Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1685/15.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
INDEMNIZAÇÃO
DANO NÃO PATRIMONIAL
DANO PATRIMONIAL
ALIMENTOS
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.483, 494, 495, 496, 503, 506, 563, 566, 2003, 2004, 2009 CC
Sumário: 1. No ordenamento jurídico nacional vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, plasmado nos arts. 607º, nº 5, 1ª parte, e 663º, nº 2, do NCPC, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;

2. Nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas.

3. Na responsabilidade pelo risco, nada de relevantemente diferenciado se mostrando apurado quanto à concreta dinâmica do acidente, é de fixar em graus diferenciados a percentagem dos riscos de circulação próprios de veículos dotados de características estruturais diferentes, dada a maior apetência do veículo de maiores dimensões para, em caso de colisão, provocar lesões graves nos demais utentes das vias públicas, que utilizem veículos de menor peso e dimensões; designadamente um embate entre um veículo ligeiro e uma bicicleta;

4. Considerando que os 4 factores a que a 1ª instância atribuiu relevo diferenciador, tais como a perda de prioridade, corpulência do falecido, substância ilícita (canábis) e reduzida visibilidade, não têm relevância no caso concreto, e a matéria apurada, designadamente as velocidades de circulação 42 a 48 km para o veículo ligeiro e 10 a 13 km para o velocípede, a diferença objectiva de dimensão e peso de cada um, com as consequentes diferentes massas de embate (muito mais grave da parte do ligeiro), o pouco relevo derivado de o ciclista ser portador de um capacete de protecção de ciclista em casos de projecção contra o solo ou rails metálicos da estrada, o facto de o mesmo circular com uma taxa de álcool, embora em grau diminuto de 0,44 g/l, e o facto de circular num velocípede, veículo de características instáveis, entende-se que a contribuição do risco de cada um para os danos produzidos deve ser repartida na proporção de 70% para o ligeiro e 30 % para o velocípede;

5. Em termos de busca e fixação do valor dos danos advenientes da responsabilidade civil extracontratual (morais/patrimoniais) os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização;

6. Mostra-se aceitável a quantia de 65.000 € para ressarcir a perda do direito à vida de fenecido com 44 anos, saudável, trabalhador e feliz na sua vida familiar;

7. Para ressarcir o dano não patrimonial ante morte torna-se necessário provar no mínimo a ocorrência de dores, ou sofrimento, ou a consciência da possibilidade do decesso;

8. A determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial deve orientar-se por uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade;

9. A indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos por um qualquer lesado não deve revestir carácter miserabilista, nem esquecer o aumento regular dos seguros obrigatórios estradais, e dos respectivos prémios, justificantes do aumento das indemnizações;

10. Mostra-se adequado o montante de 30.000 € mil euros para ressarcir o dano não patrimonial de viúva do falecido, provando-se que com ele mantinha uma boa relação de afecto e era feliz, projectavam ter filhos em breve, e sofreu profundo desgosto e abalo psicológico, passando por fase de tristeza, angústia, e sentimento de perda, sendo casada com aquele há cerca de 1 ano e 2 meses;

11. O exercício do direito de indemnização, excepcionalmente reconhecido no art. 495º, nº 3, do CC, àqueles que podiam exigir alimentos ao lesado, designadamente o cônjuge sobrevivo, não carece da prova de que na data do acidente de viação recebia alimentos do falecido ou estava em condições de os receber, bastando, para tal efeito, que demonstre que à data do facto danoso estava em situação de legalmente exigir os alimentos.

Decisão Texto Integral:

 

I - Relatório

1. G (…), residente em Coimbra, demandou na presente acção declarativa G (…) - Companhia de Seguros, SA, com sede em (...) , pedindo a condenação desta a pagar-lhe o valor de 335.165,32 €, por morte do seu marido, sendo: - a título de danos da própria vítima, o valor de 5.000 €; danos não patrimoniais próprios no valor de 40.000 €; - danos patrimoniais directos: despesas de funeral no valor de 2.385,32 €, despesas de campa de 2.470 €, licença, 40 €, vestuário, calçado e óculos perdidos que aquele usava no dia acidente, 145 €, e o valor de 125 € correspondente à perda da bicicleta; - perda de rendimentos futuros/dano futuro de 220.000 €; por lesão do direito à vida/dano morte, o valor de 65.000 €.

Para tanto, alegou a existência de acidente de viação, que o condutor do veículo seguro na ré é o único causador do sinistro, agindo culposamente, bem como a sua qualidade de única herdeira, tendo o seu marido, condutor do velocípede, falecido em consequência do sinistro, sem ascendentes nem descendentes, sendo certo ainda que resultaram diversos danos de cariz patrimonial e moral.

A ré contestou, dizendo que foi o próprio falecido o único e exclusivo responsável pela ocorrência do acidente, motivo pelo qual o processo-crime, que correu termos na 2ª secção do DIAP de Coimbra, sob o nº 104/13.0PTCBR, instaurado na sequência do falecimento do indicado Pedro Miguel, veio a ser arquivado, por decisão de não pronúncia proferida pelo TIC de Coimbra, já transitada em julgado. Ademais, impugnou a generalidade dos danos invocados e as quantias peticionadas. Que a autora não invocou necessidade de alimentos, não sendo possível concluir que a mesma carece deles. No que concerne a despesas de funeral, a autora recebeu já da Segurança Social o devido subsídio de funeral, pelo que não sofreu a mesma qualquer prejuízo a esse título, invocando, ainda, que a autora está a receber uma pensão de sobrevivência, que lhe vem sendo paga pela Segurança Social, não podendo a mesma cumular tal pensão com a indemnização reclamada por perda de rendimentos.

O ISS, IP, veio deduzir o pedido de reembolso de prestações da Segurança Social, alegando que, com base no falecimento do beneficiário, em consequência do acidente ajuizado, pagou à autora/viúva subsídio por morte, no valor de 1.257,66 €, pensões de sobrevivência, relativas ao período de Agosto de 2013 a Junho de 2015, no valor de 4.369,08 €, quantia acrescida do montante das pensões que vier a pagar, por força da sub-rogação legal prevista na Lei 4/2007, 16.1 e nos termos do DL 59/89, de 22.2, acrescido dos juros de mora desde a citação.

A ré contestou tal pedido de reembolso, reiterando o exposto em sede de contestação.

O ISS, IP, actualizou o valor da quantia reclamada, em sede de audiência prévia, para 6.863,27 €. Também no início da audiência de discussão e julgamento, solicitou a ampliação do pedido dos valores pagos, que nessa data totalizavam 7.939,20 €.

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A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, atenta a responsabilidade objectiva de ambos os intervenientes e o contributo do risco da vítima na proporção de 60%, e condenou a R. a pagar:

A) Ao ISS, IP, a título de reembolso de prestações sociais de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, relativas ao período de 8-2013 a 6-2016, respectivamente 503,064 € e 2.667,41 €, quantia esta acrescida do montante das pensões que entretanto despendeu, na referida proporção de 40% do seu valor.

B) à A. a título de indemnização por danos patrimoniais e morais:

– a quantia, já líquida e actualizada à presente data de 26.000 €, a título de dano não patrimonial da perda do direito à vida;

– a quantia, já líquida e actualizada à presente data de 800 €, a título de dano não patrimonial próprio da vítima;

– a quantia, já líquida e actualizada à presente data de 14.000 €, a título de dano não patrimonial próprio da autora;

- a quantia de 45.000 €, a título de dano patrimonial emergente de obrigação alimentar, e que será deduzida do valor que a ré nesta decisão for condenada a pagar ao ISS, IP, a titulo de reembolso de pensão de sobrevivência, e na referida proporção decorrente do concurso de riscos;

- a quantia subtotal de 1.563,06 € [resultante de 1958,128 € a título de dano patrimonial emergente de despesas de funeral e bens perdidos (=40% dos valores parcelares de despesas de funeral totais de 2.385,32 €, despesas de campa, no valor de  2.470 €, e licença, no valor de 40 €, a que se deduz aquela que a ré pagará ao ISS, IP, de subsidio por morte, já liquidada, de 503,064 €; e acrescendo o valor de 108 € dos bens perdidos por força do acidente [40% de 145 € + 125 € correspondente à perda da bicicleta);]

- os juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, ou outra taxa que no futuro legalmente vier a vigorar em sua substituição, contados desde a citação e até integral pagamento, no que concerne ao montante fixado a título de indemnização por danos patrimoniais;

- e bem assim, os juros à dita taxa legal de 4% ao ano, ou outra taxa que no futuro legalmente vier a vigorar em sua substituição, contados desde a data da sentença e até integral pagamento – visto tratar-se de quantia já devidamente actualizada – no que concerne aos montantes fixados a título de indemnização por danos não patrimoniais.

C) No mais, indo a R. absolvida.

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2. A A. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. A R. contra-alegou, pugnando pelo indeferimento do recurso.

4. A R. também interpôs recurso, concluindo que:

(…).

5. A A. contra-alegou, tendo concluído que:

(…)

 

III - Factos Provados

 

1- No dia 16-07-2013, cerca das 19h50m, na Rua Parcelar do Campo, Bolão, freguesia de Eiras, comarca de Coimbra, ocorreu embate sendo intervenientes:

- o ligeiro de passageiros (...) X, marca Citroen, modelo C3, conduzido por J (…), seu proprietário, que conduzia a viatura no sentido Coimbra/ S. Silvestre, sul-norte;

– Velocípede de cor branca, sem motor e sem matricula, marca F..., “pedalado” pelo falecido, P (…), seu proprietário;

2- A responsabilidade civil emergente da circulação do ligeiro estava validamente transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice nº (...) .

3- O referido P (…) faleceu na sequência das lesões decorrentes do acidente, deixando a suceder-lhe a autora, sua cônjuge sobreviva- na medida em que faleceu sem ascendentes nem descendentes.

4- A autora e o P (…) haviam casado em primeiras e únicas núpcias de ambos, no dia 5 de Maio de 2012, mantendo-se o casamento até à data do óbito do cônjuge marido.

5- O malogrado P (…) deixou como único herdeiro, sua mulher G (…) tendo como família para além da esposa apenas e só a sua irmã.

6- À data do acidente, a vítima tinha 44 anos de idade, pois havia nascido em 29 de Setembro de 1968.

*

I- À data dos factos a referida rua Parcelar do Campo, apesar de não se encontrar demarcada, possuía dois sentidos de marcha – um destinado ao sentido E.N. 111/1 – Adémia e outro ao sentido inverso – sendo que, junto ao local onde ocorreu o acidente, a mesma configurava um entroncamento, posto que nela confluía arruamento que dá acesso ao Lugar do Loreto, o qual fica situado do seu lado direito, atento o sentido de marcha do (...) X.

II- Assim, a rua Parcelar do Campo, no local em concreto, além de entroncada à direita pelo arruamento de acesso ao Loreto [arruamento de onde provinha o ciclista, residente na Urbanização do Loreto], atento o sentido de circulação do veículo conduzido pelo segurado, era em patamar, não existindo ali qualquer sinalização a regular o trânsito,

III- tendo o piso constituído por aglomerado asfáltico em razoável estado de conservação, e no momento do acidente estava seco e limpo.

IV- Trata-se- a Rua Parcelar do Campo - de estrada sem separadores, com duas vias, com cerca de 5 metros de largura (2,5+2,5 m), sem berma, e dois sentidos de trânsito, tendo como limite de velocidade permitida para o local de 50 Km/h (limite local/limite geral).

V- Inexistia sinalização vertical assim como marcas rodoviárias, quer numa quer noutra das vias que entroncam.

VI- No momento, fazia bom tempo.

VII- No local onde se deu o presente sinistro, a Rua Parcelar do Campo desenvolve-se em recta – com mais de 100 metros de extensão – sendo ladeada, do lado direito, atento o indicado sentido de marcha, por vegetação – nomeadamente silvas, ervas e todo o tipo de vegetação espontânea – que, à data dos factos, apresentava uma altura não inferior a 2 metros.

VIII- Essa vegetação era de tal forma densa e alta, que impedia os condutores que circulassem na Rua Parcelar do Campo, no sentido de marcha em que seguia o ligeiro, de avistarem o trânsito que se processava no arruamento que dá acesso ao Lugar do Loreto - na sua aproximação ao entroncamento;

IX- também qualquer condutor que, à data dos factos, circulasse no arruamento que dá acesso ao Lugar do Loreto em direcção à Rua Parcelar do Campo, tinha idênticas dificuldades de visibilidade, estando impedido, pela aludida vegetação, de avistar o trânsito que se processava na Rua Parcelar do Campo, nomeadamente no sentido de marcha E.N. 111/1 – Adémia.

X- No entroncamento para ambos os sentidos, existia vegetação abundante e alta, dificultando a visibilidade para ambos os veículos.

XI- O local onde ocorreu o acidente situava-se no interior da localidade, mas sem habitações nas imediações - sendo o trânsito escasso, apesar de ser dia de trabalho (terça feira).

XII- A largura da via de onde provinha a bicicleta é de 4 a 4,20 metros, sendo que no entroncamento com a Estrada Parcelar se abre em leque, com a largura máxima de 15,50 m.

XIII- O J (…) conduzia a viatura ligeira de passageiros matrícula (...) X na rua Parcelar do Campo, sentido Coimbra/ S. Silvestre, sul-norte, no sentido Estrada Nacional nº 111/1– Adémia, em estrada municipal do concelho de Coimbra, a uma velocidade não concretamente apurada - mas que se cifra entre 42 e 48 Km/ hora;

XIV- Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar a vítima P (…), provindo do arruamento de acesso ao Loreto, conduzindo a bicicleta a uma velocidade de cerca de 10 a 13 Km hora, e entrou na Rua Parcelar do Campo, atravessando a faixa de rodagem, pretendendo seguir no sentido norte – Sul, e assim virar à esquerda.

XV- O condutor do veículo (...) X veio a embater com a parte frontal esquerda do veículo por si conduzido na parte lateral esquerda, a meio, do velocípede conduzido pelo sinistrado Pedro Delgado, tendo igualmente o vidro da frente do lado do condutor ficado estilhaçado na sequência do embate.

XVI- O veículo (...) X imobilizou-se, ficando a ocupar a via de tráfego do sentido oposto, com o eixo da roda anterior esquerda nas coordenadas (X: 16,90 m Y: 1,00), a um metro dos rails, e o seu eixo da roda posterior esquerda, nas coordenadas (X: 19.45m Y: 1,35 m) ponto 1 do croquis de fols. 184 verso (assim, enviesado para a esquerda, atento o seu sentido de marcha).

XVII- E o velocípede, com o embate foi cuspido para fora da faixa de rodagem, imobilizando-se, na vegetação, nas coordenadas: (X:16:90; Y: - 2,00 m) - ponto 2 do croquis.

XVIII- O falecido veio a imobilizar-se na posição decúbito supino (costas para baixo) entre o veículo e os rails de protecção lateral (0,95 m), tendo embatido nos rails de protecção lateral, junto ao local onde se imobilizou, considerando as manchas de sangue existentes.

XIX- Do embate, projecção, embate contra os rails e queda final que se lhe seguiu, o sinistrado P (…) veio a falecer cerca de uma hora após, tendo recebido manobras de suporte avançado de vida pelo menos durante 45 minutos.

XX- Relativamente a ambos os condutores, o posicionamento solar - a W-NW- à hora do acidente reunia condições de encadeamento a ambos os condutores- facto que poderá ter interferido na visibilidade;

XXI- Era possível aos condutores ciclistas provindos do arruamento que dá acesso ao Lugar do Loreto que pretendessem entrar na Rua Parcelar do Campo, avistar esta última rua, para o lado da E.N. 111/1 (de onde provinha o ligeiro), numa extensão de pelo menos 50 metros, mais concretamente de 66 metros, apenas e conquanto parassem à entrada do mencionado entroncamento e olhassem para o seu lado esquerdo); do mesmo modo, a quem circulasse na Rua Parcelar do Campo, no sentido em que seguia o ligeiro, era possível avistar a 66 metros um ciclista parado à entrada do mencionado entroncamento.

XXII- Tendo em conta as posições dos veículos, o velocípede foi projectado a cerca de 6 metros da zona onde se encontravam vestígios de sangue e óculos (assinalada como sendo de embate no croquis policial) e a 2 metros para lá do limite da faixa de rodagem. (fora da estrada).

XXIII- O veiculo ligeiro imobilizou-se a 3 metros desse ponto de projecção de sangue e óculos (indicado no croquis policial como sendo de embate).

XXIV- Na sequência do embate, o falecido P (…), que padecia de obesidade, pesando cerca de 102,70 kg, tombou sobre o capot e o vidro pára-brisas do (...) X – o qual com o impacto e o seu peso, de imediato, estilhaçou – numa altura em que o veículo seguro se encontrava em movimento para a sua esquerda,

XXV- acabando, posteriormente, por rolar e ser projectado para o lado esquerdo da via, atento o sentido de marcha do (...) X, à medida que o veículo foi perdendo a velocidade,

XXVI- tendo nessa trajectória embatido com a cabeça nos rails de protecção em metal, que ladeiam a Rua Parcelar do Campo pelo lado esquerdo, considerando o mencionado sentido de marcha.

XXVII- O (...) X acabou por imobilizar-se ainda no enfiamento do aludido entroncamento, do lado esquerdo da via atento o seu sentido de marcha, a cerca de 3/4 metros do local assinalado no croquis como de presença de vestígios de sangue e óculos caídos, ficando o falecido Pedro Miguel caído também desse mesmo lado esquerdo da faixa de rodagem, entre a lateral esquerda do (...) X e os supra indicados rails de protecção metálicos.

XXVIII- O embate ocorreu em ponto não concretamente não determinado, mas entre aquele indicado em croquis policial (ou seja, na faixa oposta aquela onde circulava o ligeiro, a um metro do rails do lado esquerdo, sendo este ultimo o ponto de início dos vestígios de sangue e óculos caídos no pavimento pertencentes ao ciclista] e outro situado cerca de 3 metros atras, e ainda na faixa de circulação do ligeiro, muito próximo ao eixo da via ( a cerca de 10/20 cm do eixo) ) - ; o ponto de vestígios de sangue e óculos, situa-se na via de trânsito do sentido oposto ao que circulava o veículo de matrícula (...) X, nas coordenadas X=23.00m; Y 01,00m). (ponto 5 do croquis).

XXIX- O falecido P (…) circulava apresentando substâncias canabinóides – Delta-9-tetrahidrocanabinol (taxa no sangue de 5 ng/ml) e 11-nor-9-carboxi delta-9-tetracanabinol (uma taxa no sangue de 12 ng/ml), indicando, respectivamente exposição num período variável entre 3 a 30 dias e uma concentração vestigial muito abaixo daquelas consideradas terapêuticas e não tóxicas, e muito inferior aquelas que podem também ser detectadas em caso de inalação passiva de marijuana- não sendo tal concentração de substancias compatível com a produção de qualquer tipo de alterações psicoactivas.

XXX- Apresentava ainda uma taxa de álcool no sangue de 0,44 g/l- .

XXXI- Antes de iniciar a condução do seu velocípede, o falecido P (…) havia ingerido bebidas alcoólicas.

XXXII- O falecido era portador de capacete de protecção.

XXXIII- P (…) faleceu no próprio dia do acidente, tais eram as lesões traumáticas sofridas. XXXIV- Com o embate/impacto violento que se verificou com a frente do veículo contra o corpo, projecção e embate nos “rails” de protecção, o P (…) sofreu as lesões traumáticas examinadas no auto e relatório de autópsia, concluindo aquele que a causa da morte se deveu às inúmeras lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas ali descritas.

XXXV- Era ainda um homem saudável, com 44 anos de idade com esperança de vida à sua frente, que vivia em perfeita harmonia com a aqui A.

XXXVI- Era uma pessoa com muitos amigos, líder, sócio (...) de coração e alma da “ Y..., tendo pertencido à YY..., com Lugar Anual.

XXXVII- Com o desaparecimento da vítima, a A. sofreu um profundo abalo psíquico e grande angústia vivencial, acrescido pelo facto no referido fatídico dia ter sido confrontada com o evento violentíssimo e absolutamente inesperado, em vésperas de irem de férias, tendo recebido a notícia directamente pelo agente da polícia cerca das 22h:05 com a consequente deslocação ao Instituto de Medicina Legal para proceder ao reconhecimento do corpo e confirmação do facto- como resulta das informações complementares da participação do acidente.

XXXVIII- O traumatismo que a autora sofreu ao ser confrontada com a realidade da morte do P (…), seu marido, deixará sequelas duras de apagar, agudizado na igual medida da violência do acidente que constituiu no dia seguinte ao encarar os jornais e noticias locais, em primeira página com a referência que estavam casados há um ano.

XXXIX- A autora e o falecido P (…) eram casados havia um ano e dois meses tendo-se conhecido em Agosto de 2009, e vivendo juntos desde Setembro de 2009.

XL- Sendo autora falecido um casal rara e absolutamente feliz, unido, encontrando-se numa fase – à data da morte – na aventura de tudo fazerem para ser pais.

XLI- A autora sofreu efectivamente e ainda hoje ao recordar o acidente, a vida conjunta com o seu marido se emociona, não conseguindo apagar da memória e do seu dia-a-dia a sua presença.

XLII- Cuidando e visitando com muita assiduidade a campa do malogrado P (…), conversando com ele e partilhando a sua vida.

XLIII- Ambos haviam passado por processo com vista a terem um filho biológico, tendo a autora se submetido a um processo de tratamentos para que fosse possível engravidar, com submissão a tratamentos médicos, hormonais- sem êxito, causando à autora uma dor adicional à sentida com a morte do seu marido por ter de optar por lutar num processo de adopção singular, - candidatando-se para o efeito.

XLIV- É difícil para a autora partilhar o vazio da casa, o vazio do carinho e o vazio da cama e do amor que efectivamente nutria pelo marido, igualmente passando a A. a ficar com a obrigação de apoio e suporte familiar para qualquer eventualidade e ajuda da única família viva do P (…), a irmã (…), - porquanto o P (…) tinha pela irmã mais nova, desde a morte da mãe (filho de pai desconhecido) em acidente de viação, a constante preocupação e suporte pelo apoio, por vezes económico, então em inicio de vida profissional e que com a morte do Pedro fica a autora com essa obrigação em cumprimento da vontade do marido sempre manifestada nas conversas com a autora.

XLV- Em consequência da morte do marido, foram suportadas pela A. as despesas de funeral e preparativos das exéquias, no montante de 2.385,32 euros (conforme doc.21 (fatura) e doc. 22 (recibo) e o valor de 2.470,00 euros referentes à campa em granito, lanterna e foto cerâmica tudo conforme doc. 23 da p.i. e ainda Licença para colocação de campa mausoléu do Cemitério de (...) no valor de 40,00 euros.

XLVI- No dia do acidente, as roupas, óculos e calçado que o malogrado P (…) usava no momento da ocorrência ficaram destruídos- como a seguir se discrimina e constam do relatório de autópsia e participação do acidente-óculos de ciclismos partidos (vide participação de acidente – vestígios no local); sapatilhas vermelhas, brancas e pretas Newfeel de ciclismo; Calções pretos de lycra (de ciclismo); t-shirt de ciclista, em valor não concretamente apurado.

XLVII- E a bicicleta que o P (…) utilizava, marca F..., modelo montanha, ficou inutilizada- perda total.

XLVIII- No caso vertente, o sinistrado P (…) era casado com A., vivendo na casa da A. contribuindo para encargos, luz, água, alimentação, lazer (férias), constituindo a sua morte uma perda do contributo para a economia doméstica.

XLIX- A A. terá de se substituir ao seu falecido marido na posição que tinha perante a irmã- única pessoa de família, e assim assumir o lugar e papel do P (…).

L- O P (…) exercia a profissão de delegado comercial no sector da distribuição de uma empresa de distribuidora grossista de gelados, congelados, ultracongelados, refrigerados e outros produtos alimentares auferindo à data do seu falecimento um valor mensal médio de 700,00 euros, conforme resulta de recibos de vencimento que se juntam. (docs. 28 a 31).

LI- P (…) recebia na sua conta bancária para além daquele valor, uma quantia mensal a título de prémio no valor médio de 200 euros conforme comprovativos de depósitos de cheques na sua conta do B... (entidade bancária da Entidade Patronal). (docs. 32 a 36).

LII- Gozava de boa saúde e seria espectável que vivesse pelo menos até aos 78 anos, considerando ser essa a esperança média dos homens portugueses.

LIII- Nos anos de 2012 e 2013, a autora adquiriu os seguintes rendimentos: € 22.786,33 brutos (€ 16.113,82 líquidos) e € 23914,82 brutos (€ 15.551,97 líquidos) pagos pela entidade C... onde continuou a trabalhar, auferindo rendimento mensal líquido não inferior a € 1110,86.

LIV- Nos meses de Outubro - Dezembro de 2015 o seu vencimento líquido variou entre 1200 e 1300 euros.

LV- O Instituto da Segurança Social, IP, através do Centro Nacional de Pensões, pagou à autora, viúva, subsídio por morte relativamente ao beneficiário falecido no valor de € 1257,66;

LVI- E foram por tal organismo pagas pensões de sobrevivência à viúva relativas ao período de 2013-08 a 2016-6, no total de € 6.6681,54 , sendo o valor mensal actual de € 165,53.

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Factos não provados:

1. O teor de álcool no sangue de que o falecido P (..:)  era portador associado às substâncias canabinóides indubitavelmente influenciavam a forma como o mesmo tripulava o velocípede, sendo determinantes da ocorrência do sinistro,

2. e foram determinantes da sua perda de vigilância em relação ao meio envolvente, encontrando-se as suas capacidades de atenção e de concentração, na altura do acidente, fortemente diminuídas.

3. Tal quantidade de álcool e de psicotrópicos no sangue reduziu significativamente a acuidade visual do falecido P (…), quer para objectos em movimento, quer para objectos estáticos.

4. A presença das referidas quantidades de álcool e de substâncias canabinóides no sangue prejudicou-lhe a sua visão estereoscópica, razão pela qual o falecido P (..:) se achava, na altura, incapaz de avaliar correctamente a velocidade que praticava, bem como as distâncias que o separavam dos outros veículos.

5. Só à luz de um menor domínio das suas capacidades físicas e motoras se compreende a desatenta e fatal manobra levada a cabo pelo condutor do velocípede e a consequente causa do acidente.

6. O condutor seguro seguia desatento ao trânsito e à condução, imprimindo à viatura por si conduzida um movimento superior à velocidade permitida para o local (50Km/H).

7. A vítima P (..:) seguia já na via no sentido norte – sul, junto aos rails, na sua faixa de rodagem, quando foi embatido violentamente pelo veículo automóvel (...) X.

8. O condutor do veículo (...) X, por seguir distraído, desatento, com descuido, de forma negligente e imponderada, alheio aos riscos e perigos estradais, imprimia à sua viatura um movimento superior ao adequado ao local, só se apercebeu da presença do velocípede quando este já estava na Rua Parcelar do Campo e, assustou-se, tendo realizado uma manobra evasiva errada guinando o veículo por si conduzido para a faixa de rodagem contrária à sua.

9. O acidente acabado de descrever só ocorreu por o condutor J (…), não dispensar à condução que fazia, os cuidados, que não só a lei, como também a mais elementar prudência lhe impunham, imprimindo uma velocidade inadequada, ao seu veículo e inadequada ao trânsito de veículos e pessoas para um condutor médio e prudente está obrigado, tendo em conta as circunstâncias do momento, o local e as características da via.

10. J (…) podia e devia ter tido outro comportamento que não determinasse o embate, suas consequências e gravidade.

11. O condutor do veiculo (...) X ao chegar ao entroncamento ao deparar-se com o ciclista que provinha do entroncamento e já estava na fase final da sua entrada na via, optou de modo errado por manobra evasiva errada que se traduziu em desviar a sua trajectória do veículo para a esquerda, em relação ao seu sentido de marcha ocupando a via de trânsito do sentido oposto, indo embater com a sua parte anterior esquerda, na parte central esquerda do velocípede, fez com que este tenha sido projectado, juntamente com o seu condutor para o seu lado esquerdo, a uma distância considerável.

12. O falecido seguia precisamente já na sua faixa de rodagem, quando foi abalroado violentamente pelo condutor do veículo (...) X, não tendo tido o condutor do velocípede tempo de reagir ou de efectuar qualquer manobra evasiva para evitar o acidente.

13. O condutor do velocípede mudou de direcção para a esquerda e efectuou a manobra e, quando foi embatido já estava na via que pretendia tomar e no lado destinado ao seu sentido de circulação.

14. No dia e hora referidos, seguia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (...) X pela hemifaixa de rodagem direita da Rua Parcelar do Campo, nesta Comarca, atento o sentido de marcha E.N. 111/1 – Adémia, a uma velocidade de, aproximadamente, 30/40 km/hora, sendo certo que o seu condutor seguia atento à condução que efectuava, bem como ao resto do trânsito que se processava naquela via.

15. Neste circunstancialismo, quando assim circulava, no momento em que se preparava para passar pelo arruamento que dá acesso ao Lugar do Loreto, foi o condutor (...) X surpreendido pelo aparecimento súbito e inesperado de um velocípede sem motor, conduzido pelo falecido P (…), que se atravessou à sua frente, vindo do aludido arruamento, situado à sua direita. 16. O falecido P (…) tripulava o indicado velocípede a uma velocidade de aproximadamente 15/20 km/h, pelo lado esquerdo do arruamento que dá acesso ao Lugar do Loreto, atento o sentido de marcha Lugar do Loreto – Rua Parcelar do Campo, não obstante aquela via possuir também dois sentidos de marcha, ou seja, circulando fora da sua mão de trânsito e de forma totalmente desatenta e negligente,

17. pelo que, ao chegar ao ponto onde o aludido arruamento entronca na Rua Parcelar do Campo, a vítima iniciou uma manobra de mudança de direcção para a sua esquerda, em direcção à E.N. 111/1, sem para tanto reduzir a velocidade a que seguia, sem parar à entrada do entroncamento,

18. e sem tão pouco ter olhado previamente para ambos os lados da Rua Parcelar do Campo, na qual pretendia entrar, não se tendo, assim, certificado se aí circulava algum veículo e se de referida manobra não resultava perigo ou embaraço para si e para o restante tráfego que, na altura, ali se processava.

19. Deste modo, a vítima avançou temerariamente através do referido entroncamento e, num acto contínuo, percorreu uma trajectória na diagonal, atravessando-se inopinadamente na frente do (...) X, no momento em que este passava, cortando-lhe a respectiva linha de marcha.

20. O falecido P (…) não deu a esquerda ao centro de intersecção das duas vias e consequentemente, também não entrou na via que pretendia tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação, ignorando, inclusivamente, o barulho que o motor e os rodados do (...) X faziam ao circular, a escassos metros do entroncamento.

21. Se o condutor do velocípede tivesse abordado a entrada na Rua Parcelar do Campo, circulando pela direita, como devia, e se tivesse parado, ou abrandado à entrada do aludido entroncamento, como se lhe impunha, ter-se-ia apercebido de que o (...) X circulava no sentido E.N. 111/1 – Adémia daquela via, estando já muito próximo do entroncamento.

22. O condutor do (...) X, ao ser subitamente confrontado com o velocípede sem motor, a surgir-lhe pela sua direita, ainda se desviou para o seu lado esquerdo, numa manobra de recurso e travou, com vista a evitar o acidente.

23. Contudo, apesar de circular a uma velocidade muito reduzida, não lhe foi possível evitar que o falecido P (…), que prosseguiu a sua marcha, embatesse com a lateral esquerda central do seu velocípede no canto esquerdo da frente do (...) X – cf. fotografias sob os docs. 4 a 7 e ainda o doc. 8.

24. O embate ocorreu dentro da hemifaixa de rodagem direita da já referida Rua Parcelar do Campo, considerando o sentido de marcha do (...) X, próximo do eixo da via.

25. Atentas as circunstâncias em que o falecido surgiu ao condutor do (...) X, era impossível a este último evitar o embate.

26. O embate ocorreu na faixa sentido norte – sul da Rua Parcelar do Campo, faixa esta onde a vitima já seguia contrária ao condutor do veículo (...) X, tendo o condutor do veículo (...) X invadido a faixa de rodagem por onde circulava o velocípede, abalroando-o.

27. Tratou-se de uma situação de cruzamento de veículos situado no interior de localidade.

28. No período que mediou entre a produção do acidente e o decesso do infeliz P (…), e durante pelo menos 45 minutos, o P (…) teve a percepção da morte, sentindo e sofrendo.

29. O P (…) contribuía anualmente para o erário familiar, com a quantia de 13.300,00 euros, com margem de progressão, e contribuía para a despesa do empréstimo da casa.

30. Após a morte do seu marido, a autora teve necessidade de fazer mais horas de serviço, assim como trabalhar na privada de modo a poder fazer face às despesas que eram suportadas pelos dois rendimentos.

31. O P (…) auferia à data do seu falecimento um valor mensal médio de 750,00 euros.

32. A autora anda com a carteira do P (…) na sua carteira com todos os seus documentos, agindo como se o (…)ainda fosse vivo na sua vida, lutando assim contra a imensa dor que é evidente perante todos os amigos íntimos e chegados que foram de ambos.

33. Que as roupas, óculos e calçado que o P (…) usava no momento da ocorrência destruídos apresentavam os seguintes valores - óculos de ciclismos partidos no valor de 35,00 euros; sapatilhas vermelhas, brancas e pretas Newfeel de ciclismo no valor de 45,00 euros; Calções pretos de lycra (de ciclismo) no valor de 30,00 euros; t-shirt de ciclista no valor de 35,00 euros. - tudo no valor de 145,00 euros.

34. A morte do P (…)veio “matar” em definitivo o sonho de concretizar o desejo de ambos de terem um filho biológico, e que passa pela aprendizagem de abdicar ter filho de forma natural, sem o seu companheiro, pela idade.

35. A bicicleta que o P (…) utilizava, marca F..., modelo montanha, que ficou inutilizada tinha o valor de 125,00 euros.

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Eclosão do acidente, imputável a um ou outro dos intervenientes, ou risco, e em que grau de contribuição.

- Danos e tradução indemnizatória do mesmo.

2.1.

 (…)

Sendo, também, hora de relembrar que estamos, no domínio do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 607º, nº 5, 1ª parte, do NCPC, segundo o qual o juiz aprecia as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Sendo certo que, como em qualquer actividade humana, existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza e aleatoriedade, no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, o que importa, pois, é que se minimize o mais possível tal margem de erro, tendo, porém, o sistema válvulas de segurança. Efectivamente, nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, dos princípios da lógica, ou das regras científicas (vide Anselmo de Castro, D. P. Civil, Vol. 3º, pág. 173, e L. Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1ª Ed., pág. 157).

Ou dito de outro modo, “I - A criação da convicção do julgador que leva à decisão da matéria de facto tem de assentar em dados concretos, alguns dos quais elementos não repetíveis ou tão fiáveis na 2.ª instância como na 1.ª, em situação de reapreciação da prova. Na verdade, escapam à 2.ª instância, por princípio, a imediação e a oralidade que o juiz da 1.ª instância possui.

II - Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela” vide Ac. do STJ de 20.5.2010, Proc.73/2002.S1, em www.dgsi.pt.

          (…)

Por conseguinte, a impugnação da R. improcede quanto a querer que não se considere provado o recebimento de comissões, mas procede no referente ao quantitativo dado por provado, que ao invés neste momento é indeterminado.

Consequentemente, altera-se a redacção do indicado facto, que ficará com a seguinte redacção (a negrito, ficando a anterior em letra minúscula):

LI- P (…) recebia para além daquele valor, uma quantia mensal a título de prémio em valor médio não concretamente apurado.

3.1. Sobre a questão da imputabilidade culposa do acidente a um ou outro dos intervenientes, ou se estamos perante uma situação de risco, escreveu-se na decisão recorrida que:

“A primeira questão que surge, é saber se se mostram verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar, isto é se foi o condutor do veículo seguro na ré demandada quem deu causa ao acidente, total ou parcialmente (com ou sem contribuição de culpas do condutor do velocípede), se existe alguma presunção de culpa, ou ainda, caso seja afastada a hipótese de culpa total ou parcial (repartição de culpas), efectiva ou presumida, se ocorre ou não responsabilidade pelo risco, e neste caso, em que medida.

(…)

De acordo com o nosso regime jurídico, a responsabilidade civil compreende, quer a responsabilidade pela culpa, quer a responsabilidade pelo risco (nomeadamente no art. 483º e 499º e ss, todos do Código Civil, breviter CCivil).

São pressupostos da responsabilidade civil extrancontratual ou aquiliana o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, pág. 471). A causa de pedir das acções de responsabilidade civil é complexa traduzindo-se, relativamente à responsabilidade por factos ilícitos, no conjunto dos pressupostos da obrigação de indemnizar formulados no art. 483º do CCivil.

À autora cumpria alegar e provar, desde logo, a existência de um facto voluntário do agente, ilícito, do qual sobrevenha um dano, o nexo psicológico e subjectivo de imputação do facto ao lesante a título de dolo ou mera culpa e finalmente um nexo de causalidade adequada entre o facto praticado e o dano sofrido.

Relativamente aos pressupostos do facto e ilicitude nenhuma questão se coloca, porquanto o acidente enquanto evento humano lesivo de interesses patrimoniais e pessoais é susceptível de por si só o preencher.

O pressuposto da culpa consiste num juízo de censura ou de reprovação sobre o agente, traduzido na ideia de que este, em face das circunstâncias do caso, podia e devia ter agido de outro modo (cf. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 559). A este propósito, tem relevância a violação de leis e regulamentos estradais. Sendo estas verdadeiras normas legais de protecção de perigo abstracto a sua violação traduz a inexistência por parte do agente do necessário cuidado exterior, aquele que é, afinal, o elemento integrador do juízo de censura inerente à culpa (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Março de 1998, in BMJ. nº475, pág. 636.). Não obstante, não basta a conduta infraccional para se concluir da culpa, sendo necessário provar que tal conduta foi a causa do acidente (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 25 de Setembro de 2000:BMJ, 499.º-380).

É regra geral do nosso direito em matéria de responsabilidade extracontratual a de que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei – art. 483º, n.º 2 – assim como, salvo havendo presunção legal de culpa, cabe ao lesado provar a culpa do autor da lesão – art. 487º, n.º 1 – sendo que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso – art. 487º, n.º 2, todos do C. Civil.

Mas também há responsabilidade civil e consequente obrigação de indemnizar independentemente da culpa, como acontece nos casos de responsabilidade pelo risco – art. 499º e ss. –, que ora nos interessa-, e até por factos ilícitos, designadamente nas hipóteses previstas no art.1347º a 1349º do CCivil.(cf. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 9ª edição, págs. 739 a 741.).

Assim, em matéria estradal, especificamente, prescreve o n.º 1 do art. 503.º do CCivil que “aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse...responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veiculo, mesmo que este não se encontre em circulação”. Genericamente, diz-se que a responsabilidade objectiva ou pelo risco implica a prática de um facto lícito (in casu, usar ou colocar um veículo em circulação), facto esse que cria ou mantém um risco, sendo que a prática desse facto cria um proveito próprio ao agente, que como tal deve arcar com as consequências que daí advenham, já que delas colhe benefício (ubi commoda, ibi incommoda).

(…)

Ao contrário do que acontece na responsabilidade por factos ilícitos em que são cinco pressupostos para que haja a indemnização, são pressupostos desta modalidade de responsabilidade civil apenas: a prática pelo agente de um facto; a existência de um dano reparável na esfera jurídica de um terceiro e o nexo de causalidade adequada entre o referido facto e o dano (arts. 499.º, 563.º e 564.º, n.º 1, do C.Civil).

De acordo com Antunes Varela, no seu Manual “Direito das Obrigações”, 9ª edição, Almedina, a pags. 690 «os danos que a pessoa responsável é obrigada a indemnizar são os que tiverem como causa (jurídica) o acidente provocado pelo veículo.»

Sem prejuízo do disposto no art. 570º do CCivil, a responsabilidade fixada pelo nº 1 do artº 503º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. Deste modo, são estas duas causas indicadas neste último dispositivo legal as únicas, dentro do círculo dos danos abrangidos pela responsabilidade objectiva, que determinam a exclusão da obrigação de indemnizar e que quebram o nexo de casualidade entre os riscos próprios do veículo e o dano (não se trata de um problema de culpa, mas causalidade, "que consiste em saber quando é que os danos verificados no acidente não devem ser juridicamente considerados como um efeito do risco próprio do veículo).

Como refere Raul Guichard, no seu artigo "Acerca da responsabilidade civil objectiva por danos causados por veículos de circulação terrestre", publicado na RCEJ, N.º 9 – 2006, "a responsabilidade instituída pelos arts. 503.º e ss. do Código Civil português configura uma responsabilidade objectiva, que cobre a generalidade dos danos, apenas com pontuais excepções". Observa tal autor, no entanto, ser " imprescindível que os danos traduzam de algum modo a especificidade dos riscos induzidos pelo veículo, o «perigo típico» que este envolve. Não se trata, assim, da concretização de riscos totalmente estranhos ao veículo e ao seu funcionamento (os quais ficam fora da responsabilidade objectiva, sem prejuízo de poderem ser indemnizados no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos). E observar-se-á, desde já, que o art. 505.º do C.Civil indica como razão de exclusão da responsabilidade a «causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo».

É difícil definir o que se deva entender por “riscos próprios do veículo”, a que alude o art. 503.º, nº 1, do CCivil parecendo tratar-se de um conceito normativo, um conceito indeterminado a preencher casuisticamente. No sentido comum, a noção de “riscos próprios do veículo” é inerente ao perigo da circulação e, por conseguinte, encontra-se sempre presente num acidente de circulação rodoviária. E se em determinados sinistros rodoviários é constatável um risco próprio específico concretizado, provavelmente na grande maioria dos acidentes o risco susceptível de ser considerado não é senão o risco próprio da actividade de circulação de veículos automóveis, de inegável perigosidade objectiva.

Dentro dos riscos próprios do veículo, a que se refere o art. 503º do CC, cabem, “além dos acidentes provenientes da máquina de transporte, os ligados ao outro termo do binómio que assegura a circulação desse veículo (o condutor)” A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 664.

O conceito de risco tem vindo a ser densificado pela doutrina e jurisprudência, sendo recorrente a citação de Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 3ª edição: «É difícil definir com precisão o que sejam os riscos próprios do veículo. Estamos aqui perante aquilo que, de algum modo é possível arrumar na categoria de conceito normativo, de fronteiras pouco definidas, funcionando portanto como conceito indeterminado a preencher, na sua revelação concreta, por processos casuísticos. No sentido corrente, o risco tende a confundir-se com o perigo. O próprio caso fortuito, relativo à viatura, caracteriza uma dimensão do risco. Daí que o perigo, como situação potencial no caminho do dano, se desdobre em fenómenos cujas forças funestas acabam por escapar à acção do homem.

O carácter perigoso do veículo reside mais no seu uso (o risco-actividade) do que o seu dinamismo próprio. Em abstracto, o velocípede a pedais será, pois, uma coisa muito menos perigosa do que um automóvel, embora, em concreto, possa nalguns casos ser mais perigosa.

No risco, compreende-se tudo o que se relacione com a máquina enquanto engrenagem de complicado comportamento, com os seus vícios de construção, com os excessos ou desequilíbrios da carga do veículo, com o seu maior ou menor peso ou sobrelotação, com a sua maior ou menor capacidade de andamento, com o maior ou menor desgaste das suas peças, ou seja com a sua conservação, com a escassez de iluminação, com as vibrações inerentes ao andamento de certos camiões gigantes, susceptíveis de abalar os edifícios ou quebrar os vidros das janelas. É o pneu que pode rebentar, o motor que pode explodir, a manga do eixo ou a barra de direcção que podem partir, a abertura imprevista de uma porta em andamento, a falta súbita de travões ou a sua desafinação, a pedra ou gravilha ocasionalmente projectadas pela roda do veículo (há mesmo casos em que pode aqui haver culpa); até a alta velocidade constituiu um risco, ao mesmo tempo que pode representar um acto culposo. Enquanto em circulação, a própria estrada pode emprestar à viatura riscos graves.

Mas não são apenas estas situações dependentes da viatura ou a ela inerentes que preenchem os riscos por ela representados; dentro do quadro de hipóteses subjacentes ao preceito estão igualmente os riscos relacionados com o próprio condutor: é do binómio veículo-condutor que se parte para se integrar a responsabilidade pelo risco. Ter-se-á neste terreno o caso do acidente devido a colapso físico do condutor do veículo (uma vertigem momentânea, um súbito colapso cardíaco). A perda súbita da consciência é mesmo considerada caso de força maior inerente ao funcionamento do veículo. Neste sentido se pronunciaram os acórdãos do S.T.J., de 4 de Maio de 1971 (Bol. 207, p. 134) e de 27 de Julho de 1971 (Bol. 209, p. 120).

A própria febre alta pode ocasionar um desastre não culposo. Todavia, em regra, poderá constituir um daqueles estados transitórios de inimputabilidade, para os quais não funciona o artigo 503º; tratar-se-á normalmente de situações de culpa, enquanto ligadas à condução e entram na sede das actiones liberae in causa (artigo 488º nº 1). De resto - já ficou salientado – até o risco pode estar, na sua origem, condicionado pela culpa (o caso da derrapagem culposa, o caso do pneu que rebenta pela grave incúria ou inconsideração relativa à sua conservação). Todavia, difícil será prová-lo.

Ao fim ao cabo, basta que o veículo esteja em movimento na estrada para já constituir um risco. E daí que, não estando provada a culpa do condutor, o acidente cabe logo, em princípio, na esfera do risco». A questão relativa à necessidade de alegação e prova do concreto risco do veículo que tenha estado na origem do acidente tem de ser respondida negativamente.

Exigir a concreta identificação da causa do embate para reconduzi-la ao risco próprio do veículo equivaleria a esvaziar completamente a responsabilidade pelo risco, atenta a manifesta dificuldade que o lesado enfrentaria de averiguar e demonstrar qual o factor inerente ao veículo ou ao condutor que esteve na origem do acidente, a que é absolutamente alheio.

Na verdade, sendo a esmagadora maioria das acções de responsabilidade civil emergentes de acidentes de viação intentada com fundamento na culpa do condutor do outro veículo interveniente no acidente, se o lesado que não conseguiu provar a culpa desse condutor, nem mesmo através do recurso às presunções (quer às presunções legais de culpa, quer às presunções judiciais a partir da prática de uma violação de uma regra de circulação rodoviária causal do acidente) dificilmente conseguirá vislumbrar a que se deveu o acidente, como se observa no acórdão da Relação do Porto, de 2008.09.30, Pinto dos Santos, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0825401.

Assim, em matéria de acidentes causados por veículos, não logrando o lesado provar culpa efectiva ou presumida do condutor do veículo interveniente no acidente, verifica-se responsabilidade pelo risco, que, nos termos do artigo 505º CC, apenas é excluída se o responsável nos termos do artigo 503º, nº1, CC, demonstrar que o acidente é imputável ao lesado ou a terceiro, ou que resultou de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

Por outras palavras, não havendo culpa, efectiva ou presumida, do condutor do outro veículo interveniente no acidente, nem se provando que este se deveu a facto do lesado ou de terceiro, ou a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, situamo-nos no campo da responsabilidade pelo risco, ainda que o lesado não identifique o risco concreto que originou o acidente; basta que o veículo esteja em movimento na estrada para já constituir um risco, e daí que, não estando provada a culpa do condutor, o acidente cabe logo, em princípio, na esfera do risco.

Eão, pois, duas as circunstâncias de que depende a responsabilidade pelo risco em caso de circulação automóvel: ter a pessoa a direcção efectiva do veículo causador do dano e estar o veículo a ser utilizado no seu próprio interesse.

Nas palavras de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. I, pgs. 695 e ss., …(q)(Q)uando, porém, o autor pede em juízo a condenação do agente na reparação do dano, num dos domínios em que vigora a responsabilidade objectiva, mesmo que invoque a culpa do demandado, ele quer presuntivamente (a menos que haja qualquer declaração em contrário) que o mesmo efeito seja judicialmente decretado à sombra da responsabilidade pelo risco, no caso de a culpa se não provar. Interpretar à letra, rigidamente, a invocação feita pelo autor, obrigando-o a interpor nova acção para obter o mesmo efeito fundamental com base na mesma ocorrência, seria uma violência que não cabe no espírito da lei processual vigente, fortemente impregnada pelo princípio básico da economia processual. Consequentemente, se o autor invocar a culpa do agente na acção destinada a obter a reparação do dano, num caso em que excepcionalmente vigore o princípio da responsabilidade objectiva, mesmo que não se faça prova da culpa do demandado, o tribunal pode averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco, salvo se dos autos resultar que a vítima só pretende a reparação se houver culpa do réu.”. Falecendo a ilicitude e a culpa como fundamentos da indemnização baseada na responsabilidade extracontratual, ainda assim há que indagar em cada caso (excepto quando o lesado expressamente limite a apreciação do Tribunal ao apuramento da responsabilidade por factos ilícitos - o que raramente acontecerá) se ocorrem os pressupostos da responsabilidade objectiva ou fundada no risco - cfr. art. 483º nº 2 (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª ed. rev. e act., anotação 4 ao art. 499º, pg. 506).

Aceite que a responsabilidade do condutor do automóvel na produção do acidente, porque afastado qualquer comportamento culposo (provado ou presumido) só poderá assentar na responsabilidade objectiva contemplada no n.º 1 do art. 503º C. Civil, a questão que ainda se coloca situar-se-á na averiguação da existência de um facto imputável ao lesado e respectiva repercussão na exclusão da indemnização.

(…)

Não está afastada dogmaticamente a possibilidade de conjugação entre uma conduta culposa do ciclista com o risco do veiculo, importa no entanto dizer que a factualidade apurada relativamente ao comportamento da vitima ciclista não permite afirmar uma actuação causal ou concausalmente culposa, não podendo afirmar-se de forma simplista que, ignorando que perdia prioridade, simplesmente invadiu a via principal, cortando o sentido de marcha do ligeiro, face aos demais contornos fácticos enunciados.

Na verdade, volvendo ao caso, é incontroversa a existência de acção, dano e nexo de causalidade entre facto e dano, pois que existe um facto voluntário do agente condutor segurado (o acto de conduzir é dominável ou controlável pela vontade), a violação do direito de outrem (o falecido viu afectados direitos absolutos – desde logo, e primacialmente, direitos de personalidade, ao ser embatido ao volante do seu velocípede), um prejuízo sofrido e o nexo entre o facto e este prejuízo.

Já relativamente à apreciação da questão relativa ao nexo de imputação do facto ao lesante, ou seja, apurar se nas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o acidente ocorreu podia e devia o condutor de qualquer um dos veículos intervenientes no embate ter agido de outra forma – isto é, se actuaram com a diligência que um bom pai de família teria em face do condicionalismo do caso concreto (cf. artigo 487.º, n.º 2) ou antes se omitiram dever legal ou dever de cuidado no caso impostos (melhor, se os condutores actuaram ou não com a diligência exigível a um condutor normalmente prudente e diligente, respeitador das normas estradais), cumpre referir, da factualidade exposta e apurada - e conforme motivação antecedente- que a mesma não é suficiente para fundamentar qualquer juízo de censura ao condutor do veículo ligeiro, como também o não permite fazer relativamente ao falecido ciclista (que igualmente conduzia o velocípede de sua propriedade).

No que concerne à concreta dinâmica do embate [assim a matéria dos artigos XIII a XVIII, XXI a XXVIII], os factos apurados não permitem, com a necessária segurança, dirigir a qualquer um dos condutores um juízo de censura, pois que se não pode afirmar que qualquer um deles tenha omitido os deveres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária que lhes teriam permitido evitar o embate. Note-se que não se apuraram circunstâncias absolutamente imprescindíveis para tal: designadamente não se apurou o concreto ponto de embate- em qual das faixas, nem a trajectória levada a cabo pelo ligeiro nos momentos que antecederam o acidente, sendo varias as dinâmicas possíveis ante aquilo que objectivamente se apurou….

Desta forma, se a matéria apurada não permite dirigir a qualquer um dos condutores um juízo de censura, não se pode afirmar que qualquer um deles tenha omitido os deveres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária que lhes teriam permitido evitar o embate (sendo certo que a culpa, como resulta do artigo 487.º, não se presume).

E no caso, não foi chamada à colação qualquer presunção de culpa do artigo 503.º, n.º 3, do Código Civil, pelo que e na ausência de culpa efectiva ou presumida, afastada está a possibilidade de imputar o evento a culpa de qualquer um dos condutores, restando apurar se existe responsabilidade objectiva, baseada no risco.

Como diz Dario Martins de Almeida, in Manual de Acidentes de Viação, 2ª edição, página 316, a direcção efectiva do veículo constitui uma fórmula de natureza normativa, envolvendo um poder real ou material de utilização e destino desse veículo, com a inerente faculdade, quer de manutenção ou conservação, quer de superintendência ou vigilância. Consistindo a direcção efectiva do veículo no poder real (de facto) sobre ele, tê-la-á quem, de facto, goza das vantagens dele, e a quem, por tal razão, cabe a responsabilidade de controlar o seu funcionamento - ver, por exemplo, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição, página 486.

A direcção efectiva do veículo (isto é, o poder real sobre ele) pertence ao seu proprietário, salvo se por qualquer razão a perdeu – caso de furto –, ou pertence a pessoa à qual o veículo tenha sido entregue em virtude de contrato – comodato, por exemplo –, ou até de outro direito real – usufruto. Por outro lado, é também de presumir, salvo prova em contrário, que o proprietário de um veículo o utiliza no seu interesse – já que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (artigo 1305.º do Código Civil). Tendo-se apurado que o automóvel que interveio na colisão com o ciclista pertencia ao segurado que o conduzia no momento do acidente estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade pelo risco previstos no artigo 503º, º 1, CCivil.

Fora do círculo dos danos abrangidos pela responsabilidade objectiva ficam os que não têm conexão com os riscos específicos do veículo – os que são estranhos aos meios de circulação ou transporte terrestre, como tais, isto é, os que foram causados pelo veículo como poderiam ter sido provocados por outra coisa móvel - cf. Pires de lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado Volume I, 3ª Edição, página 487. Cumpre averiguar assim se existem, no caso dos autos, os pressupostos para o surgimento da obrigação de indemnizar com base em responsabilidade objectiva ou pelo risco.

Como referido, ambos os condutores eram proprietários dos veículos – e logo, dele tinham a direcção efectiva, sendo de presumir que o utilizava no seu interesse.

Por outro lado, os danos resultantes do embate têm conexão com os riscos específicos de ambos os veículos, que circulavam – é inquestionável que a circulação do veículo faz desencadear o perigo que a actividade rodoviária constitui, potenciando graves e fatais consequências sobre a vida e integridade física.

Acresce por fim não se verificar nenhuma causa que exclua a responsabilidade pelo risco, já que não se pode afirmar que o embate tenha resultado de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo seguro ou seja imputável a terceiro ou mesmo que seja imputável a facto do lesado.

Está-se perante a previsão do artigo 506.º, n.º 1, do Código Civil, que dispõe que se da colisão ente dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos. Acrescenta o n.º 2 do referido preceito que em caso de dúvida se considera igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos.

Na síntese do AC RP de 30/09/2008, relatado por Pinto dos Santos,…. “III - É ao lesante-demandado (ou a quem o substitui processualmente) que compete, para afastar a responsabilidade objectiva, a prova de algum dos casos previstos no art. 505º do C.Civ.. IV - …- e tal evidência não foi feita.

Na verdade, não podemos assacar ao condutor seguro um efectivo juízo de culpa- não se detectando da sua banda, a violação negligente de normativos de circulação estradal (ainda que de forma presumida). Mas os autos mostram - e foi produzida prova - da intervenção no processo causal do acidente de um concretizado risco próprio do veículo (cf. artigo 503.º,nº1 do Código Civil) na medida em que a vitima morre na sequencia do seu abalroamento, na via, pelo veículo seguro, enquanto circulava.

Assim, tratando-se de colisão sem culpa (efectiva ou presumida de nenhum dos condutores (art. 506.º do CCivil), responde cada um na medida do risco.”.

Este discurso jurídico mostra-se adequado, face aos factos apurados, e está de acordo com o que ditam os preceitos legais referidos. Acompanhamos, pois a respectiva análise. Como a matéria de facto, relativa à eclosão do acidente, permanece inalterada, impõe-se concluir estarmos defronte a uma situação de responsabilidade objectiva, a uma responsabilidade pelo risco. E como tal a pretensão da R. de atribuir a culpa do acidente ao falecido ciclista tem de improceder.

3.2. No respeitante à questão do grau de contribuição de cada veículo para a responsabilidade pelo risco, disse-se na sentença apelada que:

“A regra, na matéria da responsabilidade pelo risco, é que “a responsabilidade é repartida na proporção em que cada um dos veículos houver contribuído para os danos” cf. art. 506.º, n.º 1, do CCivil e impõe ela que se apure em que medida os danos produzidos podem ser atribuídos ao risco gerado por cada um dos veículos intervenientes, o que implica a formulação, perante a concreta situação, de um juízo “da idoneidade de cada veículo para, nas condições ocorridas, provocar danos”.

E, em nosso entender, surpreendemos, no caso concreto – vários factores que contribuíram para propiciar/potenciar o risco da verificação do acidente/agravamento do dano: considerando o entroncamento em referência (e o tipo de manobra que o velocípede realiza, interceptando via prioritária, sendo que o velocípede perderia prioridade), as circunstâncias apuradas quanto a características (dimensões, peso e potência) dos veículos envolvidos, a menor estabilidade do veículo de duas rodas e exposição do respectivo tripulante, a corpulência do ciclista, alcoolemia deste ultimo e contacto com substancias ilícitas (embora não contra-ordenacional ou penalmente relevantes e não confirmado que em concreto fossem causante ou concausante, relevarão nesta plano do risco) - levam-nos a assacar ao velocípede maior contribuição em termos de risco, sendo adequado fixar a contribuição do risco do ligeiro para a produção dos danos verificados em 40% e a do velocípede em 60%. E se em abstracto as potencialidades do risco causado por uma bicicleta não sejam comparáveis às que decorrem da utilização de um veículo automóvel, a perda de prioridade, corpulência do falecido, as substancias referidas, a reduzida visibilidade levam-nos a apontar um maior contributo do risco de circulação da bicicleta para a eclosão do evento lesivo.

Na ausência de culpas atribuíveis aos intervenientes no acidente, resta assim a responsabilidade objectiva de cada uma das partes em presença, nos termos dos arts. 503.º, 489.º, 505.º e 506.º, todos do CCivil.”.

Discorda-se do decidido nesta parte, tendo por mais correcta outra visão desta questão ora em apreço, mais perto da posição defendida pela A./recorrente.

A sentença recorrida baseou-se em quatro factores para estabelecer a proporção que fixou para a responsabilidade pelo risco (perda de prioridade, corpulência do falecido, álcool e sustâncias ilícitas e reduzida visibilidade).

Quanto à perda de prioridade é um factor que não pode ser tido em conta, uma vez que não se apuraram as causas do acidente e se excluiu a culpa de ambos os condutores. Aliás, a perda de prioridade para o velocípede tem valor equivalente à aproximação de um entroncamento, com a obrigatória redução de velocidade para o condutor do veículo ligeiro.

A corpulência de qualquer ciclista, desde que não implique redução da sua agilidade e dificulte a execução de manobras no menor espaço de tempo possível – o que no caso não se apurou, nem se divisa que assim fosse quanto ao falecido (homem com 44 anos, com 1,80m de altura por cerca de 103 kg de peso) -, não tem qualquer influência na sua responsabilidade pelo risco em caso de acidente.

Relativamente às substâncias referidas, está provado, sob XXIX, que a canábis que revelava não era compatível com a produção de qualquer tipo de alterações psicoactivas.

Já respeitante ao álcool apresentado no facto provado XXX, de 0,44 g/l, também se provou, sob facto XXXI, que antes de iniciar a condução o falecido havia ingerido bebidas alcoólicas. Ora, como justamente salienta a R., ainda que os valores apurados não sejam contra-ordenacional ou penalmente relevantes, o certo é que é um dado científico que a condução de um velocípede por um condutor nas circunstâncias acima descritas constitui um risco acrescido, comparativamente com o risco gerado pela condução de alguém que não apresenta qualquer taxa de álcool, no sangue. Como é sabido o risco causado pela circulação de um veículo conduzido por um condutor que apresenta uma taxa de álcool de 0,44 g/l é substancialmente superior ao risco do outro veículo, cujo condutor não tenha ingerido bebidas alcoólicas, devido às consequências do álcool sobre as faculdades dos tripulantes, designadamente no que tange a rapidez de reflexos e a capacidade de discernimento. De resto, assim se explica que o legislador tenha previsto um limite máximo de álcool no sangue de 0,2 g/l para determinado tipo de condutores, pelas específicas condições e funções que desempenham no exercício da condução (condutores em regime probatório, condutores de pesados de mercadorias, de veículos urgentes, de transportes de jovens e menores, etc). Embora em maior ou menor intensidade, conforme a constituição física e o metabolismo variáveis de pessoa para pessoa, como é compreensível e é do senso comum, é certo que a ingestão de álcool pode produzir graus de alcoolémia diferentes. Mas o que é também certo cientificamente seguro é que o álcool é um factor que influencia a condução de alguém.  

Finalmente, relativamente ao factor da reduzida visibilidade, esta era uma realidade presente para os dois intervenientes no sinistro, pois provouse que a vegetação era alta e influenciava a visibilidade (cfr. factos provados VII a X), pelo que o falecido ciclista e o condutor do ligeiro estavam em igualdade de circunstâncias.

Igualmente é de rejeitar, como determinante, a contra-argumentação da R. de que os velocípedes representam, em caso de acidente, um risco de lesão para o seu condutor, atenta a sua exposição, muito superior ao de um veículo ligeiro, porque a aceitar tal argumento invertia-se aquilo que é um dado de imediata e instintiva compreensibilidade, o de que um veículo ligeiro atenta a sua maior massa de embate (peso x velocidade) causará, em regra, salvo casos muito excepcionais, um muito maior dano do que um velocípede. Assim como se rejeita outro argumento da mesma R., o de o ciclista poder aperceber-se mais facilmente da aproximação do veículo automóvel, do que o inverso, atento o barulho que o respectivo motor e os rodados provocavam, estando, assim, em melhor posição para poder evitar o acidente do que o condutor do (...) X. Cabe então perguntar: Mas qual barulho ? Que barulho é que se apurou que foi produzido ? E será que o ligeiro produzia barulho ? Onde foi a R. buscar tal conclusão ?

Deste modo, nos casos em que a dinâmica do acidente permaneça indeterminada, deve inferir-se essa percentagem dos riscos típicos de circulação, para além das condições da via e tempo e da destreza da condução, das características estruturais de cada um dos veículos intervenientes – e, desde logo, da sua dimensão relativa e peso.

Assim é, se se tiver em conta que a medida do risco causado com a circulação rodoviária de certa viatura se deve fixar em função da sua vocação ou apetência para, em caso de colisão, provocar danos acrescidos no outro ou outros intervenientes no sinistro: note-se que a maior fragilidade e menor grau de segurança de um dos veículos intervenientes numa colisão, enquanto determina efectivamente uma maior apetência para provocar danos relevantes ao seu próprio utilizador, implica uma típica redução do risco de lesão grave nos outros utilizadores da via pública que conduzam viaturas mais sólidas, pesadas ou estáveis. Ora, sendo este segundo o factor decisivo, é evidente que é substancialmente maior a capacidade de um veículo automóvel infligir danos relevantes ao utilizador de um motociclo, ciclomotor ou velocípede, com o qual colida em circunstâncias indeterminadas do que a apetência para o ciclista lesar gravemente o condutor do automóvel envolvido na colisão (como é notório e resulta, de forma paradigmática, da gravidade extrema das lesões sofridas no acidente dos autos pelo ciclista – a morte - envolvido na colisão com a viatura segurada) - vide neste sentido os Acds. do STJ, correspondentes a jurisprudência pacífica, de 7.10.2010, Proc.839/07.6TBPFR, em www.dgsi.pt, e 10.4.2014, Proc.443/12, Sumários 2015, pág. 244, e Oliveira Matos, C. Estrada Anotado, 5ª Ed., 1988, págs. 467/468.

Nesta conformidade, considerando que os 4 factores a que a 1ª instância atribuiu relevo diferenciador, tais como a perda de prioridade, corpulência do falecido, substância ilícita e reduzida visibilidade, não podem ser subscritos, e a matéria apurada, designadamente as velocidades de circulação 42 a 48 km para o veículo ligeiro e 10 a 13 km para o velocípede, a diferença objectiva de dimensão e peso de cada um, com as consequentes diferentes massas de embate, muito mais grave da parte do ligeiro, o pouco relevo derivado de o ciclista ser portador de um capacete de protecção de ciclista (como se vê das fotografias nos autos) em casos de projecção contra o solo ou rails metálicos da estrada, o facto de o mesmo circular com uma taxa de álcool, por antes de iniciar a condução ter ingerido tal substância, embora em grau diminuto, e o facto de circular num velocípede, veículo de características instáveis, entende-se que a contribuição do risco de cada um para os danos produzidos deve ser repartida na proporção de 70% para o ligeiro e 30 % para o velocípede.

Por isso, procedendo, parcialmente, o recurso da A. nesta parte.

4. Sobre a obrigação de indemnizar e sua determinação, resulta a mesma do art. 562º do CC que estatui que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação., existindo esta obrigação de indemnizar em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art. 563º do CC, o que quer dizer, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado. Depois há que ver, se aquele facto era, em abstracto, ou em geral, segundo as regras da vida, causa adequada ou apropriada, para a produção do dano.

A indemnização compreende tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, incluindo os danos futuros desde que previsíveis – art. 564º, nº 2, do CC. Será fixada em dinheiro quando for impossível ou inconveniente a reconstituição natural – art. 566º, nº 1, do CC, e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos – art. 566º, nº 2, do mesmo código. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – art. 566º, nº 3, sempre do CC.

Provado que está o nexo de causalidade entre o acidente e danos sofridos pela aqui A. (e pelo falecido), importa analisar tais danos, ajuizando quanto à sua verificação, e apurar os montantes pelos quais deve haver ressarcimento.

Presente neste domínio deverá estar a consideração do melindre que a quantificação de tais danos sempre acarreta, procurando traduzir-se em quantia certa a mais infungível das coisas, a perda de uma vida, e o efeito indirecto da perda de um cônjuge.

Antunes Varela, em CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 6. ao art. 496º do CC, págs. 474, expende que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. Pelo mesmo diapasão seguindo Almeida Costa, D. Obrigações, 6ª edição, pág. 506, que advoga a consideração de todas as circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa.

Com relevo para a fixação do valor indemnizatório, relevam os seguintes factos provados: - o falecido deixou a suceder-lhe a A., sua cônjuge sobreviva; - a A. e o P (…) haviam casado em primeiras e únicas núpcias de ambos, no dia 5.5.2012, mantendo-se o casamento até à data do óbito do cônjuge marido; - o P (…) faleceu no próprio dia do acidente, tais eram as lesões traumáticas sofridas; - era ainda um homem saudável, com 44 anos de idade com esperança de vida à sua frente, que vivia em perfeita harmonia com a aqui A.; - era uma pessoa com muitos amigos, líder, sócio (...) de coração e alma da “ Y..., tendo pertencido à YY..., com Lugar Anual.; - com o desaparecimento dele a A. sofreu um profundo abalo psíquico e grande angústia vivencial, acrescido pelo facto no referido fatídico dia ter sido confrontada com o evento violentíssimo e absolutamente inesperado, em vésperas de irem de férias, tendo recebido a notícia directamente pelo agente da polícia cerca das 22.05 h com a consequente deslocação ao Instituto de Medicina Legal para proceder ao reconhecimento do corpo e confirmação do facto (como resulta das informações complementares da participação do acidente); - o traumatismo que a A. sofreu ao ser confrontada com a realidade da morte do seu marido, deixará sequelas duras de apagar, agudizado na igual medida da violência do acidente que constituiu no dia seguinte ao encarar os jornais e noticias locais, em primeira página com a referência que estavam casados há um ano.; - a A. e o falecido eram casados havia um ano e dois meses tendo-se conhecido em Agosto de 2009, e vivendo juntos desde Setembro de 2009; - sendo a A. e o falecido um casal absolutamente feliz, unido, encontrando-se numa fase – à data da morte – na aventura de tudo fazerem para ser pais; - A A. sofreu efectivamente e ainda hoje ao recordar o acidente, a vida conjunta com o seu marido se emociona, não conseguindo apagar da memória e do seu dia-a-dia a sua presença; - cuidando e visitando com muita assiduidade a campa do malogrado P(…), conversando com ele e partilhando a sua vida; - ambos haviam passado por processo com vista a terem um filho biológico, tendo a autora se submetido a um processo de tratamentos para que fosse possível engravidar, com submissão a tratamentos médicos, hormonais, sem êxito, causando à A. uma dor adicional à sentida com a morte do seu marido por ter de optar por lutar num processo de adopção singular, candidatando-se para o efeito; - é difícil para a A. partilhar o vazio da casa, o vazio do carinho e o vazio da cama e do amor que efectivamente nutria pelo marido, igualmente passando a A. a ficar com a obrigação de apoio e suporte familiar para qualquer eventualidade e ajuda da única família viva do P (…), a irmã (…), porquanto o P (…) tinha pela irmã mais nova, desde a morte da mãe (filho de pai desconhecido) em acidente de viação, a constante preocupação e suporte pelo apoio, por vezes económico, então em inicio de vida profissional e que com a morte do P (…) fica a autora com essa obrigação em cumprimento da vontade do marido sempre manifestada nas conversas com a autora; - no caso vertente, o P (…) vivia na casa da A. contribuindo para as despesas de encargos de luz, água, alimentação, lazer (férias), constituindo a sua morte uma perda do contributo para a economia doméstica; - o P (…)exercia a profissão de delegado comercial no sector da distribuição de uma empresa de distribuidora grossista de gelados, congelados, ultracongelados, refrigerados e outros produtos alimentares auferindo à data do seu falecimento um valor mensal médio de 700 €; - o P (…)recebia para além daquele valor, uma quantia mensal a título de prémio em valor não concretamente apurado; - gozava de boa saúde e seria espectável que vivesse pelo menos até aos 78 anos, considerando ser essa a esperança média dos homens portugueses; - nos anos de 2012 e 2013, a A. adquiriu os seguintes rendimentos: 22.786,33 € brutos (16.113,82 € líquidos) e 23.914,82 € brutos (15.551,97 € líquidos) pagos pela entidade C... onde continuou a trabalhar, auferindo rendimento mensal líquido não inferior a 1.110,86 €; - nos meses de Outubro - Dezembro de 2015 o seu vencimento líquido variou entre 1200 e 1300 €.

4.1. Para fixação do montante quanto ao dano morte, escreveu-se na decisão apelada que:  

“Na indicação dos montantes fixados pela jurisprudência, menciona-se a idade das vítimas quando disponíveis esses dados nos suportes analisados, mas apenas como elemento de referência, sendo este factor cuja relevância não colhe unanimidade na jurisprudência.

Segundo o acórdão de 20-06-2006, Revista n.º 1476/06-1ª – No cômputo da indemnização há que considerar que a vida é um valor absoluto, não havendo que atender à idade, estado de saúde ou situação sócio-cultural da vítima mas apenas ponderar as demais circunstâncias do artigo 494º do Código Civil.

Para o acórdão de 11-01-2007, revista n.º 4433/06-2ª, é de excluir, por inconstitucionalidade, no cálculo do quantum, o critério do artigo 494º do C. Civil reportado à situação económica do lesante ou da vítima. Mas atento este preceito não devem deixar de ser atendidos outros factores de acordo com o que, em concreto, aquela vida continha, relevando assim a idade, a alegria de viver, os projectos que o falecido tinha e outras concretizações do preenchimento que ele fazia da existência.

E conforme o acórdão de 22-10-2008, processo n.º 3265/08-3ª – Na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais, e, no que respeita à vítima, a sua vontade e alegria de viver, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, incluindo a sua situação profissional e sócio – económica.

Os critérios e valores constantes da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, - meros critérios orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal a apresentar aos lesados pelas Seguradoras, não visando a fixação definitiva dos valores indemnizatórios devidos, nem sendo sequer vinculantes para os Tribunais [cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Julho de 2009, processo n.º 205/07.3GTLRA.C1.S1, de 04 de Junho de 2015, processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 10 de Março de 2016, processo n.º 1602/10.2TBVFR.P1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt..] apontam para um valor até € 51300.00, atento o escalão correspondente à idade da vitima.

Como escreve António Piçarra no acórdão do STJ de 15-09-2016, ainda que se reconheça como verdadeiro “ o axioma «a vida não tem preço», também é evidente que o substitutivo patrimonial em que se terá de converter a sua reparação tem que dar lugar à sua estimação económica. A jurisprudência portuguesa foi, durante muito tempo, extremamente avara quando se tratava de determinar a indemnização correspondente ao dano morte (e não só), atribuindo, em regra, indemnizações ridículas. § Todavia, sobretudo a partir de 1998, verificou-se, nesse campo, um salto qualitativo, com o progressivo aumento do montante indemnizatório pela perda do direito à vida. Isso mesmo se constata através do teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2002, acessível em wwwdgsi.pt., onde se mencionam vários outros arestos do mais Alto Tribunal, acs. de 19.04.2001, revista n.° 832/01, de 05.07.2001, revista n.° 1478/01, de 27.09.2001, revista n.° 2118/01, de 30.10.2001, revista n.° 2900/01, de 15.01.2002, revista n.° 3952/01, fixando a indemnização pelo dano morte entre 40.000,00 €uros/8.000.000$00 e 50.000,00 €uros/10.000.000$00. E nessa linha de orientação se inserem ainda os acórdãos do STJ de 25/1/2002, in C.J. ano X, tomo I, pág. 62, de 29/5/2002 e de 27/2/2003, estes acessíveis em wwwdgsi.pt….Tem-se consolidado, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a € 100.000,00 (Cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012), 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1).

Pela perda do direito - atento o gosto e intensidade, saúde, projectos - a importância de 65.000,00 €, pedida parece-nos adequada e aceitável face ao valor absoluto que a vida representa e os critérios jurisprudenciais em voga- donde a compensação a arbitrar neste particular deve ser fixada em [x40%] € 26.000 (vinte e seis mil euros).”.

A R. pretende que o valor fixado seja antes de 50.000 €, invocando a seu favor diversos arestos do STJ e a Portaria 377/2008, de 26.5. 

Não aceitamos tal intento, acompanhando-se, ao invés, as considerações jurídicas produzidas na decisão apelada, assim como a tendência jurisprudencial nela citada.

Efectivamente parece-nos evidente que em termos de busca e fixação do valor dos danos advenientes da responsabilidade civil extracontratual (morais/patrimoniais) os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial devem vincular à padronização e à normalização do valor da indemnização. Quando for caso semelhante ou aproximado, pois que a casuística das situações da vida é infindável (tal e qual este mesmo colectivo defendeu no Ac. de 27.9.2016, Proc.2206/11.8TBPBL, em www.dgsi.pt).  
Ora, ainda recentemente, em 12.12.2017, o actual relator e 1º adjunto, subscreveram acórdão (como 1º e 2º adjunto respectivamente), no Proc. 370/12.8TBOFR, em que se teve em consideração que o valor de 65.000 € pela perda da vida, para um homem de 44 anos (idade igual ao falecido), era de conceder, pois que ele está conforme à jurisprudência fixada pelo STJ, o qual tem fixado este valor entre 60 e 100 mil euros. Assim, e a título muito exemplificativo, citaram-se: o Ac. do STJ de 23.2.2011, Proc.395/03.4GTSTB, que fixou em 80.000 € para fenecido de 23 anos, académico; o Ac. do STJ de 8.9.2011, Proc.2336/04.2TVLSB, arbitrou-se 100.000 € para uma infortunada jovem de 14 anos; o Ac. do STJ de 19.4.2012, Proc.569/10.1TBVNG, fixou-se 60.000 €; e no Ac. de 31.05.2012, Proc. 14143/07.6TBVNG, arbitrou-se a quantia de 80.000 € para um jovem de 19 anos.

Por outro lado, não se podendo esquecer, como salientado por Meneses Cordeiro, Direito dos Seguros, 1ª Ed., 2013, pág. 847 (que começa por ridiculizar, por manifestamente baixos, os valores, e justificação para os mesmos, atribuídos em algumas indemnizações arbitradas nos nossos tribunais superiores), que a defesa do sistema segurador se faz combatendo os acidentes e não as indemnizações, não valendo a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais como a vida valham menos de 60.000 €.
Pelo que tendo em conta os factos provados que mais atrás destacámos, designadamente que o fenecido tinha 44 anos, era saudável, vivia em harmonia com a mulher A., com projecto de serem pais, tinha muitos amigos, trabalhando como delegado comercial, a jurisprudência referida e as considerações tecidas - não devendo, por seu turno, considerar-se o grau de alcoolémia, como a R. defende, pois tal elemento serviu apenas para influenciar a contribuição para a responsabilidade pelo risco por parte do falecido -, o valor impetrado para o dano morte, porque ajustado, é de deferir, mantendo-se o valor de 65.000 € decidido na decisão recorrida.

Face ao grau de contribuição para a responsabilidade pelo risco, que anteriormente se fixou, em 70% para o ligeiro, a indemnização a arbitrar à A., nesta parte, ascende a 45.500 €.

4.2. Relativamente ao dano próprio da vítima, a fundamentação jurídica foi a seguinte:

“Além do dano morte, derivado da perda do direito à vida, existe ainda o dano não patrimonial relativo às dores sofridas pela vítima antes de morrer (art.º 496º, n.º 3 do Cód. Civil), também denominado dano intercalar e que constitui a conversão económica da dor sofrida pela vítima durante o período que mediou entre o acidente e a morte, pela antevisão da sua respectiva morte, entre o facto danoso e a morte, antes de falecer, a percepção da iminência da morte, com a perturbação, susto, medo, sofrimento, até à morte, mesmo que de forma fugaz. A autora reclama a esse título o valor de € 5000,00.

Os danos não patrimoniais próprios da vítima correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte – cfr. acórdão de 04-06-2008, processo n.º 1618/08-3ª.

De acordo com o acórdão de 31-01-2006, revista n.º 3769/05-1ª, provando-se que o filho dos autores desmaiou logo que ocorreu o acidente e que sobreviveu cerca de uma hora não há que considerar quaisquer danos não patrimoniais sofridos por este no período entre o acidente e a sua morte.

Tendo em consideração a dificuldade real de valoração do sofrimento de alguém que terá rapidamente entrado em paragem cardiorespiratória - mas que por alguns segundos ou minutos terá percepcionado a premência e iminência da sua morte (que não foi instantânea ou imediata) parece-nos equitativa a atribuição de uma indemnização cifrada em 2000,00 €, e assim, aplicando a referida percentagem de contributo de risco, reduzida para € 800 (oitocentos euros).”.

O teorizar inicial do dano ante morte apresentado na sentença sob recurso merece a nossa adesão, a sua aplicação em concreto é que não conseguimos chancelar.
Na verdade, a quantificação de tal dano varia em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima se manteve consciente ou inconsciente, se teve ou não dores, qual a intensidade das mesmas, a existirem, se teve consciência de que ia morrer.
Importaria, pois operar uma análise comparativa relativamente a outros casos jurisprudencialmente decididos, de sorte a conseguir-se o mais possível uma almejada justiça relativa ou comparativa.
Destarte, no Ac. do STJ de 8.9.2011, Proc.2336/04.2TVLSB, em www.dgsi.pt, fixou-se a quantia de 25.000 € a título de danos morais de falecida de 14 anos pelos sofrimentos havidos só durante alguns segundos, no período do mediou entre ter caído ao chão e o rodado posterior do autocarro lhe ter passado por cima, tendo ela sentido medo e a percepção que ia morrer; já no Ac. do STJ de 29.10.2013, Proc.62/10.2TBVZL, arbitrou-se a quantia de 12.500 € a vítima que sofreu graves ferimentos e denotava forte sofrimento durante as 7h 40m que mediaram entre o acidente e a sua morte, gemendo, aflito, com muitas dores e angústia, sentindo as suas forças a esvaírem-se e pressentindo o pavor da aproximação da sua morte; e no Ac. do STJ de 28.11.2013, Proc. 177/11.0TBPCR, entendeu-se como adequada e razoável a quantia de 20.000 para compensar, a este título, a vítima que antes de morrer sofreu, com culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel ligeiro, graves lesões corporais, em estado consciente, assim tendo permanecido durante cerca de meia hora, tendo-lhe sido prestados os primeiros socorros no local, durante cerca de 45 minutos até que foi transportada para o Hospital onde entrou com paragem cardio-respiratória, sem responder a manobras de recuperação; no Ac. da Rel. Coimbra, de 12.12.2017, ante citado (subscrito pelo ora relator e 1º adjunto) fixou-se em 15.000 € tal valor, num caso em que a vítima morreu por força de lesões que, essencialmente, consistiram na trucidação dos seus membros inferiores, teve percepção da sua morte e sofreu muitas dores enquanto o rodado traseiro de um veículo passava por cima do seu corpo e sentiu angústia e terror pela morte, assistindo à sua mutilação. Outros valores podem ser encontrados no Ac. do STJ, de 11.1.2007, Proc.06B4433, em www.dgsi.pt.
Pela consulta destes casos concretos se depreende que é exigível para a atribuição de tal indemnização que a vítima sofra dores ou tenha presciência da morte (no mesmo sentido M. Cordeiro, em Tratado II, D. Obrigações, T. III, 2010, pág. 517).

Assim, havia a A. que provar que ocorreram tais dores e presciência. Todavia, apenas se provou o facto XIX, que referentemente a estas realidades nada revela. Assim, a prova do sofrimento do falecido Pedro Delgado desde o momento do acidente até ao seu decesso – que incumbia à autora (art. 342º do CC) – era condição essencial para a procedência (ainda que parcial) desta parte do pedido por ela formulado na petição inicial, na medida em que se trata de um dos pressupostos da obrigação de indemnizar: a existência do dano. Prova que a A. não fez, como justamente sublinha a R., e decorre cristalinamente do facto não provado 28.

Consequentemente a R. tem de ser absolvida nesta parte.

4.3. Para fixação do montante quanto ao dano moral da A., escreveu-se na decisão recorrida que:

“No caso de morte da vítima há um círculo restrito de pessoas a esta ligados por estreitos laços de convivência, dação mútua, entrega recíproca, afeição, carinho e ternura, a quem a lei concede reparação/compensação quando pessoalmente afectadas por isso nesses sentimentos.

Neste caso, os danos destas vítimas “indirectas” emergem da dor moral que a morte da vítima pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto e jure proprio ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, e na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representarem - artigo 496º, n.º 2, do Código Civil.

Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o sofrimento moral decorrente da morte, o desgosto provocado pela morte do ente querido.

No caso a compensação é devida pelo sofrimento da perda abrupta e irreparável daquele ente.

Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas.

Como se refere no acórdão do STJ de 26-06-1991, BMJ 408, 538, trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos e que por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.

É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização.

Na sua determinação “há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou” - Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13.

Os critérios e valores constantes da Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho apontam para uma compensação até € 20.520,00.

Os danos não patrimoniais da viúva claramente decorrem do acervo fáctico provado, devendo tentar-se ao recente enlace, o amor que os unia, o desgosto desmedido sofrido com a sua morte, os projectos que ficaram sem continuidade, os transtornos afectivos psicológicos daí decorrentes: são merecedores que uma compensação de € 35 000, que por via do contributo do risco do ciclista se reduz para € 14.000. (catorze mil euros)”.

A R. pretende que o valor fixado seja antes de 25.000 €, invocando a seu favor diversos arestos do STJ de 2012/2013 e de novo a Portaria 377/2008, de 26.5. 
Mutatis mutandis mantemos as considerações tecidas supra no ponto 4.1., acrescentando as seguintes.

Como este colectivo propugnou no aludido Ac. de 27.9.2016, o montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (art. 496º, nº 4, 1ª parte, do CC). Na determinação da mencionada compensação deve, por isso, atender-se ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso, nomeadamente à gravidade do dano, sob o critério da equidade envolvente da justa medida das coisas (art. 494º do CC). A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana (vide Ac. do STJ, de 17.11.2005, em C.J., T. 3, pág. 127). Quer dizer, a reparação dos danos morais deve ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
Finalmente importando perspectivar as diversas decisões prolatadas em casos parecidos/similares para se tentar operar a fixação de valores semelhantes, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na vertente relativa ou comparativa e para a imagem e o prestígio dos tribunais. Assim e neste particular atente-se em algumas deliberações do STJ: no Ac. de 27.10.2010, Proc.488/07.9GBLSA, arbitrou-se à viúva de um falecido de 40 anos, por danos não patrimoniais pela perda do marido, a quantia de 25 €; no Ac. de 23.2.2011, Proc.395/03.4GTSTB, fixou-se a pai de vítima de 23 anos, académico, a quantia de 50.000 €; no Ac. de 12.9.2013, Proc. 1/12.6TBTMR, arbitrou-se, a cada uma dos progenitores de um jovem filho de 19 anos, a quantia de 35.000 €, no Ac. de 28.11.2013, Proc. 177/11.0TBPCR, arbitrou-se a uma filha de 58 anos pela morte de sua mãe com 78 anos, a quantia de 20.000 €.
No caso sub judice apurou-se a factualidade que acima salientámos, designadamente que entre a A. e o falecido havia uma grande harmonia, sendo um casal feliz, com projectos para ter filhos, que a A. sofreu profundo desgosto e abalo psicológico, passando por fase de tristeza, angústia, e sentimento de perda, sendo casada com o falecido há cerca de 1 ano e 2 meses em relação á data fatídica do falecimento do marido, mas vivendo com ele já há cerca de 4 anos.
Os factos apurados são prototípicos ou inseridos dentro de um padrão social e normal de relacionamento que se supõe existir entre marido e mulher, e que é, aliás, exigível ético/moralmente. Ou seja, e dito de outro modo, sem querer melindrar a A., não se apurou uma excepcional relação de afecto, cooperação e perene sentimento de perda, que o tempo inevitavelmente não poderá mitigar.

A recorrente tem capacidade económica para pagar a indemnização que se fixar. Deve atender-se, igualmente, que a indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos por um qualquer lesado não deve revestir carácter miserabilista, nem deve cair em excessos.
Nesta conformidade, e tendo em linha de consideração todo o quadro descritivo acima mencionado, e a jurisprudência dos tribunais superiores, entende-se - fazendo apego a um juízo de ponderação e equidade, e em respeito pelas regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas (cfr. A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 6. ao artigo 496º, pág. 474), sem esquecer os aumentos dos seguros obrigatórios estradais e seus valores actuais de cobertura, e aumento dos respectivos prémios, justificantes do aumento das indemnizações - ser equilibrado fixar a indemnização por dano moral a favor da A. em 30.000 €, a meio caminho entre o fixado na decisão recorrida e o pretendido pela R./apelante, que se tem por apropriado, adequado e proporcional.  

Face ao grau de contribuição para a responsabilidade pelo risco, que anteriormente se fixou, em 70% para o ligeiro, a indemnização a arbitrar à A., nesta parte, ascende a 21.000 €.

4.4.1. No que respeita ao dano patrimonial assente na obrigação alimentar, grosso modo, a R. defende que não pode ser concedida a indemnização arbitrada a título de alimentos, pois não basta à A. a simples invocação da qualidade de cônjuge sobrevivo para que lhe seja atribuída, havendo que demonstrar a concreta necessidade deles, o que não ocorreu, pois o processo, pelo contrário, revela que a autora trabalhava e continua a trabalhar, auferindo um vencimento substancialmente superior ao do seu falecido marido, pelo que não reunidos os pressupostos legais da indispensabilidade (art. 2003º do CC) e da necessidade (art. 2004º do CC). Neste sentido, aponta dois Acds. do STJ consultáveis em www.dgsi.pt, o de 14.7.2009, Proc.1541/06.1TBSTS e de 3.11.2016, Proc.6/15.5T8VFR,

O primeiramente indicado apresenta particularidades (contribuição de filho, que faleceu, para os seus pais com quem habitava) que não pode ser importado directamente para o nosso caso (um casal em que um dos cônjuges faleceu), e o segundo, com o devido respeito, não é convincente. Ambos se inserindo, ao que pensamos, numa corrente minoritária. De qualquer maneira, adiantamos já, que sufragamos a outra corrente jurisprudencial, ao que julgamos maioritária, que dispensa a prova da referida necessidade para atribuição em abstracto de alimentos ao cônjuge sobrevivo (outra questão, mas já posterior, sendo a medida dos mesmos), abaixo indicada.    

Explicou-se na sentença apelada que:

“O direito a indemnização pela perda futura de rendimentos decorrentes da morte de alguém, cuja personalidade cessou com esta, não é reconhecido por lei, nem à vítima, e, consequentemente, aos seus herdeiros, nem directamente a estes. Constitui o nº 3 do art. 495.º do CC uma excepção ao princípio segundo o qual só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado, tem direito a indemnização. Mas na situação de casamento, é indiscutível que o dano sofrido pelo cônjuge sobrevivo, em consequência da perda da contribuição que o cônjuge falecido dava para os encargos da vida familiar, é ressarcível por força do disposto no transcrito artigo 495°, n° 3, do CCivil.

Na verdade, dispõe o artigo 495°, n° 3, do CCivil, que, no caso de lesão de que proveio a morte (ou em todos os casos de lesão corporal), “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a que o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”. Assim, assiste direito a indemnização pela perda do rendimento do trabalho da vítima, à cônjuge sobreviva autora - conforme expressa consagração na nossa lei positiva - designadamente do disposto no artigo 2009º do Código Civil.

Traduz-se num direito a indemnização de danos patrimoniais futuros, jure proprio, por perda de alimentos, estando em causa o ressarcimento pelos danos patrimoniais futuros e previsíveis, decorrentes da privação de alimentos, cuja prestação incumbia à vítima, ao lesado directo da lesão corporal.

O dever de assistência entre os cônjuges compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar (art. 1675.º do CCivil), estes traduzem a expressão do dever de alimentos que os cônjuges se devem quando vivem juntos. Por isso, quando o cônjuge reclama indemnização por danos futuros referenciados à perda para sempre da contribuição do outro cônjuge, falecido em acidente de viação, mais não está a fazer do que a reclamar junto de terceiro, nos termos do art. 495.º, n.º 3, do CCivil, os alimentos, expressão da contribuição para os encargos da vida familiar, que podia exigir ao falecido marido e a que este estava vinculado.

No caso vertente, a autora vivia em comunhão de vida com o marido e, por isso, estavam os cônjuges reciprocamente vinculados pelo dever de assistência que compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar (artigo 1672.º e 1675.º nº 1 do CCivil). O dever de contribuição para os encargos da vida familiar não é mais do que a forma tomada pelo dever de prestação de alimentos quando os cônjuges não vivem separados (Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, 2001, Vol I, 2ªedição, pág. 359). Esse dever de contribuição, se não for prestado, pode ser exigido por qualquer dos cônjuges a fim de lhe ser directamente entregue a parte dos rendimentos ou proventos do outro que o tribunal fixar (artigo 1676.º nº 3 do Código Civil).

Esta indemnização não tem por objecto a prestação de alimentos assente num vínculo de natureza familiar entre o credor da indemnização e a vítima tal como está perspectivado para o direito a alimentos consagrado nos arts. 2003.º e ss. do CC. Radica no casamento e, por isso, os critérios da sua atribuição divergem dos consignados nos normativos que regem a matéria dos alimentos, não sendo esta interpretação normativa violadora do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º da CRP.

Para alcançar a indemnização pela privação de alimentos em causa não é exigível a alegação e prova por parte do cônjuge sobrevivo (lesado) de que, na data do acidente de viação (evento danoso) recebia alimentos do falecido ou estava em condições de os receber, designadamente, do requisito da necessidade de alimentos. Entende-se (cf. por todos o AC STJ de 4-5-2010) que uma tal indemnização é sempre devida independentemente da efectiva necessidade do cônjuge, pois os cônjuges, no seio da vida familiar, não podem deixar de contribuir para os encargos da vida familiar na proporção das respectivas possibilidades (art. 1676.º, n.º 1, do CCivil). [cf. AC STJ de 4-05-2010, relatado por Salazar Casanova e AC. STJ de 19-10-2016, relatado por Fernanda Isabel Pereira] “.

Concordamos tranquilamente com este discurso jurídico. Realmente, no nosso caso deparamo-nos com uma situação em que a A. vivia em comunhão de vida com o marido falecido e, por isso, estavam ambos reciprocamente vinculados pelo dever de assistência que expressamente compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar, nos termos do art. 1672º e 1675º, nº 1, e 2015º do CC. Por seu turno, o dever de contribuição para os encargos da vida familiar (regulado no art. 1676º, nº 1, do CC) não é mais do que uma parcela legal decorrente do aludido dever de prestação de alimentos quando os cônjuges não vivem separados. Dever este que pode, aliás, ser exigido coercivamente (art. 1676º nº 4, do CC). Esta contribuição radica, assim, no próprio casamento.

Ora, enfileirando na corrente jurisprudencial citada na decisão recorrida, entendemos que para alcançar a indemnização pela privação de alimentos em causa não é exigível a alegação e prova por parte do cônjuge sobrevivo de que, na data do acidente de viação, recebia alimentos do falecido ou estava em condições de os receber, por necessidade deles.

Acompanhamos a jurisprudência que professa que tal indemnização é sempre devida independentemente da efectiva necessidade do cônjuge, pois os cônjuges, no seio da vida familiar, não podem deixar de prestar mutuamente alimentos e contribuir para os encargos da vida familiar na proporção das respectivas possibilidades (vide os Acds. do STJ, de 20.10.2009, Proc.85/07.9TCGMR, de 4.5.2010, Proc.111/04.3TBMUR, e de 19.10.2016, Proc.1893/14.0TBVNG, disponíveis em www.dgsi.pt).

Pela visão que julgamos absolutamente correcta desta problemática pode ver-se o aludido Ac. de 4.5.2010, de que respigámos os passos mais importantes:

11.O direito de indemnização é reconhecido não apenas àqueles a quem o lesado prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural como ainda àqueles que “podiam exigir alimentos ao lesado” o que inculca a ideia de que, para ser reconhecido tal direito, basta ter a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos (Ac. do S.T.J. de 16-4-1974 - Abel de Campos - B.M.J. 236-138), entendimento reafirmado em jurisprudência ulterior (cf. Ac. do S.T.J. de 24-9-1998 - Sousa Guedes - C.J.,3, pág. 177, Ac. do S.T.J. de 22-5-2001 - Armando Lourenço - revista n.º 25/01, Ac. do S.T.J. de 27-9-2001 - Tomé de Carvalho - revista n.º 2427/01. Ac. do S.T.J. de 6-2-2003 - Oliveira Barros - revista n.º 4318/02).
12.
Com efeito, e como se salienta no Ac. do S.T.J. de 20-10-2009 (Nuno Cameira) (85/07.9TCGMR.G1), o reconhecimento e atribuição de alimentos àqueles que os podem exigir não “ depende da prova em concreto de que, ao tempo da verificação do facto danoso, estivessem a recebê-los” sendo “ suficiente, para tal efeito, a demonstração de que, à data do facto danoso, se estava em situação de legalmente exigir os alimentos”.

13. Afigura-se, vistas as coisas por diversa perspectiva, que, se alimentos estavam efectivamente a ser prestados, não se há-de suscitar dúvida alguma quando o terceiro os reclama, sendo suficiente a prova de que ele é efectivamente o titular do direito a alimentos ou a pessoa a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

14. Nos casos em que o interessado não recebia nenhuma prestação do lesado, então é que naturalmente se justifica que o interessado demonstre, não apenas que detém a qualidade legal que lhe permite exigir alimentos ao lesado como ainda que deles efectivamente carece.
15.
Nestes casos revela-se a dificuldade que pode resultar do facto de não se conseguir provar que o interessado não carecia de alimentos, mas podendo, no entanto, ulteriormente verificar-se essa necessidade.

Sobre este ponto refere Vaz Serra que assim, se o lesado não prestava alimentos, mas podia vir a ser obrigado a prestá-los (como sucede com o filho para com os pais), pode o titular do direito a alimentos exigir a indemnização dos alimentos que o lesado teria tido de prestar-lhe se fosse vivo. Isto pode dar lugar a dificuldades, por não ser fácil determinar se, no futuro, viria a surgir uma situação que legitimasse a exigência de alimentos; a dificuldade é de resolver nos termos do n.º2 do artigo 564.º.

O artigo 564.º, nº2 dispõe que, na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. Portanto, se o lesado não prestava alimentos, mas podia vir a ser obrigado a prestá-los, pode o tribunal fixar a indemnização atendendo aos danos futuros desde que sejam previsíveis.

Pode, todavia, acontecer que não tenha o tribunal elementos para determinar se os danos são previsíveis, variáveis como podem ser de futuro as circunstâncias: pode, por exemplo, não se saber, nem poder prever-se, se os descendentes ou os ascendentes do lesado imediato poderão vir a carecer de alimentos.

Neste caso, não sendo previsíveis os danos futuros, não pode o tribunal fixar uma indemnização desses danos.

Mas isto não significa que eles, se vierem a produzir-se, não sejam reparáveis: pode, então, exigir-se a sua indemnização.

A esta solução não obsta a regra de que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que ‘ o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso (artigo 498.º/1): aquele que em qualquer momento vier a carecer dos alimentos que o lesado mediato lhe deveria se fosse vivo só nesse momento tem conhecimento do direito que lhe competir (isto é, do direito de indemnização por privação dos alimentos) e é a partir de tal momento que corre o prazo de prescrição de três anos” (R.L.J., Ano 105.º, 1972, pág. 45/46).
Por isto ainda, e como refere Vaz Serra, o artigo 495.º,n.º3, parece dever considerar aplicável, não só quando se trate de pessoas que, ao tempo da lesão, podiam exigir alimentos ao lesado, mas também quando se trate de pessoas que ulteriormente teriam um tal direito se o lesado fosse vivo.

O montante da indemnização não pode exceder a medida dos alimentos que o lesado teria sido obrigado a prestar, se fosse vivo, pelo que também no seu cálculo deve atender-se à duração provável que a vida deste teria tido.

Resulta do exposto que o n.º3 do artigo 495.º não significa que tenham direito a indemnização de quaisquer danos patrimoniais aqueles que tenham direito a alimentos contra o lesado, mas só que estes têm direito de indemnização do dano de perda de alimentos” […] Não pode, portanto, entender-se que essa disposição legal concede às pessoas que podem exigir alimentos ao lesado o direito de indemnização de todos e quaisquer danos patrimoniais que lhes hajam sido causados: concede-lhes apenas o direito de indemnização do dano de perda de alimentos (que o lesado, se fosse vivo, teria de prestar-lhes (R.L.J., Ano 108.º pág. 185)
16.
No caso vertente, a autora AA vivia em comunhão de vida com o marido e, por isso, estavam os cônjuges reciprocamente vinculados pelo dever de assistência que compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar (artigo 1672.º e 1675.º/1 do Código Civil).

17. O dever de contribuição para os encargos da vida familiar não é mais do que a forma tomada pelo dever de prestação de alimentos quando os cônjuges não vivem separados (Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, 2001, Vol I, 2ªedição, pág. 359)

18. Esse dever de contribuição, se não for prestado, pode ser exigido por qualquer dos cônjuges a fim de lhe ser directamente entregue a parte dos rendimentos ou proventos do outro que o tribunal fixar (artigo 1676.º/3 do Código Civil).

19. O dever de contribuir para os encargos da vida familiar, expressão do dever de alimentos, que encontra assento na imperatividade do regime legal, não pode deixar de ser reconhecido e atribuído se algum dos cônjuges incorrer em incumprimento.

20. Neste caso não se trata sequer de uma obrigação a que o cônjuge se possa eximir com o argumento de que o outro cônjuge deles não carece, apenas podendo ser discutido, a existir diferença de rendimentos ou outras formas de contribuição patrimonial (v.g. prestação de serviços domésticos que não pode deixar de assumir expressão de ordem patrimonial: ver artigo 1676.º/1 do Código Civil), a prestação que deve ser fixada ao cônjuge inadimplente.

21. Não há nenhum elemento de facto que nos permita concluir que o falecido marido da autora não contribuía com os seus ganhos para os encargos da vida conjugal; bem pelo contrário, atento os ganhos de cada um e vivendo o casal em comunhão de vida, o entendimento contrário impõe-se …...”.   

No nosso caso sabemos, inclusive, que o falecido contribuía para os encargos da vida conjugal (cfr. o facto provado XLVIII). Concluindo, e tendo em conta o exposto a A. tem direito a indemnização por perda de alimentos, outra questão, posterior, como acima mencionámos, sendo a medida dos mesmos, a fixação da quantia em concreto. Improcede, pois, o recurso da R. nesta parte.

4.4.2. Na sentença recorrida fixou-se o montante indemnizatório 45.000 €, já reduzido por força do concurso de riscos. Para tanto, teve-se em conta não só o valor de 700 € auferido pelo falecido como os 200 € recebidos a título de comissões, ou seja 900 €. Foi com este valor que foi calculado aquele valor indemnizatório. Como se alterou a matéria de facto no que ao montante de comissões tinha sido provado, e que neste momento é não concretamente apurado, não pode fixar-se tal valor, por enquanto, pelo que há que remeter para liquidação de sentença a fixação do mesmo, nos termos do art. 609º, nº 2, do NCPC, atendendo-se oportunamente à contribuição para a responsabilidade para o risco fixada neste acórdão.

4.5. Relativamente ao reembolso peticionado pelo ISS, IP, a sentença apelada determinou o pagamento pela R. das quantias pagas por aquela entidade à A. relacionadas com o subsídio por morte, no valor de 1.257,66 €, e bem assim pensões de sobrevivência à viúva, relativas ao período de 8-2013 a 6-2016, no total de 6.6681,54 €, sendo o valor mensal actual de 165,53 €, com fundamento em sub-rogação legal prevista no DL 59/89, de 22.2, e art. 70º da Lei 4/2007, de 16.1, e com a redução resultante do contributo de riscos que fixou na proporção de 40%, determinou o pagamento de 503,064 € e 2.667,41 €, e valores entretanto já processados.

A R. pretende, face à sub-rogação não se verificar em relação a prestações futuras, que deve ser revogada a decisão da 1ª instância e substituída por outra que estabeleça que, para além dos montantes acima indicados (503,064€ e 2.667,41€), deve a mesma ser apenas condenada a pagar ao interveniente o montante das pensões que este entretanto despendeu na pendência da acção, na referida proporção de 40% do seu valor, até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo.

Embora seja certo que a sub-rogação não se dá em relação a prestações futuras, lida a fundamentação jurídica da dita sentença, que atrás sintetizámos, e compulsado o seu segmento decisório, foi isso mesmo que tal decisão judicial determinou, pois apenas mandou pagar o montante das pensões que o ISS entretanto – desde 7-2016 - despendeu na pendência da acção, até ao trânsito em julgado da mesma. Não se vê, por isso, qualquer fundamento para o recurso. Apenas, agora, haverá que corrigir a proporção para 70%, que foi o grau apurado como contribuição para a responsabilidade objectiva por parte do segurado da R. 

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) No ordenamento jurídico nacional vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, plasmado nos arts. 607º, nº 5, 1ª parte, e 663º, nº 2, do NCPC, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;

ii) Nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas.

iii) Na responsabilidade pelo risco, nada de relevantemente diferenciado se mostrando apurado quanto à concreta dinâmica do acidente, é de fixar em graus diferenciados a percentagem dos riscos de circulação próprios de veículos dotados de características estruturais diferentes, dada a maior apetência do veículo de maiores dimensões para, em caso de colisão, provocar lesões graves nos demais utentes das vias públicas, que utilizem veículos de menor peso e dimensões; designadamente um embate entre um veículo ligeiro e uma bicicleta;

iv) Considerando que os 4 factores a que a 1ª instância atribuiu relevo diferenciador, tais como a perda de prioridade, corpulência do falecido, substância ilícita (canábis) e reduzida visibilidade, não têm relevância no caso concreto, e a matéria apurada, designadamente as velocidades de circulação 42 a 48 km para o veículo ligeiro e 10 a 13 km para o velocípede, a diferença objectiva de dimensão e peso de cada um, com as consequentes diferentes massas de embate (muito mais grave da parte do ligeiro), o pouco relevo derivado de o ciclista ser portador de um capacete de protecção de ciclista em casos de projecção contra o solo ou rails metálicos da estrada, o facto de o mesmo circular com uma taxa de álcool, embora em grau diminuto de 0,44 g/l, e o facto de circular num velocípede, veículo de características instáveis, entende-se que a contribuição do risco de cada um para os danos produzidos deve ser repartida na proporção de 70% para o ligeiro e 30 % para o velocípede;

v) Em termos de busca e fixação do valor dos danos advenientes da responsabilidade civil extracontratual (morais/patrimoniais) os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização;

vi) Mostra-se aceitável a quantia de 65.000 € para ressarcir a perda do direito à vida de fenecido com 44 anos, saudável, trabalhador e feliz na sua vida familiar;

vii) Para ressarcir o dano não patrimonial ante morte torna-se necessário provar no mínimo a ocorrência de dores, ou sofrimento, ou a consciência da possibilidade do decesso;

viii) A determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial deve orientar-se por uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade;

ix) A indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos por um qualquer lesado não deve revestir carácter miserabilista, nem esquecer o aumento regular dos seguros obrigatórios estradais, e dos respectivos prémios, justificantes do aumento das indemnizações;

x) Mostra-se adequado o montante de 30.000 € mil euros para ressarcir o dano não patrimonial de viúva do falecido, provando-se que com ele mantinha uma boa relação de afecto e era feliz, projectavam ter filhos em breve, e sofreu profundo desgosto e abalo psicológico, passando por fase de tristeza, angústia, e sentimento de perda, sendo casada com aquele há cerca de 1 ano e 2 meses;

xi) O exercício do direito de indemnização, excepcionalmente reconhecido no art. 495º, nº 3, do CC, àqueles que podiam exigir alimentos ao lesado, designadamente o cônjuge sobrevivo, não carece da prova de que na data do acidente de viação recebia alimentos do falecido ou estava em condições de os receber;

xii) Bastando, para tal efeito, que demonstre que à data do facto danoso estava em situação de legalmente exigir os alimentos. 

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso da A. e R. parcialmente procedentes, assim se revogando parcialmente a decisão recorrida, e, em consequência, atenta a responsabilidade objectiva de ambos os intervenientes e o contributo do risco da vítima na proporção de 30%, vai a R. condenada a pagar:

A) ao ISS, IP, a título de reembolso de prestações sociais de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, relativas ao período de 8-2013 a 6-2016, respectivamente 880,36 € e 4.677,08 €, quantia esta que é acrescida do montante das pensões que entretanto despendeu, na referida proporção de 70% do seu valor;

B) à A. a título de indemnização por danos patrimoniais e morais:

– a quantia de 45.500 €, a título de dano não patrimonial da perda do direito à vida;

– a quantia de 21.000 €, a título de dano não patrimonial próprio da autora;

- a quantia de que se liquidar em sentença a título de dano patrimonial emergente de obrigação alimentar; 

- a quantia resultante da aplicação da referida proporção de 70% relativamente a despesas de funeral e outras identificadas e bens perdidos apurados;

C) no demais se mantendo o decidido na sentença recorrida.

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Custas da acção e pedido de reembolso por A. e R., e por interveniente e R. na proporção do respectivo decaimento.

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                                                                            Coimbra, 21.2.2018

                                                                            Moreira do Carmo ( Relator)

                                                                            Fonte Ramos

                                                                            Maria João Areias