Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1556/15.9T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
REQUISITOS
MOTIVOS
MÁ FÉ PROCESSUAL
NEGLIGÊNCIA GRAVE
Data do Acordão: 11/10/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 359º, 368º, 384º DO C. TRABALHO; 542º DO NCPC.
Sumário: I – O nº 1 do artº 368º do C.Trabalho estabelece os requisitos exigidos para que o despedimento por extinção do posto de trabalho possa ter lugar, e que são, cumulativamente, os seguintes:
a) Os motivos invocados não sejam devidos a uma conduta culposa do empregador ou do trabalhador;

b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;

c) Não existam na empresa trabalhadores contratados a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;

d) Não se aplique o regime previsto para o despedimento colectivo.

II – Quer no despedimento colectivo, quer no fundado em extinção do posto de trabalho, os fundamentos da cessação do contrato de trabalho respeitam à empresa, relevam do conjunto de circunstâncias ou condições em que se desenvolve a actividade da própria organização produtiva.

III – Os motivos que justificam a extinção do posto de trabalho são definidos por lei e são aferidos nos termos do artº 359º, nº 2 do C.Trabalho: motivos de mercado (redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado); estruturais (desequilíbrio económico financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes); ou tecnológicos (alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação).

IV – A legalidade desse tipo de despedimento terá de ser aferida com respeito pelo critério empresarial e nunca à luz de mecanismos de viabilização da empresa, não competindo ao julgador substituir-se ao empregador, cabendo-lhe tão só um juízo racionalmente controlável sobre os fundamentos do despedimento.

V – Para a extinção do posto de trabalho não é necessário que desapareçam todas as funções inerentes ao mesmo, pois o legislador aceita que as funções correspondentes aos postos de trabalho extintos possam permanecer para além da extinção, como decorre da referência ao ‘conteúdo funcional’, constante do nº 2 do artº 368º CT, que não teria sentido se a extinção ficasse reduzida aos casos em que as funções desaparecem na totalidade.

VI – Sendo de primordial importância o princípio da cooperação e os deveres de boa fé e da lealdade processuais, temos que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má fé, e não apenas uma conduta dolosa.

Decisão Texto Integral:







                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A... (adiante designada por Autora) instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, contra B... (adiante designada por Ré), através do formulário a que se alude no artº 98º, nº 1, do Cod. Proc. Trabalho, na versão do  Decreto-Lei nº 295/2009 de 13/10, alegando que foi despedida pela Ré em 31/10/2015, por extinção do posto de trabalho.

                         Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes, a Ré apresentou articulado de motivação do invocado despedimento, sustentando a regularidade do processo e o preenchimento dos requisitos de que depende o despedimento por extinção do posto de trabalho.

                        A Autora apresentou contestação /reconvenção, invocando não estarem verificados aqueles requisitos, sendo o despedimento devido aos desentendimentos entre a trabalhadora e o empregador.

                        Em reconvenção, pronunciou-se pela reintegração, alegando ainda que, caso seja dada razão ao empregador, o valor da compensação devida é superior ao alegado por este, existem outros créditos e que a compensação não foi disponibilizada no momento da cessação do contrato de trabalho.

                        Concluiu pedindo que, na procedência da ação:

                        a. Seja declarada a ilicitude da extinção do posto de trabalho;

                        b. Seja a Ré condenada a pagar as retribuições que a Autora deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declara a ilicitude do despedimento.

                        Na procedência da reconvenção:

                        a. Seja a Ré condenada a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho;

                        Caso o Tribunal entenda dar razão à Ré:

                        a. Seja condenada a Ré a pagar à Autora a quantia total de € 7.498,82, a título de compensação e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;

                        b. Seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 1.294,12, a título de formação não dada;

                        c. Seja a Ré condenada a pagar à Autora os juros, à taxa legal, sobre todas as importâncias reclamadas.

                        A Ré articulou resposta, na qual, além de sustentar a licitude do despedimento, reafirmou a impossibilidade de reintegração da Autora, alegando ainda ter sido posta à disposição desta a devida compensação, tendo sido a Autora quem recusou o seu recebimento.

                        Concluiu pela improcedência das excepções e dos factos novos alegados pela Autora e pela improcedência da reconvenção, concluindo como no articulado de motivação do despedimento.

                        Realizado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

                        “Em face do exposto decide o Tribunal:

                                                                       I.

                        Julgar improcedente a ação, declarando lícito o despedimento da Trabalhadora A... , por extinção do posto de trabalho, promovido pelo Empregador « B... ».

                                                                       II.

                        Julgar parcialmente procedente a reconvenção, condenando o Empregador « B... » a pagar à Trabalhadora A... :

                        i. A importância de € 7 592,82 (sete mil quinhentos noventa e dois euros oitenta e dois cêntimos), a título de compensação e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;

                        ii. A importância que se se vier a liquidar em incidente posterior, a título de formação contínua não dada dos anos de 2008 a 2010, 2012, 2013, 2014 [19 (dezanove) horas] e 2015 [na proporção de (cinco sextos)];

                        iii. Juros de mora, à taxa legal, contados, sobre a importância líquida, desde a data da notificação ao Empregador do pedido reconvencional e contados, sobre o montante a liquidar, desde a data da liquidação.

                                                                       III.

                        Absolver o Empregador « B... » do restante pedido.

                                                                       IV.

                        Condenar a Trabalhadora A... , como litigante de má-fé, numa multa no montante de 5 (CINCO) UC’S.

                                                                       V.

                        Condenar o Empregador « B... » no pagamento de 30% (trinta por cento) das custas do processo, fixando-se o valor da causa, sem embargo de posterior correção, em € 28 649,61 (vinte e oito mil seiscentos quarenta e nove euros sessenta e um cêntimos)”.

                                               x

Parcialmente inconformada, a Autora veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

[…]
                        A Ré contra-alegou, propugnando pela manutenção do julgado.
                        Foram colhidos os vistos legais.

                        O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer fundamentado no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x

                        Definindo-se o âmbito do recurso  pelas suas conclusões, temos, como questões a apreciar:

                        - se se mostram verificados os requisitos para a extinção do posto de trabalho da Autora.

                        - se se justifica a condenação da Autora como litigante de má fé, e, em caso afirmativo, se se mostra adequado o montante da multa.
                                                                      x

                        Como ponto prévio, importa referir que, embora no corpo das  alegações e nas conclusões de recurso, a apelante faça referência a documentos juntos ao processo e a prova testemunhal, não o faz em termos de impugnar a matéria de facto, nos termos e com os requisitos estabelecidos no artº 640º do CPC, o que torna absolutamente  irrelevante essa argumentação.

                        Assim, temos que na 1ª instância se considerou provada a seguinte factualidade, não objecto de impugnação:

                        […]

                                                                       x
                        - o direito:
                        - a primeira questão: os requisitos para a extinção do posto de trabalho da Autora

                        Escreveu-se na sentença recorrida:      

                        “No presente caso, o Empregador invocou, como fundamento para a extinção do posto de trabalho da Trabalhadora, a externalização ou recurso a outsourcing dos serviços de lavandaria, com benefícios económicos para a instituição.

                        Trata-se de motivos estruturais, suscetíveis de fundar o despedimento por extinção do posto de trabalho.

                        Impõe-se, todavia, que essa reestruturação seja vantajosa para a organização produtiva, não constituindo simples cobertura para um despedimento por outras razões.

                        Ora, no caso vertente apurou-se que os gastos económicos com o serviço de lavandaria são agora tendencialmente inferiores aos valores anteriores.

                        E dizemos tendencialmente, dado que apenas se apurou o valor mínimo das despesas, ficando em aberto a possibilidade de qualquer um dos valores ser superior, podendo, em última análise, implicar uma inversão de proporções.

                        Não resulta, contudo, demonstrado que o Empregador tenha definido uma opção ruinosa ou desajustada, de modo que se conclui que a extinção do posto de trabalho se fundou efetivamente em motivos estruturais.

                        Sendo aquele o pressuposto inicial de licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho, o artigo 368º, nº 1, do Código do Trabalho contempla outros requisitos, dispondo:

                        “1 – O despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar desde que se verifiquem os seguintes requisitos:

                        a) Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;

                        b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;

                        c) Não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;

                        d) Não seja aplicável o despedimento coletivo”.

                        Alega a Trabalhadora que o Empregador está obrigado a manter serviço de lavandaria, sendo que, mesmo com recurso à solução externa, sempre haverá que realizar tarefas próprias do serviço de lavandaria.

                        De acordo com o ponto 2.3. da Ficha nº 5 do Anexo ao Despacho Normativo nº 28/2006, de 3 de maio, norma invocada pela Trabalhadora:

                        “2.3 – A área da lavandaria pode ser dispensada caso se proceda à lavagem e ao tratamento de roupa no exterior. Neste caso, deve ser considerado um compartimento com os espaços necessários à localização e funcionamento de uma máquina de lavar, à receção da roupa, depósito, separação e expediente em boas condições de higiene e de funcionamento”.

                        Salvo o devido respeito, da leitura da norma não retiramos a obrigatoriedade de manutenção de serviços de lavandaria, limitando-se a norma a determinar que se considere a existência de um compartimento com aquelas condições.

                        Por outro lado, a separação, entrega e recolha da roupa, por setores de atividade, foi sempre tarefa das auxiliares que prestam serviços em cada setor, o que significa que as atividades residuais de lavandaria, a desempenhar no Empregador, não estão reservadas a funcionários de lavandaria com a Trabalhadora.

                        Não resultando assim que os motivos indicados sejam devidos a conduta culposa do Empregador ou da Trabalhadora, não sendo também caso de procedimento de despedimento coletivo, atenta a configuração deste (artigo 359º, nº 1, do Código do Trabalho), nem estando demonstrada a existência de contratos de trabalho a termo para exercício de tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto, bem como a existência de postos de trabalho compatíveis com a categoria profissional da Trabalhadora (artigo 368º, nº 4, do Código do Trabalho), mostram-se verificados os aludidos requisitos de que depende a licitude do despedimento por extinção de posto de trabalho”.

                        Subscrevemos integralmente este entendimento.

                        O nº 1 do artº 368º do CT  estabelece os requisitos exigidos para que o despedimento por extinção do posto de trabalho possa ter lugar, e que são, cumulativamente, os seguintes:
                        a) os motivos invocados não sejam devidos a uma conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
                        b) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
                        c) não existam na empresa trabalhadores contratados a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;

                        d) não se aplique o regime previsto para o despedimento colectivo;
                        Nos termos do nº 4 de tal artigo  “Para efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador”.

                        De acordo com o artº  384º do CT,  o despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito, além dos fundamentos previstos no art. 381º, sempre que o empregador:

                        “a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º;

                         b) Não observar o disposto no n.º 2 do artigo 368.º;

                         c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º;

                         d) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho”.

                        Escreve o Professor Pedro Romano Martinez (Apontamentos Sobre a Cessação do Contrato de Trabalho à Luz do Código do Trabalho, páginas 119 e 120), sobre as normas idênticas do CT de 2003, mas que mantém plena actualidade, dada a similitude do regime, que os motivos para a extinção do posto de trabalho coincidem com os fixados para o despedimento colectivo, traduzindo-se em motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, no fundo, motivos económicos relacionados com a empresa.

Quer no despedimento colectivo, quer no fundado em extinção do posto de trabalho, os fundamentos da cessação do contrato de trabalho respeitam à empresa, relevam do conjunto de circunstâncias ou condições em que se desenvolve a actividade da própria organização produtiva.

O motivo justificativo situa-se na área da empresa (é inerente à organização produtiva e exterior às relações de trabalho) e a sua natureza é essencialmente económica, por isso se distingue do despedimento com invocação de justa causa em que o pressuposto material se traduz na verificação de uma justa causa, imputável a título de culpa à pessoa do trabalhador e apurada em processo disciplinar.

                        Os motivos que justificam a extinção do posto de trabalho são definidos por lei e são aferidos nos termos do artigo 359º, nº, 2 do CT: motivos de mercado (redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado); estruturais (desequilíbrio económico financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes); ou tecnológicos (alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação).

O despedimento por extinção do posto de trabalho, assentando na autonomia contratual do empregador ligada às necessidades de dimensionamento da sua empresa, tem subjacente premissas economicistas, pelo que, realizado o despedimento de acordo com as formalidades a que ele se encontra sujeito, o seu controle judicial terá de se harmonizar com a liberdade da empresa e da sua gestão, tendo-se presente o fim em causa.

Assim, a legalidade do despedimento terá de ser aferida com respeito pelo critério empresarial e nunca à luz de mecanismos de viabilização da empresa, não competindo ao julgador substituir-se ao empregador, cabendo-lhe tão só um juízo racionalmente controlável sobre os fundamentos do despedimento - Ac. do STJ de 7/11/2001, proc. 01S594, in www.dgsi.pt.

                        Lobo Xavier,  refere, a este propósito, in Manual de Direito do Trabalho, a pags 775 a 776:

                        “Supomos que o tribunal pode e deve controlar a existência de uma decisão de gestão fundada nos motivos alegados (ainda que, porventura, meramente virtuais, em função de uma previsão da evolução estrutural da empresa ou do mercado), mas com limites prudentes e que só o deve ser levado a anular decisões manifestamente irrazoáveis ou arbitrárias, com rebuscadas e imaginosas motivações, ou com vantagens absolutamente desprezíveis.

O empregador pode formatar a empresa dentro do que entende adequado, não devendo o tribunal substituir os critérios de gestão por outros que entenda mais adequados. (...) o que supomos controlável no plano da improcedências dos motivos é, sobretudo, a extinção ou não de postos de trabalho. Se o posto de trabalho continuar a existir, preenchido por outros trabalhadores, teremos comprovado que se verifica a referida “improcedência” do fundamento”.

                        Todavia, e como se refere no Ac. da Relação de Lisboa de 25/1/2012, disponível em www.dgsi.pt,  o facto das decisões do empregador a esse nível constituírem actos de gestão não pode impedir o tribunal de verificar se as medidas são tomadas com respeito pelos direitos dos trabalhadores, sem que isso signifique que o tribunal se esteja a substituir ao empregador, ou a imiscuir-se na gestão da empresa.

                        Neste sentido, a jurisprudência (ver acórdãos da Rel. Lisboa de 23/04/2008, de 11/11/2009, 10/11/2010, 10/11/2012, 10/4/2013 e 24/4/2013 e do STJ de 7/07/2009, 15/3/2012 e de 21/3/2013, todos disponíveis no referido site), no âmbito do controle material da motivação do despedimento, tem considerado que este deve abranger basicamente:

                        1° - A verificação da veracidade do motivo invocado;

                        2° - A verificação da existência de um nexo de causalidade entre os motivos invocados e o despedimento, de molde a concluir-se que, de acordo com juízos de razoabilidade, aqueles são adequados a justificar a redução de trabalhadores;

            3°- Finalmente, tem-se também entendido que se deve controlar a proporcionalidade entre a motivação apresentada e decisão de despedir e racionalidade dessa medida, face à necessidade de ponderar os dois valores constitucionais em jogo (iniciativa económica privada versus segurança no emprego - artºs 61° e 53° da CRP).

            Por outro lado, para a extinção do posto de trabalho, não é necessário que desapareçam todas as funções inerentes ao mesmo, pois o legislador aceita que as funções correspondentes aos postos de trabalho extintos possam permanecer para além da extinção, como decorre da referência ao "conteúdo funcional", constante do nº 2 do artº 368º do CT, que não teria sentido se a extinção ficasse reduzida aos casos em que as funções desaparecem na totalidade- cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª ed., pag. 587.
                        Nesse nº 2 do artº 368º ( na redacção da Lei nº 27/2014, de 8/5, que é a aqui aplicável) estabelece-se que “Havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios:
                        (...)”
                        No que respeita à impossibilidade de manutenção do vínculo laboral, e recordando o que se dispõe no nº 4 desse artº 368º, a subsistência da relação de trabalho torna-se praticamente impossível desde que, extinto o posto de trabalho, o empregador não disponha de outro que seja compatível com a categoria do trabalhador.
                        Importa reter, contudo, que a compatibilidade de categorias a que acabou de aludir-se deve ser aferida por referência à categoria interna do trabalhador e não à sua categoria funcional- Acórdãos do STJ de 18/6/2014, proferido no processo 2163/07.5TTLSB.L1.S1, de 29/10/2013, proferido no processo 298/07.3TTPRT.P3.S1, de 29/5/2013, proferido no processo 1270/09.4TTLSB.L1.S1, de 15/3/2012, proferido no processo 554/07.0TTMTS.P1.S1; Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 4ª edição, p. 901.
                        Recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos justificativos do despedimento e que se consideram susceptíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho (referido Ac. do STJ de 7/7/2009).

                        A ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador e na acção de impugnação do despedimento, “o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador” (artº 387º, nºs 1 e 3).
                        Daí que, para efeito de apreciação dos fundamentos da alegada extinção do posto de trabalho, o tribunal se deva cingir aos factos que foram invocados, na acção, como motivadores da extinção do posto de trabalho.
                        A jurisprudência – de que é exemplo a citada - tem-se pronunciado no sentido das exigências de concretização dos factos que podem conduzir ao despedimento por causas objectivas, designadamente por extinção do posto de trabalho, e de modo a que esses factos conduzam, necessariamente, à impossibilidade prática de determinado contrato de trabalho.

            No caso que nos ocupa, na comunicação de despedimento a Ré invocou motivos estruturais e económicos para a extinção do posto de trabalho, que vieram  ser dados como provados- essencialmente os factos 1 e 2, 3 17 e 18.  A Ré decidiu contratar os serviços de lavandaria e tratamento de roupa, onde a Autora desempenhava as funções de encarregada, através de prestadores de serviços externos, tendo, após consulta ao mercado, adjudicado tais fornecimentos externos à empresa “L…, Ld.ª”, assim suportando custos tendencialmente inferiores aos que resultavam do serviço interno de lavandaria.

                        Tratou-se de um acto de gestão perfeitamente justificado e certamente não ruinoso ou irresponsável, não passível de qualquer reparo do género dos que se descreveram.

                        Nem está minimamente demonstrado, como alega a Autora, que o seu despedimento tenha sido motivado por razões de simples perseguição. Tal não resulta da mera constatação da instauração de procedimentos disciplinares, que mais não são do que manifestação do exercício do poder disciplinar, que a Autora não demonstrou que tenha sido usado com manifesta intenção de prejudicar os seu direitos enquanto trabalhadora. A confissão do pedido a que se refere o facto 13 mais não demonstra do que isso mesmo- essa confissão.

                        Por outro lado, não releva que a Autora também exercesse  as funções de costureira. Para além de que, atendendo a que era encarregada de lavandaria e sendo a única funcionária desta (como invoca na conclusão XXIX), essas funções estavam de certo conexas com essa sua actividade, já vimos que  para a extinção do posto de trabalho não é necessário que desapareçam todas as funções inerentes ao mesmo.

                        Dos diplomas legais citados pela recorrente não resulta, como se salienta na sentença, que fosse obrigação da Ré  manter os serviços internos de lavandaria, sendo que, e como refere a Ré, nas suas contra-alegações, eles preveem expressamente a possibilidade de recorrer à contratação externa e a única exigência imposta aos serviços é que disponham de espaços /compartimentos com capacidade para arrumar e seccionar a roupa dos utentes.

                        Por ultimo, importa esclarecer que a Autora nada veio dizer, em sede recursiva,  sobre a compatibilidade de categorias a que se refere o nº 4 do artº 368º do CT, com o sentido e alcance que referimos, pelo que tal questão não constitui objecto do recurso.

                        É, pois, de confirmar a sentença nesta parte.

                        - a litigância de má-fé:

                        Escreveu-se, a este respeito, na sentença:

                        “Tendo a Trabalhadora começado por alegar que nunca teve formação profissional, em requerimento de fls. 178-180 / referência (…), foi mais longe afirmando não só que “não corresponde à verdade que a Autora tivesse aulas de inglês na Ensiguarda, impugnando-se a veracidade do documento”, como ainda que “visto que a mesma nunca assinou tal certificado, apesar de constar a sua suposta assinatura”.

                        Perante as folhas de presença, contendo a sua assinatura, a Trabalhadora afirmou “face à junção, aos presentes autos, dos documentos juntos na audiência de julgamento, vem impugnar os mesmos, uma vez que não reconhece, em nenhum deles (por não os ter assinados) as assinaturas apostas como sendo da sua autoria” (fls. 199-201 / referência (…), requerendo, em seguida, perícia à assinatura.

                        Perante o (desfavorável) resultado da perícia, notificada para se pronunciar sobre a eventual condenação como litigante de má-fé, veio reiterar nunca ter assistido às formações, afirmando ser por essa razão que “pôs em questão as folhas de presenças e certificados apresentados pela ré”.

                        Sejamos claros: se, inicialmente, a Trabalhadora assumiu a opção do “salto em frente”, não só negando frontalmente a autoria das assinaturas, como requerendo a realização de uma perícia, o último requerimento revela já uma inflexão de discurso, procurando justificar toda a sua conduta com base na negação da sua presença nas ações de formação.

                        Não teríamos dificuldade em admitir a inexistência de má-fé, caso a Trabalhadora sempre tivesse situado a sua divergência ao nível da presença nas ações de formação.

                        Na verdade, apesar de uma tal negação pôr em causa a veracidade dos certificados, a decisão sobre tal questão sempre se situaria no plano da livre convicção do Tribunal, colocado perante declarações de testemunhas e da própria Trabalhadora confirmando ou infirmando o teor dos documentos.

                        Porém, a Trabalhadora foi nitidamente mais longe, alegando que alguém falsificou a sua assinatura, isto é, imputando a terceiros a prática de um ilícito criminal.

                        E a verdade é que a prova produzida, designadamente a prova pericial, desmentiu a afirmação da Trabalhadora, obrigando-a, em seguida, a tentar recentrar o problema no nível do qual nunca devia ter saído.

                        Admitir que a parte que nega frontalmente um facto pessoal, imputando a terceiros a prática de um crime, vindo a demonstrar-se a falsidade da imputação, não litiga de má-fé, não sendo merecedora de sanção, constitui a derrocada da integridade do sistema judicial, porque, a partir desse momento, haverá que permitir que as partes adotem qualquer comportamento, por mais censurável que seja.

                        Não temos, por isso, dúvidas em afirmar que a Trabalhadora litigou de má-fé.

                        Nem se diga que esta conclusão é contrariada pelo facto de ter sido a própria Trabalhadora a requerer a realização de uma perícia.

                        Nem sempre o conceito segundo o qual “quem não deve não teme” é aplicável.

                        Desconhecemos o motivo que levou a Trabalhadora a assumir essa opção, se foi por descuido, por convencimento que a perícia não teria resultados palpáveis ou como estratégia precisamente para invocar essa iniciativa em momento posterior.

                        O que temos por adquirido é que a Trabalhadora negou um facto pessoal e levantou uma suspeita relativamente a esse facto, quando, no mínimo, teria de estar ciente que não o poderia fazer, pois, no mínimo, exigia-se que admitisse como possível ser sua a assinatura.

                        Impõe-se, por isso, a condenação da Trabalhadora como litigante de má-fé, desde já se afastando a sua condenação numa indemnização, dado que o Empregador não formulou tal pedido.

                        Na determinação da multa, a fixar entre 2 UC’s e 100 UC’s (artigo 27º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais), o Tribunal deve ter “em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste” (nº 4 do artigo 27º).

                        Além destes elementos, não podemos deixar de atender ao facto de a atuação ter sido dolosa ou negligente.

                        A atuação da Trabalhadora implicou um retardamento com algum significado no processo, dada a necessidade de realização de prova pericial.

                        A Trabalhadora agiu dolosamente, não estando configurada uma ação simplesmente negligente.

                        Considerando, contudo, a situação económica da Trabalhadora, privada de receber uma retribuição mensal, atento o despedimento, entendemos fixar a multa em 5 UC’s”.

            Também aqui nada temos a censurar ao decidido.

                        Nos termos do artº 542º, n º2, do CPC,  “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave : a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa”.

                        Sendo de primordial importância o princípio da cooperação e os deveres da boa fé e da lealdade processuais, temos que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má fé, e não apenas uma conduta dolosa.

                        O reconhecimento de uma litigância de má fé tem de identificar-se com situações de clamoroso, chocante, ou grosseiro uso dos meios processuais, por tal forma que se sinta que, com a mesma conduta, se ofendeu ou pôs em causa a imagem da Justiça.

                        A  “lide temerária pode ser hoje sancionada como litigância de má fé visto que, desde a revisão de 1995/1996 do CPC (art. 456.º do CPC/61), passou a ser possível a condenação como litigante de má fé do litigante que agiu com negligência grave.

            Assim, hoje (art. 542.º do NCPC que corresponde ao mencionado art. 456.º do CPC/61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização” – Ac. STJ de 20/03/2014, proc. 1063711.9TVLSB.L1, in www.dgsi.pt

                        A ideia de litigância de má-fé está associada à necessidade de censura de “um comportamento inadequado à ideia de um processo justo e leal que constitui a emanação do princípio de Estado de Direito”- Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13/3/2008, disponível em www.stj.pt.

                        Nas palavras de Cecília Silva Ribeiro, “[a] má-fé processual, em sentido, (…) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de ação, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito”, (“do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil”; ROA, ano 9, págs.83-113, citada por Paula Costa Ribeiro, in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora, 2008, pag. 389).

                        O comportamento processual da Autora foi devida e exaustivamente analisado na sentença, em termos que se nos afigura inútil repetir e que a Autora não refuta minimamente no seu recurso.

            Atento o grau de censurabilidade desse comportamento processual e a situação económica da Autora, parece-nos adequado o montante da multa aplicada – 5 UC.

            Improcede, assim e na sua totalidade, o recurso.
                                                                       x
                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na parte impugnada, a sentença recorrida.

Custas do recurso pela apelante.

                                                           Coimbra, 10/11/2017