que se segue uma assinatura não legível.

O ofício que constitui fls. 2 era acompanhado, além do mais, pela fotocópia certificada do auto de apreensão de fls. 6 a 7, cujo original se encontra a fls. 95 a 96, datado de 25 de Setembro de 2008, relativo à apreensão de três CPU’s.
Ora, no canto superior direito de fls. 6 e 95 pode ler-se, em letra manuscrita:
Valido a apreensão efectuada ao abrigo do disposto no artigo 178º, nºs 1, 3 e 5 do C.P. Penal.
Oliveira do Bairro, 25/9/08.
L....

Assim, não obstante o que se encontra manuscrito a fls. 2, cuja letra, tanto quanto nos é dado observar, não é a mesma da manuscrita a fls. 6 e 95, o que resulta do auto de apreensão é que esta, no próprio dia em que foi realizada, foi validada pela Magistrada do Ministério Público que veio a ser responsável pelo inquérito.
            Portanto, observado que foi o prazo previsto no art. 178º, nº 5, do C. Processo Penal para a validação da apreensão pela autoridade judiciária, não se mostra cometida qualquer nulidade – que, em todo o caso, nunca seria insanável, por não compreendida no elenco do art. 119º do mesmo código, nem como tal cominada em qualquer outra disposição aplicável – que afecte a validade deste meio de obtenção de prova.
Por outro lado, não se vê como possam ter sido violados os arts. 75º e 201º, nº 2, do C. do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, nem qual o seu relevo para a questão suscitada.
*

            Da nulidade da sentença [arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, b) e c), do C. Processo Penal]  

2. Dizem os recorrentes que a sentença recorrida é nula, nos termos dos arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, b) e c), do C. Penal porque, não tendo sido considerado provado que a utilização dos programas era apenas interna e profissional, foram violados os princípios do direito probatório e o princípio in dubio pro reo, e porque não se mostra feito o exame crítico das provas, tendo ocorrido manifesto erro na apreciação da prova, pois não poderiam ter sido considerados como tal os pontos 7 e 8 dos factos provados.
Como se vê, sob a invocação da nulidade da sentença, os recorrentes colocam duas questões que nada têm a ver com aquela, quais sejam, a violação do in dubio pro reo e a incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto, questões estas que serão tratadas no local próprio, cuidando-se aqui apenas da primeira.

O art. 379º do C. Processo Penal prevê o regime, especial, das nulidades da sentença. Brevitatis causa, nos termos do nº 1 deste artigo, a sentença é nula quando não contenha as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º – o que vale dizer que é nula, além do mais, quando falte a fundamentação – [al. a)], quando condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições previstos nos arts. 358º e 359º [al. b)], e quando deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – omissão de pronúncia – ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – excesso de pronúncia [al. c)].
Apesar de expressamente invocarem as nulidades previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo em referência, a invocação do art. 374º e a afirmação feita da falta de exame crítico das provas remete-nos, claramente, para a nulidade da sentença por falta das menções referidas no nº 2 deste último artigo ou, de forma mais simples, para a nulidade da sentença por falta de fundamentação (art. 379º, nº 1, a), do C. Processo Penal). Vejamos se assim é.

2.1. O dever de fundamentação das decisões judiciais encontra-se previsto no art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, e reflecte-se no processo penal, ao nível da sentença, no art. 374º, nº 2, que dispõe: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.
A fundamentação da sentença integra pois, dois segmentos:
- A enumeração dos factos provados e não provados; e,
- A exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, que inclui a indicação e o exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
A enumeração dos factos provados e dos factos não provados consiste na narração metódica dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, tendo por base, os que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, quando exista, e ainda os factos provados que, com relevo para a decisão, resultaram da discussão da causa. É esta narração que permite verificar se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão deve, de modo completo e conciso, conter a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica das mesmas, entendendo-se por tal, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros. A exposição dos motivos de direito consiste, sinteticamente, na determinação do direito aplicável aos factos e sua aplicação ao caso concreto. 
A fundamentação é portanto, uma exigência de transparência da sentença que, para além de proporcionar o auto-controlo de quem a proferiu, permite aos destinatários directos e à comunidade, compreender os juízos de valor e de apreciação nela levados a cabo, e abre caminho ao controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, quanto à validade da prova e à impugnação da matéria de facto.
Posto isto.

2.2. Atentemos no teor da motivação de facto da sentença, supra transcrita. Aí, a Mma. Juíza a quo enunciou as provas de que se socorreu para formar a sua convicção, onde incluiu o relatório da prova pericial conjugado com os esclarecimentos prestados pelo perito F... , os depoimentos das testemunhas D...., E..., G... , H.... e I... , cujos depoimentos qualificou de convincentes, os primeiro a terceiro, e objectivo, o quarto, tendo ainda deixado consignada razão de ciência de cada testemunha [as três primeiras são ou foram trabalhadoras da sociedade arguida, em cujas instalações trabalhavam com os computadores onde se encontravam instalados os programas não licenciados, a quarta é inspector da ASAE, e fez a fiscalização à sociedade arguida onde apreendeu computadores onde se encontravam instalados programas não licenciados, e a quinta foi fornecedor de equipamento informático à sociedade arguida] e uma síntese de cada depoimento, e os documentos de fls. 544 [referente ao ponto 11 dos factos provados], 592 [CRC] e 555 a 557 [relatório social].
Estando essencialmente em causa nos autos, a instalação de programas informáticos não licenciados em computadores utilizados na actividade desenvolvida pela sociedade arguida, e tendo a Mma. Juíza a quo, para além do que antecede, feito ainda menção expressa às razões que, não obstante a posterior regularização, pelo arguido, dos programas não licenciados, a levaram a não admitir a existência de uma situação de falta de consciência da necessidade da licença, podemos dizer que se mostra feita na motivação de facto, ainda que de forma não modelar, reconhece-se, a correlação entre os factos e os meios de prova que os sustentam e a demonstração, em função da valoração feita destes meios de prova, da razoabilidade da decisão de facto isto é, da razoabilidade de terem sido considerados provados os factos que o foram, e não quaisquer outros, deste modo se tornando entendível, para os destinatários directos e para a comunidade, a razão de assim se ter decidido de facto.
E tanto assim é que os recorrentes, invocando embora a nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas, o que efectivamente fizeram foi dissentir do modo como o tribunal a quo apreciou e valorou os meios de prova e das conclusões que extraiu dessa valoração quanto à decisão da matéria de facto, o que nada tem a ver com aquela nulidade.

Em conclusão, a sentença recorrida não enferma da nulidade por falta de fundamentação, prevista no art. 379º, nº 1, a), do C. Processo Penal [como não enferma das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do mesmo número].
*

            Da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova

            3. Dizem os recorrentes, na conclusão 5, que o tribunal a quo, decidindo como decidiu cometeu erro notório na apreciação da prova documentada e gravada, dando como provados e não provados factos incorrectamente julgados, sem esquecer uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, pelo que enferma a sentença do vício previsto no art. 410º, nº 2, a), b) e c), do C. Processo Penal.
            Admitindo que os recorrentes, ao referirem os factos incorrectamente julgados, visam os pontos 7 e 8 dos factos provados e o que, em vez deles, deveria ter sido considerado provado, conforme conclusão 2, temos por certo que, e ressalvado sempre o devido respeito, confundem o regime dos vícios da decisão, previsto no art. 410º, nº 2, citado, comummente designado por revista alargada, com o regime da impugnação ampla da matéria de facto, essencialmente regulado no art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do C. Processo Penal. Havendo que separar as águas, atentemos, com a brevidade requerida, nos dois vícios invocados [apesar da referência à alínea a), do nº 2, do art. 410º, em lado algum os recorrentes mencionam o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada].

            3.1. A contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão é um vício da sentença que, como todos os demais previstos no art. 410º, nº 2, do C. Processo Penal, tem que, nos termos da lei, resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios à decisão, ainda que constantes do processo.
Na sua manifestação mais evidente, ocorre o vício quando existe oposição na matéria de facto dada como provada [v.g., dão-se como provados dois factos que estão entre si, em oposição por se excluírem mutuamente], ou entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto]. Mas existe também quando ocorre contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta que, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, seria outra a decisão de facto correcta], ou quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso]. 
Lida e relida a sentença, não descortinamos onde possa existir a apontada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, sendo certo que tão pouco os recorrentes a concretizaram. Na verdade, na fundamentação, de facto e de direito, da sentença, os factos provados foram qualificados como crime reprodução ilegítima de programa protegido, na forma continuada e por isso, no dispositivo da sentença, os arguidos, como autores daquele ilícito típico, foram condenados em pena de multa.

3.2. Verifica-se o vício do erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de o erro não passar despercebido ao cidadão comum, dado o seu carácter grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, pág. 74).
 
Balizado o vício nestes termos, evidente se torna que a questão proposta pelos recorrentes nada tem a ver com ele pois, devendo o vício resultar apenas do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que os arguidos verdadeiramente fazem é valorar de forma diferente a prova de que o tribunal a quo se socorreu para forma a sua convicção.
Admitindo-se, em tese, que a decisão de facto possa não ser correcta, o erro de julgamento que a afecte não é, seguramente notório. Assim, assistindo aos recorrentes o direito de sindicar a decisão proferida sobre a matéria de facto, a sua modificação só poderá operar, não pelo regime da revista alargada dos vícios da sentença, mas pelo da impugnação ampla da matéria de facto de que trataremos de seguida.

3.3. Em conclusão, a sentença recorrida não enferma dos vícios da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova e também não se evidencia que padeça do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
*

Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto [pontos 7 e 8 dos factos provados] e a violação do in dubio pro reo

4. Dizem os recorrentes, nas conclusões 1 a 3, que o tribunal errou na decisão da matéria de facto ao considerar os pontos 7 e 8 dos factos provados da sentença como tal, antes devendo ter considerado como provado que:
a) O arguido agiu numa situação de erro, não preenchendo assim a sua conduta o elemento cognitivo do dolo previsto no artigo 14.º do Código Penal;
b) O arguido não sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei;
c) A utilização dos computadores e programas era apenas para uso profissional/interno da sociedade arguida, não se encontrando assim preenchido o tipo objectivo do ilícito;
d) A comunicação e validação da apreensão efectuada pelo Digno Magistrado do Ministério Público foram efectuadas a 29 de Setembro de 2008.
Apesar de na conclusão 3 apenas referir a insuficiência da prova documental e a contradição da prova testemunhal, como impeditivas da prova daqueles pontos de facto, no corpo da motivação, para demonstração da incorrecta apreciação de facto, os recorrentes apelam às declarações do arguido e ao depoimento da testemunha D...., tendo transcrito os segmentos que entenderam relevantes e a sua temporização na documentação da audiência.
Sendo possível deduzir das conclusões as concretas provas e as concretas passagens em que se funda a impugnação, considera-se minimamente observado o ónus de especificação previsto no art. 412º, nºs 3 e 4, do C. Processo Penal, nada obstando ao conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pelos arguidos, com os exactos limites por eles fixados portanto, relativamente aos pontos 7 e 8 dos factos provados e aos que, em sua substituição, supra enunciados, pretendem que, como provados, passem a constar.

Os pontos de facto sindicados têm o seguinte teor:
- [7] O arguido agiu de forma livre, voluntária, em representação e no interesse da empresa arguida, com os propósitos concretizados de ter em seu poder, mediante instalação efectuada nos computadores pertencentes e utilizados pela empresa arguida, os programas informáticos supra aludidos, bem sabendo que a empresa ou o próprio não eram titulares da necessária autorização emitida pelas entidades proprietárias daqueles programas para que os pudessem reproduzir e utilizar nas circunstâncias supra descritas;
- [8] Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Ouvido – com dificuldade, diga-se, por falta de qualidade técnica da gravação – o CD onde se encontram registadas as declarações do arguido produzidas na audiência de julgamento, resulta ter o mesmo dito, em síntese, e na parte relevante, [a instâncias da Mma. Juíza] que era sua vontade agir dentro da lei, foi desconhecimento puro, tinha um CD legal do AutoCad, instalou-o noutros dois computadores, foi uma questão de necessidade, nunca pensou que fosse necessário adquirir outro CD, quando de tal foi informado, resolveu a situação, comprando novos CD’s, a € 1.500, cada [a instâncias do Ilustre Mandatário] não comercializava os CD’s, a utilização era apenas profissional.
Ouvido no mesmo CD o depoimento da testemunha D...., pelo mesmo foi dito, na parte relevante, [a instâncias da Digna Magistrada do Ministério Público] que havia uma licença do Autocad, duas licenças para os Office e três licenças para o XP, como o CD do AutoCad permitia a instalação sem problema pois o Autodesk enviava um mail de confirmação da instalação, nunca pensou que houvesse problemas, só soube da necessidade de um CD original para cada computador quando a questão se levantou, [a instâncias do Ilustre Mandatário] que o arguido não tinha conhecimento, se não tinha resolvido mais cedo, não ia estar a arriscar por três ou quatro mil euros, que a utilização era interna, não havia reprodução.    

Os pontos 7 e 8 dos factos provados, sindicados pelos recorrentes, respeitam ao elemento subjectivo do tipo, ao dolo do arguido. Conjugando-os com o teor da alínea b) dos factos que os recorrentes pretendem que se considerem como provados, verificamos que o efectivamente questionam é a falta de consciência da ilicitude e portanto, o erro sobre a punibilidade.
 Por isso, relativamente às quatro alíneas que, na perspectiva dos recorrentes, contêm factos que devem ser considerados provados, desde já se deixa dito que, a alínea a) contém apenas matéria conclusiva e de direito, a alínea c), na parte em que não é conclusiva, consta já do ponto 4 dos factos provados [os dois computadores onde se encontravam instalados os programas não licenciados eram utilizados por trabalhadores da sociedade arguida e no exercício das suas funções profissionais], e a alínea d) diz respeito apenas à já decidida questão prévia.

Como se viu, o arguido afirmou o seu desconhecimento quanto à necessidade de ser titular de tantas autorizações quantas as vezes de instalação do programa informático em questão, e que, quando dessa necessidade foi informado, logo cuidou de comprar novos CD’s com o programa. As declarações do arguido são, como é sabido, um meio de prova sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, consignado no art. 127º do C. Processo Penal.
A Mma. Juíza a quo não credibilizou, nesta parte, as declarações do arguido e cremos que bem.
É que, mesmo que possa admitir-se que o desvalor do facto subjacente ao tipo do crime de reprodução ilegítima de programa protegido não está completamente sedimentado na comunidade, a verdade é que, quem exerce profissionalmente uma determinada actividade tem o dever reforçado de conhecer as regras que regulam todos os aspectos dessa actividade.
Ora, como vem provado, o arguido é o gerente de uma sociedade que tem por objecto, além do mais, a exploração de engenharia, arquitectura, design e publicidade. Esta actividade da sociedade arguida exige o uso diário de determinados programas informáticos designadamente, o AutoCad, que é um programa de desenho auxiliado por computador, com aplicação na área de projecto, desenho arquitectónico, modelação e engenharia. Desta forma, o que seria razoável acontecer é que o arguido tivesse conhecimento dos condicionamentos legais de utilização de uma ferramenta tão essencial à actividade da empresa como esta. Por outro lado, e como resulta do depoimento da testemunha D...., nos computadores da sociedade encontravam-se instalados outros programas informáticos, existindo para cada instalação uma autorização, um CD original, o que significa que existia o conhecimento de que a reprodução do mesmo programa em diferentes computadores através da mesma autorização/CD não era permitida [conclusão que não é invalidade pela circunstância de, nestes outros programas, cada CD só permitir uma instalação].

Em conclusão, não só os concretos meios de prova indicados pelos recorrentes como impondo decisão diversa da recorrida são insusceptíveis de alcançarem tal desiderato, como os factos provados sindicados pelos recorrentes encontram suporte pleno na prova produzida, nos termos em que foi valorada, com observância do art. 127º do C. Processo Penal, pelo tribunal a quo.   

5. Alegam os recorrentes que a insuficiência de prova documental e a contradição da testemunhal não podia ter conduzido à prova dos pontos 7 e 8 dos factos provados, pelo que foi violado o princípio in dubio pro reo
Remete-se para o ponto anterior quanto à questão da suficiência dos meios de prova para a decisão de facto proferida. Aqui, apenas cuidaremos da violação do invocado princípio.

O in dubio pro reo decorre do princípio da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, da Constituição da República), e dá resposta ao problema da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja sempre resolvido a favor do arguido.
A dúvida, a valorar pelo julgador, e só por ele, pressupõe que, produzida a prova, subsista a incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão. Escreve, a este propósito, Cristina Líbano Monteiro, “O universo fáctico – de acordo com o «pro reo» – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.” (Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», pág. 53).   
O in dubio pro reo é, portanto, um princípio de direito processual penal que, impondo-se directamente ao julgador, só por ele pode ser actuado quando, produzidas as provas, no esforço desenvolvido para alcançar a verdade material de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, tenha ficado na dúvida, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual. Se dúvida não existe no espírito do julgador, se a sua convicção foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.
Lida a sentença recorrida, nela não se detecta qualquer dúvida que tenha existido no espírito da Mma. Juíza a quo quanto a qualquer dos factos que considerou provados, sendo certo que, face à motivação de facto apresentada, também não vemos que nesse estado de dúvida devesse ter ficado.

Em conclusão, não se mostra violado o princípio in dubio pro reo.
Assim, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto, nos exactos termos em que o foi pela 1ª instância.
*

            Do não preenchimento do tipo do crime de reprodução ilegítima de programa protegido

            6. Dizem os recorrentes, na conclusão 6, que não se encontra preenchido o tipo do crime pelo qual foram condenados, defendendo que a reprodução penalmente proibida é apenas aquela que tem por objectivo uma comunicação ao público. Vejamos se lhes assiste razão.
 
            O art. 14º do Dec. Lei nº 252/94 de 20 de Outubro [diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 91/250/CEE, do Conselho, de 14 de Maio, relativa à protecção jurídica dos programas de computador], com a epígrafe, «Tutela penal», dispõe:
            1 – Um programa de computador é protegido contra a reprodução não autorizada.
            2 – É aplicável ao programa de computador o disposto no n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto.

            Por sua vez, o art. 9º da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, com a epígrafe, «Reprodução ilegítima de programa protegido», dispõe no seu nº 1:
            Quem, não estando para tanto autorizado, reproduzir, divulgar ou comunicar ao público um programa informático protegido por lei será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

A Lei nº 109/91, de 17 de Agosto, foi revogada pela Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro [diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação], entrada em vigor em 15 de Outubro de 2009.
Dispõe o art. 8º desta lei, com a epígrafe, «Reprodução ilegítima de programa protegido», no seu nº 1:
Quem ilegitimamente reproduzir, divulgar ou comunicar ao público um programa informático protegido por lei é púnico com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

A sucessão de normas ocorrida não implicou uma alteração significativa do tipo em análise. Com efeito, a única diferença que se assinala é a de que na lei revogada constava, «Quem, não estando para tanto autorizado (…)», e na lei em vigor consta, «Quem ilegitimamente (…)», mantendo-se o mais, incluindo a moldura penal abstracta.
Sendo equivalentes as duas expressões assinaladas, datando os factos de 25 de Setembro de 2008, e não sendo caso de aplicação do art. 2º, nº 4, do C. Penal, a provada conduta dos arguidos terá que ser analisada à luz da lei em vigor na data da sua prática. Posto isto.

O crime de reprodução ilegítima de programa protegido é um crime comum e um crime de dano, que tutela a propriedade intelectual e tem como elementos constitutivos do respectivo tipo:
[tipo objectivo]
- Que o agente reproduza, divulgue ou comunique ao público um programa informático protegido por lei;
- A falta de autorização [para a comunicação, divulgação ou comunicação];
[tipo subjectivo]
- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto [em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal].

Alegam os recorrentes, subscrevendo doutrina do Prof. Faria Costa, que o tipo só estará preenchido quando a reprodução do programa informático se destine à divulgação ou comunicação ao público. Nesta perspectiva, a acção só será típica quando, cumulativamente, se verifiquem a reprodução, a divulgação e/ou a comunicação ao público do programa.
Para nós, atendendo desde logo à letra da lei, as três modalidades da acção previstas no art. 9º, nº 1, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, não são cumuláveis, para efeitos de preenchimento do tipo. Cremos, por outro lado, ser esta a interpretação que tutela, de forma mais efectiva, o bem jurídico, sabido que é que a reprodução não autorizada de programa informático, ainda que feita exclusivamente para uso interno ou privado e portanto, sem comunicação ao público, é, entre nós, uma das formas mais comuns de pirataria informática (cfr. Pedro Verdelho, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol, I, pág. 521, e Acs. da R. de Coimbra de 5 de Julho de 2006, proc. nº 1159/06 e de 30 de Março de 2011, proc. nº 1788/04.5JFLSB.C1, da R. de Lisboa de 14 de Junho de 2006, proc. nº 3409/2006-3, e da R. do Porto de 23 de Abril de 2003, proc. nº 0240941, in www.dgsi.pt).      

E o que deve entender-se por reprodução de um programa informático? Reprodução é a fixação da obra num meio que permita a sua comunicação e a obtenção de cópias de toda ou de parte dela (Ac. da R. de Lisboa de 14 de Junho de 2006, citado). Assim, existe reprodução, não só quando há multiplicação física de cópias do programa designadamente, cópias feitas em vários CD’s, mas também quando a reprodução do programa é feita apenas na memória do computador (cfr. Lourenço Martins, Criminalidade Informática, Jornadas de Direito Informático e de Telecomunicações, 1993, pág. 42, citado no Ac. da R. de Coimbra de 5 de Julho de 2006, supra identificado).
Por isso, estando provado que o arguido, gerente da sociedade arguida, nesta qualidade, havia instalado em dois computadores da sociedade, dois programas AutoCad LT 2004, sem que tenha obtido previamente as competentes licenças de utilização, programas que eram utilizados regularmente pelos trabalhadores da sociedade, no âmbito das suas atribuições profissionais, tendo o arguido agido livre e voluntariamente, em representação e no interesse da sociedade arguida, com o propósito de deter os ditos programas e sabendo não possuir, o próprio ou a sociedade, a autorização necessária, emitida pela proprietária daqueles, para que os pudesse reproduzir e utilizar, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, resta concluir que o arguido preencheu, com a sua apurada conduta, o tipo objectivo e subjectivo do crime de reprodução ilegítima de programa protegido, p. e p. pelo art. 9º, nº 1, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, conjugado com o art. 14º, nºs 1 e 2, do Dec. Lei nº 252/94 de 20 de Outubro.
*
*

            Em síntese conclusiva:
- O preenchimento da acção típica do crime de reprodução ilegítima de programa protegido, não exige a verificação cumulativa das três modalidades de acção previstas art. 9º, nº 1, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto a saber, reprodução, divulgação e comunicação ao público, de programa informático protegido;
- Reprodução é a fixação da obra num meio que permita a sua comunicação e a obtenção de cópias, integrais ou não, dela, o que engloba a reprodução em CD como a reprodução na memória de computador;
- Tendo o arguido instalado um programa informático em computadores da sociedade que geria, sem que tivessem sido obtidas as necessárias licenças da proprietária daquele, o que quis e sabia, está preenchido o tipo do crime de reprodução ilegítima de programa protegido, ainda que a utilização do programa instalado fosse exclusivamente para uso interno da sociedade.   

*
*
*
*
            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
*

            Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, individualmente, em 3 UCS. (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. Processo Penal, art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).
*

Coimbra, 30 de Outubro de 2013


 (Heitor Vasques Osório - Relator)
 (Fernando Chaves)