Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
160/10.2JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
AUTORIA
CUMPLICIDADE
Data do Acordão: 12/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - VARA DE COMPETÊNCIA MISTA - 1ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 129º, DO C. PROC. PENAL E 26º E 27º, DO C. PENAL
Sumário: Não constitui depoimento indirecto, não sendo, portanto, enquadrável no art.º 129º, do C. Proc. Penal e, portanto, não constituindo prova proibida, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.

A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor. A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:                                                 

            A) No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 160/10.2JACBR que corre termos na Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, Vara Competência Mista – 1ª Secção, foi proferido Acórdão, em 21/6/2011, cujo DISPOSITIVO tem o seguinte teor:                                                                                                                                   “Decisão:

            Face a tudo o exposto e atentas as disposições legais supra citadas, delibera o Colectivo de Juízes que compõe este Tribunal Colectivo, em julgar parcialmente procedente por provada, a acusação pública deduzida, e em consequência, condenar:

- a arguida A..., pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º n.1 do D.L. 15/93 de 22.01, em referência às tabelas anexas I-A e I-B, na pena de seis (7)anos de prisão, em concurso efectivo com a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º n.1 als. c) e d) da Lei 5/2006 de 23.02, na redacção da Lei 17/2009 de 06.05, na pena de 2 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico condenar a arguida A…, na pena única de 8 anos de prisão.              

- o arguido B... pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º n.1 do D.L. 15/93 de 22.01, em referência às tabelas anexas I-A e I-B, como reincidente, nos termos dos artigos 75º n.s 1 e 2 e 76º do Código Penal,  na pena de oito (8) anos de prisão em concurso efectivo com a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º n.1 als. c) e d) da Lei 5/2006 de 23.02, na redacção da Lei 17/2009 de 06.05, como reincidente, nos termos dos artigos 75º n.s 1 e 2 e 76º do Código Penal, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico condenar o arguido B..., na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- a arguida C..., pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º n.1 do D.L. 15/93 de 22.01, em referência às tabelas anexas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

*

Mais se condenam os arguidos nas custas do processo, sendo os arguidos A...e B... em VII (sete) Ucs de taxa de justiça e a C... em V (cinco) Ucs, e ½ de procuradoria, bem como nos honorários legais, aos respectivos defensores oficiosos.                                         

                                                                                  *

Declara-se perdida a favor do Estado a droga apreendida (artº 35º, 2, do citado Dec. Lei 15/93) e demais substâncias apreendidas.

Nos termos do artigo 35º n.1 e 36º do mesmo diploma legal e 110º n.2 do Código Penal, declaro perdidos a favor do Estado Português o ouro e quantias monetárias apreendidas, bem como os telemóveis, por terem sido utilizados para a prática do ilícito e constituírem o produto da actividade ilícita desenvolvida pelos arguidos.

Mais se declara nos termos do artigo 109º do Código Penal, perdidos a favor do Estado as armas, carregadores e munições apreendidas, com excepção da referida em 25. que deverá ser entregue à sua proprietária.   

Cumpra-se, oportunamente, o artigo 64º da Lei 15/93.

                                                                       *
Os arguidos, B... e C... aguardarão os ulteriores termos do processo na situação coactiva em que se encontram, sujeitos o primeiro à medida de coacção de prisão preventiva e a segunda, à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, por não ter ocorrido qualquer alteração dos pressupostos de facto e de direito que motivaram a sua aplicação e manutenção, mantendo-se os requisitos que estiveram na sua base, mormente o perigo de fuga e de continuação da actividade criminosa, os quais se mostram reforçados pelo teor do acórdão proferido, o que se decide nos termos do disposto pelo artigos 201º e 202º, 204º als. a) e c) e 213º n.1 b) do CPP .

Deposite.

Boletins à D.S.I.C.

                                                                        ****

B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 12/7/2011, a arguida C..., pedindo a sua substituição por outra que a condene em pena que não exceda os 5 anos de prisão, com execução suspensa, extraindo da motivação as seguintes conclusões:  A) A recorrente vinha acusada de um crime tráfico de estupefacientes, p e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º als. b) e c) do D.L. 15/93, de 22/01, em referência às tabelas anexas I-A e I-B.

B) No entanto, pelo presente acórdão, foi a arguida C..., ora recorrente, condenada pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, em referência às tabelas anexas I-A e I-B, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

C) E isto porque, a factualidade provada não permitiu enquadrar a actuação da recorrente numa situação de excepcionalidade, em termos de gravidade uma vez que, (...) sendo certo que pese embora se apure uma actividade de venda habitual, praticamente diária, a consumidores, o período em causa (cerca de 4 meses) e o número de consumidores identificados, não permite, nos termos acima expostos, concluir pela excepcionalidade em termos de gravidade, da referida actuação", rejeitando-se por completo as circunstâncias agravativas que foram imputadas na acusação.                                                                               D) Apesar disso, a ora recorrente não pode conformar-se com o Douto Acórdão do tribunal a quo no tocante à medida da pena. Pois,

E) Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo condenou a arguida numa pena manifestamente desadequada, por excessiva, não atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuseram a seu favor.

F) Do elenco dos factos dados como provados constantes do Douto Acórdão, concretamente no ponto 45, que se dá por integralmente reproduzido, "a arguida C...não tem antecedentes criminais", não existindo, portanto, no seu registo criminal qualquer condenação.

G) O Tribunal a quo não atendeu à colaboração da arguida na descoberta da verdade, tendo esta confessado os factos de que vinha acusada.

H) Em sede de audiência de discussão e julgamento, a ora recorrente efectivamente confirmou a factualidade descrita, demonstrando desta forma, colaboração para com o Tribunal na descoberta da verdade material, formando o Tribunal a quo a sua convicção, quanto à matéria de facto provada “… na ponderada concatenação efectuada de toda a prova produzida e sua análise crítica e valorativa, conjugada com as regras de experiência e normalidade de procedimentos e de vida.”

            I) E, “… teve por base, por um lado, as declarações da arguida C..., que no essencial confirmou a factualidade que lhe vem imputada na acusação deduzida, assumindo a venda de produtos estupefacientes…”

J) A actividade desenvolvida pela requerente, centrou-se num papel "não tão relevante"  como o desenvolvido pelos restantes arguidos.

K) A recorrente encontra-se sujeita à MC de Obrigação de Permanência na Habitação, residindo hoje a mais de 50 Kms do bairro onde desenvolvia a sua actividade, bairro sobejamente referenciado para a compra e venda de produto estupefaciente.

L) Reside com um filho menor, de cerca de 4 anos de idade, a quem pretende incutir valores e um comportamento digno de uma sã convivência em sociedade, e de acordo com a normatividade vigente.

M) O seu marido encontra-se detido no EP de Coimbra, motivo pelo qual também a obrigou a recorrer à venda de produto estupefaciente para poder garantir o sustento do seu filho e para poder pagar a renda da sua habitação.

            N) O facto de se encontrar sujeita à obrigação de permanência na habitação, há mais de 10 meses, só por si já tem servido de censura e reprovação pela sua conduta.

O) Assim, dada a exigência de prevenção ser muito diminuta em relação à recorrente, deverá ser aplicada à mesma uma pena próxima do limite legal, para o tipo de crime em causa, pena essa que não ultrapasse os 5 anos de prisão,

P) Devendo ser suspensa na sua execução, conforme o disposto no artigo 50º do C. Penal.

Q) O que só por si, já servirá de censura à prática de novos ilícitos.

Assim,

R) O Douto Acórdão violou, por errada interpretação, entre outros os artigos 40º e 71 do C. Penal.

****

C) Também inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 27/7/2011, o arguido B..., pedindo a sua substituição por outra que altere determinada matéria de facto e que considere a existência de vários vícios na sentença recorrida (errada qualificação jurídica dos factos, fundamentação inadequada, valoração de prova proibida), assim como entenda ter actuado como mero cúmplice (crime de detenção de arma proibida) sem prejuízo de uma redução da pena, extraindo da motivação as seguintes conclusões:                                A) O recorrente impugna no presente matéria de facto e de direito.                               B) Dos meios probatórios indicados a defesa não tem duvida que a acusação logrou provar que quer a C...quer a A... se dedicavam a tal prática, no nosso modesto entendimento, tal não sucede quanto ao recorrente.                                                                       C)Numa análise atenta do teor do acórdão, e no que concerne à factualidade apurada, por mera leitura resulta à abundância:                                                                                     D)        Insuficiência da matéria de facto provada para a condenação, vício que se
invoca ao abrigo do disposto no art°. 410 n°. 2 a) do C.P.P. conjugada com o
factualismo também considerado não provado nessa matéria.                                                      E)        Os pontos supra enunciados e que " metem" o arguido na alegada conjugação sãode consideração genérica
e não abordam factualidade concreta quanto ao recorrente,
por inexistente a matéria de facto incriminatória, em nada contende com o próprio,
vide neste sentido, ponto 6,7,81,11,12,15161719,20.21.22.2330.31.32.33.                                               F)            Atente-se ainda à fundamentação aduzida, elencam-se depoimentos que cm nada beliscam o recorrente (consumidores, e os relatos de diligência externa considerados de
lis. 16 a 18 de fls. 45 a 48 não visualizam o recorrente apenas as arguidas).                                Permitimo-nos dizer:                                                                                                                      G)        É verdade que o arguido se encontrava numa casa onde havia pequenas
quantidades de droga, isso é justificável, porquanto é a sua casa, onde vivia de
acordo com o facto 1 dado como provado.                                                                                    H
)        Tal circunstância é sobremaneira importante, porque de acordo com o facto
provado em 3. o arguido estava em pulseira electrónica desde
10 de Março de
2010,
veja-se que a busca é a 29 do mês seguinte, conforme provado em ponto
7., e que se deu como provado, que antes, da sua vinda " forçada" foi para aí
conduzido por decisão judicial (tendo havido parecer favorável das Srs.
Técnicas envolvidas) e após ter sido preso aí se continuou a vender, a sua
presença, não foi nem determinante, nem essencial, viola-se de forma grosseira o
disposto no art.°. 26 do  CP.                                                                                                           É caso para questionar?                                                                                                   Foi efectuado um relatório prévio para o arguido ir para aquela casa ?- Afirmativo,: ninguém obstaculizou (!), o arguido estava detido e para aí foi conduzido ( a sua liberdade de movimentos e a sua vontade estava condicionada, não tinha qualquer poder) alias decorre para a execução de tal medida, que estava a cargo dos seus familiares mormente a companheira,
qual o dever de cuidado que seria exigível ao arguido(?).                                                Aqui chegados, e socorrendo-nos de vários acórdãos supra enunciados é ponto assente que não é pelo facto de viver numa casa que faz do arguido co-autor, veja-se facto não provados a fls. 14 ponto) A, não se provou que no momento da busca o arguido se encontrava junto à mesa referida em 13° (local onde se encontrava outra pessoa que não o arguido e onde se manuseava droga.                                                                                                                Ou seja,                                                                                                                                Resulta da conjugação de factos provados e não provados que quem adquiria, vendia, determinava e executava era a A..., esta tinha o" Know How," , é elucidativo o vertido em ponto 6 da matéria assente .    Aliás, em períodos recentes sofreu duas condenações pelo ilícito em referencia vide facto provado ( e o arguido preso), mais, é esta que vai comprar a droga, (veja-se a linguagem verbal utilizada em ponto 6 de factos provados: - adquiria, ,comercializava, guardava, geria e ocultava, avocava funções múltiplas sendo que em nenhum momento se imputa qualquer destas ao recorrente, é esta que tem empregadas, é esta ,e a arguida C...que cometem actos de execução, são a elas que os consumidores identificam e é à A..., que D... e E... se referem relacionada com a prática do crime, desde, comprar, dosear manusear, vender, etc, etc.                                                                                         I) O artigo 21 é composto por n°. significativo de verbos para a imputação do ilícito, todavia em nenhum momento se refere quem estiver, viver etc.                                                      O único facto objectivo é que o arguido se encontrava na casa vide ponto 13 e no dia da busca abriu a porta ás autoridades.                                                                                            Do mesmo modo afirmámos, e se a droga estivesse num estádio de futebol, prendia-se os adeptos todos?                                                                                                                 Admitimos a hipérbole, todavia, não vislumbrámos como pode o tribunal decidir nos termos em que o fez.                                                                                                                        J) O facto de o arguido abrir a porta nem sequer pode ser valorado contra si, é que se trata da porta da rua, onde qualquer pessoa da família, visita ou outro acede. Por outro lado, é inequívoco das vigilâncias e do declarado pelos consumidores que o tráfico era muitas vezes perpetrado por uma janela (nunca aí tendo sido visto o recorrente, neste sentido vide ponto 18).                                                                                                                                                    O único facto assente em que expressamente se refere o arguido, traduz a revista pessoal, em que detinha cerca 830 euros, todavia tal, montante era composto por notas de valor facial elevado, vide neste sentido auto de revista de fls. cm nada semelhante aquelas detidas e descritas como estando no avental de C..., e tanto assim foi que na data da busca, nem sequer foi presente para Io. Interrogatório ao contrário de C..., A... e F..., que se entendeu terem sido detidos em flagrante delito.                                                                          L)Por último, diz a defesa ainda que o arguido usufruísse do dinheiro de tal prática tal moralmente é censurável, mas não constitui de modo algum crime. Em nenhum momento, se verifica por parte do arguido que o seu papel tenha sido essencial, no cometimento do crime, muito pelo contrário, conforme o por este referido, pela C...e ainda por parte de testemunhas indicadas pela acusação mormente E..., passava a vida a dormir.  Trata-se da sua família, ainda que o arguido tivesse conhecimento de tal actividade por parte destes não recai, sobre si dever de incriminar, dever de denunciar ou qualquer outro, o nosso ordenamento jurídico protege a instituição família, a mesma tem tal como a liberdade dignidade Constitucional, tratam-se de valores fundamentais da vida cm sociedade.                  O acórdão por várias vezes limita-se a dizer, o arguido sabia, conhecia, impunha-se sim é que praticasse actos de execução acima de qualquer duvida razoável, pelo que no nosso entendimento e em obediência ao principio" in dubio pro reo" deveria ter sido absolvido, violando-se o art°. 374 n°. 2 do, C.P.P.                                                                                              M) Verificam-se ainda no douto acórdão, vários erros de direito:                                     Verifica-se ainda contradição insanável entre a fundamentação e o facto provado: Ponto 4. Os arguidos venderam heroína e cocaína a, entre outros, …...                                                                                                           A fls. 19 e na análise crítica da prova; escreve-se"... por outro lado os relatos
relativos à venda de produto quer pela A..., quer pela C..., são-nos
confirmados em diversos depoimentos prestados por algumas testemunhas ouvidas
designadamente  … esclareceu ter adquirido 3 a 4
vezes...,           quer     na        rua      quer     junto à janela.                                                                       Também … , confirmou ter adquirido produto por diversas vezes 7 ou 8 à arguida A..., quer no interior da residência, quer na rua, quer à janela, o que também sucedeu com C..., nos primeiros meses de 2010...Por seu turno … , admitiu a possibilidade de ter aos arguidos.                                                    A testemunha  … confirmou ter adquirido à A... no exterior da residência.     
Resulta que ninguém refere ter comprado ao recorrente.                                                 O mesmo se diga quando se escreve para a condenação do recorrente:                          A fls. 21:                                                                                                                               "Na verdade a actuação conjunta dos arguidos é nos claramente revelada, é também irrazoávcl e ilógico que o arguido B... como chefe de família ... estivesse colocado de parte...", salvo melhor opinião radica o douto tribunal cm erro notório, porquanto olvida o que disseram nesta matéria o arguido, a C..., e outras testemunhas nomeadamente E... e D..., saliente-se que o arguido estava na casa tão só desde 10 de Março ( pouco mais de um mês, medicado e parte do dia acamado, e vinha de uma condenação de longa duração onde esteve ausente durante vários anos.                                                                                  Ou seja a fundamentação aduzida é de todo contrária ao enquadramento fáctico e documental produzido, salienta-se que a arguida A... sofreu duas condenações, pelo ilícito em referência na ausência do arguido que desde 2000 estava fora de casa aí tendo regressado um mês antes.                                                                                                     Conforme diz o ditado"... o respeito, não se ganha conquista-se,..." ora como o pode conquistar tal liderança, se esteve ausente.                                                                                          Veja-se que o arguido é novamente preso e C...mantém-se na mesma casa a vender de acordo com o facto provado em 30, (!)                                                                            Verifica-se ainda contradição insanável entre o facto provado c a fundamentação.   Ora se dá como provado que a arguida era a líder, vide ponto assente n°. 6, ora se remete para o conhecimento dos usos da etnia, olvidando que o arguido durante 10 anos esteve ausente de sua casa conforme o descrito em m ponto 34. Factos contrários à conclusão a que chega o douto tribunal a fls. 22.                                                                              O tribunal a fls. 14 e na motivação escreve que teve por base por um lado as declarações da C...que no essencial assumiu, todavia a mesma também referiu que o arguido nada tinha a ver com a venda, só que nesta parte não considerou o por esta declarado. E ainda,                                                                                                                 Escreve o tribunal que por estar de pulseira transferiu para a mulher algumas das actuações.                                                                                                                                         Donde retira o tribunal tal conclusão?                                                                             A A... não vendia antes de este ter vindo para casa?                                                  Assim ficou provado. De que forma a determinou? a D... a E... bem como os consumidores apenas referem o seu nome e não o do recorrente.                                           O tribunal incorre ainda em erro quando refere que este usufruía do ouro telemóvel e renda de casa,                                                                                                                                 Não foi este que arrendou a casa. Estava preso/ o senhorio ouvido, não o conhece. Nunca aí foi visto.                                                                                                                      No que concerne a telemóvel em seu nome da data da factura resulta que estava preso, e ainda que a mesma seja titulada por ele, não resulta que o tenha adquirido bem como os demais bens e artefactos, nem o tribunal logrou fazer prova nessa parte apenas se remetendo para a análise singela das facturas./recibos.                                                                      Face ao exposto entende a defesa que no que concerne ao crime de tráfico deverá o arguido ser absolvido.                                                                                                           N) Passa-se a " desbravar a prova que vai no sentido alegado pela defesa:                     1. O declarado pelos consumidores, aliás por súmula referido na fundamentação, mas contrário ao facto provado em 4.                                                                                                          2. O declarado pelo arguido e C....                                                                          3. O declarado por D... e E..., os rdes e depoimentos policiais.                               Indicam-se as atinentes transcrições, constantes do cd que documentou a audiência;

(…)                                                                                                                                       P) Da análise dos meios probatórios indicados quer dos relatos de diligência externa o nome e visualização do arguido é omissa quer ainda do relatado pelos consumidores, c o resultado da busca domiciliária a factualidade vai no sentido oposto.                                               Dessa mesma análise, constata-se que o único elemento a ter em conta c o resultado da busca domiciliária.                                                                                                                                 Do seu teor, resulta que não era o arguido que estava na mesa a manusear a droga, mas sim um outro e a arguida C....                                                                                       Consequentemente,                                                                                                              Q) Foram indevidamente dados como provados os seguintes pontos da matéria assente; - 2;3;4,                                                                                                                                Face a tais elementos probatórios deves ser alterada a matéria de facto e dando-.se apenas como provado:                                                                                                                     Ponto 2 A arguida A... e a C...decidiram de comum acordo deter e vender...         Ponto 3 Na concretização tais arguidas venderam a consumidores.                                  Ponto 4. Venderam ainda aos consumidores aí mencionados.                                           Ponto 10.                                                                                                                              Não vislumbra a defesa donde retira o tribunal tal conclusão pelo que deverá ser considerado não provado tal facto, violando-se nesta parte o 374,n°.2 e 379,b do CP.P,                      R) No que concerne ao crime de detenção de arma proibida:                                             Foi indevidamente dado como provado a parte imputada ao recorrente:                         Os embrulhos saíram de casa da Adémia, local arrendado tão só à arguida A..., nunca o B... aí foi visto, neste sentido o meio probatório que impõe decisão diversa é o depoimento do senhorio.  …  … ao minuto 01:28 refere só conhecer dos arguidos a D: A....                                                                            Desconhecemos quando foram adquiridas, as peças de ouro e por quem, sabemos porque se encontra uma factura de ouro que está titulada por A..., e na data o arguido estava preso.                                                                                                                        Sabemos ainda que uma das armas foi furtada em 1991, estava o arguido preso. Não sabemos quando tais bens entraram na esfera patrimonial dos arguidos atenta a reclusão do arguido impõem-se dúvida razoável a reverter a seu favor em obediência ao principio in dubio pro reo..                                                                                                                                         Como se concluiu que o arguido foi ou era possuidor de tais armas, sendo certo que a D... é que as traz de Ademia para o Bairro, não referiu ter visto o arguido, o mesmo se diga quanto a E....                                                                                                                           S) Verifica-se nesta parte dualidade de critérios:                                                                A C...a D... e a E... que andaram que andaram de um lado para o outro com tais armas, não foram indiciadas, foi o arguido que estava na casa Há um mês, tendo a investigação apurado que o dito embrulho esteve aí período de tempo muito restrito De acordo com as declarações de D... o embrulho saiu dessa casa onde o arguido não residia na Adcmia24;26;37 e 38,39,40e 41 e 42.                                                                                             T) Como se apurou que foi o arguido que aí se deslocou para efectuar o alegado buraco. Ninguém o refere, ninguém, o viu, o tribunal bastou-se a fls 25 pelo declarado pela testemunha E... que referiu que a A... lhe disse que quem abriu o buraco foi B....         U) Entende a defesa que tal não pode ser valorado, desde logo porque a A... não prestou declarações, consequentemente entende a defesa que estamos perante prova proibida por lei art.°. 129 do C.P:P.                                                                                                                      V) A posição e A... era a de arguida e não testemunha, estava em causa conflito de interesses, o seu direito á defesa de não prestar declarações, se as declarações desta arguida prestadas em inquérito não podem ser valoradas por maioria de razão não pode o seu silencio ter carácter incriminatório nem para a própria muito mais para terceiros. Então é precisa força física para abrir e não é preciso para tapar? Perguntas para as quais o douto Tribunal não dá resposta entendendo a defesa que nesta parte, o art.°. 61 do C:P:P. o 374 n°. 2 e o 127 do C.P:P.                                                                                                                                          Sem prescindir,                                                                                                                    X) Errada qualificação jurídica no alegado crime de detenção de arma proibida e detenção de arma proibida, quando muito estaríamos na figura da cumplicidade:                       Mal andou o tribunal ao qualificar o crime nos termos em que o fez pelo menos quanto ao recorrente:      Violou-se nesta parte o normativo do art.".. 21 do D.L. 15 /93, bem como o art.°. 127 do C.P.P e ainda o 374 n°. 2 e 379 do C.P.P..                                                                   A defesa entende que quando muito estaríamos perante uma eventual cumplicidade do crime:                                                                                                                                               De facto, e na motivação escreve o douto tribunal que o arguido quando se apercebeu que eram agentes tentou impedi-los de entrar vide fls. 17 e consequentemente sabia que havia algo a esconder, designadamente o que havia sido encontrado eventual crime de favorecimento não punível.                                                                                               Conforme supra referido, saber não é crime, admitimos que o arguido embora residente na casa à pouco tempo não era ingénuo e até podia desconfiar ou saber, mas e depois isso não é co- autoria., não apurou o douto tribunal se tinha intervenção activa, isso sim seria de relevar, mais é a própria C...que refere que este nada mandava na casa, facto corroborado pelo próprio, conforme transcrição a que supra se faz referencia                        Se entendermos que se faz prova relativamente ao dia em que o ouro e armas foi escondido c por seu auxilio (na feitura do buraco) o que supra questionámos não podemos deixar dc dizer o seguinte:                                                                                                              A conduta do arguido não é diferente das demais, D... e E..., sendo que estas não foram penalizadas e passaram incólumes, no processo é caso para dizer que se verifica dualidade de critérios, não obstante e caso assim se entenda sempre sc nos afigura que a sua conduta não é determinante para a execução do crime, não é este que dá os meios, limita-sc a praticar um facto isolado de auxilio para encobrir tal materialidade.                                        Mais, quer abrisse o alegado buraco a sua intervenção não é determinante nem essencial, a prossecução do desígnio era tomada, isto no concernente ao crime de armas, atenta a reclusão do arguido não foi este que adquiriu as alegadas armas o crime prosseguiria com ou sem a sua presença, de acordo com um desígnio criminoso.                   Z) Da medida da Pena:                                                                                                       Qualquer que seja o entendimento:                                                                                     Nos termos do art.°. 40.º do CP.                                                                                         A pena é a medida da culpa.                                                                                                          Na esteira do por nós pugnado, é com dificuldade que sufragámos culpa por parte do recorrente, todavia e a considerar-sc a mesma , sabemos que, estamos num período temporal sobremaneira restrito, com actos de execução praticamente inexistentes, o desígnio criminoso não foi por este iniciado, não era este que determinava, não vendia, não manuseava, não buscava o produto, afigura-se-nos porém que se trata de um arguido com um envolvimento praticamente inexistente.                                                                        Ademais,                                                                                                                                 Dos três arguidos julgados, foi aquele que esteve cm contacto com tal realidade cm período de tempo bastante inferior, não sabemos se as quantias apuradas foram recebidas antes, da sua chegada ou não, o que sabemos é muito pouco como poucos foram os consumidores, não houve nesse período disseminação dc relevo, que justifique pena tão exagerada e desadequada.                                                                                                           Veja-se que o total do produto estupefaciente apreendido, designadamente a heroína tinha um peso líquido de 9.769 g de cocaína e 11.294 g conforme auto de exame laboratorial junto a fls 638 e 639.                                                                                                                    Estamos a falar de pequenas quantidades acresce ainda que como consabido, estamos a falar do tráfico de rua o, tráfico menor, de pequenos dealers. Que residem em meios degradados, com um nível cultural abaixo da média com valores diferentes.                             O tribunal não teve em conta a sua situação pessoal, o facto de ter duas filhas menores. E que a sua conduta não pode ser comparável à das demais co-arguidas sendo que a pena que lhe é cominada é manifestamente exagerada, bem como o cúmulo da mesma decorrente.”

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            D) O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu aos dois recursos, em 1/8/2011 (arguido B...) e em 2/8/2011 (arguida C...) defendendo a sua improcedência, e, sem apresentar conclusões, alegou, em resumo, o seguinte:

            1. Arguido B...:

            - Houve uma correcta apreciação e valoração da prova produzida.

            - A qualificação jurídico-penal dos factos dados como provados mostra-se acertadamente efectuada.

            - Não existe no acórdão recorrido vício de fundamentação.

            - Não foi valorada prova proibida.

            - A pena aplicada é adequada.

            2. Arguida C...:

            - A pena aplicada é adequada.

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            Os recursos foram, em 5/9/2011, admitidos.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 22/9/2011, emitiu douto parecer em que defendeu a improcedência total dos recursos.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, tendo sido exercido o direito de resposta apenas pelo arguido B..., em 27/9/2011, no qual reiterou que o seu recurso deve proceder. 

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II. Decisão Recorrida:                    

“(…)

Fundamentação de facto:

Após a realização da audiência de discussão e julgamento resultaram provados com interesse para a decisão da causa os seguintes factos da acusação deduzida nos autos:

1. A arguida A... e o arguido B... vivem maritalmente como se de marido e mulher se tratasse segundo os costumes da lei cigana e a arguida C..., é “nora” daqueles.

2. Os arguidos decidiram de comum acordo e em conjugação de esforços deter e vender porções de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína.

3. Na concretização de tal plano os arguidos, agindo em conjugação de esforços e vontades, detiveram e venderam heroína e cocaína, pelo menos desde Janeiro de 2010 (e com maior incidência a partir de Março de 2010) sendo o arguido B..., a partir de 10 de  Março de 2010 e  até à sua detenção, a um indeterminado número de consumidores que para o efeito os procuravam, em norma, diariamente e, por regra, na residência sita no … , sub-cave esquerda, nesta cidade, umas das residências dos arguidos A... e B....

4. Os arguidos venderam heroína e cocaína a, entre outros,  … .

5. O preço pago aos arguidos variava consoante a qualidade e quantidade do produto estupefaciente.

6. Tal actividade era liderada pela arguida A... quer na aquisição e consequente deslocação junto dos fornecedores e comercialização, quer na guarda e gestão/ ocultação dos proventos gerados por aquela actividade.

*

7. No dia 29 de Abril de 2010, cerca das 22H15, na sequência das vigilâncias e seguimentos policiais efectuados, foi abordada e interceptada junto das portagens da A1, na saída Coimbra Norte, uma viatura táxi amarelo, com o nº 4, da marca Mercedes, de matrícula … , que transportava no seu interior a arguida A..., duas filhas menores desta e uma outra menor.

8. Na sequência da abordagem e subsequente revista de segurança efectuada à A..., dentro da saia, na zona da cintura, foi encontrado e apreendido um saco plástico de cor branca, no interior do qual se encontrava um volume de plástico de cor preta. Aberto esse plástico, foram encontrados dois sacos de plástico transparentes, contendo:

- a) um dos sacos continha dez (10) pacotes envoltos em plástico transparente, contendo substância de cor acastanhada que se apurou ser HEROÍNA, com o peso bruto total de 52,2 gramas,  e o peso líquido de 49,740g ;

- b) o outro dos sacos continha vinte (20) pacotes envoltos em plástico transparente, contendo substância de cor branca que se apurou ser COCAÍNA, com o peso bruto total de 100,4 gramas e o peso líquido de 82,510g;

9. No interior da carteira pessoal foram ainda encontrados duzentos e vinte euros (€ 220) em notas do B.C.E, constituídos por dezassete (17) notas de € 10 (dez euros) e dez (10) notas de € 5 (cinco euros).

10. A quantidade de produto estupefaciente apreendido depois de sujeita a processo de corte e vendida em doses renderia pelo menos cerca de 10 mil euros.

11. Seguidamente, face à situação de flagrante delito, foram realizadas buscas domiciliárias às residências na Rua … ., Adémia e Bairro … , Coimbra.

12. Na residência do Bairro … , na mesa da sala de jantar, encontrava-se exposto um prato em cima da mesa, com uma faca e uma tesoura e um pedaço de produto de cor branca cristalizada junto do qual se encontravam já inúmeros “pacotes” prontos em pequenos cantos de sacos plástico azuis, bem como outros já preparados para embalar o estupefaciente, e ainda um volume de sacos intactos como os recantos cortados, encontrando-se nesse momento a ser efectuada a divisão e embalamento do produto estupefaciente.

13. No interior da residência encontrava-se o arguido B... (que ali se encontrava desde o dia 10 de Março de 2010 na sequência da decisão proferida pelo TEP no processo 736/08.8TXCBR em adaptação à liberdade condicional em regime de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica até ao dia 21 de Maio de 2010, data a partir da qual passaria a beneficiar de liberdade condicional).

14. Na revista pessoal efectuada ao arguido B... foi encontrada e apreendida na sua posse, a quantia de 830€ (oitocentos e trinta euros) em notas do B.C.E.

15. Sentado à referida mesa encontrava-se F... (“genro” dos arguidos A... e B...).

16. E encostada a um armário da sala estava a arguida C... manuseando uma lata cor de rosa.

17. Nas divisões da habitação, foi apreendido, nomeadamente, o seguinte:

 - Na referida sala:

a) 20 (vinte) pacotes de plástico de cor azul, vulgo "panfletos",contendo no seu interior uma substância que se apurou ser COCAÍNA, com peso aproximado de 4,7 gramas;

b) dois pacotes de plástico transparente, contendo no seu interior uma substância de cor branca e ainda uma "pedra" de uma substância de cor branca e resíduos vários que se apurou ser COCAÍNA, com peso aproximado de 13,30 gramas;

c) um rolo de fita adesiva larga de cor castanha da marca "NOPI".

- Ainda na sala:

a) em cima do aparador, 55 (cinquenta e cinco) "panfletos" em plástico de cor azul, contendo no seu interior uma substância que se apurou ser HEROÍNA, com peso aproximado de 15,2 gramas;

b) uma caixa em metal colorido com as inscrições "Gotta Rock", com dois "panfletos" de plástico de cor azul contendo no seu interior uma substância que se apurou ser COCAÍNA, com peso aproximado de 0,4 gramas;

c) um avental, pertencente à arguida C..., em padrão xadrez de cores vermelho, preto e branco, com três bolsos, um deles com fecho, contendo nesses bolsos 15 (quinze) notas de 20€ (vinte euros), 22 (vinte e duas) notas de 10€ (dez euros) e 20 (vinte) notas de 5€ (cinco euros), num total de 520€ (quinhentos e vinte euros); ainda no mesmo avental, 6 (seis) "panfletos" de plástico de cor azul, contendo no seu interior uma substância que se apurou ser HEROÍNA com peso aproximado de 1,5 gramas;

- Na casa de banho:

a) em cima de um móvel, um "panfleto" em plástico de cor branca, contendo no seu interior uma substância que se apurou ser HEROÍNA, com peso aproximado de 0,2 gramas.

- Na marquise :

a) dissimulada por trás da arca frigorifica uma pá de marca Ferfor com vestígios de lama.

- Num dos quartos:

a) um talão de uma venda a dinheiro referente a um anel em ouro, no valor de 1300 euros da Ourivesaria Patrão, um talão de depósito do BCP no valor de 8000 euros, um talão referente á venda a dinheiro da ourivesaria  … de um relógio de marca Nike e uma declaração de compra de um cão de raça “Pincher” no valor de 500 euros da loja Pet´s & Dog´s.

O total de produto estupefaciente apreendido, designadamente a heroína tinha um peso líquido de 9.769 g e de cocaína 11.294 gramas, conforme auto de exame laboratorial junto a fls. 638 e 639, respectivos pontos 3) a 10).

18.  No decurso da realização da busca apareceram a bater à janela dois indivíduos que pretendiam adquirir uma dessas substâncias.

*

19. Na residência da Adémia (arrendada à arguida A... pelo preço de 6.600 euros anuais) nada foi encontrado ou apreendido.

*

20. As arguidas A...e C... pediram, algumas vezes, a D..., condutora habitual da viatura Renault Clio, de matrícula … , que as transportasse a varias zonas, nomeadamente, à Adémia e Santa Luzia o que aquela fez respectivamente, nos dias 16 e 17 de Abril de 2010.

21.  A pedido da arguida A..., D...guardou temporariamente malas pertencentes àquela e que a mesma lhe entregava contendo munições e armas.

22. No dia 29 de Abril D... entregou voluntariamente ao inspectores da Policia Judiciária uma pequena mala de senhora de mão, que continha 152 munições de armas de fogo de calibres 9 mm e 7,65 mm que a arguida A... lhe tinha pedido para guardar.

23.  Nesse dia, num pinhal sito em Santa Luzia (local onde D...tinha, no referido dia 17 de Abril, transportado as arguidas e onde estas tinham enterrado num buraco um bidon envolto em sacos de plástico e fita isoladora) encontrava-se um recipiente de plástico, vulgarmente destinado ao acondicionamento de azeitonas, em cujo interior, se encontravam guardadas 5 pistolas, sendo quatro das quais de calibre 9mm e a outra de calibre 6,35mm, bem como 6 carregadores para munições de 9mm, 50 munições de calibre 9mm Lugger (que se encontravam numa caixa de marca Brugger) 30 munições de calibre 9 mm (que se encontravam numa caixa de marca Indep) e mais 58 munições de calibre 9 mm (que se encontravam em 2 caixas de marca Indep) bem como um elevado quantitativo em numerário que perfazia um total de 19.635€ (dezanove mil seiscentos e trinta e cinco euros) e ainda 10 peças em ouro (“de 2ª mão”) com um peso de total de cerca de 500 gramas, no valor de cerca de 3.000 euros.

24. Tal buraco fora previamente escavado pelo arguido B..., em dia não concretamente apurado, numa das datas de saída da residência autorizada judicialmente para fins de lazer, que lhe foram concedidas.

25.  Nenhuma das armas se encontra manifestada ou registada por serem proibidas (à excepção de uma arma marca Browning nº 245NZ69562 pertencente à Fabrica Browning, furtada de um contentor em 1991 e que fazia parte de um lote de armas com destino a Nova York).

26. As armas, carregadores, munições, objectos em ouro e dinheiro pertenciam aos arguidos A... e B....

27. Todas as armas e munições encontram-se em razoável estado de conservação e funcionamento e alguns dos objectos em ouro apreendidos foram usados pelo arguido B... e sua filha  … nos dias 10 e 11 de Abril de 2010, num festejo nupcial.

*

28. As arguidas A... e C...foram sujeitas a primeiro interrogatório judicial na sequência do qual a arguida A... ficou sujeita à medida de coacção de prisão preventiva e a arguida C...com a obrigação de apresentações periódicas.

29. O arguido B..., face à sua situação processual, apenas passou a cumprir a medida de coação de prisão preventiva à ordem destes autos a 18 de Maio de 2010.

*

30. Após os factos supra descritos a arguida C...passou a ocupar a residência do Bairro  … dos arguidos A... e B... e continuou a vender produto estupefaciente.

31. No dia 30 de Setembro de 2010, cerca das 15H00, a arguida C...encontrava-se sentada no muro entre os blocos 6 e 7 do Bairro … , nesta cidade, e forneceu dois indivíduos toxicodependentes que a ela se dirigiram apeados, pelo que foi imediatamente abordada e revistada tendo sido encontradas na sua posse - ocultados no interior do seu soutien - dezassete embalagens, vulgo “Panfletos”, contendo uma substância em pó de cor acastanhada, em tudo semelhante à Heroína, que quando sujeita a teste rápido próprio reagiu positivamente apresentando um peso bruto aproximado de 4,6 g., a que corresponde o peso líquido de 2,130g e um telemóvel de marca Nokia, modelo N80, de cor cinzenta e com o IMEI 352764015093284.

32. De seguida foi efectuada busca à residência da mesma, local onde foi, designadamente, encontrado e apreendido em cima de uma pequena cómoda, sita na sala, um outro embrulho em papel de guardanapo, de cor branca, contendo uma embalagem em plástico transparente, que continha no seu interior uma substância em estado sólido, igualmente de cor acastanhada, em tudo semelhante à Heroína que quando sujeita a pesagem e teste rápido próprio reagiu positivamente com o peso bruto aproximado de 5,3 g, a que corresponde o peso líquido de 5,069g.

33. Na mesma residência e cómoda encontravam-se também duas carteiras pertencentes à arguida que continham no seu interior, uma delas a quantia de 975 € (composta por 1 nota de 50,00 €, 28 notas de 20,00€, 31 notas de 10,00 € e 11 notas de 5,00 €) e a outra, com a quantia de 125 € (composta por 6 notas de 10,00 € e 13 notas de 5,00 €).

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34. O arguido B... foi já condenado em penas de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, por decisões transitadas em julgado, nomeadamente: no âmbito do processo nº 113/99.0PECBR condenado numa pena de prisão de 8 anos e 6 meses, por factos praticados em 1999, tendo iniciado o cumprimento da pena em 19.01.2000 e atingido o términos da pena em 19/07/2008, iniciando nesse data o cumprimento da pena de prisão de 9 meses, no âmbito do processo 256/07.8TACBR, conforme certidões de fls. 891 a 895.

35. No dia 29 de Abril de 1010 o arguido encontrava-se, por decisão proferida pelo TEP no processo 736/08.8TXCBR, em adaptação à liberdade condicional em regime de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica até ao dia 21 de Maio de 2010, data a partir da qual passaria a beneficiar de liberdade condicional.

36. Foi igualmente condenado por detenção de arma proibida na pena de 9 meses de prisão por factos cometidos em 08/01/2007 no âmbito do aludido processo nº 256/07.8TACBR.

37.  As anteriores condenações e períodos de prisão efectivamente sofridos pelo arguido B..., não lhe serviram de suficiente advertência para o afastar da criminalidade, designadamente da prática de novos ilícitos criminais de natureza idêntica àqueles pelos quais fora anteriormente condenado.

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38. Os arguidos destinavam os produtos estupefacientes apreendidos à venda a quem os abordasse para tal, sendo que as elevadas quantias de dinheiro que lhes foram apreendidas eram provenientes de vendas efectuadas.

39. Os arguidos não exercem qualquer actividade profissional e era, assim, com os elevados proventos económicos que obtinham com a venda de estupefacientes que custeavam as suas despesas diárias e adquiriram os bens e objectos que lhes foram apreendidos.

40. Porém, bem sabiam todos os arguidos que não lhes era permitido deter, transportar, pôr à venda, ceder ou por qualquer forma proporcionar a outrem aquelas substâncias estupefacientes, cujas características bem conheciam.

41. Os arguidos agiram todos livre, voluntária e conscientemente, de prévio e comum acordo e em comunhão de esforços.

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42. Os arguidos A...e B... sabiam ainda que não podiam deter na sua posse e disponibilidade nem transportar aquelas armas, carregadores e munições que lhes foram apreendidos por serem proibidas e que não tinham qualquer autorização para o efeito, o que era do conhecimento daqueles.

*

43. Sabiam ainda todos os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

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44.  A arguida C...não sabe ler nem escrever, tem um filho com 4 anos de idade e o companheiro encontra-se detido em cumprimento de pena.

45.  A arguida C...não tem antecedentes criminais.

46. A arguida C...vive da quantia que lhe é atribuída a título de rendimento social de inserção.

47.  A arguida A... não sabe ler nem escrever, na prisão encontra-se a frequentar a escola e a trabalhar na execução de “etiquetas”. Tem juntamente com o arguido B... duas filhas menores de 10 e 15 anos de idade, que se encontram aos cuidados de uma “nora” da arguida, atento o facto de esta se encontrar presa, neste momento em cumprimento de uma pena de prisão de 5 anos e 6 meses, tendo ainda uma pena de 7 anos e 6 meses para cumprir.

48.  A arguida A...à data dos presentes factos tinha já antecedentes criminais pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual foi condenada no PCC nº 113/99.0PECBR por decisão de 23.10.2002, transitada em 11.11.2002, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 4 anos, a qual veio a ser declarada extinta findo o prazo de suspensão; tinha também sofrido uma condenação pela prática do crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa que cumpriu. Veio a ser condenada, já após a prática dos factos em apreciação nos autos, no PCC 222/09.9JACBR, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

49.  Já anteriormente às citadas condenações o arguido B..., havia sido condenado no âmbito do PCC28/96, por decisão de 28.05.1996, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, numa pena de 8 anos de prisão, tendo-lhe sido concedida liberdade condicional por decisão de 20.07.99.

50.  O arguido B... também não sabe ler e escrever, sabendo apenas assinar o seu nome.

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Foram estes os factos provados e mais nenhum outro se provou com relevância para a decisão da causa, assim, não se provou com interesse para a decisão da causa que:

a) - Que no momento em que foi efectuada a busca referida em 12º, o arguido B... Miguel se encontrava junto à mesa referida em 13º dos factos provados.

b) - Que o buraco referido em 24º foi aberto pelo arguido no dia 17.04.2010.

c) – Que os arguidos também venderam produto estupefaciente a …. .

*

Motivação de facto:

A convicção do tribunal para dar os factos como provados alicerçou-se na ponderada concatenação efectuada de toda a prova produzida e sua análise crítica e valorativa, conjugada com as regras da experiência e normalidade de procedimentos e de vida.

Assim, teve por base, por um lado, as declarações da arguida C..., que no essencial confirmou a factualidade que lhe vem imputada na acusação deduzida, assumindo a venda de produtos estupefacientes a vários indivíduos toxicodependentes, quer no interior da residência de seus sogros sita no Bairro … , quer no exterior desta, bem como admitiu ter vendido produto estupefaciente, quer no período anterior à detenção dos outros arguidos, quer no período posterior.

Por seu turno, o arguido B..., optando por prestar declarações, negou toda a factualidade que lhe vinha imputada, afirmando o seu desconhecimento da actividade de tráfico de produtos estupefacientes levada a cabo na sua residência, mormente no dia em que foi efectuada a busca à sua residência, momento em que segundo declarou, se encontrava a dormir, não tendo qualquer conhecimento, ligação ou intervenção relativamente ao que foi encontrado na sua habitação. Motivou o seu desconhecimento relativamente ao que se passava na sua residência por tomar medicação e habitualmente se encontrar a dormir. Refere ainda o desconhecimento e não ligação ao ouro e armas, que vieram a ser apreendidos nos autos.  

Tais declarações, todavia, não lograram o convencimento do tribunal, ficando este antes convicto da sua interacção e envolvimento em toda a actividade desenvolvida, mas que por força da obrigação de permanência na habitação que sobre si impedia, fazia com que transferisse para outros membros do seu agregado familiar, designadamente para a sua mulher e arguida A..., algumas das actuações inerentes a tal actividade.

Com efeito e para além de toda a prova feita em sentido inverso à versão apresentada pelo arguido e que infra analisaremos, resultam totalmente inverosímeis as declarações prestadas pelo arguido B... relativamente ao seu desconhecimento e não intervenção na actividade em questão, quer porque esta era desenvolvida na sua própria residência onde muitos dos consumidores se dirigiam habitualmente e adquiriam o produto estupefaciente (facto que o arguido não poderia deixar de percepcionar), quer porque dela beneficiava, tendo sido encontrada na sua posse a quantia de 830,00€ em notas do BCE, conforme se extrai do auto de revista pessoal de fls. 112 (no caso composta por 7 notas de 50,00€ e 24 notas de 20,00€) cuja explicação apresentada pelo arguido para a respectiva detenção (ter-lhe sido doada pelos pais), não apresentou qualquer credibilidade ao tribunal. Na verdade, extrai-se da prova produzida e das apreensões efectuadas, que a actividade de tráfico levada a cabo na sua residência permitia proventos significativos ao agregado familiar, conforme resulta da documentação junta aos autos (encontrada na busca efectuada) relativa a aquisição de bens (fls. 92/93,95- factura de telemóvel em nome do arguido B... no valor de 179,90€, telemóvel esse também apreendido, conforme resulta de fls. 123; fls.143) arrendamento de uma segunda residência (cujo contrato de arrendamento foi apreendido à arguida A...-fls.62) situada na Rua  … Adémia, da qual era paga mensalmente uma renda de 550,00€ (fls. 141 e fls. 63 e 64), na qual o casal detinha objectos e bens de valor elevado, como se extrai do auto de busca à casa da Adémia de fls. 79 a 85 (veja-se as fotografias da mesma, onde avultam os produtos de luxo do casal -vide fls. 80 a 85). Por outro lado, não resulta da prova produzida em audiência qualquer facto que comprove a justificação dada pelo arguido B... para a posse de tão significativa quantia, sobretudo se atentarmos no facto de que o agregado familiar não detinha quaisquer outros rendimentos lícitos, já que não lhes era conhecida qualquer actividade profissional, designadamente à arguida A..., sendo que o arguido não a podia desenvolver por estar confinado à habitação.

Ademais e a acrescer ao que vem referido, conforme começámos por adiantar, não poderá deixar de se considerar a demais prova que foi produzida nos autos e que claramente aponta para a sua ligação à actividade em apreço e aos produtos, bens e quantias monetárias, que vieram a ser apreendidos.

Resulta dos depoimentos prestados pelos inspectores da Policia Judiciária … , que procederam à realização da busca na residência dos arguidos e onde foram encontrados, quer produto estupefaciente, quer quantias monetárias, quer outros utensílios ligados àquela actividade, que revelavam que naquele momento estava a ser preparado (dividido e embalado) o produto estupefaciente encontrado para a sua posterior venda, que os agentes tocaram normalmente à campainha da residência em questão (como se fossem consumidores) e que instantes depois a porta foi aberta pelo arguido B..., o qual, quando se apercebeu que eram agentes da Policia Judiciária, de imediato tentou fechar a porta da residência, de modo a impedi-los de entrar, o que evidencia, por outro lado, que o arguido sabia que havia algo a esconder no interior da residência e designadamente, aquilo que veio a ser constatado e nesta encontrado e que revela ademais, que contrariamente ao por este referido, o mesmo não se encontraria a dormir no seu quarto (se assim fosse, não teria sentido que fosse ele a levantar-se para ir abrir a porta, quando havia outras pessoas na residência, nem que a porta fosse aberta com a rapidez que nos é relatada pelos inspectores da Policia Judiciária), provando-se, assim, que a entrada na residência efectuada pelos agentes da polícia judiciária não ocorreu na forma descrita pelo arguido.

Na verdade, extrai-se do teor dos autos de fls. 121 /122 (auto de busca à residência no Bairro  … as quantidades de produto estupefaciente que aí foi apreendido aquando da realização da mesma, produto esse que se encontrava exposto aberta e claramente, quer na sala, quer no quarto de banho e que infirma, para além do mais, qualquer desconhecimento do mesmo por parte do arguido B..., desconhecimento infirmado para além do mais da restante prova produzida, que conforme veremos, é reveladora do corrupio de consumidores à residência do arguido e à janela desta residência, para adquirir produto estupefaciente.

Resulta do teor do auto de busca àquela residência (fls. 121/122), do teor do auto de notícia por detenção em flagrante delito a que alude fls. 56 a 57, bem como das fotografias que relatam visualmente aquilo que foi apreendido (cfr. fls. 124 a 134, testes rápidos ao produto de fls. 135 a 140, e bem assim o auto de exame laboratorial ao produto estupefaciente apreendido na residência dos arguidos, a fls. 638 e 639 dos autos), as quantidades consideráveis de heroína e cocaína encontradas naquela residência (11,294g de cocaína e 9,769g de heroína, totais em peso líquido), bem como as quantidades elevadas de dinheiro apreendido em notas de baixo valor (20€, 10€ e 5€) no montante global de 520,00€ (a que acresce a quantia de 830,00€, apreendida ao arguido B... ), revelando a lógica do modo como foi encontrado o produto estupefaciente e os diversos utensílios existentes, que o produto estava nesse momento a ser preparado e acondicionado para a sua posterior venda, pelas pessoas que se encontravam na residência. Aliás, em termos de normalidade, torna-se descabido que tal actividade estivesse a ser levada a cabo naquelas circunstâncias e momento, se o arguido não tivesse conhecimento da mesma, ou nela não tivesse intervenção, tanto mais que os demais intervenientes presentes eram familiares do arguido, “nora” e “genro”, e caso fosse um assunto que apenas a estes dissesse respeito, não o fariam naquele local e circunstâncias.

Relativamente à actividade de venda em co-autoria com os demais (C...e B...) da arguida A... e sua superintendência dessa actividade, para além do que foi exposto, quanto ao produto encontrado na sua residência, temos também a apreensão na sua posse, nesse mesmo dia, de quantidade considerável de produto estupefaciente que aquela havia acabado de adquirir.

Sobre tal conspecto e pese embora a arguida optasse por não prestar declarações, foi valorado o auto de notícia por detenção em flagrante delito, do qual se extrai em termos objectivos aquilo que foi presenciado pelos agentes policiais: designadamente, a visualização, no dia 29.04.2010, da saída da arguida A... da sua residência (cerca das 18h55m) e entrada num táxi, que a entidade policial seguiu até à A1, em direcção Norte, tendo sido colocadas equipas de vigilância, no sentido de detectar o regresso da arguida, o que sucedeu cerca das 22h15m, tendo a sua intercepção sido efectuada junto das portagens da A1, saída Norte, resultando da revista pessoal que então lhe foi efectuada que aquela detinha na sua posse, ocultado dentro da saia, na zona da cintura, dois sacos de plástico transparente, um dos quais com 10 pacotes de heroína e outro, com 20 pacotes de cocaína, com os pesos brutos e líquidos acima descritos, e bem assim a quantia total de 220€ em notas de 10€ e de 5€.

Tal vigilância e apreensão foram relatadas pelos agentes policiais que procederam à sua realização e que confirmaram o teor do que vem descrito no auto, designadamente … , inspectores da polícia judiciária.

Relativamente a esta intercepção foi ainda considerado o depoimento prestado por … , taxista, que naquela ocasião transportou a arguida A..., que conhecia por “Espanhola” (atento o facto de a ter transportado anteriormente) e que nos fez o relato da viagem efectuada, o seguimento de outra viatura que lhe foi determinado por aquela arguida com destino a um local que referiu de barracas de pessoas de etnia cigana, onde a arguida permaneceu cerca de 1 hora, tendo sido novamente conduzidos por uma viatura ao acesso da auto-estrada, para regressarem a Coimbra, altura em que foram interceptados pela policia judiciária na portagem de Trouxemil.

Confirmando ainda a viagem efectuada pela arguida A..., foi analisado o documento de fls. 111 (recibo da portagem).

A conjugação de todos estes factores, na sua ilação lógica e objectiva, permitem-nos concluir que a arguida A... se deslocou ao local indicado para adquirir o produto estupefaciente que tinha ocultado nas suas vestes e que lhe foi apreendido.

Por outro lado, os relatos relativos à venda de produto estupefaciente quer pela arguida A..., quer pela C..., são-nos confirmados em diversos depoimentos prestados por algumas das testemunhas ouvidas em audiência, designadamente,  …, a qual esclareceu ter adquirido para o seu companheiro cerca de 3 a 4 vezes produto estupefaciente à arguida A..., também conhecida por “Espanhola”, quer na rua junto ao … , quer na janela da residência da mesma (local que lhe foi indicado pelo seu companheiro, e a que se devia dirigir quando a arguida não estivesse no exterior), o que ocorreu nos primeiros meses do ano de 2010. Também … , consumidor de heroína e cocaína, confirmou ter adquirido produto estupefaciente por diversas vezes (7 ou 8) à arguida A..., quer no interior da residência, quer na rua, quer à janela daquela residência, o que também sucedeu com a arguida C..., nos primeiros meses de 2010 e antes da arguida A... ser detida, pagando por cada pacote de produto que adquiria, 10,00€.

Por seu turno,  … , admitiu a possibilidade de ter comprado aos arguidos, pelo que o seu depoimento conjugado com os relatos de vigilância externa efectuada em 22.04.2010, a fls.39, no qual se visualiza este arguido, conhecido como consumidor a dirigir-se ao Bairro  …(cfr. ainda fls. 42-relativa à propriedade da viatura da referida testemunha visualizada nas fotos indicadas de fls. 39), permitem extrair a conclusão afirmativa do facto respectivo.

A testemunha … , confirmou ter adquirido algumas vezes produto estupefaciente, concretamente heroína, por 10,00€ a dose, à arguida A..., no exterior da residência desta.

As testemunhas indicadas, com razão de ciência devidamente controlada, revelaram conhecimento directo dos factos em questão e na medida em que os seus depoimentos se mostraram credíveis e consonantes, permitiram na conjugação com os demais elementos probatórios referidos, o esclarecimento do tribunal no que se refere à atinente factualidade, conforme aliás se pode aquilatar dos respectivos registos magnéticos.

A conjugação de tudo o que vem exposto e também das declarações prestadas pela arguida C..., na medida da confirmação dos factos atinentes à venda por si levada a cabo, conjugadas com os relatos de diligência externa de fls. 16 a 18, de fls. 45 a 48 (no qual se visualizam as arguidas e indivíduos conhecidos como consumidores a dirigirem-se designadamente, à arguida C...), permite na sua valoração crítica e objectiva, o esclarecimento e convicção isenta de dúvidas relativa aos factos atinentes à detenção e actividade de venda de produto estupefaciente pelos arguidos acima referidos A..., B... e C...(sua nora), numa conjugação de esforços e vontades num desiderato comum a realização de proventos de que todos beneficiavam. Na verdade, a actuação conjunta de todos os arguidos é-nos claramente revelada de toda a prova produzida e dos elementos objectivos que da mesma se extraem, porquanto estamos no âmbito de uma actividade familiar, centrada na residência dos arguidos B... e A..., onde a arguida C...passava, segundo nos foi relatado pelos inspectores da policia judiciária e relatos de diligência externa efectuados, grande parte do seu tempo, sendo certo que o companheiro desta, filho dos arguidos A... e B..., se encontrava detido, sendo certo, também, que é totalmente irrazoável e ilógico que o arguido B..., como chefe de família (sobretudo nos membros de etnia cigana, com o peso e preponderância comummente conhecidos, face à sua própria cultura e tradições), estivesse colocado de parte dessa actividade familiar, que, como vimos, dela tirava proventos. 

 A acrescer ao que fica exposto temos ainda a apreensão de ouro, dinheiro e armas a que a seguir faremos referência.

Efectivamente, resulta da prova produzida que a arguida A..., utilizava terceiros, quer para a conduzirem (num veículo seu) aos locais a que pretendia aceder, quer para esconder bens e dinheiro relacionados com a actividade ilícita que o casal desenvolvia.

Na concretização do que acaba de se expor, vem-nos revelada na prova produzida, a situação a que aludem os relatos de diligência externa de fls. 26 (do dia 16.04.2010), de fls. 27 a 29 (do dia 17.04.2010) e os autos de diligência e apreensão de fls. 69 e segs, designadamente as fotografias de fls. 70 a 76.

Os factos ocorridos, relativos a tal situação, foram-nos relatados de forma isenta e objectiva pela testemunha D..., que relatou o relacionamento que no período em questão manteve com a arguida A..., explicando que encontrando-se desempregada e com problemas financeiros, fazia alguns favores à arguida A..., designadamente porque esta lhe havia feito um empréstimo de uma quantia monetária. Relatou as circunstâncias em que lhes servia de motorista, num veículo fornecido pela arguida A... (o Renault Clio, vermelho, de matrícula …), em troca de comida e dinheiro e bem assim, as circunstâncias em que acedeu guardar, em sua casa, umas malas a solicitação da A..., a qual lhe referiu que as deveria entregar quando novamente lhas pedisse. Referiu, que efectivamente, a arguida A..., alguns dias depois, lhe determinou que levasse as coisas que tinha em sua casa à residência daquela, referindo que a mesma se fechou num quarto, saindo deste com algo embrulhado num casaco, pedindo-lhe que a transportasse a determinado local (indo conjuntamente a arguida C...e a testemunha Elisabete), em direcção a Santa Luzia. Fez-nos então a testemunha o relato do que ocorreu nessa noite, designadamente, a ida a um local situado junto a um pinhal, ficando a testemunha na viatura, enquanto a arguida A... e as demais, se deslocaram ao interior do mesmo levando com elas o embrulho (que descreveu como sendo redondo, como um pote) acima referido e que quando estas regressaram já não traziam o referido volume. Explicou, ainda, que se apercebeu, que as mesmas trouxeram do local uma pá grande, tipo as utilizadas nas obras, sendo que não a levavam quando se deslocaram para o local, conduzindo-as depois, novamente, ao Bairro ., recebendo 50,00€, por tal serviço. Esclareceu, também, que em sua casa ficou ainda guardada uma mala, que veio a entregar à polícia judiciária.

A testemunha em apreço, referiu-nos também a indicação que fez à polícia judiciária do local onde havia transportado as arguidas, tendo visto ser desenterrado um pote com fita adesiva, no qual se encontrava ouro e dinheiro.

Por seu turno, a testemunha … , empregada doméstica da arguida A..., relatou-nos também de forma consistente, objectiva (pese embora o receio que demonstrou ter dos arguidos e que se evidencia da audição do respectivo registo magnético) e credível, as circunstâncias em que acompanhou as arguidas e a anterior testemunha a um pinhal para os lados da Mealhada, esclarecendo que antes disso, na residência dos arguidos no Bairro …, a arguida A... estivera no quarto juntamente com o arguido B..., para onde foi levada uma mala que vinha da casa da testemunha D... (a qual refere como sendo pesada), e que cerca de 20 minutos depois, quando a A... e o B... saíram do quarto, traziam um volume (“uma coisa alta, tipo um garrafão”) embrulhado em fita adesiva, com algo a tapá-lo, o qual foi levado por si para o carro que a D... conduzia, tendo peso idêntico ao da mala.

Que foi a arguida A... que indicou o caminho que a viatura deveria seguir e que aí chegados, acompanhou as arguidas (A... e C...) que seguiram a pé durante alguns minutos até junto de um buraco, que já se encontrava previamente aberto (tendo-lhe sido referido na altura pela arguida A..., que o buraco havia sido aberto pelo seu marido, arguido B...), encontrando-se no local também uma pá (ao que julga, já lá se encontrava). Refere ainda que sabia o que estava no interior do embrulho, por a A... lho ter referido.

Efectivamente e quanto à convicção do tribunal relativamente à abertura do buraco, é da conjugação de todos os elementos probatórios produzidos que se extrai a realidade do mesmo, designadamente, daquilo que foi referido directamente à testemunha pela arguida A... e que se mostra compatível com a existência de saídas da residência autorizadas ao arguido B... pelo tribunal, anteriores àquele momento e bem assim com o tipo de trabalho em causa, mais adequado à força física do elemento masculino do casal, ao facto de o buraco já se encontrar aberto, bem como à circunstância de aí se encontrar a pá, posteriormente levada para a residência dos arguidos e aí apreendida, ainda com vestígios de terra, no dia da realização da busca.

Quanto a este conspecto e à valoração do que nos vem referido pela testemunha Elisabete Rodrigues, cumprirá salientar, que pese embora estejamos perante um testemunho de ouvir dizer, é este susceptível de valoração, já que foi prestado em audiência e sendo este perante a pessoa a quem se ouviu dizer, a arguida A..., pese embora esta tenha optado por não prestar declarações, tinha a possibilidade de contraditar tal depoimento, pelo que não estamos perante um caso de proibição de valoração de prova, prevista no artigo 129º n.1 do C.P.Penal (cfr. neste sentido Ac. R.P. de 25.06.2008 e Ac. R.P. de 9.02.2005, Ac. S.T.J. de 20.04.2006, ambos in www.dgsi.pt., e Acs. do Tribunal Constitucional de 8.07.99 in DR II S, de 9.11.99).

Esta testemunha, esclareceu, ainda que prestava serviços domésticos à arguida A... na residência do Bairro . e que nos períodos em que aí se encontrava via, frequentemente, jovens que aí se dirigiam e a quem a arguida A... entregava “pacotes” de droga.

Com efeito, parece-nos clara e evidenciada a sinceridade e a veracidade do depoimento prestado pela testemunha em questão sobre os factos relativamente aos quais mostrou ter conhecimento directo e que apesar do receio que demonstrou ter, relativamente aos arguidos, por estar a prestar o seu depoimento, depôs de forma consonante com os demais elementos de prova recolhidos,  merecendo por isso a credibilidade do tribunal.

Compulsados os autos, designadamente o auto de busca à residência dos arguidos no Bairro …, verifica-se que foi apreendida uma pá, com características semelhantes às descritas pelas testemunhas a qual se encontrava ainda com vestígios de terra. Por outro lado, extrai-se do auto de diligência e apreensão de fls.69, a conformidade do que nos vem referido pela testemunha D..., designadamente quanto à apreensão de material que esta guardou a solicitação da arguida A... (munições de arma de fogo, que  se encontravam numa pequena mala de senhora de mão) e que se pode visualizar nas fotografias de fls. 70 a 73 e bem assim a apreensão levada a cabo no pinhal, onde a  … levou as arguidas, constituída por uma embalagem circular toda envolta em fita isoladora castanha ( veja-se que foi encontrado no mesmo dia na residência dos arguidos um rolo de fita dessa natureza) , que se encontrava enterrada, no interior da qual se encontravam armas de fogo (cinco pistolas), munições e carregadores, várias peças em ouro e quantidade elevada em dinheiro (19.635,00€), evidenciada nas fotografias de fls. 74 a  76 e bem assim no auto de abertura, conferência e apreensão de fls. 77 a 78. Também a 1ª fotografia de fls. 59, dos autos, evidencia o material bélico apreendido e a de fls. 60, o ouro apreendido.

   A análise de tudo o que fica exposto, permite-nos extrair algumas conclusões, por um lado a de que o material encontrado no pinhal pela policia judiciária, na zona de Santa Luzia, era aquele que dias antes ali havia sido colocado pela arguida A..., e que sendo constituído para além de dinheiro e ouro, por armas, era o mesmo pertença do casal constituído por esta e pelo arguido B....

Na verdade, a ilação retirada extrai-se seguramente de todo o contexto em que os factos ocorrem e da normalidade e experiência comum, sendo certo que é consabido que os homens de etnia cigana, têm especial apreço pela detenção de armas, não se vislumbrando qualquer justificação plausível ou credível, para que as mesmas fossem apenas propriedade da arguida A... conforme já expusemos supra (como parece resultar da versão carreada pelo arguido), tanto mais que tal se mostra infirmado face à demais prova produzida, designadamente à envolvência do arguido B... na preparação e acondicionamento dos objectos e dinheiro encontrados, quando tal foi efectuado no quarto do casal ( como nos vem transmitido nos depoimentos acima referidos), bem como no que se refere à abertura prévia do buraco onde foi colocado o material em questão. Por outro lado, não poderá deixar de se salientar que segundo se extrai da documentação junta aos autos de fls. 196 a 243, o arguido B..., teve saídas autorizadas nos primeiros dias do mês de Abril, designadamente nos dias 10 a 12 de Abril, entre as 13.00h e as 3,00h, para ir a um casamento ao qual se deslocaria em carro próprio, bem como teve saídas de lazer autorizadas em 13 de Março e 17 de Abril (cfr. fls. 340), sendo certo que conforme se extrai das fotografias de fls. 787 a 792, informação de fls. 786 e depoimento do inspector da policia judiciária que coordenava o inquérito,  … e ainda do auto de exame de fls. 409 e 410, parte do ouro apreendido no pinhal junto a Santa Luzia (conforme referido supra) identifica-se com o ouro usado pelo arguido B... e por uma filha deste, no casamento a que estes foram nos dias 10 a 12 de Abril de 2010, sendo compatível a descrição do anel em ouro, com ferradura cabeça de cavalo com o peso de 32,5 g com aquele que foi adquirido em nome do arguido B..., na ourivesaria Patrão a que alude o documento de fls. 143. Cumprirá salientar que não abala a nossa convicção o facto de o arguido B... ter trazido para a audiência outro anel e pulseira, semelhantes aos que aparecem nas fotografias, uma vez que a sua aquisição ou obtenção poderia ter sido efectuada depois da apreensão do ouro nos autos.

 A conjugação de todos estes elementos probatórios e de tudo o mais que acima ficou exposto, levam-nos a concluir pela ligação e intervenção do arguido B... nos factos que lhe vêm imputados, não logrando o facto de se encontrar em situação de obrigação de permanência na habitação, escudá-lo dessa intervenção e participação, como por este foi pretendido demonstrar.

Por ultimo, relativamente à actividade da arguida C...após a detenção da arguida A... e do arguido B..., é-nos a mesma evidenciada para além das suas declarações, em que a admitiu, o teor dos autos, designadamente do relato de diligência externa de fls. 733, onde é visualizada pelos inspectores da Policia judiciária aí identificados a nítida actuação da arguida em actos de tráfico, o que levou à sua abordagem e revista, tendo sido apreendidos na posse da mesma, 17 panfletos de uma substância que reagiu como heroína e que a mesma escondia no soutien, o auto de noticia por detenção de fls. 735 a 736, auto de revista de fls. 737, o auto de busca e apreensão à residência da arguida no Bairro …. (de seus sogros, então já detidos e onde aquela permaneceu) e no qual foi encontrado mais produto estupefaciente (heroína, com o peso bruto de 5,3g) e bem assim diversas quantias em dinheiro, em notas de baixo valor (compatíveis com a actividade de tráfico em questão), no montante total de 1.100,00€, conforme se extrai de fls. 738 a 739 e fotografias de fls. 740 a 743, testes rápidos de fls. 744/745 e o exame de toxicologia ao produto estupefaciente, apreendido na posse da arguida C...a fls. 1101 dos autos.  

Relativamente ao facto dado como provado sob o n.13., resulta este da certidão junta aos autos a fls. 195 a 223 (decisão do T.E.P. de Coimbra, relativo à situação aí plasmada e subsequente expediente atinente à mesma).

Relativamente aos factos referidos no ponto 25., a sua motivação assentou no teor do depoimento da testemunha …, o qual esclareceu sobre o furto da arma marca Browning aludida no ponto 25., esclarecendo as circunstâncias em que a mesma foi furtada, fazendo parte de um lote de pistolas que seguia para Nova York, tendo desaparecido 100 pistolas, tendo já sido recuperadas cerca de 30, em Portugal, normalmente na posse de pessoas de etnia cigana. 

No que se tange ao ponto 28. dos factos provados, resulta o mesmo do teor de fls. 151 a 184 dos autos (acto processual de sujeição das arguidas a primeiro interrogatório judicial e subsequente aplicação de medidas de coacção) e no que se refere ao ponto 29. no teor da documentação de fls. 313 a 324 e 337.

Valorado ainda o depoimentos prestado por … , proprietário do prédio na Adémia, arrendado à arguida A..., na sua conjugação com os documentos acima referidos relativos ao contrato de arrendamento e recibos desta.

Valorados também, na sua objectividade, os relatórios de exame laboratorial ao produto estupefaciente a fls. 638 e 639 e 1101/1102, auto de exame ao ouro a fls. 409/410, autos de exame às armas de fls. 540 a 555 e  a 636 e 671.

Valorado ainda o teor da documentação de fls. 833 a 840, 892 a 895 relativa à situação processual do arguido B... e fls. 1049, relativamente à situação processual da arguida A....

Atinente à sua situação pessoal, foram valoradas as declarações prestadas pelos arguidos.

No que se refere aos antecedentes criminais dos arguidos, nos C.R.C.s juntos aos autos a fls. 677, 985 a 993.

                                                    *

No que se refere aos factos dados como não provados, resultaram estes da ausência de prova suficiente e consistente no que tange à atinente factualidade.

Na verdade, no que se refere ao facto referido na alínea a), não se pode afirmar o aí referido, já que foi o arguido B... que abriu a posta aos inspectores da policia judiciária, não podendo afirmar-se que no momento exactamente anterior, o arguido estivesse na sala.

Já no que se refere ao facto referido em b) e conforme referimos na convicção relativa aos factos provados, apenas se sabe que foi o arguido B... que abriu o buraco em questão, e que o terá feito num dos dias relativamente aos quais estava autorizado a sair da residência, momento em que é desligado o sistema de controle relativo à pulseira electrónica, todavia não se pode afirmar que o tenha sido no dia aludido na acusação, ou num dos dias anteriores em que lhe fora autorizada a saída.

No que se refere à alínea c) os elementos de prova produzida nos autos, não lograram a sua confirmação com a suficiente certeza e consistência.

*

Fundamentação de Direito:

Os arguidos encontram-se acusados pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelos artigos 21º, nº 1 e 24º al. b) e c) ambos do DL 15/93, de 22/01, em referência às tabelas anexas I-A e I-B e, sendo o arguido B... como reincidente, nos termos do disposto no art. 75º, nºs 1 e 2 do Código Penal.

- aos arguidos A...e B..., vem ainda imputada a prática como autores materiais e em concurso efectivo com tal crime, um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo artigo 86º, nº 1 al.s c) e d) da Lei nº 5/2006, de 23.02., na redacção da Lei nº 17/2009, de 06.05.

Apreciemos:

Dispõe o artigo 21º do Dec. Lei nº. 15/93, que: “1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de   4 a 12 anos.”

Por seu turno, nos termos do artigo 24º als. b) e c) : “ As penas previstas nos artigos 21º e 22º, são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: b) as substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas …c) o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória…”

O tipo objectivo deste ilícito preenche-se com qualquer dos comportamentos ou das condutas supra enunciadas.

No crime de tráfico de estupefacientes, o bem jurídico violado é a incolumidade pública, considerada no seu aspecto particular concernente à saúde pública, que deve ser garantida contra os factos clandestinos e fraudulentos, de perigo comum, consistindo em comercializar, ou deter para comércio, ou ministrar, ou facilitar a outrem, substâncias estupefacientes. II – Os preceitos que punem esta actividade delituosa têm cunho manifestamente casuístico, com eles se pretendendo abranger todo e qualquer indivíduo com intervenção no processo desde a origem (plantação ou importação) até ao fim (consumo). (Ac STJ de 28 de Maio de 1985; BMJ, 346,220).

O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige, para a sua consumação, a existência de um dano real e efectivo. O crime consuma-se com a simples criação de um perigo ou risco de dano para o bem protegido – a saúde pública, na dupla vertente física e moral. Em consequência, o crime não exige que a detenção de droga se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita; desde que o estupefaciente não se destine na totalidade ao consumo do próprio agente, o crime de tráfico está perfectibilizado.

O perigo presumido envolve-se assim na mera comprovação da detenção de uma determinada quantidade da substância tóxica, independentemente da real demonstração do perigo ou da intenção de transmiti-la.

Logo, a prova da simples detenção de estupefacientes enumerados nas tabelas anexas ao DL 15/93, de 22.1, aliada ao conhecimento dessa detenção por parte dos arguidos, basta para fazer incorrer quem assim procede no crime do artigo 21º daquele diploma legal.

Por outro lado, o tipo de ilícito em estudo é doloso na sua vertente subjectiva. 

Perante a factualidade provada nos pontos 1º a 40º, mostra-se claramente concretizada a prática pelos arguidos A..., C... e B..., em co-autoria de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punido na norma acima citada, artigo 21º do D.L. 15/93, porquanto apurado se mostra que no período de tempo situado entre Janeiro de 2010 e até à respectiva detenção, no que se refere às duas primeiras arguidas, sendo que relativamente ao arguido B..., desde o momento em que saiu em liberdade condicional e passou a residir no Bairro …, os referidos arguidos detiveram e procederam à venda de produto estupefaciente, heroína e cocaína, a consumidores que para o efeito os procuravam diariamente, em regra na residência sita no Bairro  … ou nas imediações desta, vindo-lhes a ser apreendida, no dia 29.04.2010, elevada quantia em dinheiro cfr. pontos 8. e 17. de produto estupefaciente que detinham quer na posse da arguida A...que havia acabado de a adquirir, quer na residência sita no Bairro  … (175,919g de heroína e 88,115g de cocaína de peso líquido), bem como outros utensílios ligado à referida actividade e diversas quantias monetárias, nos montantes respectivamente de  e ainda à arguida C..., para além do referido, a detenção de produto estupefaciente no momento em que procedia à sua venda, já após a detenção dos outros dois arguidos, conforme se extrai dos pontos 30. a 33. da factualidade provada, altura em que lhe foi apreendida quer na sua posse quer na residência que então habitava diversa quantidade de produto estupefaciente (   ) e dinheiro ( ) , actuações que levavam a cabo de forma livre voluntária e consciente, em conjugação de esforços e vontades, conhecendo as características do produto que detinham e vendiam, bem sabendo que praticavam acto proibido e punido por lei.

Cumprirá referir que as substâncias estupefacientes apreendidas, heroína e cocaína se compreendem nas Tabelas I-A e I-B anexas ao Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

Nessa medida e nos termos expostos, mostram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime p. e p. pelo artigo 21º 1 do DL 15/93, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

Atenta a imputação que vem efectuada na acusação, importa agora aferir se tal crime se mostra verificado na sua forma agravada.

Conforme é sabido, o tipo matricial ou tipo-base do crime de tráfico é o do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, tipo esse que corresponde aos casos de tráfico normal e que, pela amplitude da respectiva moldura – 4 a 12 anos de prisão –, compreende os casos mais variados de tráfico de estupefacientes, considerados dentro de uma gravidade mínima, mas já suficientemente acentuada para caber no âmbito do padrão de ilicitude requerido pelo tipo, cujo limite inferior da pena aplicável é indiciador dessa gravidade, e de uma gravidade máxima, correspondente a um grau de ilicitude muito elevado – tão elevado que justifique a pena de 12 anos de prisão.

As situações excepcionalmente graves estão previstas no art. 24.º, pela indicação taxativa das várias circunstâncias agravantes nas suas diversas alíneas, enquanto que os casos em que se verifique considerável diminuição da ilicitude estão previstos no art. 25.º, neste caso, através da enumeração exemplificativa de circunstâncias que deslocam a ilicitude para um limiar inferior ao requerido pelo tipo-base.

No caso em apreciação estão em causa as alíneas b) e c) do citado artigo 24º, perante a qual o crime de tráfico de estupefacientes é agravado quando “as substancias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas” e quando “o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória”.

A tal propósito cumpre referir, conforme elucidativamente se escreveu no Ac. STJ de 4.12.2008 in www.dgsi.pt, que tal circunstância terá que ser avaliada mediante “…a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente. Vide, ainda, e a propósito, o Ac. do S.T.J. de 15.04.2010, in WWW.dgsi.pt .

Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o nível de organização da actividade e da sua logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada.

“Avultada” será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.” Também o número de pessoas a quem a mesma é distribuída, pressupõe uma actividade em larga escala e dimensão, abrangendo uma amplitude que vai além da normal actividade de tráfico. 

Analisando o caso dos autos, constatamos que a factualidade que vem provada não permite, segundo entendemos, aferir da excepcional gravidade da actuação dos arguidos a qualquer um dos níveis referidos, já que pese embora as quantidades de produto estupefaciente apreendidas não se possam considerar despiciendas (175,919g de heroína e 88,115g de cocaína, de peso liquido), a verdade é que não assumem um relevo avultado susceptível de ser considerado como de excepcional e susceptível de enquadramento para além do tipo legal de tráfico “normal”, de uma família (casal e nora) que vende, ainda que diariamente, aos consumidores que lhe batem à porta. Por outro lado, não temos elementos fácticos provados para aferir de um excepcional grau de desenvolvimento da actividade de venda exercida pelos arguidos, já que estamos ao nível da venda directa ao consumidor e portanto numa escala mais baixa da cadeia de vendas no seio deste tipo de actividade, sucedendo que a quantia apreendida, embora não possa deixar de considerar-se elevada (   ) não se  consubstancia em valores excepcionais ou além dos montantes enquadráveis no âmbito de um rendimento normal/ainda que relevante desta actividade, nem se extrai dos autos a existência de património que permita atestar um volumoso negócio no tráfico de droga e que assim permitam concluir pela excepcionalidade da sua actuação, em relação ao tipo matriz, também o número elevado de consumidores, na acepção referida e face a tudo o que já vem descrito não se mostra apurado, sendo certo que pese embora se apure uma actividade de venda habitual, praticamente diária, a consumidores, o período em causa nos autos (cerca de 4 meses) e o número de consumidores identificados, não permite, nos termos acima expostos, concluir pela excepcionalidade em termos de gravidade, da referida actuação.

 Atento tudo o que vem exposto, teremos de considerar que as circunstâncias agravativas que vêm imputadas na acusação não merecem acolhimento no caso presente, preenchendo a factualidade provada apenas o tipo legal do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, tipo matricial ou tipo-base do tráfico, quer pela natureza da droga apreendida (heroína e cocaína) quer pela quantidade (com algum relevo), quer pelo período de tempo (meses descritos) em que tal actividade se desenvolveu e sua venda quase diária.

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Passemos agora à análise do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º n.1 als. c) e d) da Lei 5/2006, na redacção da Lei nº 17/2009 de 06.05, que vem imputado aos arguidos A...e B....

 A tal propósito provou-se que os supra identificados arguidos, A... detinham 5 pistolas, sendo quatro das quais de calibre 9mm e a outra de calibre 6,35mm, bem como 6 carregadores para munições de 9mm, 50 munições de calibre 9mm Lugger (que se encontravam numa caixa de marca Brugger) 30 munições de calibre 9 mm (que se encontravam numa caixa de marca Indep) e mais 58 munições de calibre 9 mm (que se encontravam em 2 caixas de marca Indep), sendo que nenhuma das armas se encontra manifestada ou registada por serem proibidas (à excepção de uma arma marca Browning nº 245NZ69562 pertencente à Fabrica Browning, furtada de um contentor em 1991 e que fazia parte de um lote de armas com destino a Nova York) e bem assim, 152 munições de armas de fogo de calibres 9 mm e 7,65 mm, e que quer as armas, quer as munições, se encontravam em razoável estado de conservação e funcionamento, e melhor descritos no relatório de exame de fls. 540 a 552, cujo exacto teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido Mais se apurou que os arguidos A...e José B... sabiam que não podiam deter na sua posse as armas e munições que lhe foram apreendidos por serem proibidas e não terem qualquer autorização para o efeito e que a sua conduta era proibida e punida por lei. ( cfr. factos 22., 23., 25. a 27. e 41.)

Efectivamente, verifica-se que a sua conduta se subsume ao disposto no artigo 2º n. 1. al. az), 2. l) e n.3 e art.3º ns. 1., 3. e 4. als.a) e n. 12. da Lei 5/2006 na redacção da Lei 17/2009, conjugados com o artigo 86º n.1 als. c) e d) e n.2, da Lei 5/2006 na redacção da Lei 17/2009, (vide artigo 8º quanto à sua entrada em vigor) aplicável à situação dos autos, já que vigente à data em que estes ocorreram, o qual prescreve “…Detenção de arma proibida e crime cometido com arma” 1.Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer titulo ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:…c) Arma das classes B, B1, C e D…é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;   d)…, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.”   .

Ao deter as armas e munições apreendidas nos autos, as quais são proibidas e sem que para tal ter estivessem autorizados e fora das condições prescritas na lei, incorreram os arguidos A...e B..., na prática do crime que lhe vem imputado, o qual é punível nos termos do art. 86º al. c), do citado diploma, com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. 

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Determinação concreta da pena:

Feito o enquadramento jurídico dos factos haverá que proceder à escolha e determinação da medida das penas a aplicar.

O artigo 40° do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.                                                                                                                                                        Na ponderação da pena a aplicar tomar-se-ão em conta os critérios consignados no artigo 71º do Código Penal e, designadamente, a culpa do agente e as necessidades de prevenção.

Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana. A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena. Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.

Conforme referimos supra, o crime de tráfico de estupefacientes em apreciação p. e p. pelo artigo 21º é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. Por sua vez o crime de detenção de arma proibida é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.         Vertendo agora a nossa atenção sobre os factores de medida da pena previstos no nº2 do citado artigo 71º do Código Penal, há que considerar a gravidade da ilicitude, indiciada pelo número e grau de violação dos interesses ofendidos, suas consequências e eficácia dos meios utilizados, e que no caso é acentuada no que se refere à actividade de tráfico desenvolvida pelo casal A...e B..., aquela na liderança de tal actividade até pela situação processual em que se encontrava o arguido, sendo a arguida C..., “nora” daqueles num papel não tão relevante, mas numa actuação que se prolongou, mesmo após ter sido interceptada na primeira abordagem, reincidindo nessa actividade após a detenção dos demais arguidos e até ela própria ser sujeita a medida detentiva; tendo em conta o interesse protegido de saúde pública e o grave perigo que para esta representou a actuação dos arguidos, atento o tipo de droga em causa (heroína e cocaína), grande quantidade apreendida; as circunstâncias dos factos e forma de actuação dos arguidos, bem como objectivo por estes visado. Com efeito, a quantidade de droga apreendida, é reveladora da elevada gravidade do crime aqui em causa, indiciadora de lucros relevantes na sua consecução (como alias se extrai das quantias e ouro apreendidos, sobretudo na posse dos arguidos A... e B...), e da potencialidade da sua difusão pelos consumidores.                                                                          O dolo mostra-se intenso, dolo directo, os arguidos representaram o significado ilícito das suas condutas e quiseram praticar os factos.

Em desfavor do arguido B..., os seus antecedentes criminais, pela prática de crimes de idêntica natureza pelos quais tem sofrido penas de prisão consecutivas, situações que revelam de forma notória a insensibilidade do arguido ao efeito dissuasor das penas anteriormente impostas, não o desmotivando da prática de novos ilícitos criminais, revelando necessidades acrescidas de prevenção especial e geral, tendo cometido os factos em apreciação, no período de preparação para a liberdade condicional que lhe foi concedido com a obrigação de permanência na habitação.

Também a arguida A..., tem em seu desfavor a existência de antecedentes criminais, pela prática de crime de idêntica natureza, no que se refere ao tráfico de estupefacientes, e que do mesmo modo não foram susceptíveis as anteriores condenações de a afastar da prática de novo ilícito criminal, tendo já após a prática destes factos sofrido nova condenação em pena de prisão, pela prática do mesmo ilícito, o que revela acrescidas as necessidades de prevenção especial e de prevenção geral relativamente à mesma.

No que se refere a estes dois arguidos, B... e A..., haverá também a salientar que a sua postura não revela qualquer sinal de arrependimento e de interiorização do desvalor dos actos praticados e das consequências da sua actuação.

No que se refere à arguida C... pese embora a ausência de antecedentes criminais, verifica-se que a mesma reincidiu na sua actuação, apesar de ter sido detida num primeiro momento e ser sujeita a medida de coacção em liberdade, o que não foi susceptível de a afastar da prática do crime em apreciação, vindo logo após a ser surpreendida novamente nessa actividade delituosa, sendo ainda de considerar em seu favor a confissão de factos que efectuou, pese embora o facto de que tal confissão deverá ser valorada no contexto de flagrante delito em que foi detida.                                                                                                                     Por último, as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas neste tipo de crimes, quer pela frequência com que ocorrem os ilícitos (tráfico), quer pelas consequências negativas que implicam para a segurança (traduzida na criminalidade associada, mormente contra o património e contra as pessoas) e saúde públicas.                                                                                  Também no que se refere à detenção de armas, não poderá deixar de se salientar o grau elevado das necessidades de prevenção geral, atento o aumento que se tem vindo a verificar nos últimos anos da criminalidade violenta, propiciada para além do mais, pelo uso e detenção de armas proibidas.

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Feita a ponderação de todos estes factores no que tange aos arguidos B... Miguel e A...e tendo em consideração que subjacente à escolha da pena funcionam essencialmente considerações de prevenção, sendo o crime de detenção de arma proibida, punido, em alternativa, com pena de prisão ou multa, entendemos que a pena de multa, face à gravidade dos factos e número de armas e munições apreendidas (com considerável relevo, face ao seu número) que a pena de multa não será adequada a salvaguardar as finalidades da punição, razão pela qual, se opta pela aplicação da pena de prisão.

Por outro lado, haverá que considerar que o arguido B... vem acusado como reincidente.                                                                                                                   A reincidência que é assacada ao arguido, a que alude o art° 75°, n°s l e 2, do CP, verifica-se em todos os seus pressupostos no caso vertente, e como tal deve ele ser punido, porquanto se mostram reunidos os requisitos a que alude tal preceito, ou seja, conforme se extrai dos pontos 34. a 36. da factualidade provada, o arguido B... foi condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º e 24º al.j) do D.L. 15/93, numa pena de prisão de 8 anos e 6 meses (processo n°113/99.0PECBR), por factos de 1999, tendo estado ininterruptamente preso desde 19.01.2000 até ser colocado à ordem do P.C.S. nº 256/07.8TACBR, o que sucedeu em 19.07.2008, para cumprimento de uma pena de 9 meses de prisão, por factos de 08.01.2007; por decisão proferida pelo TEP no processo 736/08.8TXCBR, no dia 29 de Abril de 2010, em adaptação à liberdade condicional em regime de obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica até ao dia 21 de Maio de 2010, data a partir da qual passaria a beneficiar de liberdade condicional.

Foi assim o arguido condenado em penas de prisão efectivas superiores a 6 meses, quando entre a prática dos crimes anteriores e o crime em causa nestes autos não decorreram ainda mais de cinco anos (para o qual não conta o tempo de privação da liberdade).

Com efeito e face às circunstâncias concretas do vertente caso, não poderemos deixar de considerar que a conduta do arguido é manifestamente de censurar por as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência para a prática dos crimes ora em apreço, já que pouco tempo após ter saído do cumprimento de uma pena efectiva de prisão e ainda no período de adaptação à liberdade condicional, veio o arguido a praticar novos crimes de idêntica natureza, voltando a delinquir na prática dos mesmos ilícitos, o que revela que as penas anteriores não tiveram qualquer efeito dissuasor na conduta do arguido, revelando uma personalidade indiferente e insensível a regras sociais, mormente atinentes aos bens jurídicos protegidos com as incriminações ora em causa.

Por outro lado, atendendo à moldura penal aplicável aos crimes pelos quais o arguido irá ser condenado, não será aplicada ao arguido pena inferior a 6 meses de prisão efectiva.

Assim, a pena abstracta relativamente ao limite mínimo do crime de tráfico de estupefacientes e do crime de detenção de arma proibida, sofrem uma alteração de um terço, permanecendo inalterável o limite máximo (cfr. artigo 76º).                                                      Assim, por força da reincidência o limite mínimo da pena em questão, relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, passa a ser agravada de 1/3 no seu limite mínimo, ou seja passa para o mínimo de 5 anos e 4 meses de prisão e a moldura penal do crime de detenção de arma proibida passa no seu mínimo para 1 ano e 4 meses . 

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Ponderando tudo aquilo que se deixa exposto e tendo em conta as molduras penais aplicáveis, analisados todos os factores acima referidos, consideramos ajustadas as seguintes penas:

No que se refere ao crime de tráfico de estupefacientes:

- à arguida A...a pena de 7 anos de prisão;

- ao arguido B... a pena de 8 anos de prisão;

- à arguida C... a pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

No que se refere ao crime de detenção de arma proibida:

- à arguida A...a pena de 2 anos de prisão;

- ao arguido B... a pena de 2 e 6 meses de prisão:

Ponderando os factos descritos e a revelada personalidade dos arguidos, ao abrigo do disposto do artigo 77º, consideram-se ajustadas as seguintes penas únicas:

- à arguida A...a pena única de 8 anos de prisão.

- ao arguido B... a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.”

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III. Apreciação dos Recursos:

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.

Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

            As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão, cumprindo-se, assim, o objectivo de tornar rapidamente apreensíveis pelo tribunal ad quem os fundamentos pelos quais é pedido o provimento do recurso.

            A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, de forma inequívoca, introduziu nova redacção ao artigo 417.º, n.º 3, do C.P.P., onde se pode ler agorase a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.º s 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.

            Pois bem, no caso presente, as conclusões do recorrente B..., salvo o devido respeito, não primam pela clareza.                                                                                              Na realidade, o dito recorrente, nas conclusões, segue por uma via extensa e difusa, susceptível de impedir a imediata percepção exacta do alcance do recurso, decorrente de falta de concisão.

            Ainda assim, e de forma a evitar atrasos no processado, já que estamos perante um processo de arguidos presos, entendemos não ser necessário recorrer ao disposto no artigo 417.º, n.º 3, do CPP, na medida em que, apesar de tudo, acaba por ser possível entender o que pretende o recorrente.

            As questões a conhecer são as seguintes:                                                                        A - Arguido B...:                                                                                               1) Saber se há matéria de facto incorrectamente apreciada e julgada;

2) Saber se há valoração de prova proibida;                                                                     3) Saber se há violação do disposto no artigo 127.º, do CPP e do princípio in dubio pro reo;

4) Saber se há nulidade da decisão recorrida;

5) Saber se há qualificação jurídica dos factos errada;                                                    6) Saber se o recorrente, a entender-se que incorreu na prática do crime de detenção de arma proibida, deve ser punido apenas a título de cumplicidade;

7) Saber se a pena é exagerada.

            B - Arguida C...:

- Saber se a pena é excessiva.

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1), 2) e 3): Da matéria de facto incorrectamente apreciada e julgada/da valoração de prova proibida/da violação do princípio in dubio pro reo:

Por uma questão de raciocínio lógico, tendo em consideração o modo como o recorrente expõe as suas conclusões, julga-se ser conveniente analisar, em conjunto, as três primeiras questões.

Comecemos, pois, pela impugnação de facto.

O recorrente considera, logo no início da sua Motivação, e de um modo expresso, que:

a) “Deveriam ter sido parcialmente dados como assentes os pontos 2, 4 e 5, sem qualquer imputação ao arguido”;

            b) “No que concerne ao ponto 3, para além de se verificar contradição insanável com o facto descrito em 4, vício que se invoca ao abrigo do disposto no artigo 410.º, n.º 1, constata-se ainda nulidade, nos termos dos artigos 379.º, b) e 374.º, n.º 2, do CPP, de facto apenas se identificam 4 consumidores, em oposição ao alegado número indeterminado”;

            c) “Ponto 14, deverá ser parcialmente alterado, passando a constar o tipo de notas que detinha, o que, aliás, é feito nas demais detenções de numerário aos demais arguidos, o que decorre do auto de revista de fls.”

            Além disso, ainda no início da Motivação, de uma forma vaga, afirma que impugna os seguintes pontos: 10, 24, 26 e 27.

            Mais tarde, nas conclusões, faz apelo à insuficiência da matéria de facto provada, à contradição insanável entre a fundamentação e o facto provado, além de apresentar a sua análise da prova, colocando em crise vários depoimentos prestados em audiência de julgamento, ao mesmo tempo que alude à violação do artigo 127.º, do CPP e do princípio in dubio pro reo.

            Refere, de um modo expresso, que deve ser alterada certa matéria de facto e dar-se apenas como provado:

            “Ponto 2: A arguida A... e C...decidiram de comum acordo deter e vender…;

            Ponto 3: Na concretização, tais arguidas venderam a consumidores.

Ponto 4: Venderam ainda aos consumidores aí mencionados.”

Quanto ao Ponto 10, adianta que “Não vislumbra a defesa donde retira o tribunal tal conclusão, pelo que deverá ser considerado não provado tal facto, violando-se, nesta parte, os artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, b), do CPP.

            Significa isto que, no que tange aos pontos 5, 24, 26 e 27, não é apresentada uma alteração expressa, muito embora resulte implícito da globalidade das conclusões que o recorrente pretende que os mesmos sejam considerados como não provados, no que diz respeito à sua intervenção.

                                                                       ****

Pois bem, impõe-se deixar claro, quanto mais não seja pelo modo prolixo como o recorrente apresenta as suas conclusões, e para que fique clarificada a abordagem a esta questão suscitada no recurso, qual o tipo de impugnação trazido aos autos.                              O recorrente pretende, ao fim e ao cabo, invocar vícios oficiosos do artigo 410º, do CPP, assim impugnando a matéria de facto dada como provada, ou pretende reapreciar a matéria dada como provada, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP?                          Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.                                                                                                                                                                            ****                                                               Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:                a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;                                     b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.                                                                     Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.                        A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.                                                                 A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.                                                                                             Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.                                                   O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).                                                        Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).                                                                                                                                         Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).                            Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.  

            O erro de julgamento, por seu turno, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.                                  Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.

Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.                                                    Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.                                                                                          E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.P.:             «3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:                                                                                                                                         a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;               b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;                               c)-As provas que devem ser renovadas».                                                                             A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.                                     Além disso, o n.º 4, do citado artigo 412.º contempla o seguinte:      “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”                                                                                                                                             Ora, no caso em apreço, o recorrente está claramente no âmbito do disposto no artigo 412.º, do CPP, mesmo quando se refere aos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPP, na medida em que apela a elementos extrínsecos ao teor da sentença (declarações, depoimentos, documentos).

                                                           ****                                                                          Ora, pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto nos termos acabados de mencionar, tem de respeitar as regras previstas na lei, ou seja, há-de cumprir o ónus de impugnação especificada imposto no art. 412.º, n.º s 3 e 4, do Código de Processo Penal (redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de facto que reputa incorrectamente provados e não provados e de alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida e às provas que devem ser renovadas - als. a), b) e c) do n.º 3 -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4).                                              A especificação dos “concretos pontos de facto só se mostra cumprida com a indicação expressa do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que o recorrente considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente, tanto a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e/ou da acusação, como a referência vaga e imprecisa da matéria de facto que se pretende seja reapreciada pelo Tribunal da Relação.                                                                                                                                 Como todos sabem, uma vez que o tribunal de recurso não vai rever a causa, mas apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, é absolutamente necessário que o recorrente nesta especificação seja claro e completo, sem esquecer que, nesta especificação, serão totalmente inconsequentes considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão.                                                                                                                  Tenhamos presente, neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.).

Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.

Mais, como se observa no Acórdão do S.T.J. de 26/1/2000, publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJ200001260007483: “Não são os sujeitos processuais (nem os respectivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção (artigo 127.º, do Código de Processo Penal), aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”.                                                                                          Acresce que a exigência legal de especificação das “concretas provas” impõe a indicação do conteúdo específico do meio de prova.                                                            Tratando-se de prova gravada, oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação, ou seja, estando em causa declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento, sobre o recorrente impende o ónus de identificar as concretas provas que, em sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto(s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diversa, e bem assim de concretizar as passagens das declarações (do arguido, do assistente, do demandante/demandado civil) e dos depoimentos (caso das testemunhas) em que se ancora a impugnação.                                                                                                                     Para atingir esse desiderato, aderimos à posição defendida no Acórdão de 14/7/2010, Processo n.º 508/07.7GCVIS.C1, deste Tribunal da Relação de Coimbra, relatado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, in www.dgsi.pt,  onde se considera que o recorrente, a par da indicação das concretas provas, há-de proceder de uma das seguintes formas:                        - Reproduzir o conteúdo da prova que, para o fim em vista (impugnação dos concretos pontos de facto), considere relevante;                                                                            - Expor, ainda que em súmula, os segmentos pertinentes das declarações/depoimentos; ou                                                                                                         - Situar objectivamente o segmento da declaração/depoimento em causa por referência a específicas circunstâncias ocorridas.                                                                              Mas tal não basta.                                                                                                                  Na realidade, o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida.

O recorrente não pode limitar-se a trazer aos autos elementos que “permitam” apenas admitir a sua posição como possível.                                                                                                         Este é o cerne do dever de especificação (a diferença entre o “permitir” e o “impor”).                                                                                                                                          O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, visa precisamente obrigar o recorrente a relacionar o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado, conforme defende Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1134/1135.                                                                                      Tudo o que vem de ser exposto significa, pois, que as menções exigidas pelo artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do CPP, não traduzem um ónus de natureza puramente secundário ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Antes de avançarmos para a análise concreta do caso, importa, ainda, sublinhar que, no domínio da Lei n.º 59/98, de 25-08, impunha o artigo 412.º, n.º 4, do CPP, que as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 se fizessem por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.                                                                                          E como decorria da lógica imediata da sequência dos procedimentos, só após a identificação, no recurso, dos suportes técnicos de gravação, haveria que proceder à transcrição do que fosse relevante – não transcrição de toda a prova, mas apenas dos elementos que se mostrassem previamente identificados e referidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação que se lhe impunha a referida norma do artigo 412.º, n.º 4.                                      A transcrição era um acto posterior que incumbia, não ao recorrente, mas ao tribunal efectuar (cfr. Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2003, de 16-01-2003, in DR, I série-A, de 30-01-2003), nos termos e na medida delimitada previamente pelo recorrente, destinando-se a permitir (rectius, a facilitar) então ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova documentada.                                                                                                                          A Lei n.º 48/2007, de 29-08, mudou radicalmente o regime de impugnação da matéria de facto e, entre outras alterações, afastou a transcrição da prova, no caso regra de utilização da gravação magnetofónica ou audiovisual (artigo 364.º, n.º 1, do CPP).                                        A prova não deve ser transcrita, devendo o tribunal de recurso, uma vez cumpridas todas as formalidades previstas no artigo 412.º, n.º s 3 e 4, proceder ao controlo dessa prova por via da audição ou da visualização dos registos gravados (artigo 412.º, n.º 6), com base na indicação pelo recorrente das passagens da gravação em que funda a impugnação (artigo 412.º, n.º 4).

                                                           ****

Revertendo ao nosso caso, comecemos pela impugnação que é feita quanto aos factos relacionados com o crime de tráfico de estupefacientes.                                                           Em primeiro lugar, há que realçar que o recorrente usa diversas considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão, como tal inócuas para o fim pretendido.

Tal inconformismo passa pela formulação de perguntas e considerações de ordem puramente subjectiva e conclusiva, como, por exemplo:

a) “E se a droga estivesse num estádio de futebol, prendiam-se os adeptos todos? Admitimos a hipérbole, todavia, não vislumbramos como pode o tribunal decidir nos termos em que o fez.”;

b) “Os pontos supra enunciados e que metem o arguido na alegada conjugação são de consideração genérica e não abordam factualidade concreta quanto ao recorrente.”;

c) “Qual o dever de cuidado que seria exigível ao arguido?”;

d) “Em nenhum momento se verifica, por parte do arguido, que o seu papel tenha sido essencial.”

e) “Donde retira o tribunal tal conclusão?”

Em segundo lugar, quando envereda por salientar o que foi dito em julgamento, o recorrente apoia-se, desde logo, nas suas próprias declarações, em que nega a prática de qualquer crime.

Quanto a isto, é evidente que a pura negação dos factos por parte de um arguido, por si só, nenhum valor tem no sentido de impor uma alteração da matéria de facto, já que o mesmo não tem que se auto-incriminar e nem sequer está obrigado a falar verdade.

Em terceiro lugar, apela, ainda, às declarações da co-arguida C..., quando esta afirma “o meu sogro não sabia de nada, estava a dormir” (referindo-se ao momento em que bateram à porta da residência), e “era a minha sogra que mandava” (referindo-se a quem mandava lá em casa).

Quanto a isto, em boa verdade, o recorrente não explica como estas frases podem impor algo de diferente em relação a tudo o que consta da sentença recorrida.

Uma vez mais, estamos face a uma mera negação de uma arguida que se limita a dizer que o co-arguido, ora recorrente, estava a dormir antes de abrir a porta e que não mandava em casa, sendo certo que esta ideia é demasiado vaga.

Temos de convir que estas declarações nada têm de relevante.

 Em quarto lugar, o recorrente faz apelo aos depoimentos das testemunhas D..., E...,  …, para concluir que nenhuma delas se referiu ao ora recorrente, no que diz respeito à aquisição de estupefaciente.

Mais apela ao depoimento da testemunha … , inspector da P.J., que não visualizou o arguido num relato de diligência externa.

Isso é um facto, motivo pelo qual dispensamos, até, a respectiva transcrição.

Todavia, a circunstância das ditas testemunhas não terem contactado directamente com o arguido nada mais demonstra do que isso mesmo e não pode ter a consequência de impor uma alteração da matéria de facto, pois é preciso não esquecer que, de acordo com as regras da experiência, seria, mesmo, estultícia o arguido, com os antecedentes criminais que apresenta (a sua reincidência o demonstra), expor-se, no comércio de estupefacientes, a contactos pessoais.

Assim sendo, nada resulta que imponha uma alteração da matéria de facto nos termos pretendidos – alínea Q) das conclusões (pontos 2, 3 e 4).

                                                           ****

  Antes de avançarmos, importa dizer que, na Motivação, o recorrente refere-se, também, aos pontos 5 e 14 dos factos provados (fls. 1648). Todavia, nas conclusões apresentadas, não volta a mencionar tais pontos - ver a dita alínea Q).

Já atrás vimos que se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.

Assim sendo, não há que analisar a matéria respeitante aos mencionados pontos 5 e 14.

Resta abordar o ponto 10.

O recorrente afirma, que deverá ser considerado não provado tal facto e, ao mesmo tempo, diz que, nesta parte, foram violados os artigos 374.º, n.º 2 e 379., b), ambos do CPP.

Independentemente de estarmos, salvo o devido respeito, no máximo, perante um paradoxo, ou, no mínimo, perante um equívoco, já que, ao pretender excluir um facto provado, o recorrente aponta para o vício da nulidade de sentença, a partir do momento em que o tribunal recorrido entendeu não estar preenchida a circunstância agravante da al. c), do artigo 24.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o ponto 10 dos factos provados deve ser visto como instrumental e não essencial, sendo certo que o mesmo resulta das quantidades apreendidas nos autos e dos preços a elas associadas, de acordo com as regras da experiência.

O facto de o recorrente não vislumbrar donde retira o tribunal tal conclusão não é, seguramente, algo que possa impor uma alteração dos factos dados como assentes e é isso que está, agora, em equação e não um vício da sentença, uma vez que nos encontramos, ainda, em sede de impugnação de facto.

                                                           ****

Passemos, agora, à impugnação que é feita quanto aos factos relacionados com o crime de detenção de arma probida (24, 26 e 27) – alínea R) das conclusões.

O recorrente fundamenta a sua pretensão, para além da análise que entende por bem ser feita da prova, na circunstância de, na sua perspectiva, ter sido valorada prova proibida.

É, portanto, o momento de entrarmos na análise da segunda questão acima elencada.

O recorrente considera, então, que o tribunal a quo, para formar a sua convicção quanto a determinada matéria, usou prova proibida por lei (artigo 129.º, do CPP), na medida em que se baseou no depoimento da testemunha E... que “referiu que foi A... que lhe disse que quem abriu o buraco foi B..., sendo certo que a dita A... não prestou declarações.”

            Relembre-se, quanto a isto, o que consta da sentença recorrida:

            “Quanto a este conspecto e à valoração do que nos vem referido pela testemunha Elisabete Rodrigues, cumprirá salientar, que pese embora estejamos perante um testemunho de ouvir dizer, é este susceptível de valoração, já que foi prestado em audiência e sendo este perante a pessoa a quem se ouviu dizer, a arguida A..., pese embora esta tenha optado por não prestar declarações, tinha a possibilidade de contraditar tal depoimento, pelo que não estamos perante um caso de proibição de valoração de prova, prevista no artigo 129.º, n.ª 1, do C.P. Penal (cfr., neste sentido, Ac. R.P., de 25.06.2008, e Ac. R.P., de 9.02.2005, Ac. S.T.J. de 20.04.2006, ambos in www.dgsi.pt., e Ac. do Tribunal Constitucional de 8.07.99 in DR II S, de 9.11.99).

                                                                       ****                                                                          Como se sabe, a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, de acordo com o artigo 128.º, do CPP.                       Porém, conforme artigo 129.º do CPP:                                                                                   “1. Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.                            2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que o depoimento resultar da leitura de documento da autoria de pessoa diversa da testemunha     .                                              3. Não pode em caso algum, servir como meio de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através dos quais tomou conhecimento dos factos.”                                                                                                             Por sua vez, do artigo 343º nº 1 do CPP, resulta que o arguido “tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto, a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo.

            Antes de mais, importa referir que o depoimento em causa não pode ser qualificado como depoimento indirecto sujeito à disciplina do artigo 129.º, do C.P.P. 

            Não desconhecemos que, nesta matéria, jurisprudência existe que entende que as declarações de uma testemunha relatando conversa mantida com o arguido constituem depoimento indirecto, portanto proibido, a menos que o arguido corrobore tais declarações.      Sem embargo do devido respeito por tal posição, entendemos que, na medida em que o depoimento indirecto é uma comunicação, com função informativa, de um facto de que o sujeito teve conhecimento por um terceiro (Acórdão da Relação de Lisboa de 11-10-2006, processo 5998/2006), é razoavelmente claro que não constitui depoimento indirecto - portanto não enquadrável no art. 129º do C.P.P. e, portanto, não constituindo prova proibida -, o depoimento de uma testemunha que relata o que ouviu o arguido dizer, isto mesmo que o arguido não preste declarações na audiência, no exercício do seu direito ao silêncio.

Com efeito, quando em audiência uma testemunha afirma o que ouviu ao arguido, que está presente e que fez uso do seu direito ao silêncio, não colocando em crise a afirmação da testemunha acerca do que afirmou lhe ter ouvido, o depoimento, não deixa, nessa parte, de poder ser valorado.                                                                                                                          Não é prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal - artigo 127.º, do CPP.                                               A prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido é passível de livre apreciação pelo tribunal quando o arguido se encontre presente em audiência e, por isso, com plena possibilidade de a contraditar, ou seja, de se defender.           

Podemos considerar, em resumo, que a lei não fixa as regras de valoração do depoimento indirecto, quando tal valoração é admissível, devendo entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º, do C. Processo Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento directo, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro (cfr. neste sentido, Acs. do STJ, de 20/11/2002, CJ, X, III, 232, Ac. da R. do Porto, de 07/11/2007, Ac. da R. de Évora, de 30/01/2007, proc. nº 2457/06-1, in http://www.dgsi.pt;).                                                                                                                              Tudo isto vai ao encontro da jurisprudência alemã dominante, cuja credibilidade nesta matéria, como noutras, não é questionável, segundo a qual «a exclusão pura e simples dos testemunhos de ouvir dizer seria inteiramente incompatível com uma jurisprudência capaz», citando Costa Andrade, “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora 1992, pág. 165.                                                                                                                                  Sublinhe-se, ainda, que o Tribunal Constitucional já decidiu – Acórdão n.º 440/99, de 8 de Julho, Processo nº 268/99, DR, II série, de 9 de Novembro de 1999, que o artigo 129º nº 1 (conjugado com o artigo 128º nº 1, do CPP), interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal forma não é inconstitucional.                                                                 Mais, como referiu o S.T.J., no Acórdão de.25-01-2006, Processo. n.º 184/06-5ª Secção, de acordo com o disposto no art. 129.°, n.º 1, do CPP, quando o depoimento indirecto resulta do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, dever-se-á considerar válido e, portanto, valorável, quando depõe perante o tribunal aquele a quem a testemunha ouviu dizer.                        Assim sendo, bem andou o tribunal a quo em levar em consideração o depoimento da testemunha E..., nada havendo que censurar na argumentação apresentada para o efeito que se insere nas melhores doutrina e jurisprudência.

E, por ser assim, nada há que imponha, nesta parte, a pretendida alteração da matéria de facto.                                                                   
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Aqui chegados, e, com isto, entramos na terceira questão suscitada pelo recorrente, ao alegar o que consta das suas motivações, o recorrente está, em síntese, a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos aquele adquiriu em julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova inserida no artigo 127.º, do C.P.P., nomeadamente ao nível da prova indiciária, à qual, mais à frente, dedicaremos uma maior atenção.

No que toca a esta questão, pode ler-se na Motivação apresentada pelo recorrente o seguinte:

“(…)

No caso em apreço, o livre convencimento lógico e motivado radica em concreto, não em critérios objectivos, e portanto susceptíveis de motivação e de controlo, mas confunde-se numa convicção íntima.

            Em suma, não estamos aqui a partir de factos certos para chegarmos a um facto desconhecido.

            (…)

            Salvo o devido respeito pelo tribunal a quo, a prova indirecta ou indiciária pode e deve ser usada na fase de inquérito. Na fase de julgamento a defesa entende que se deve ir mais longe e buscar-se o objectivo, o concreto, para daí se partir para infirmar um dado desconhecido, que não o contrário. Por tal motivo, a defesa discorda neste ponto do raciocínio que permitiu ao tribunal chegar ao entendimento ora posto em crise.

            Pois bem, esta questão, ainda que de uma forma quase subliminar, é referida na alínea L) das conclusões e associada à violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP.

O citado artigo 127.º dispõe que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Prova livre não significa prova arbitrária ou caprichosa, antes quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos. Se O tribunal decidisse como lhe apetecesse não apreciaria livremente as provas, antes estaria a desprezá-las…

Ora, não se extrai que o tribunal tenha procedido a um julgamento arbitrário da prova produzida. E a valoração por este feita não tem que coincidir com aquela que o recorrente pretende ver operada.

A livre apreciação da prova significa, em resumo, que esta deve ser feita de acordo com a convicção íntima do juiz. Aliás, já Chiovenda o afirmava, citando o imperador Adriano, conforme pode ler-se no Digesto 3, 2, De testibus, 22, 5…

 À valoração do tribunal preside um juízo atípico, porque fundando-se nas regras da experiência, isto é em critérios generalizadores e tipificados, índices corrigíveis, critérios definidores de conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas sempre tendo presente a individualidade histórica do caso concreto, tal como ela foi adquirida representativamente no processo, pelas alegações, respostas, inquirições e outros meios de prova disponibilizados[1].

E se é certo que o princípio da livre apreciação da prova não pode ser confundido como uma apreciação judicial arbitrária - ou, na expressiva fórmula de Paolo Tonini “o conflito entre a acusação e a defesa não pode ser resolvido com base num acto de fé[2] -, e que a livre convicção do juiz não pode ser meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável[3], certo é, também, que a “verdade material que se busca em processo penal, não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um conhecimento, que todos sabem escapar à capacidade de conhecimento humano; tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata do conhecimento de acontecimentos passados, quer porque o juiz terá as mais das vezes de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza - e é o que se passa sobretudo com a prova testemunhal -, se revelam particularmente fiáveis».[4]

E assim, como ensina o insigne Professor, “a convicção judicial será suficientemente objectivável e motivável quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará, pois, na “convicção”, de uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e contra toda a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável pelo menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse».

Consabidamente, a verdade que o direito encerra é a «processualmente demonstrada por recurso às provas carreadas para os autos, sujeita a todos os limites que, por definição, tem o espírito humano na tentativa de conhecer e compreender o real. O conhecimento da verdade (correspondente ao “pedaço de vida” acontecido) «na maioria das situações pressuporia uma impossível incursão na mente humana, empreitada essa, de patente que é, não necessita de ser sublinhada».[5]

Intimamente ligados ao princípio da livre apreciação da prova estão os princípios da continuidade da audiência, ou da concentração, oralidade e imediação da prova.

Quanto aos dois últimos, constituem a um tempo decorrência lógica do princípio da livre apreciação da prova e “conditio sine qua non” para a respectiva admissibilidade. Com efeito, apenas quem tenha assistido à produção da prova e às disposições assumidas pela acusação e pela defesa poderá estar capaz, no fim da discussão, de se considerar convicto de uma determinada verdade, podendo proceder ao julgamento. Paralelamente, a oralidade permite com muito maior probabilidade aceder a um discurso directo, espontâneo, não ensaiado e vivo, o que obviamente contribui para um aumento das possibilidades de descoberta da verdade e de formação de uma correcta convicção.

Quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum.

No caso em apreço, a decisão recorrida encontra-se bem fundamentada, oferecendo um raciocínio linear, lógico e perceptível, não sendo vislumbrada qualquer incorrecta apreciação da prova, nomeadamente quanto à medida e extensão da credibilidade que mereceram (ou não) os depoimentos prestados durante o julgamento, em conjugação com todos os outros elementos de prova, designadamente a prova indirecta existente.

No acórdão recorrido, foi dada credibilidade a determinadas fontes de prova, sendo certo que a opção do Tribunal assentou na imediação e na oralidade, não tendo resultado que a mesma seja inadmissível perante as regras da experiência comum.

            Retomando, agora, a questão específica da prova indiciária, temos que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).                                                                              A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289[9].                          Como acentua o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555.                                                                                  No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.                                                                                                                Em matéria de apreciação da prova, o artigo 127.º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.                    Na expressão regras de experiência, incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).                                                                                                                                             Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.                                                                                                                   Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, n.º 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico, mormente os “crimes de colarinho branco” em geral e a corrupção e o branqueamento em particular».                                                                            Como exige a boa administração da Justiça, o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico - jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade.                                                                                                                      A prova indirecta (ou indiciária) não pode ser vista como um "minus" relativamente à prova directa, pois se na prova indirecta intervém a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência e vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa poderá intervir um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho.

Acresce que a nossa lei penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e de acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.

A utilização deste tipo de provas exige, em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários, devendo cuidadosamente distinguir-se os casos de pluralidade aparente dos casos de real pluralidade, em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes e, em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios, isto é, importa que tais indícios sejam inequívocos.

Daqui decorre que não é decisivo, para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas directas e cabais do seu envolvimento nos factos, maxime que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticar os factos, ou que o arguido os assuma expressamente.                                                                                      Condição necessária, mas também suficiente é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define.

Como se menciona no Acórdão do STJ de 12.9.2007 publicado em www.dgsi.ptVejamos que o indício apresenta-se de grande importância no processo penal, já que nem sempre se tem à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso. É necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-juridico intelectual necessário antes que se gere a impunidade.” “ E sobre a prova indiciária (…) entende-se, ainda, que aquela é suficiente para determinar a participação no facto punível se (requisito de ordem formal) da sentença constarem os factos-base e se mostrarem provados, os quais vão servir de base à dedução ou inferência, se se explicitar o raciocínio através do qual se chegou à verificação do facto punível e da sua participação no facto de que é acusado, essa explicitação é imperativa para se controlar a racionalidade da inferência em sede de recurso. Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência da vida; dos factos base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.”

Analisado o acórdão recorrido, verifica-se que o juízo de inferência a que o Tribunal a quo chegou, no que tange ao recorrente, obedece a uma lógica que se encontra firmemente sustentada nas regras da experiência e, portanto, a convicção alcançada, alicerçada numa certeza de que os factos se passaram tal como relatados, não pode ser posta em crise por este Tribunal de recurso, posto que não revela qualquer erro de julgamento por avaliação irrazoável ou arbitrária da prova, em suma por violação do princípio de livre apreciação da prova que tem como limites destinados a evitar precisamente uma convicção meramente pessoal e imotivável ou a arbitrariedade, o que é sustentável segundo as regras da experiência.

Com efeito, o tribunal a quo estaria a tomar um comportamento digno de Pangloss, caso entendesse, sem dados objectivos que permitissem sustentar uma dúvida razoável, que o recorrente era totalmente alheio aos factos dados como provados, tendo em conta que muitos dos acontecimentos tinham lugar na sua residência, como bem é sublinhado no acórdão ora em crise, já para não mencionar a sua reacção, quando se apercebeu que agentes da P. J. estavam a bater à porta.

            Não existem, por conseguinte, motivos para alterar a decisão de facto do Tribunal recorrido.

                                                           ****

E não se argumente que foi violado o princípio in dubio pro reo.

De acordo com Cavaleiro Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, este princípio respeita ao direito probatório, implicando a presunção de inocência do arguido que, sendo incerta a prova, se não use um critério formal como resultante do ónus legal de prova para decidir da condenação do arguido que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos.      O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.                                                                         Como todos sabem, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, I, pág. 213 – já Ulpiano dizia “é melhor um crime impune do que um inocente castigado”.                                    Porém, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos actos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – cfr., a este propósito, A... Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997.                                                                                                      Lendo a fundamentação da decisão ora em crise, facilmente é constatado que o tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida sobre a matéria de facto em causa, tendo aceite por credível a versão trazida aos autos por determinada testemunha.

A fundamentação de facto acima transcrita é consistente e racional.

O princípio geral do processo penal ora em análise é aplicável apenas nos casos em que, apesar de toda a prova recolhida, continuam os factos relevantes para a decisão a não poderem considerar-se como provados por continuar a subsistir dúvida razoável do Tribunal.

O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

No caso vertente, o Tribunal “a quo” não se quedou por um non liquet de facto, ou seja, não permaneceu na dúvida razoável sobre os factos relevantes à decisão, pelo que não há lugar a qualquer aplicação do princípio in dubio pro reo (a dúvida reside apenas no recorrente e não no Tribunal).

A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável – neste sentido cfr. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.                                                                                                            Assim, para a revogação da sentença importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido                                                        O que, como se viu, não sucede com a análise do recorrente, sem qualquer conteúdo probatório objectivo, susceptível de pôr em causa os meios de prova e análise crítica em que repousa a decisão impugnada.

Por conseguinte, também aqui não assiste razão ao recorrente.

                                                           ****

4) Da nulidade da decisão recorrida: 

Nas alíneas Q), V) e X) das conclusões, o recorrente considera que houve violação dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, b), do CPP, situando, assim, a sua crítica ao nível da nulidade do acórdão recorrido.

Face ao exposto pelo recorrente, a referência à alínea b), do CPP, desacompanhada de qualquer alusão aos artigos 358.º e 359.º, só pode ser entendida como lapso de escrita, na medida em que é a alínea a), do CPP, que deve ser vista em conjugação com o artigo 374.º, n.º 2, do CPP.

Daí que a nossa atenção deva estar concentrada numa, eventual, falta de análise crítica.

O artigo 205.º, n.º1, da CRP, consagra o seguinte:

1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”

Na al. a), do n.º 1, do art. 379.º, do CPP, comina-se de nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374.º, n.ºs 2 e 3, al. b), do mesmo Código.
Pois bem, o artigo 374.º, n.º 2. do Código de Processo Penal que versa sobre os requisitos da sentença, e que agora interessa analisar, estipula que «ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Esta disposição está intimamente ligada à do já citado art. 127.º, do CPP. Já sabemos que o julgador é livre ao apreciar as provas, embora tal apreciação sejavinculada ao princípio em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.[6]              No entanto, a livre convicção do juiz não se confunde com a sua convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do princípio do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.

A livre convicção, repete-se, não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.

Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional.[7]

Vigorando na nossa lei adjectiva penal um sistema de persuasão racional e não de íntimo convencimento, instituiu o legislador mecanismos de motivação e controle da fundamentação da decisão de facto, dando corpo ao princípio da publicidade, em termos tais que o processo - e, portanto, a actividade probatória e demonstrativa -, deva ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo, e presumivelmente se convença como o julgador.[8]

A obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória caprichosa ou arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova.

É, pois, na fundamentação da sentença, sua explicitação e exame crítico que se poderá avaliar a consistência, objectividade, rigor e legitimidade do processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador. 
A razão de ser da exigência de fundamentação em geral está ligada ao próprio conceito do Estado de direito democrático, sendo um instrumento de legitimação da decisão que serve a garantia do direito ao recurso e a possibilidade de conhecimento mais autêntico pelo tribunal de recurso.                                                                                                                   Assim, a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também ao tribunal de recurso.
Sublinhe-se que a necessidade de motivar as decisões judiciais é uma das exigências do processo equitativo, um dos Direitos do Homem, consagrados no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que a motivação é um elemento de transparência da justiça inerente a qualquer acto processual.
Na sequência disso, é entendimento da jurisprudência de que o dever de fundamentação se não basta com a mera indicação dos meios de prova, não dispensando uma explicitação do processo de formação da convicção do tribunal de 1ª instância, sob pena de violação do artigo 205.º, da CRP e do direito ao recurso – ver, neste sentido, Acs. do Tribunal Constitucional n.º 680/98, Processo n.º 456/95, de 2/12/1998, in DR, II Série, e n.º 27/2007, Processo n.º 784/05, de 8/1/2007, in DR, II Série, e, ainda, Ac. do S.T.J., de 15/3/2000, in C.J./STJ, Ano VIII, Tomo I, pág. 227.

«Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente relevante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer).

Assim que baste que apenas um dos referidos passos do juízo devido seja omitido, para que se esteja a prejudicar a tutela judicial efectiva que tem de ser garantida como patamar básico da convivência social, impossibilitando ou diminuindo a justificação e compreensibilidade do decidido»[9].

Só motivando nos moldes descritos a decisão sobre matéria de facto, mesmo vendo a questão do prisma do decisor, é possível aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da referida convicção, para que seja permitido sindicar se a prova não se apresenta ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.
Para essa lógica de convencimento e de possibilidade de controlo por via de recurso, não se exige que se proceda a uma análise crítica exaustiva dos meios de prova e, nomeadamente, com apelo sistemático ao conteúdo concreto da prova, esta vertente apenas se impõe na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo a que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada, não porque o fosse mas porque indemonstrada a sua justificação.                                                                                        Se é verdade que a fundamentação não se basta com a simples indicação de provas, também é verdade que a análise crítica destas deve ser apenas a necessária e suficiente para dar o conhecer porque se decidiu o tribunal em determinado sentido.
A análise crítica impõe-se sobretudo relativamente a meios de prova oral porque é em relação a estes que, pela sua natureza e especificidade, se torna necessário explicitar a convicção (desde logo a imediação é essencial para a sua avaliação). Já no que se refere a documentos ou prova pericial reveste-se o seu teor de um carácter objectivo e certo que na maioria dos casos dispensa considerações sobre o seu conteúdo, porque este se impõe sem que existam questões delicadas de credibilidade ou razão de ciência a equacionar. Ou seja, se o texto do documento ou o relatório de perícia permitem, só por si, compreender a decisão do tribunal, na verdade não se exige qualquer dissertação sobre eles, patente no processo, imutável e cuja interpretação depende apenas da declaração que contém.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo – Ac. do STJ, de 12/4/2000, processo n.º 141/2000-3ª; SASTJ, n.º 40, 48.
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Enunciados estes princípios e analisada a exposição dos motivos probatórios exarada no acórdão recorrido, não assiste razão ao recorrente, ao invocar a existência de violação ou errada interpretação do n.º 2, do artigo 374.º, do CPP.                                                                     A fundamentação constante do acórdão recorrido é clara e nela é patente um cuidado exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento, pelo que é possível reconduzir racionalmente as razões probatórias que determinaram que o tribunal a quo formasse a sua convicção.

Em bom rigor, o recorrente, nesta matéria, limita-se a colocar em causa a apreciação feita pelo tribunal a quo.

Ora, só existe violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, se houver uma insuficiência, total ou parcial, da indicação dos motivos que fundamentam a decisão e faltar exame crítico das provas que servem para formar a convicção do tribunal.

A mera discordância do recorrente quanto ao teor de uma fundamentação exaustiva, coerente e lógica, como é a do caso dos autos, não pode, pois, servir para o fim por si pretendido, na medida em que não assenta em elementos objectivos que possam ser objecto de análise.  

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5) Da qualificação jurídica dos factos:

O recorrente entende que deve ser punido pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 25.º, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, essencialmente porqueencontrava-se em casa desde Março, não pode ser condenado pelo antes nem pelo após, objectivamente do apreendido no interior da casa, estamos no âmbito das quantidades diminutas”.

Como é consabido, o citado normativo legal trata-se de um tipo atenuado para cuja verificação exige a lei que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

Como nota, já há alguns anos, o nosso mais Alto Tribunal, “(...) o advérbio “consideravelmente”, da cláusula geral, não está lá por acaso. No seu significado etimológico, prevalece a ideia de digno de consideração, notável, grande, importante ou avultado ”- neste sentido, vide Ac. S.T.J., de 3/7/96, CJ-S- IV, II, 206.

A tipificação do referido artigo 25.º parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21.º do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25.º.

            Tal entendimento vem merecendo acolhimento por parte quer dos tribunais superiores quer de instâncias internacionais que se debruçam sobre a problemática da droga.

Um recente relatório do organismo especializado das Nações Unidas para a droga veio salientar a necessidade de privilegiar na luta contra a droga o grande tráfico, em detrimento dos retalhistas, pois, conforme expressamente se diz em tal relatório, nenhum sistema penal ou penitenciário aguentará a repressão generalizada.

Como se salienta no recente Acórdão do STJ, de 17.03.2010, in www.dgsi.pt, o crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.ºdo DL 15/93,de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art. 21.º, do citado DL 15/93.Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. É pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade.

Segundo tal acórdão, tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor da acção e do resultado, deverá ser feita a partir de todas as circunstâncias que, em concreto, se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito, quer do ponto de vista da acção, quer do ponto de vista do resultado.

O ainda mais recente Acórdão do S.T.J., de 23/11/2011, Processo n.º 127/09.3PEFUN.S1 - 5ª Secção, relatado pelo Exmo. Conselheiro Santos Carvalho, in www.dgsi.pt, após descrever, de modo exaustivo, a evolução que a interpretação do citado artigo tem sofrido na nossa jurisprudência, avança com alguns factores que devem estar presentes no caso a apreciar, de modo a que possamos estar perante a prática do citado crime.

Pela sua pertinência, passamos a citar, com a devida vénia, tal acórdão:

            “Diríamos, em suma, que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas:                                                                                    i) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet);                                                                                                      j) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;                                                            k) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;                                                   l) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas;                                                                                                                                        m) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;                                                                                                        n) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;                                       o) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;                                p) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.”                                    Ora, no caso em apreço, os factos provados demonstram que o recorrente não está dentro dos critérios anteriormente definidos.                                                                           Com efeito, estamos perante um indivíduo que age em colaboração com familiares e que não pode ser entendido como um vulgar “vendedor de rua”, já que a sua residência sita no Bairro . funcionava como local de abastecimento para os consumidores.

Acresce que o arguido revela, até, astúcia na sua actividade, mantendo-se à margem de contactos directos com os interessados na aquisição de estupefacientes.                                       Por outro lado, as quantidades de estupefacientes apreendidas não são diminutas, assim como o dinheiro na posse do recorrente, aquando da revista pessoal a ele efectuada excede o salário mínimo mensal, sendo certo que, face ao facto provado n.º 39, resulta demonstrado que vivia apenas da venda de estupefacientes.                                                                                           Dúvida não há, portanto, de que os factos provados devem ser qualificados no crime por que foi o recorrente condenado na decisão recorrida, o do art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

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6) Da punição a título de cumplicidade (crime de detenção de arma proibida):

            O recorrente defende, ainda, que, de qualquer das formas, não deve ser punido como co-autor da prática do crime ora em questão, mas, quanto muito, como cúmplice, nos termos do que afirma na alínea X) das suas conclusões (parte final).                                                              Como todos sabem, as formas de comparticipação da autoria e da cumplicidade apresentam diferenças nítidas.                                                                                                 A co-autoria pressupõe um elemento subjectivo, o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.                                                    A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.                                                                               O autor deve ter o domínio funcional do facto; o co-autor tem também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo.              O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização da finalidade pretendida.                                                                                                          A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume.                                                                                                                          Por isso, só pode ser autor quem, de acordo com o significado da sua contribuição objectiva, governa e dirige o curso do facto (cf. Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, trad. da 5.ª ed., 1996, págs. 701-702).                                   O domínio do facto remete para princípios distintos, em paralelo com as possibilidades de divisão do trabalho: domínio do facto mediante a realização da acção executiva (domínio do facto formal vinculado ao tipo); decisão sobre a realização do facto (domínio do facto material como domínio da decisão) e domínio do facto através da configuração do facto (domínio do facto material como domínio de configuração).                                                                  Quando intervêm vários agentes podem distribuir-se os vários elementos por partes: cada um deve tomar parte em algum dos três âmbitos de domínio, mesmo quando um configura e outros executam; na medida em que o titular do domínio do facto formal não está dominado por um autor mediato, também nele reside o domínio do facto.                                           A autoria tem de definir-se, ao menos, como domínio de um dos âmbitos de configuração, decisão ou execução do facto, não sendo relevante o domínio per se, mas apenas enquanto fundamenta uma plena responsabilidade pelo facto.                                                De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o se e o como da execução do facto.                                                               A outra forma de comparticipaçãoa cumplicidade –, definida no art. 27.º do CP («é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso»), pressupõe um apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto.                                                         A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.               A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la – cf. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, vol. II, ed. Verbo, pág. 179.                                 A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objectiva, mas, embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime – cf. Germano Marques da Silva, ob. cit. págs. 283-291.                  Assim sendo, considerando os factos provados, nomeadamente o ponto 42 (não impugnado), dúvidas não restam de que o recorrente é co-autor e não mero cúmplice.

            Aliás, como bem é salientado no douto Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, “no que respeita à detenção das armas, o que se verifica é que as mesmas pertenciam ao casal formado pelo recorrente e pela A... e que foram estes que as possuíram, não pondo o mesmo sequer isso em causa, apenas centrando a sua motivação na abertura do buraco onde aquelas foram escondidas, que não é aqui relevante, antes o sendo a aludida posse não posta em causa.

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7) Da medida da pena:                                                                                                        - Esta questão é comum aos dois recorrentes:

O arguido B... sintetiza a sua posição na alínea Z) das suas conclusões, cujo teor aqui se considera reproduzido.

A arguida C..., defende, no essencial, que o tribunal não deu o devido valor às circunstâncias de ser delinquente primária, ter confessado os factos, não ter mantido um papel tão relevante como os co-arguidos, ter um filho menor a seu cargo, e de estar sujeita à obrigação de permanência na habitação há mais de 10 meses.                                                        Façamos, desde já, uma breve análise sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento.

Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).                                                                                                            Revertendo ao nosso caso, relembre-se o teor do acórdão, no que para agora interessa:            “Vertendo agora a nossa atenção sobre os factores de medida da pena previstos no n.º 2 do citado artigo 71.º, do Código Penal, há que considerar a gravidade da ilicitude, indiciada pelo número e grau de violação dos interesses ofendidos, suas consequências e eficácia dos meios utilizados, e que no caso é acentuada no que se refere à actividade de tráfico desenvolvida pelo casal A...e B..., aquela na liderança de tal actividade até pela situação processual em que se encontrava o arguido, sendo a arguida C..., “nora” daqueles num papel não tão relevante, mas numa actuação que se prolongou, mesmo após ter sido interceptada na primeira abordagem, reincidindo nessa actividade após a detenção dos demais arguidos e até ela própria ser sujeita a medida detentiva; tendo em conta o interesse protegido de saúde pública e o grave perigo que para esta representou a actuação dos arguidos, atento o tipo de droga em causa (heroína e cocaína), grande quantidade apreendida; as circunstâncias dos factos e forma de actuação dos arguidos, bem como objectivo por estes visado.       Com efeito, a quantidade de droga apreendida, é reveladora da elevada gravidade do crime aqui em causa, indiciadora de lucros relevantes na sua consecução (como alias se extrai das quantias e ouro apreendidos, sobretudo na posse dos arguidos A... e B...), e da potencialidade da sua difusão pelos consumidores.                                                                                                                                          O dolo mostra-se intenso, dolo directo, os arguidos representaram o significado ilícito das suas condutas e quiseram praticar os factos.                                                                           Em desfavor do arguido B..., os seus antecedentes criminais, pela prática de crimes de idêntica natureza pelos quais tem sofrido penas de prisão consecutivas, situações que revelam de forma notória a insensibilidade do arguido ao efeito dissuasor das penas anteriormente impostas, não o desmotivando da prática de novos ilícitos criminais, revelando necessidades acrescidas de prevenção especial e geral, tendo cometido os factos em apreciação, no período de preparação para a liberdade condicional que lhe foi concedido com a obrigação de permanência na habitação.                                                                                  Também a arguida A..., tem em seu desfavor a existência de antecedentes criminais, pela prática de crime de idêntica natureza, no que se refere ao tráfico de estupefacientes, e que do mesmo modo não foram susceptíveis as anteriores condenações de a afastar da prática de novo ilícito criminal, tendo já após a prática destes factos sofrido nova condenação em pena de prisão, pela prática do mesmo ilícito, o que revela acrescidas as necessidades de prevenção especial e de prevenção geral relativamente à mesma.                        No que se refere a estes dois arguidos, B... e A..., haverá também a salientar que a sua postura não revela qualquer sinal de arrependimento e de interiorização do desvalor dos actos praticados e das consequências da sua actuação.

No que se refere à arguida C..., pese embora a ausência de antecedentes criminais, verifica-se que a mesma reincidiu na sua actuação, apesar de ter sido detida num primeiro momento e ser sujeita a medida de coacção em liberdade, o que não foi susceptível de a afastar da prática do crime em apreciação, vindo logo após a ser surpreendida novamente nessa actividade delituosa, sendo ainda de considerar em seu favor a confissão de factos que efectuou, pese embora o facto de que tal confissão deverá ser valorada no contexto de flagrante delito em que foi detida.                                                                                          Por último, as necessidades de prevenção geral são elevadíssimas neste tipo de crimes, quer pela frequência com que ocorrem os ilícitos (tráfico), quer pelas consequências negativas que implicam para a segurança (traduzida na criminalidade associada, mormente contra o património e contra as pessoas) e saúde públicas.”

Nenhuma censura merece a apreciação feita no acórdão recorrido, no tocante às medidas concretas das penas. Na realidade, esta é bem concisa e elucidativa, sendo desnecessário acrescentar algo mais, pois tal pecaria por redundância.  

            Por conseguinte, as penas surgem como ajustadas à ilicitude das condutas dos arguidos, à gravidade dos factos cometidos e às necessidades de prevenção geral e especial.

Daqui decorre que fica prejudicado o conhecimento da questão, no que diz respeito à suspensão da execução de pena (arguida C...).

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            IV – DECISÃO:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento aos recursos e, em consequência, confirmar, na íntegra, o acórdão recorrido. 

Custas pelos recorrentes, fixando-se a respectiva taxa de justiça em sete UC.


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José Eduardo Martins (Relator)

Maria José Nogueira





[1] - cfr. Prof. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967/1968, n.º 4 - Os Princípios de Processo Penal.
[2] La Prova Penale, pág. 9 e segs.
[3] “A liberdade de apreciação da prova não pode estar mais longe das meras conjecturas e das impressões sensitivas injustificáveis e não objectiváveis” - Paulo Saragoça da Mata, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade de Direito de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Coordenação Científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, pág. 231.
[4] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, secção de textos da FDUC, 1988-9, págs. 140.
[5] Paulo Saragoça da Mata, ob. cit., pág. 251.
[6] Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. I, pág. 211.
[7] Cfr., Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Vol. I, pág. 202-206.
[8] Cfr. Prof. Castro Mendes, Do Conceito de Prova em Processo Civil, pág. 302).
[9] Paulo Saragoça da Mata, A livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade da Universidade de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, com a colaboração do Goerthe Institut, Almedina, pág. 261-279.