Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
810/12.6JACBR-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: REEXAME DOS PRESSUPOSTOS
PRISÃO PREVENTIVA
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
RELATÓRIO SOCIAL
Data do Acordão: 02/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALVAIÁZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 213º Nº 3 E 4 CPP
Sumário: A prévia audição do arguido e a realização de relatório social não constituem diligências impostas por lei no âmbito do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, ficando ao prudente critério do juiz a decisão sobre a necessidade ou desnecessidade da sua realização.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

1. Nos autos de inquérito n.º 810/12.6JACBR, a correr termos nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Alvaiázere, de que os presentes autos constituem apenso, foi proferido, em 9.8.2013, despacho pela Mma. Juiz de Instrução Criminal, a qual, apreciando o requerimento apresentado pela arguida..., constante de fls. 17 a 21, que requereu a declaração de nulidade do despacho exarado em 7.8.2013, no qual foi indeferida a audição presencial da arguida e a elaboração de relatório social no âmbito de reexame dos pressupostos da prisão preventiva, indeferiu a arguição de nulidade por entender não ter sido omitida qualquer diligência obrigatória de inquérito.

2. Inconformada com tal despacho, dele interpôs recurso a arguida, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição):

......

3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.

4. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta à motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, a arguida nada disse.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

                                          *

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. É o seguinte o teor do despacho recorrido (transcrição):

..................

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2. Apreciando.

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal([i]) que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso([ii]), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso([iii]).

A questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber se deve ser mantido o despacho recorrido que, por considerar não ter sido omitida qualquer diligência obrigatória de inquérito, indeferiu a nulidade invocada pela arguida no requerimento de fls. 2407 a 2411.

Como se retira das peças processuais que instruem o presente apenso de recurso a arguida veio invocar tal nulidade por, na sequência de requerimento que apresentou em 5.8.2013, não ter sido deferida a realização de relatório social e a sua audição presencial com vista ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva a que se encontra sujeita.

Está em causa, portanto, a não realização de diligências que foram requeridas no âmbito da revisão da medida de coação aplicada à arguida.

Sustenta a arguida que, ao não ter sido deferida a sua audição prévia ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva e bem assim a solicitação de relatório social, foi cometida a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal.

De acordo com o disposto no artigo 120.º, n.º 2, d), constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais, a insuficiência de inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

Como resulta da utilização do advérbio “posterior” a omissão de diligências que pudessem reputar-se como essenciais para a descoberta da verdade apenas constitui nulidade relativamente à omissão de actos processuais na fase de julgamento e recurso e não na fase de inquérito ou de instrução([iv]).

No que diz respeito à fase de inquérito constitui nulidade, nos termos do citado preceito, a insuficiência do inquérito por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, o que não é, todavia, o caso das diligências que foram requeridas pela arguida.

No caso de reexame dos pressupostos da prisão preventiva, dispõe o n.º 3 do artigo 213.º que, sempre que necessário, o juiz ouve o Ministério Público e o arguido.

A prévia audição do arguido não é, pois, obrigatória, dependendo de juízo de necessidade cuja formulação compete ao juiz, ou seja, terá ou não lugar conforme o juiz a julgue ou não necessária segundo a avaliação que fizer do caso concreto.

A não audição do arguido prévia ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva não constitui violação de qualquer direito, designadamente do previsto no artigo 61.º, n.º 1, b) pois esta norma não tem prevalência sobre o artigo 213.º, n.º 3, sendo que este constitui, aliás, uma das excepções previstas naquele, o qual estabelece que o arguido goza do direito de ser ouvido pelo juiz de instrução sempre que ele deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte mas ressalva expressamente as excepções previstas na lei.

De igual modo, não é obrigatório, como acto prévio ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva nos termos do artigo 213.º, proceder à elaboração de relatório social, a qual, aliás, apenas é possível se requerida ou autorizada pelo arguido.

O n.º 4 do artigo 213.º estabelece que, a fim de fundamentar as decisões sobre a manutenção, substituição ou revogação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, pode solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização.

A realização de relatório social não é, portanto, mesmo quando requerida, obriga­tória pois referindo a lei que o juiz pode, oficiosamente ou a requeri­mento, solicitá-lo (desde que o arguido consinta), deixa também no juízo prudencial do juiz a decisão sobre a sua necessidade.

A prévia audição do arguido e a realização de relatório social não constituem, portanto, diligências impostas por lei no âmbito do reexame dos pressupostos da prisão preventiva, ficando ao prudente critério do juiz a decisão sobre a necessidade ou desnecessidade da sua realização([v]).

Assim, não sendo a prévia audição do arguido e a elaboração de relatório social diligências impostas por lei mas actos facultativos que não sendo levados a cabo devem ser justificados nos termos do n.º 5 do artigo 97.º, conclui-se que não foi omitida a prática de qualquer acto legalmente obrigatório, susceptível de integrar a nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º

Consequentemente, o despacho recorrido que indeferiu a nulidade suscitada pela recorrente por considerar não ter sido omitida qualquer diligência obrigatória de inquérito não merece censura.

Uma última nota para referir que o presente recurso foi interposto do despacho proferido em 9.8.2013 que se pronunciou sobre a arguição de nulidade e não também do despacho proferido em 7.8.2013 que indeferiu a realização das diligências requeridas pela arguida pelo não cabe no seu objecto a apreciação dos fundamentos desta decisão.

Improcede, portanto, o interposto recurso.

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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida ...........e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

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                   Coimbra, 5 de Fevereiro de 2014

                    

Fernando Chaves (Relator)

Jorge Dias


[i] - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.
[ii]  - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997 e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.
[iii] - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.
[iv] - Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 11/5/2005, disponível em www.dgsi.pt/jtrp.; Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição actualizada, página 306.
[v] - Cfr., neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 4/11/2004, in CJ, Ano XXIX, Tomo V, pág. 129; Acórdãos da Relação de Guimarães de 8/5/2006, Proc.º 783/06-1 e de 11/1/2010, Proc.º 420/09.5JABRG.G1; Acórdão da Relação de Coimbra de 22/4/2009, Proc.º 458/07.7JACBR-C.C1, in www.dgsi.pt