Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/14.8T8MBR-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: PARTILHA ADICIONAL
EMENDA DA PARTILHA
DEVER DE COLAÇÃO
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MOIMENTA DA BEIRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 70.º, N.º 1, 71.º, N.º 1, 75.º, N.º 1, DO REGIME JURÍDICO DO PROCESSO DE INVENTÁRIO (LEI 23/2013, DE 05-03), 1126.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2104.º, N.º 1, 2105.º E 2108.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
Intentada partilha adicional de bens em sede de inventário, proferida decisão transitada em julgado que considerou serem estes bens propriedade de um dos herdeiros por adquiridos por usucapião após doação dos inventariados, a improcedência deste incidente não obsta à dedução e apreciação de pedido de emenda da partilha já realizada, com fundamento na existência do dever de colação deste herdeiro.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:

SUMÁRIO ELABORADO PELO RELATOR (ARTº 663, Nº7 DO C.P.C.)

(…).


***


Proc. Nº  51/14.8T8MBR-G.L1- Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu-Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira-J....

Recorrente: AA

Recorrido: BB

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Sílvia Pires

                                        Falcão de Magalhães

           


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO

Homologada por sentença proferida em 24/02/2005, a partilha da herança aberta por óbito de CC, mulher DD e EE (filho daqueles), em que foram interessados AA (filho dos primeiros inventariados), FF e BB (netos dos primeiros inventariados e filhos de EE) por requerimento de 10/03/15, veio o cabeça-de-casal AA, requerer a partilha adicional de um bem, ainda não partilhado, que alega pertencer à herança aberta por óbito de CC, identificando-o como:

-prédio urbano, artigo matricial n.º ...03 da freguesia ..., concelho ..., composto de casa de rés-do-chão e 1.º andar, com a área de 80 m2 e dois anexos, com 30 m2 e 40 m2 cada, a confrontar de norte, nascente e poente com o falecido CC e a sul com caminho público, omisso na matriz.

Para fundamentar a sua pretensão, alega que este prédio é distinto do prédio rústico com o artigo matricial ...49 da freguesia ..., concelho ..., melhor descrito na verba 1 dos bens imóveis descritos para partilha, prédio rústico objecto de doação ao interessado BB, por escritura de doação junta aos autos datada de 30/08/2000.

Alega ainda que após esta doação o interessado BB, averbou no prédio rústico art.º ...49 o referido prédio urbano que tem agora o art.º 403, mas que então constava como omisso.

Conclui peticionando que se proceda à partilha deste bem, como bem da herança deixada por óbito de CC.


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Citados os demais interessados, veio o interessado BB deduzir oposição alegando que este bem é de sua propriedade exclusiva, quer por o ter adquirido por doação dos seus avós inventariados, quer por usucapião.

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Com data de 03/10/2016, veio o cabeça-de-casal requerer ainda a partilha adicional dos seguintes imóveis, que alega pertencerem também à herança deixada por óbito de CC:

-prédio urbano, sito à ..., limite de ..., artigo matricial n.º ... da freguesia ..., concelho ..., composto de armazém e atividade industrial, com um piso e três divisões, com a área de 133,50 m2, a confrontar de norte e nascente com rua, sul com rua e outro e poente com herdeiros de CC;

-prédio urbano, sito à ..., limite de ..., artigo matricial n.º ... da freguesia ..., concelho ..., composto de arrecadações e arrumos, com um piso e cinco divisões, com a área de 211,00 m2, a confrontar de norte com BB, sul e poente com rua e outro e nascente com Baldio e outro;

-prédio urbano, sito à ..., limite de ..., artigo matricial n.º ... da freguesia ..., concelho ..., destinado a habitação, com um piso e três divisões, com a área de 165,50 m2, a confrontar de norte e poente com BB, sul com rua e nascente com Herdeiros de CC.


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Com data de 17/01/2018, foi proferido despacho que determinou a remessa dos interessados para os bens comuns, “no concernente às questões levantadas em sede de partilha adicional, mormente em sede de oposição ao inventário na partilha adicional, de reclamação à relação de bens apresentada nesse seguimento e respectiva resposta do cabeça-de-casal, determinando-se a suspensão da instância até que ocorra decisão definitiva”.

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Intentada acção por BB contra AA, e mulher GG e FF, que correu termos no âmbito do processo n.º 103/18...., foi nesta proferida sentença em 09/09/2021, transitada em julgado em 13/10/2021, com o seguinte dispositivo:

A) Condeno os RR. a reconhecer que o A. é dono e legítimo possuidor do prédio misto atrás identificado no artigo 1º da petição inicial

B) Condeno os RR. a reconhecer que os ‘alegados prédios urbanos’ descritos sob as verbas nºs 1., 2., 3. e 4. da referida relação de bens adicional devem ser excluídos do mencionado inventário e não podem ser objecto de partilha adicional, por não fazerem parte do acervo hereditário dos Inventariados CC e mulher HH, sendo propriedade exclusiva do A.

C) Condeno os 1ºs Réus a abrirem mão dos aludidos anexos (barracos destinados a arrumações) e a entregá-los livres e desocupados, com as respectivas chaves, ao A.”


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Com data de 14710/2022, veio o cabeça-de-casal requerer que sejam levados à colação todos os bens doados ao interessado BB e constantes do requerimento de partilha adicional.

Opondo-se este interessado, veio após a ser proferida sentença em 09/01/2023, com o seguinte teor:

“(…) importa referir que a suspensão dos presentes autos, na sequência da remessa dos interessados para os meios comuns, apenas se reportou ao incidente da partilha adicional, pelo que se trata de suspensão parcial. Uma vez que foi junta a sentença proferida no processo 103/18...., transitada em julgado, constata-se que cessou a causa suspensiva (parcial), pelo que se declara cessada a suspensão dos autos e se determina o seu prosseguimento.

Analisando o teor da referida sentença por confronto com o teor do incidente suscitado pelo cabeça de casal, constata-se que nesse processo foi o «réu condenado a reconhecer que o autor é dono e legitimo proprietário do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial e a reconhecer que os «alegado prédios urbanos» descritos sob as verbas 1., 2., 3. e 4.º da relação de bens adicional devem ser excluídos do mencionado inventário e não podem ser objeto de partilha adicional, por não fazerem parte do acervo hereditário dos inventariados CC e mulher HH, sendo propriedade exclusiva do autor.»

Face a tal circunstancialismo facilmente se constata que assiste inteira razão ao interessado BB pelos fundamentos de facto e de direito (quanto à partilha adicional e emenda à partilha) alegados no seu requerimento de 27/10/2022, que aqui se dão por reproduzidos, por economia processual.

Assim, perante o teor da sentença proferida no indicado processo constata-se que inexistem quaisquer bens propriedade dos de cujus que tenham que ser partilhados adicionalmente (bem como inexiste qualquer facto que justifique uma emenda à partilha), pelo que nada há a decidir no incidente intentado pelo cabeça de casal.

De acordo com o disposto no artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

Assim, verificando-se uma impossibilidade da relação jurídica substancial por extinção do sujeito, por extinção do objeto ou por extinção da causa, ocorrerá uma impossibilidade da lide.

No caso concreto, tendo os bens cuja partilha adicional se pretendia realizar sido declarados propriedade do interessado e não dos de cujus e que não podiam ser objeto de partilha adicional, verifica-se que a prossecução do presente incidente se tornou impossível, impondo-se a sua extinção.

Nesta conformidade e com os fundamentos supra expostos, julgo o presente incidente extinto, por impossibilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil.

Custas pelo requerente – cf. artigo 539.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Valor do incidente: o dos bens cuja partilha adicional se pretendia – cf. artigo 304.º Código de Processo Civil.”


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Não conformado com esta decisão, impetrou o cabeça-de-casal recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“CONCLUSÕES:

A. O Recorrente não se conforma com a douta decisão proferida que fundamenta que nos presentes autos não há lugar a partilha adicional ou a emenda à partilha dos bens que constam da Relação de Bens Adicional ;

B. Na verdade há uma Doação de 1 prédio rústico que integrou o processo de inventário, fez parte dele foi relacionada sob a verba 1 dos Bens Imóveis Doados e, nesse mesmo inventário,

foi sujeita à colação.

C. Mas, tal doação teve por objeto apenas o prédio rústico composto de vinha e mato, no lugar de ..., freguesia ..., que confina do Norte com II, de nascente com JJ, de sul com caminho, de poente com KK, inscrito na matriz sob o art.º ...49.º, com a área de 3600 m2, nada constando relativamente às demais construções em causa naqueles autos.

D. Ora, conforme justifica a douta sentença, “... tal omissão de referência deverá ser interpretada como uma imperfeição ou insuficiência na descrição do objeto mediato doado consubstanciado numa coisa imóvel (artigo 204.º/1/a do Código civil) – sendo irrelevante, como é consabido, a descrição do prédio (como rústico ou urbano) que as partes hajam levado a cabo.”

E. Porém, tal imperfeição ou insuficiência apenas veio a ser apurada pela douta sentença proferida, não tendo sido levada em conta em sede de inventário, nomeadamente na avaliação dos referidos prédios urbanos que, conforme refere a douta sentença, afinal faziam parte da doação, sendo que a avaliação efetuada foi tão-somente ao prédio rústico único que então constava na Relação de Bens por ser isso que resultava da escritura de doação.

F. Esse prédio rústico doado foi levado à colação no processo principal, com decisão já transitada em julgado, pelo que importará agora rectificar no processo a omissão dos outros 4 prédios urbanos tendo para o efeito o Recorrente instaurado o respetivo incidente de Emenda à Partilha, que corre por apenso aos autos principais sob o Apenso “E”;

G. Dúvidas não existem de que sobre o donatário, descendente dos doadores à data da doação, recai a obrigação de conferir tais bens, nos termos dos artigos 2104.º e seguintes do Código Civil, já que, sobre os referidos imóveis, não foi dispensada a colação;

H. O entendimento de que tais bens não estão sujeitos a colação por ter sido reconhecida a sua propriedade por usucapião, nos termos em que o foi na sentença proferida, por doação verbal dos avós inventariados abriria aqui um precedente capcioso para que os beneficiários pudessem ultrapassar a lei e evitar a sujeição à colação dos bens doados, precisamente o que o instituto da Colação visa impedir ! ;

I. Resulta da sentença que foi reconhecida a propriedade por usucapião mas com base numa posse titulada pela escritura de doação, o que conferiu ao beneficiário que ao caso fosse aplicável o prazo de somente 10 anos para o seu reconhecimento;

J. Ora, seguindo este entendimento, qualquer beneficiário dos bens doados através da escritura de doação, sendo herdeiro legítimo da herança, poderia ver dispensada a colação daqueles bens mediante o expediente do lançar mão do instituto da usucapião;

K. Ficaria numa situação privilegiada quem por usucapião tivesse recebido bens dos inventariados em relação a quem dos mesmos inventariados tivesse recebido bens por escritura pública !!! ;

L. E acresce ainda , in casu, que sem a escritura de doação a favor do BB não teria este beneficiado do instituto da usucapião por não ter decorrido o prazo legal para o efeito.

M. Assim o interessado BB beneficiaria do prazo para usucapir mais curto e ainda não teria de levar à colação esses mesmos bens por não constarem de uma escritura !!! aqui se aplicaria com toda a propriedade “o melhor de dois mundos” ;

N. Mas, no nosso modesto entendimento este não é o espírito nem a letra da lei.

O. O direito de os restantes interessados exigirem a colação mantêm-se disponível e exequível, uma vez que sobre o exercício de tal direito não recai nenhum prazo de caducidade, já que o prazo previsto no artigo 2178.º do Código Civil se não aplica aos herdeiros do donatário, como ensina Lopes Cardoso in Partilhas Judiciais.

P. A colação efectua-se pela imputação do valor dos bens doados à quota do herdeiro, sendo que o valor destes é o que tiverem à data da abertura da sucessão (art.º 2108.º e 2019.º, ambos do Código Civil) o que no caso em apreço os bens em causa somam € 71.150,00 € ( setenta e um mil cento e cinquenta euros);

Q. Pelo supra exposto, dúvidas não subsistem de que os bens relacionados na relação de bens adicional, tendo sido doados pelos inventariados ao herdeiro legitimário BB, ora Recorrido, num valor patrimonial de 71.150,00€, não foram levados à colação como o foi o bem igualmente doado na mesma data, por escritura pública, artigo ...49.º rústico, relacionado na Relação de bens inicial, Imóveis Doados, sob a verba n.º 1, entrada no tribunal aos 26/02/2002, quando o deveriam ter sido.

R. Assim, a falta de conferência destes bens no inventário, prejudica de forma inaceitável e é fundamento de erro quanto às decisões tomadas no mesmo inventário por todos os demais herdeiros o que resulta de imediato do simples cotejo dos valores dos imóveis urbanos doados ao interessado / Recorrido BB que totalizam mais de € 71.150,00 €.

S. Estes bens doados, e devidamente identificados nas verbas 1, 2, 3 e 4 da relação de bens adicional, por força da doação fixada na sentença proferida no processo 103/18.... a que se vem fazendo referência, não deverão agora ser partilhados, mas tal não significa que não deverão ser levados, nos termos legais, à colação e à conferência pela imputação do seu valor, por se estar em tempo útil e com todas as consequências legais.

T. O ora Recorrente jamais teria decidido da forma como o fez no inventário se tivesse conhecimento da doação dos 4 imóveis urbanos ao herdeiro legitimário e donatário BB, o que a sentença proferida no processo 103/18.... veio agora fixar.

U. Face ao que, imporá o sentido de justiça mais elementar seja de quem for, e impõem também as leis portuguesas que o Interessado BB tenha de conferir à Herança o que leva a mais, 4 prédios urbanos no valor de € 71.150,00 €, através da partilha adicional e consequente

emenda à partilha.

V. Devendo ser admitida a Relação de Bens adicional ou retificada a verba 1 dos Bens Imóveis Doados que contam da Relação de Bens, no sentido de aí passarem a constar todos os prédios rústico e urbanos que compõem a verba doada ao interessado BB.

W. Pelo que, ao contrário do decidido e fundamentado na douta sentença recorrida, haverá

lugar à partilha adicional e consequente emenda à partilha.

NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: artigo 607.º n.º 3 do CPC e artigos 2104.º, 2108º, 2162º, 2168.º 2169.º do CC.

TERMOS EM QUE, nos melhores de Direito admissíveis, deverá a Douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que admita a partilha adicional e a consequente emenda à partilha, assim se fazendo a digna e costumada JUSTIÇA que se clama! !”


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Pelo interessado BB foram interpostas contra-alegações, cujo desentranhamento, em cumprimento do disposto no artº 642, nº2, do C.P.C., foi ordenado por despacho de 22/01/24.


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, a única questão a decidir que delimita o objecto deste recurso, consiste em apurar:


a) Se extinto o incidente para partilha adicional de bens dos inventariados, os autos devem prosseguir para emenda da partilha com sujeição do valor dos bens doados a um dos herdeiros, a colação.


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores - adjuntos, cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a considerar são os elencados no relatório acima elaborado.


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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Funda o recorrente a sua discordância quanto à decisão proferida nos autos que declarou extinta a instância do incidente de partilha adicional, por inutilidade da lide, por entender que, não podendo estes bens ser objecto de partilha adicional, deve, ainda assim, ser levado o seu valor à colação, por adquiridos por usucapião pelo interessado BB, na sequência de doação dos seus avós, autores da herança.

Decidindo

Alega o recorrente que se mantém intocado o direito de os demais herdeiros exigirem a colação de bens doados a um dos herdeiros e por este adquiridos por usucapião, mais considerando que “a falta de conferência destes bens no inventário, prejudica de forma inaceitável e é fundamento de erro quanto às decisões tomadas no mesmo inventário por todos os demais herdeiros o que resulta de imediato do simples cotejo dos valores dos imóveis urbanos doados ao interessado / Recorrido BB que totalizam mais de € 71.150,00 €. E que embora estes bens não possam ser agora partilhados, “tal não significa que não deverão ser levados, nos termos legais, à colação e à conferência pela imputação do seu valor, por se estar em tempo útil e com todas as consequências legais.”, requerendo afinal que seja admitida a partilha adicional e a consequente emenda á partilha.”

O requerimento de partilha adicional de bens entrou em juízo em 2015, pelo que lhe é aplicável o Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei 23/2013 de 5 de Março, entretanto revogada pela Lei 117/2019, de 13 de Setembro, com entrada em vigor a 1 de Setembro de 2020) que, no essencial, dispunha no seu artº 75, nº1, que “Quando se reconheça, depois de feita a partilha, que houve omissão de alguns bens, procede-se no mesmo processo a partilha adicional”.

Decorre deste normativo que a partilha adicional de bens, destina-se a efectivar a partilha de bens cujo conhecimento advenha após a partilha já realizada e homologada por decisão judicial transitada em julgado, devendo efectuar-se no mesmo processo com aproveitamento dos elementos constantes dos autos, mas sendo absolutamente distinta e autónoma da anterior partilha. Constitui uma nova partilha, uma nova causa e só são objecto desta partilha os bens omitidos, independentemente das causas dessa omissão.

Como referem Teixeira de Sousa et all[1] “…o incidente de partilha adicional respeita aos casos em que, na partilha realizada no processo de inventário, tenham sido omitidos alguns bens, independentemente dos motivos que a isso conduziram, quer dizer: em contraste com o que sucede na emenda e na anulação da partilha (…), não se atribui qualquer relevância ao erro, dolo ou à má fé de qualquer dos interessados…”.

Quer isto dizer que, como aliás reconhece o recorrente, a partilha adicional não se destina a emendar a partilha anteriormente feita, nem interfere com esta.  

Já a emenda da partilha, apenas pode ocorrer se, após o trânsito da sentença que homologou partilha anterior, se verificar que existiu “erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes”, desde que seja pedida em acção proposta “dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença”. (artºs 70, nº1 e 71, nº1 do RJPI e 1126 do C.P.C., na actual redacção introduzida pela lei 117/2019).

Como refere LOPES CARDOSO[2]Em princípio a sentença homologatória da partilha, transitada em julgado, põe termo ao inventário. Pode suceder, porém, que a partilha tenha lesado os interessados; estes, para se ressarcirem dos prejuízos, que, porventura, sofreram por via disso, só têm ao seu alcance, para além do recurso extraordinário de revisão, três meios específicos:

a) A emenda da partilha por acordo de todos eles;

b) Na falta de tal acordo, a acção para a emenda da partilha proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do erro;

c) A ação para a anulação da partilha judicial.”

Exige-se assim, que tenha existido um erro na partilha já feita que prejudique os herdeiros e que seja contrário ao objectivo prosseguido na partilha, sendo certo que este erro susceptível de viciar a vontade das partes, terá de apresentar “as características que o tomariam relevante como erro-vício da vontade: essencialidade ou causalidade, propriedade e escusabilidade ou desculpabilidade”[3]. Ou seja, apenas releva o erro subjectivo, respeitante a determinado interessado e que cuja verificação conduziu a que este tome determinada decisão que não tomaria se o erro não existisse.

Verifica-se assim um vício da vontade ou um erro na formação da vontade, que se traduz numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância, de facto ou de direito, que foi determinante na decisão de celebrar o negócio (partilha) em causa.[4]

Ora, conforme refere LOPES CARDOSO[5], o “… erro susceptível de viciar a vontade das partes é uma fórmula muito ampla, abrange uma generalidade de erros, designadamente os casos de se atribuírem valores superiores ou inferiores aos bens da herança, na hipótese de se não terem averbado na descrição novos valores constantes duma segunda avaliação e aos quais não se atendeu, ou nos casos de desconhecimento completo da extensão, natureza, características e valor dos bens da herança partilhada na convicção errada de equilíbrio de valores, na composição de cada um dos quinhões adjudicados.

Neste tipo de acções cabe apenas apurar se a partilha enferma das “irregularidades tipificadas nos arts 1386º e 1387º do CPC: erro na descrição ou qualificação dos bens partilhados ou outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, que deverão ser sanadas, tanto quanto possível, sem pôr em causa a validade e eficácia da partilha globalmente realizada, cujos efeitos se deverão, em princípio manter, já que o acto não é objecto de anulação.[6]

Do acima exposto decorre que enquanto a partilha adicional visa partilhar bens da herança do de cujus, ainda não partilhados, a emenda à partilha visa corrigir situações de erro na partilha. Não são, assim, incidentes confundíveis, nem visam as mesmas finalidades.

Nestes termos, suspensa a partilha adicional até decisão sobre a propriedade destes bens, o trânsito em julgado da sentença que decidiu serem estes bens próprios do herdeiro e, assim, excluídos da partilha, determina, não a inutilidade da lide, conforme decidido pela decisão recorrida, mas antes a improcedência do pedido de partilha adicional de bens pertencente à herança dos primeiros inventariados, formulado pelo cabeça-de-casal, AA, cfr. decorre do artº 276, nº2 do C.P.C.

O que não significa que o pedido de sujeição a colação não possa ser feito no inventário, mormente a emenda da partilha já efectuada, nos termos previstos no artº 1126 do C.P.C.

O dever de colação é precisamente um dos casos que legitima o pedido de emenda da partilha, verificados os demais pressupostos constantes deste preceito legal e não lhe sendo oponível nenhuma excepção (nomeadamente a de caducidade do direito de a vir requerer). A colação visa, não a partilha de um novo bem, mas antes a igualação da partilha, mediante a restituição à herança dos bens (ou do seu valor) que foram doados em vida pelo autor da herança a um dos herdeiros legitimários. A ela só estão obrigados, in casu, os descendentes que eram, à data da doação presumíveis herdeiros legitimários do doador (cfr. artsº 2104, nº1 e 2105 do C.C.), sendo irrelevante que venham a assumir essa qualidade no momento da abertura da sucessão. Ora, o interessado BB integrava essa categoria, atenta a data do óbito do inventariado EE.

Tem por fundamento, conforme assinala DUARTE PINHEIRO[7]uma presunção legal iuris tantum de que o autor da sucessão quando faz uma doação a um dos filhos (ou a outro descendente que, na altura, seja um sucessível legitimário prioritário) não pretende avantaja-lo relativamente aos demais.”

Já o artº 2108 do C.C. diz-nos que a colação, não existindo acordo de todos os herdeiros para a restituição dos bens doados, “faz-se pela imputação do valor da doação ou da importância das despesas na quota hereditária”, sendo este valor calculado à data da abertura da sucessão (artº 2019, nº1 do C.C.).

Se, em consonância com o já decidido em Acórdão proferido no Apenso F, se entende que a sentença proferida na que correu termos sob o nº 103/18...., “apenas obsta à partilha dos prédios a que respeita, “rectius”, em incidente de partilha adicional, não obstando a que os mesmos sejam considerados para efeitos de colação, ou, seja, em temos práticos, que o respectivo valor seja considerado para que se componham os quinhões de todos os interessados do inventário em termos de não se tolher o respectivo direito a uma partilha equilibrada, e, portanto, justa.”, esta colação constitui fundamento de emenda da partilha já realizada, não havendo lugar a esta operação no âmbito deste incidente de partilha adicional de bens.

Requerida a emenda da partilha para efeitos de colação, a decisão recorrida não se pronunciou, no entanto, sobre este requerimento do cabeça-de-casal, nem sobre a oposição que a ele foi deduzida pelo interessado BB, não tendo apreciado nenhuma das questões que nele se encontram colocadas, nomeadamente a caducidade oposta pelo interessado à requerida emenda da partilha.

Nessa medida, considerando que os bens indicados para partilha adicional estão sujeitos a colação, integrando o interessado BB a categoria dos herdeiros legitimários à data da doação, improcedendo embora o incidente de partilha adicional, devem os autos prosseguir para conhecimento do pedido de emenda da partilha com fundamento no dever de colação por parte do interessado BB e, dos termos da oposição que a ele foi deduzida.


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DECISÃO

Pelo exposto, julgam os juízes desta relação em julgar:
- improcedente o incidente de partilha adicional de bens;
-ordenar que os autos prossigam para conhecimento do pedido de emenda da partilha formulado pelo cabeça-de-casal AA.
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Custas do incidente de partilha adicional pelo apelante (artº 539, nº1 do C.P.C.).

                                                           Coimbra 06/02/2024



[1] SOUSA, Miguel Teixeira de, REGO, Carlos Lopes, GERALDES, António S. Abrantes e TORRES, Pedro Pinheiro, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, 2021, Almedina, pág. 149, nota 5.
[2]  CARDOSO, João António Lopes, Partilhas Judiciais, Vol.II, Almedina-Coimbra, 1990, páginas 545 e seguintes.
[3] Ac. da Relação de Lisboa, de 03/10/2013, relatora Ondina Carmo Alves, proc.  nº 136-B/1992.L2-2, disponível para consulta em www.dsgi.pt

[4] ANDRADE, Manuel de, Teoria Geral da Relação Jurídica, II volume, 2.ª Reimpressão, pág. 233.
[5] Ob. cit, pág. 550.
[6] Acórdão do STJ de 25/02/2010, relator Lopes do Rego, proc. nº 399/1999.C1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt; neste sentido vide ainda CAPELO DE SOUSA, Rabindranath, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II 1980-82, pag. 372
[7] PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito das Sucessões Contemporâneo, Gestlegal, 5ª edição, 2022, pág. 304.