Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6099/16.0T8VIS-R.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: LIVRANÇA
AVALISTA
PAGAMENTO
DIREITO DE REGRESSO
SUB-ROGAÇÃO
INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 09/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 32, 49 LULL, 146 CIRE
Sumário: I – O direito do avalista da livrança que procede ao respectivo pagamento é um direito de regresso, não existindo qualquer sub-rogação no direito do credor.

II – Ao contrário do que acontece na sub-rogação – que se configura como uma forma de transmissão do crédito –, o direito de regresso corresponde a um direito novo (diferente daquele que existia na titularidade do anterior credor) que se constitui no momento em que é efectuado o pagamento, ao mesmo tempo que se extingue o direito do anterior credor na exacta medida do pagamento efectuado.

III – Os descontos efectuados mensal e sucessivamente no vencimento do executado/avalista traduzem apenas a realização e execução da penhora decretada sobre o respectivo vencimento e não equivalem – pelo menos necessariamente – ao pagamento do crédito; este pagamento apenas se considera efectuado quando o respectivo valor é efectivamente entregue ao credor com vista à satisfação do seu direito e, como tal, é apenas nesse momento – e não no momento em que é efectuado cada um dos referidos descontos no vencimento – que se constitui o direito de regresso.

IV – Não tendo sido alegado e não resultando dos autos a data em que ocorreu tal pagamento (apenas se alegando os meses quem que foram efectuados os descontos no vencimento em execução de penhora), não há fundamento para concluir que a acção instaurada, ao abrigo do art. 146º do CIRE, para reclamação do crédito por direito de regresso tenha sido instaurada mais de três meses após a constituição do crédito e, consequentemente, não há fundamento para concluir pela intempestividade da acção nos termos da citada disposição legal.

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Por apenso ao processo de insolvência referente a N (…), Ld.ª, E (…), residente em (…), (...) , veio instaurar acção – ao abrigo do disposto no art. 146.º do CIRE – contra a Massa insolvente de N (…) Ld.ª e respectivos credores, invocando o seu direito de regresso relativamente ao valor que lhe foi descontado no seu vencimento desde Abril de 2017 por força de penhoras decretadas no âmbito de execuções que, na qualidade de avalista, lhe foram instauradas pela C (…) e pelo N (…) S.A. e pedindo, com esse fundamento, que sejam separadas da massa e restituídas ao A. as quantias indevidamente retiradas e a retirar e que, consequentemente, seja reconhecido e declarado o crédito que detém sobre os Réus no montante global de 5.109,73€ acrescidos de juros legais vincendos.

A Massa Insolvente N (…), Ld.ª apresentou contestação, dizendo, em resumo:

- Que há erro na forma de processo porque o Autor caracteriza a presente acção como acção sob a forma de processo sumário, quando é certo que, conforme dispõe o artigo 2º da Lei 41/2013, de 26 de Junho, as referências constantes de qualquer diploma ao processo declarativo ordinário, sumário ou sumaríssimo consideram-se feitas para o processo declarativo comum;

- Que o Autor não juntou, nem o comprovativo do pagamento da taxa de justiça, nem o pedido ou concessão de apoio judiciário, pelo que a petição deve ser indeferida liminarmente;

- Que os Réus são parte ilegítima por não existir qualquer direito de regresso contra a Insolvente, uma vez que a causa de pedir invocada corresponde ao incumprimento entre sócios de um contrato de cessão de quotas e tal incumprimento não gera qualquer direito de regresso contra a sociedade, sendo certo que a quota não é um bem social, mas um bem individual de cada sócio;

- Que da relação jurídica descrita como causa de pedir não resulta qualquer crédito do Autor sobre a insolvente e a massa insolvente, pelo que o pedido está em contradição com a causa de pedir e os sujeitos substantivos da relação jurídica que constitui a causa de pedir, o que determina a ineptidão da petição e a consequente nulidade de todo o processado.

Com esses fundamentos e sustentando a inexistência de qualquer direito de crédito ou de regresso sobre a Insolvente, conclui pedindo a procedência das excepções deduzidas e a improcedência da acção.

Na sequência dos articulados, foi proferido despacho com o seguinte teor:

A Sr.ª Administradora da Insolvência na relação de créditos que juntou ao apenso E, reconheceu, entre outros, os seguintes créditos:

- C (…), S.A., crédito comum, no montante de €233 387.80, relativo a contrato de abertura de crédito em conta corrente;

- N (…), S.A., crédito comum no montante total de €291.690.87 (relativo a livranças vencidas [1.765.88+288.892.62] e saldo devedor da conta de depósitos à ordem - €1.032.37).

Deverá o autor esclarecer se o crédito que reclama corresponde a parte do valor daqueles créditos.

(…)

Em caso de resposta afirmativa, notifique, desde já, o autor e a ré massa insolvente para, face ao disposto nos artigos 47.º, n.º 3 e 95.º, n.º 2 do CIRE, dizerem o que se lhes oferecer sobre a possibilidade de ser exercido o alegado direito de regresso através da presente ação”.

O Autor veio esclarecer que o valor cujo reconhecimento e reembolso veio requerer foi-lhe penhorado no processo 43/17.5T8VIS do Juízo de Execuções de Viseu (J1), no âmbito do qual o N (...) pretende cobrar do Requerente, na qualidade de avalista da Insolvente, a mesma quantia que viu reconhecida nestes autos de insolvência.

Entretanto, o N (…), S.A. veio declarar desistir da instância quanto aos créditos que havia reclamado nos presentes autos de insolvência.

Foi realizada audiência prévia no âmbito da qual facultado às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as excepções deduzidas na contestação, sobre as consequências do pedido de desistência da instância apresentada pelo credor N (…) S.A. e sobre a delimitação dos termos do litígio e o valor da causa.

E, ainda no âmbito da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se decidiu:

- Julgar improcedentes as excepções dilatórias de erro na forma do processo, ineptidão da petição inicial e ilegitimidade passiva;

- Julgar a ação parcialmente improcedente, não reconhecendo qualquer crédito ao Autor com referência ao crédito reclamado pela C (…), S.A., determinando-se o prosseguimento dos autos relativamente à pretensão relacionada com o crédito do N (…)..

Mais se decidiu fixar o valor da causa em 30.000,01€.

Discordando dessa decisão, a Massa Insolvente de N (…), Ld.ª veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)

X) Em conclusão, na presente ação de verificação ulterior de créditos o tribunal recorrido:

a) Ao alterar oficiosamente o valor da causa, sem correspondência com o pedido, tomou uma decisão diversa do pedido na ação com consequências diretas na nulidade da alteração do valor, art. 615º nº 1 alínea e) do CPC, e violação dos arts. 259º, 260º, 265º nº 2 e 588º todos do CPC;

b) Ao julgar os Réus como partes legitimas substantivas violou o Tribunal recorrido os arts. 405º, 406º do CC e os arts 64º, 78º e 259º todos do CSC.

c) Ao não se pronunciar diretamente sobre a existência ou não de caducidade à data da propositura da ação e à data da citação, acabou o tribunal por repristinar um prazo de caducidade já antes caduco, não sendo lícito estará a alterar e a renovar um prazo de caducidade à revelia dos arts. 328º e 331º do CC, dos arts. 259º e 260º do CPC e do art. 146º nº 2 alinea b) segunda parte do CIRE;

d) Ao querer aproveitar-se da desistência da instância e equipará-la à desistência do pedido, bem como ao repristinar prazos de caducidade já caducos violou o Tribunal recorrido os arts. 95º nº 2, 233º nº 1 alinea c) do CIRE e os artigos 193º, 259º 260º e 285º nº 2 todos do CPC.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e provado e, por via dele, ser proferido douto acórdão revogatório das decisões recorridas e que julgue:

a) Ser ilegal a alteração oficiosa do valor da causa, sem fundamento, mantendo o valor indicado pelo recorrido como utilidade económica do pedido;

b) Serem os Réus partes ilegitimas substantivas, com a correspondente extinção da instância quanto às mesmas;

c) Como ilegal a não pronuncia direta sobre a existência ou não de caducidade à data da propositura da ação e à data da citação pelo Tribunal recorrido;

d) Julgue também ilegal o aproveitamento da desistência da instância e equipará-la à desistência do pedido, bem como ao repristinar prazos de caducidade já caducos.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

● Saber se o valor da acção foi fixado em conformidade com os critérios legais e apurar se a decisão recorrida padece de nulidade por ter alterado oficiosamente o valor que havia sido indicado pelo Autor;

● Saber se a Ré detém (ou não) legitimidade para a presente acção;

● Saber se o direito de propor a presente acção caducou em virtude de ter sido instaurada depois de ultrapassados os prazos previstos no art. 146.º do CIRE e apurar a eventual relevância da desistência da instância por parte do N (...) para a verificação (ou não) daquela caducidade.


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III.

Entrando na apreciação do recurso e no sentido de precisar e delimitar o seu objecto, importa chamar a atenção para a conclusão X) das alegações, onde a Apelante sintetiza as questões em que assenta a sua discordância relativamente à decisão recorrida e que pretende ver aqui apreciadas, cujo teor é o seguinte:

a) Ao alterar oficiosamente o valor da causa, sem correspondência com o pedido, tomou uma decisão diversa do pedido na ação com consequências diretas na nulidade da alteração do valor, art. 615º nº 1 alínea e) do CPC, e violação dos arts. 259º, 260º, 265º nº 2 e 588º todos do CPC;

b) Ao julgar os Réus como partes legitimas substantivas violou o Tribunal recorrido os arts. 405º, 406º do CC e os arts 64º, 78º e 259º todos do CSC.

c) Ao não se pronunciar diretamente sobre a existência ou não de caducidade à data da propositura da ação e à data da citação, acabou o tribunal por repristinar um prazo de caducidade já antes caduco, não sendo lícito estará a alterar e a renovar um prazo de caducidade à revelia dos arts. 328º e 331º do CC, dos arts. 259º e 260º do CPC e do art. 146º nº 2 alinea b) segunda parte do CIRE;

d) Ao querer aproveitar-se da desistência da instância e equipará-la à desistência do pedido, bem como ao repristinar prazos de caducidade já caducos violou o Tribunal recorrido os arts. 95º nº 2, 233º nº 1 alínea c) do CIRE e os artigos 193º, 259º 260º e 285º nº 2 todos do CPC.

Analisemos, então, cada uma delas.

 

a). (Ao alterar oficiosamente o valor da causa, sem correspondência com o pedido, tomou uma decisão diversa do pedido na ação com consequências diretas na nulidade da alteração do valor, art. 615º nº 1 alínea e) do CPC, e violação dos arts. 259º, 260º, 265º nº 2 e 588º todos do CPC)

A decisão recorrida fixou o valor da causa em 30.000,01€ com a seguinte fundamentação/argumentação:

Ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 306.º n.º 1 e 300.º n.ºs 1 e 2, ambos do Código do Processo Civil, com as devidas adaptações, não sendo possível determinar, nesta fase, o eventual crédito do autor - considerando-se excessivo atender ao valor reclamado pelos mencionados credores, até porque, face aos alegados valores que estão a ser penhorados, dificilmente conseguirá liquidar o valor dos créditos-, fixo o valor da causa na importância de €30.000,01”.

Discordando dessa decisão, diz a Apelante: que, ao alterar o valor da causa (sendo certo que o Autor havia indicado o valor de 5.109,73€), a decisão recorrida condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do que foi pedido, o que determina a nulidade da decisão nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC;  que o Recorrido pretendeu deduzir o seu pedido unicamente em função do valor de 5.109,73€ que lhe tinha sido retirado na execução interposta pelo N (…) S.A. até à data da propositura da presente ação e, portanto, era esse o valor que correspondia àquilo que o art. 296.º do CPC entende representar a utilidade económica e mediata do pedido e que, caso o Recorrido venha a efectuar outros pagamentos depois da entrada da ação, será caso de alteração de pedido, nos termos do art. 265.º do CPC, ou de apresentação de articulado superveniente, segundo o art. 588.º do mesmo código.

Em primeiro lugar, cabe dizer que não assiste qualquer razão à Apelante quando vem sustentar que a alteração do valor da causa configura uma nulidade da decisão por corresponder a uma condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Na verdade, a decisão em causa não é uma decisão condenatória e tão pouco incidiu sobre o mérito do pedido/pretensão formulado e, como tal, nunca se poderia afirmar – como afirma a Recorrente – que existiu condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do que havia sido pedido. A decisão em questão limitou-se a fixar o valor da acção como era imposto pelo art. 306.º do CPC e, como parece evidente, o juiz não está vinculado ao valor indicado pelas partes (podendo fixar um valor superior ou inferior), estando apenas vinculado aos critérios legais em função dos quais tal valor deve ser fixado.

Assim, o que importa saber é se a decisão recorrida – ao fixar o valor da causa em 30.000,01€ – está em conformidade com os critérios estabelecidos na lei.

E, salvo o devido respeito, entendemos que não, uma vez que, ao contrário do que se considerou na decisão recorrida, a situação dos autos não se ajusta à previsão do art. 300.º do CPC.

Vejamos.

O citado art. 300.º – em que se fundamentou a decisão recorrida – dispõe nos seguintes termos:

1 - Se na ação se pedirem, nos termos do artigo 557.º, prestações vencidas e prestações vincendas, toma-se em consideração o valor de umas e outras.

2 - Nos processos cuja decisão envolva uma prestação periódica, salvo nas ações de alimentos ou contribuição para despesas domésticas, tem-se em consideração o valor das prestações relativas a um ano multiplicado por 20 ou pelo número de anos que a decisão abranger, se for inferior; caso seja impossível determinar o número de anos, o valor é o da alçada da Relação e mais (euro) 0,01”.

A citada disposição dirige-se, como se depreende do seu teor, às obrigações periódicas, ou seja, às obrigações que são executadas através de várias prestações singulares a realizar sucessivamente e de forma periódica.

Ora, não é essa a situação dos autos, uma vez que o pedido formulado não envolve quaisquer prestações periódicas. O Autor limitou-se a pedir o reconhecimento de um crédito no valor de 5.109,73€ correspondente ao valor global que alega ter pago na qualidade de avalista e a obrigação correspondente não é uma obrigação fraccionada que deva ser paga em determinadas prestações periódicas e em relação à qual se possa concluir pela existência de prestações vencidas e prestações vincendas. Importa esclarecer que a circunstância de essas quantias serem descontadas de forma periódica no vencimento do Autor – em execução da penhora do vencimento efectuada no âmbito do processo de execução contra ele instaurado – não equivale a dizer que o crédito que detenha ou venha a deter por força de direito de regresso ou sub-rogação seja um crédito a realizar ou satisfazer em prestações periódicas. Na verdade, uma coisa é o modo como é efectuada e concretizada a penhora (que, no caso do vencimento, é necessariamente, periódica) e outra coisa é a natureza ou modo de satisfação da prestação que venha a assistir ao executado sobre o devedor principal em função do pagamento que tenha efectuado na qualidade de avalista, sendo certo que esta será, por regra, uma prestação instantânea a executar num só momento.

No caso, o Autor pede o reconhecimento do crédito correspondente ao valor global que alega ter pago (5.109,73€) e, se é certo que nada permite afirmar que esse valor corresponda ao somatório de várias prestações que se tivessem vencido de forma periódica e em diversos momentos, também é certo que o Autor não pede quaisquer prestações vincendas que devam ser tomadas em conta para efeitos de fixação do valor ao abrigo do disposto no citado art. 300.º.

Entendemos, por isso, que a situação dos autos não se enquadra no âmbito de previsão do citado art. 300.º, mas sim na primeira parte do n.º 1 do art. 297.º, n.º 1, do CPC, onde se dispõe: “Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário…”.

Consequentemente, o valor da causa deve corresponder ao valor do crédito cujo reconhecimento foi peticionado, ou seja, 5.109,73€, sendo certo que, conforme se diz no n.º 2 dessa disposição legal, os juros vincendos não são considerados para efeitos de fixação do valor da causa.

A decisão recorrida terá entendido – ao que parece – que estão incluídos no pedido os valores que o Autor ainda venha a pagar no âmbito da execução que contra ele foi instaurada.

É discutível que assim seja, tendo em conta os termos em que foi formulado o pedido.

Mas ainda que se entenda que esse pedido foi formulado, não há razões para considerar que ele envolve prestações periódicas vincendas que imponham a fixação do valor da causa em função do disposto no citado art. 300.º; estaria em causa um crédito ilíquido ou genérico de valor ainda não apurado que poderia justificar o recurso à regra prevista no art. 299.º, nº 4, do CPC, mas não um crédito pagável em prestações periódicas que justificasse o recurso à regra prevista no art. 300.º.

Assim, ainda que se entenda – como entendeu a decisão recorrida – que o Autor também pediu os valores que ainda viesse a pagar no âmbito da execução contra ele instaurada, sempre deverá ser o valor de 5.109,73€ que, pelo menos provisoriamente, deve ser fixado à acção (por ser o único valor que, à data, pode ser atendido e que se pode ter como representativo da utilidade económica imediata do pedido), sem prejuízo de vir a ser corrigido à luz do disposto no n.º 4 do citado art. 299.º.

Revoga-se, portanto, a decisão que fixou o valor da causa em 30.000,01€, fixando-se esse valor em 5.109,73€, conforme havia sido indicado pelo Autor.

b). (Ao julgar os Réus como partes legitimas substantivas violou o Tribunal recorrido os arts. 405º, 406º do CC e os arts 64º, 78º e 259º todos do CSC)

Sustenta a Apelante – em desacordo com a decisão recorrida – que é parte ilegítima (reportando-se, segundo diz, à ilegitimidade substantiva), argumentando para o efeito:

- Que o Autor fundamentou a sua causa de pedir no incumprimento de um contrato de cessão de quotas celebrado em 2013, que motivou a não regularização do contrato de financiamento com o N (…) pelos gerentes cessionários da sociedade insolvente;

- Que, nessas circunstâncias, não existia direito de regresso contra a Insolvente, nem contra a Massa sua sucedânea, uma vez que a Insolvente não era parte contratual na transmissão de quotas nem é responsável por qualquer incumprimento desse contrato.

É certo, no entanto, que a argumentação da Apelante assenta num equívoco.

Na verdade e ao contrário do que diz a Apelante, o incumprimento do referido contrato de cessão de quotas não integra a causa de pedir onde assenta o pedido formulado, correspondendo a um facto sem qualquer relevância cuja alegação era totalmente desnecessária e que apenas contribuiu para criar alguma confusão.

Com efeito, o direito de regresso que o Autor vem invocar nada tem a ver com esse contrato de cessão de quotas e com o seu incumprimento; esse direito de regresso relaciona-se – conforme alegado na petição inicial – com contratos que haviam sido celebrados com a C (…) e com o Banco (…)(actualmente o N (…)) e com os valores devidos no âmbito desses contratos que, alegadamente, o Autor pagou aos referidos credores no âmbito de execuções que lhe foram instauradas dada a sua condição de avalista.

No que toca ao N (…) (é apenas essa a pretensão que está em causa no presente recurso), o pedido do Autor assenta, portanto, no direito de regresso de que alega ser titular relativamente às quantias que, alegadamente, pagou no âmbito de execução que, na qualidade de avalista, lhe foi instaurada pelo referido credor. E ainda que, a esse propósito, a petição inicial revele algumas deficiências de alegação, será seguro concluir que a devedora principal (a favor de quem o Autor havia dado o aval e sobre a qual detém o direito de regresso que vem exercer) era a sociedade N (…), Ld.ª aqui Insolvente (note-se que o N (...) reclamou o crédito na presente insolvência, ainda que, posteriormente, tenha vindo desistir da instância, fazendo menção à sua intenção de prosseguir a execução que se encontra em curso  contra os demais responsáveis pelos créditos e que corresponde à execução onde o Autor alega ter efectuado os pagamentos em que fundamenta o seu direito de regresso).

Não tem, portanto, qualquer fundamento a alegação da Apelante, sendo certo que, não obstante as deficiências da petição inicial, nada faz supor que a pretensão do Autor radique no incumprimento do referido contrato de cessão de quotas. A pretensão do Autor radica no direito de regresso de que alega ser titular em função do pagamento que alega ter efectuado na qualidade de avalista em livranças subscritas pela Insolvente e esse direito de regresso – se existir – é um direito contra a Insolvente (agora Massa Insolvente) por ser ela a subscritora das livranças a quem o Autor deu o seu aval.

 Não se configura, portanto, qualquer ilegitimidade da Apelante, seja ela processual ou substantiva.

c). (Ao não se pronunciar diretamente sobre a existência ou não de caducidade à data da propositura da ação e à data da citação, acabou o tribunal por repristinar um prazo de caducidade já antes caduco, não sendo lícito estará a alterar e a renovar um prazo de caducidade à revelia dos arts. 328º e 331º do CC, dos arts. 259º e 260º do CPC e do art. 146º nº 2 alínea b) segunda parte do CIRE)

Esta questão relaciona-se com o disposto no art. 146.º, n.º 2, alínea b), do CIRE onde se determina que a reclamação de créditos nos termos do n.º1 –  ou seja, mediante ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor após o decurso do prazo normal para as reclamações de créditos – só  pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou nos três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente.

Sendo certo que, à data em que a presente acção foi instaurada, já haviam decorrido mais de seis meses desde o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, o que importa saber é se a acção foi instaurada dentro do prazo de três meses após a constituição do crédito reclamado.

A decisão recorrida considerou que a acção tinha sido instaurada tempestivamente (ou, pelo menos, que não havia razões para concluir pela sua intempestividade), argumentando, em resumo:

- Que, quando foi instaurada a presente ação, o Autor não poderia exercer o seu direito através da ação de verificação ulterior de créditos –  uma vez que o N (…) havia reclamado o crédito a que se reporta o aval prestado pelo Autor – e apenas poderia requerer, com fundamento no pagamento do crédito e na sub-rogação daí emergente, a sua habilitação no lugar do credor inicial, nos termos previstos nas disposições conjugadas dos artigos 47.º, n.º 3 do CIRE e 356.º do Código de Processo Civil, razão pela qual não se poderia considerar a existência da alegada caducidade;

- Que, nessas circunstâncias, a questão do prazo de “caducidade” só passaria a assumir relevo a partir do momento em que o N (…), S.A. desistiu da instância, já que, a partir desse momento, o Autor já não poderia ser habilitado no lugar desse credor por se ter extinguido – por força da desistência – o direito que este havia exercido e a acção instaurada já não poderia ser aproveitada como incidente de habilitação;

- Que, de qualquer forma, a caducidade está afastada em virtude de a desistência ter ocorrido já depois da propositura da presente ação, devendo a acção ser aproveitada para apreciar e decidir se assiste ou não ao Autor o direito a ver reconhecido o crédito que pretende exercer nestes autos.

Discordando da decisão, considera a Apelante: que, de acordo com o art. 146º nº 2 alínea b) segunda parte do CIRE, a presente ação deveria ter sido interposta nos 3 meses seguintes à sucessiva constituição dos créditos reclamados; que, conforme resulta da petição inicial, os pagamentos alegadamente feitos pelo Autor foram realizados entre Abril de 2017 e Novembro de 2018 e que, tendo a ação dado entrada a 28.12.2018, só poderiam ser reclamados aqueles que se constituíssem até Setembro de 2018, estando a exigência dos anteriores sujeita a caducidade.

Não vamos, para já, debruçar-nos – porque pensamos não ser relevante – sobre a questão de saber se estamos (ou não) perante uma verdadeira caducidade, uma vez que, em qualquer caso e pelas razões a seguir enunciadas (que não coincidem com as que foram invocadas na decisão recorrida), não se poderia ter como verificada a alegada caducidade ou intempestividade da acção.

A decisão recorrida laborou no pressuposto de que, à data da propositura da acção, o meio processual adequado para o Autor reclamar o seu crédito não era a acção para verificação ulterior de créditos (que efectivamente foi instaurada) mas sim o incidente de habilitação por via do qual o Autor poderia ingressar na posição do credor originário que havia reclamado o crédito nos presentes autos (o N (…), S.A.) e por isso entendeu que a questão da eventual caducidade apenas se poderia colocar a partir do momento em que o N (…) desistiu da instância e a partir do qual já não seria possível aproveitar a petição como incidente de habilitação.

Tal raciocínio e argumentação pressupõem que o pagamento alegadamente efectuado pelo Autor, na qualidade de avalista da Insolvente, determine a sua sub-rogação no lugar do credor originário; tal argumentação já não terá, no entanto, validade se aquele pagamento der lugar a um direito de regresso, conforme sustentou o Autor na sua petição inicial.

Na verdade, e conforme resulta do disposto no art. 356.º do CPC, o incidente de habilitação pressupõe a transmissão da titularidade de um direito ou situação jurídica e destina-se a operar a substituição processual da parte inicial pelo adquirente do direito com vista a permitir que seja o actual titular do direito a prosseguir a causa ocupando a posição processual em que estava investida a parte inicial. Tal habilitação pressupõe, portanto, que esteja em causa o mesmo direito e a respectiva transmissão para outra pessoa. E é isso precisamente que acontece quando está em causa uma sub-rogação que se configura como uma forma de transmissão de créditos (conforme resulta, aliás, da circunstância de o seu regime legal estar inserido no capítulo do Código Civil referente à transmissão de créditos e dívidas), determinando o art. 593.º, n.º 1, do CC, que o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao credor, os poderes que a estes competiam. Assim, estando em causa uma transmissão do crédito, o incidente de habilitação seria, de facto, o meio processual adequado para operar a substituição do credor inicial pelo credor para quem o crédito se transmitiu por via da sub-rogação.

A situação é diferente no direito de regresso. Aqui e ao contrário do que acontece na sub-rogação, não há transmissão de um crédito, mas sim a constituição de um novo crédito. 

Isso mesmo dizia Antunes Varela[1] no seguinte excerto: “…importa reconhecer que sub-rogação e direito de regresso são duas figuras essencialmente diferentes. A primeira é uma forma de transmissão do crédito, enquanto o segundo constitui um crédito novo, que nem sequer tem o mesmo objecto do direito extinto”. E no mesmo sentido, afirma Almeida Costa[2]: “Pela sub-rogação, transmite-se um direito de crédito existente, ao passo que o direito de regresso significa o nascimento de um direito novo na titularidade da pessoa que, no todo ou em parte, extinguiu uma anterior relação creditória (art. 524.º) ou à custa de quem esta foi extinta (art. 533.º)”.

É certo, portanto, em face do exposto, que o incidente de habilitação apenas seria o meio processual adequado para o Autor intervir nos presentes autos no sentido de obter a satisfação do seu crédito se o pagamento por ele efectuado ao credor inicial (o N (…)) determinasse a sua sub-rogação, operando, portanto, a transmissão do crédito na medida do pagamento por ele efectuado.

Não parece, no entanto, que seja essa a situação dos autos.

Conforme se depreende dos autos, o Autor seria avalista da Insolvente relativamente a livranças que titulavam o crédito do N (…), determinando o art. 32.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças que “Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude da letra”.

Sucede que, apesar de a norma em questão se referir a sub-rogação, não estará em causa uma efectiva sub-rogação mas sim um direito de regresso, conforme refere Carolina Cunha[3] que, sobre essa matéria, diz o seguinte:

Apesar da formulação equívoca do art. 32º III LU (…), à luz dos restantes dados normativos não parece minimamente exacto que o avalista pagante sub-ingresse verdadeiramente na posição jurídica do credor satisfeito. Basta notar que o avalista não adquire qualquer direito contra os obrigados intermédios, i.e, contra aqueles que respondiam perante o credor satisfeito, mas não perante o avalizado.

O que o avalista adquire é o direito que a lei reconhece a qualquer obrigado de garantia que pague a letra: o direito de regresso configurado pelo art. 49º LU (….).

Portanto, o direito de regresso do avalista é, nos termos da Lei Uniforme que o prevê e disciplina, constituído por força do pagamento efectuado, e é adquirido no momento em que tal pagamento se efectua: não há qualquer sub-rogação no direito do credor”.

Também os Acórdãos da Relação de Coimbra de 08/05/2019 (processo n.º 2209/17.9T8VIS.C1) e de 03/06/2014 (processo n.º 18/12.0TJCBR-A.C1)[4] sustentam não estar em causa uma sub-rogação.

No mesmo sentido se pronuncia Gonsalves Dias[5], dizendo, aliás, que a tradução portuguesa da norma citada (alínea III do art. 32.º) adulterou o texto original que não aludia a qualquer sub-rogação.

Nestas circunstâncias, o pagamento alegadamente efectuado pelo Autor, na qualidade de avalista, teria determinado a extinção do direito do credor inicial (N (…)) e a constituição de um direito novo (direito de regresso) na titularidade do Autor. E, não estando em causa uma transmissão do crédito do N (…) – mas sim, conforme se referiu, a constituição de um novo direito na esfera jurídica do Autor e a inerente extinção do crédito anterior do N (…) – o incidente de habilitação não seria o meio processual adequado para o Autor reclamar e obter a satisfação do seu direito. Para o efeito, o Autor – como qualquer outro credor – teria que reclamar o seu crédito no processo de insolvência e, tendo já decorrido o prazo para a reclamação de créditos – como aqui acontecia –, teria que instaurar acção, nos termos do art. 146.º do CIRE, para verificação ulterior desse crédito, dentro dos prazos aí previstos, ou seja, nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à constituição do crédito.

Assim, uma vez que a constituição do crédito (direito de regresso) é determinada pelo pagamento que, na qualidade de avalista, teria efectuado ao credor, o Autor poderia instaurar a acção nos três meses seguintes a esse pagamento.

Sustenta a Apelante que esse prazo já havia decorrido relativamente aos pagamentos que o Autor alega ter efectuado antes de Setembro de 2018.

Mas, salvo o devido respeito, não é assim.

Na verdade, aquilo que o Autor alegou foi que nos meses de Abril a Agosto de 2017 e Novembro de 2017 a Novembro de 2018, foi retirada/descontada uma parcela do seu vencimento por efeito da penhora decretada no processo de execução que lhe foi instaurado.

Isso não corresponde, porém, ao pagamento do crédito.

O pagamento do crédito – facto que releva para efeitos de constituição do direito de regresso do Autor – apenas ocorre quando o respectivo valor é efectivamente entregue ao credor com vista à satisfação do seu direito. Antes de o valor em questão ser entregue ao credor, é evidente não poder considerar-se que o seu crédito está extinto e, se esse crédito não está extinto, também não se constitui o crédito por direito de regresso, sendo certo que o facto que determina a constituição deste crédito é exactamente o mesmo que opera a extinção do direito do anterior credor. Ora, os descontos efectuados mensal e sucessivamente no vencimento do Autor traduzem apenas a realização e execução da penhora decretada, sem que isso signifique, evidentemente e só por si, que esses valores tenham sido pagos ao credor. Note-se que a execução da penhora do vencimento – com os sucessivos descontos que vão sendo efectuados – nem sequer significa que esses valores irão, necessariamente, ser entregues ao exequente. Tais valores podem, aliás, vir a ser restituídos ao executado (no todo ou em parte) por força de vicissitudes várias do processo de execução, como seria o caso, por exemplo, de vir a ser julgada procedente uma qualquer oposição à execução ou à penhora que, eventualmente, tivesse sido deduzida.

Ora, sobre essa matéria (data do efectivo pagamento do crédito pelo Autor) nada foi alegado e, portanto, não sabemos quando ocorreu o pagamento ao N (...) e quando se constituiu o crédito do Autor. Refira-se que, não obstante ter sido junta aos autos uma certidão extraída do referido processo executivo, dela também não resulta a data – ou datas – em que esse pagamento teria sido efectuado (tal certidão limita-se a indicar o montante global que, à data da sua emissão – 05/11/2019 – já havia sido transferido para o credor e que se reportava a valores penhorados a todos os executados, sem indicar, contudo, a data em que tais transferências terão ocorrido). Nestas circunstâncias, não existem quaisquer elementos que nos permitam afirmar que a presente acção tenha sido instaurada mais de três meses após a constituição do crédito aqui reclamado e, portanto, não podemos ter como verificada a caducidade ou intempestividade da acção. Era a Ré que tinha o ónus de alegar e provar que a acção havia sido interposta após o decurso do prazo legal e para esse efeito tinha que demonstrar a data em que o crédito do Autor se constituiu, o que não fez. E ainda que se entendesse que tal questão (caducidade ou intempestividade da acção) podia ser apreciada oficiosamente pelo tribunal, é evidente que o tribunal apenas a poderia declarar se, em face dos elementos constantes dos autos, fosse possível concluir pela intempestividade da acção, o que, como vimos, não acontece, já que não sabemos a data de constituição do crédito que o Autor veio reclamar.

Assim e no que diz respeito a esta questão, improcede o recurso.

d). (Ao querer aproveitar-se da desistência da instância e equipará-la à desistência do pedido, bem como ao repristinar prazos de caducidade já caducos violou o Tribunal recorrido os arts. 95º nº 2, 233º nº 1 alínea c) do CIRE e os artigos 193º, 259º 260º e 285º nº 2 todos do CPC)

Sobre a questão que a Apelante descreve e resume nos termos indicados, nada temos a apreciar, porque essa matéria já foi apreciada ou está prejudicada.

Com efeito, se é certo que a questão da caducidade já foi analisada, também é certo que, para efeitos de caducidade e como resulta do que dissemos supra, nenhuma relevância atribuímos à desistência da instância por parte do N (…).

Conforme referimos, a situação dos autos não se reconduz a uma situação de sub-rogação que tivesse implicado a transmissão do crédito para o Autor; o eventual direito do Autor corresponde a um direito de regresso que, conforme referimos, é um crédito novo relativamente ao crédito do N (…) Nessas circunstâncias, não havia lugar a qualquer incidente de habilitação; o pagamento do crédito (que o Autor alega ter efectuado) implica, simultaneamente, a extinção do crédito do N (…) (na exacta medida desse pagamento) e a constituição de um novo crédito (por direito de regresso) na titularidade do Autor que este tinha que reclamar pelas vias normais e, designadamente, através da acção que veio instaurar. Nessas circunstâncias, era irrelevante a desistência do N (…); ainda que tal desistência não tivesse ocorrido, o Autor não estava impedido de reclamar o seu crédito, uma vez que esse crédito não era o mesmo crédito que havia sido reclamado pelo N (…), mas sim um crédito novo e diferente. Por outro lado, a constituição desse crédito (determinada pelo pagamento alegadamente efectuado) implicava necessariamente a extinção do crédito do N (…) que, como tal, já não poderia ser pago nos autos independentemente de ter ocorrido (ou não) qualquer desistência.

Tal desistência não teve, portanto, qualquer relevância para a decisão da questão referente à caducidade ou intempestividade da acção; o que se considerou foi apenas que não estavam demonstrados – nem tão pouco haviam sido alegados – quaisquer factos com base nos quais se pudesse concluir pela caducidade ou intempestividade da acção, por não haver elementos que permitissem determinar a data da constituição do crédito do Autor e que, como tal, permitissem afirmar que a acção havia sido instaurada depois de decorridos três meses após esse facto. Com efeito e conforme referimos, o facto que determina a constituição do crédito do Autor é a data do pagamento que alega ter efectuado ao credor e esse pagamento não coincide (pelo menos necessariamente) com o momento em que os valores foram descontados do vencimento do Autor em execução de penhora que havia sido determinada; tal pagamento apenas ocorre quando o respectivo valor é efectivamente entregue ao credor com vista à satisfação do seu direito e esse facto (data do pagamento) não foi alegado nem resulta dos autos.

Em face do exposto e ainda que com diferente fundamentação, mantém-se a decisão recorrida que não julgou verificada a ilegitimidade da Ré/Apelante e a caducidade ou intempestividade da acção, alterando-se, porém, nos termos supramencionados, a decisão que fixou o valor da causa.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – O direito do avalista da livrança que procede ao respectivo pagamento é um direito de regresso, não existindo qualquer sub-rogação no direito do credor.

II – Ao contrário do que acontece na sub-rogação – que se configura como uma forma de transmissão do crédito –, o direito de regresso corresponde a um direito novo (diferente daquele que existia na titularidade do anterior credor) que se constitui no momento em que é efectuado o pagamento, ao mesmo tempo que se extingue o direito do anterior credor na exacta medida do pagamento efectuado.

III – Os descontos efectuados mensal e sucessivamente no vencimento do executado/avalista traduzem apenas a realização e execução da penhora decretada sobre o respectivo vencimento e não equivalem – pelo menos necessariamente – ao pagamento do crédito; este pagamento apenas se considera efectuado quando o respectivo valor é efectivamente entregue ao credor com vista à satisfação do seu direito e, como tal, é apenas nesse momento – e não no momento em que é efectuado cada um dos referidos descontos no vencimento – que se constitui o direito de regresso.

IV – Não tendo sido alegado e não resultando dos autos a data em que ocorreu tal pagamento (apenas se alegando os meses quem que foram efectuados os descontos no vencimento em execução de penhora), não há fundamento para concluir que a acção instaurada, ao abrigo do art. 146º do CIRE, para reclamação do crédito por direito de regresso tenha sido instaurada mais de três meses após a constituição do crédito e, consequentemente, não há fundamento para concluir pela intempestividade da acção nos termos da citada disposição legal.


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IV.
Pelo exposto, concedendo-se parcial provimento ao presente recurso decide-se:
► Revogar a decisão que fixou o valor da causa em 30.000,01€, fixando-se esse valor em 5.109,73€, conforme havia sido indicado pelo Autor;
► Confirmar, no mais, a decisão recorrida.

Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

Coimbra, 07/09/2020

Maria Catarina Gonçalves ( Relatora)

Maria João Areias

Freitas Neto


[1] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3.ª edição, pág. 660.
[2] Direito das Obrigações, 4.ª edição, pág. 564.
[3] Aval e Insolvência, 2018, Reimpressão, págs. 140 e 141.
[4] Disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[5] Da Letra e da Livrança, Vol. VII, págs. 563 e 564.