Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1942/19.5T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
CUMULAÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL E COMUM
EXECUÇÃO FISCAL ANTERIOR
SUSTAÇÃO DA PENHORA EFECTUADA NA EXECUÇÃO COMUM
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 794.º, 1 E 4 E 850.º, 2, DO CPC
ARTIGO 4.º DA LEI N.º 13/2016, DE 23/5
ARTIGO 822.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 148.º; 239.º; 240.º; 244.º; 246.º, 1 E 248.º E SEG.S DO CPPT
Sumário:
A Administração Fiscal não pode promover, a venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, mas nada impede que um credor que na execução fiscal tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.
Decisão Texto Integral:
 Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.

Proc.º n.º 1942/19.5T8CBR

                                                           1.- Relatório

1.1. O exequente Novo Banco, S.A., com sede na Av. ..., ... ... ..., intentou a presente execução contra os executados AA, BB, residentes 5 Travessa, ..., n.º 2, ..., ..., ... ..., referindo, em síntese:

Por escritura pública outorgada no dia 26 de Dezembro de 2006, o ora Exequente, Novo Banco, S.A., no exercício da sua atividade bancária, concedeu um financiamento a BB e a AA (doravante Executados), sob a forma de contrato compra e venda, mútuo com hipoteca e mandato, no valor de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros), ao abrigo do Regime Geral de Crédito Habitação, pelo prazo de 34 (trinta e quatro) anos – vide Doc.3, cópia da referida escritura pública, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais. Em contrapartida, os Executados confessaram-se solidariamente devedores e comprometeram-se a reembolsar o Exequente da quantia mutuada, acrescida dos juros que fosses devidos, contabilizados nos termos das estipulações vertidas na escritura pública vinda de referir, em quatrocentas e oito prestações mensais, constantes e sucessivas. Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos contratos de mútuo supra referidos, respetivos juros e demais encargos, os Mutuários, aqui Executados, constituíram uma hipoteca voluntária a favor do Banco Exequente sobre o bem imóvel que se identifica: “Fração autónoma, designada pela letra ..., do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...67 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial da  sob o ...43”. Não obstante as constantes e repetidas insistências do Banco Exequente, o incumprimento das obrigações validamente assumidas no âmbito daquele contrato tem vindo a ocorrer desde 25.05.2016, quando permanecia ainda em dívida, a título de capital mutuado, a quantia de € 106.132,56 (cento e seis mil, cento e trinta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos). A este valor acrescem os respectivos juros de mora, calculados à taxa contratualizada de 1,485%, acrescidos da sobretaxa de mora de 3%, desde a data da última prestação paga (25.05.2016) - montante que, ao presente, ascende a € 5.049,70 (cinco mil e quarenta e nove euros e setenta cêntimos).

O que perfaz a quantia total de € 111.182,26 (cento e onze mil, cento e oitenta e dois euros e vinte seis cêntimos).

Acresce que, no dia 27 de Dezembro de 2006, também por escritura pública, o Exequente celebrou, no exercício da sua atividade bancária, um contrato de mútuo com hipoteca e mandato com os Executados, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), pelo prazo de 34 (trinta e quatro) anos, na modalidade de 408 (quatrocentas e oito) prestações mensais, constantes e sucessivas, destinado a fazer face a compromissos financeiros anteriormente assumidos pelos Executados e aquisição de equipamento para a residência destes. Para garantia de todas as responsabilidades assumidas no contrato supra referido, respetivos juros e demais encargos, os Executados constituíram outra hipoteca voluntária a favor do Banco Exequente sobre o bem imóvel atrás referido. A aludida hipoteca foi constituída com a máxima amplitude legal, abrangendo todas as construções, benfeitorias e acessões presentes e futuras e as indemnizações devidas por sinistro, expropriação e quaisquer outras que o ora Exequente “poderá vir a receber de quem competir até à liquidação das responsabilidades da aludida garantia. Não obstante as constantes e repetidas insistências do Banco Exequente, o incumprimento das obrigações validamente assumidas no âmbito daquele contrato tem vindo a ocorrer desde 30.11.2018, quando permanecia ainda em dívida, a título de capital mutuado, a quantia de € 3.806,98 (três mil oitocentos e seis euros e noventa e oito cêntimos). A este valor acrescem os respectivos juros de mora, calculados à taxa contratualizada de 1,730%, acrescidos da sobretaxa de mora de 3%, desde a data da última prestação paga

(30.11.2018) - montante que, ao presente, ascende a € 14,24 (catorze euros e vinte e quatro cêntimos), bem como, da quantia devida a título de Imposto de Selo, calculada de acordo com o disposto na verba 17.3.1 do Código de Imposto de Selo, à taxa de 4% sobre o montante devido a título de juros, que, ao presente, se computa em € 1,81 (um euro e oitenta e um cêntimos, tudo num total de € 3.823,03 (três mil oitocentos e vinte e três euros e três cêntimos).

            Termina referindo que os Executados são devedores do Banco Exequente da quantia global de € 115.005,29 (cento e quinze mil e cinco euros e vinte e nove cêntimos), sendo este ainda  credor dos juros que se venham a vencer até efetivo e integral pagamento do valor em dívida.

                                               ***

1.2. – Foi proferido despacho do seguinte teor:

Atendendo ao facto de a exequente não ter referido expressamente que não desejava que fosse analisado o requerimento de 23.09.2022, passo a proferir despacho sobre o seu teor.

A executada não veio deduzir oposição a essa pretensão.

Apreciando.

*

A questão que importa responder reside no facto de se averiguar se deve ser (ou não) levantada a sustação da execução quanto ao bem aqui penhorado.

Ora, com efeito, o serviço de finanças da ... informou os autos que “o imóvel é habitação própria e permanente do executado, está vedada a sua venda através do Órgão de Execução Fiscal (AT), nos termos do n.º 2 do artigo 244.º do CPPT.”

Deste modo, uma vez que a venda da fração autónoma, designada pela letra ..., do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...67 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial da  sob o ...43, da titularidade dos executados, se encontrar parada no âmbito da execução fiscal mercê do disposto no art.º 244.º, n.º 2 do CPPT, tal venda deverá ser nestes autos executivos promovida, dado que a exequente se encontra em situação similar à prevista no art.º 850.º, n.º 2, do CPC.

A grande maioria da jurisprudência (cfr. Acórdãos do TRC de 26-09-2017, do TRÉvora de 12-07-2018 e de 30-05-2019, do TRGuimarães de 17-01-2019 e de 23-05-2019, do TRLisboa de 12-09-2019 e do TRCoimbra de 18-12-2019, publicados in www.dgsi.pt.) consultada, que sigo, defende que a melhor interpretação do art.º 244.º, n.º 2, do CPPT, será aquela em que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo.

Nestes termo, atendendo à fundamentação antes expendida, decido que:

- perante a informação prestada pela execução fiscal prioritária e o facto de a exequente pretender legitimamente exercer o seu direito de crédito sobre os executados, de acordo com o disposto no art.º 850, n.º. 5, do CPC, a AE deverá proceder ao LEVANTAMENTO da SUSTAÇÃO da penhora registada sobre o imóvel penhorado, prosseguindo os autos com a citação de credores nos termos do art.º 786.º do CPC, com as subsequentes diligências de venda, por forma a atingir o ressarcimento total da quantia exequenda e demais custas (com respeito ainda pelo reconhecimento e graduação de créditos, a efetuar oportunamente).

Notifique e comunique.

                                                           ***

1.3. - Inconformado com tal decisão dele recorreu os executados - BB e AA – terminando a sua motivação com as conclusões que transcrevem:

1. Pelo Douto Despacho de que agora se recorre, foi ordenado o levantamento da sustação da penhora registada sobre o imóvel referente à fração autónoma, designada pela letra ..., do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...67 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial da  sob o art.º ...43.

2. Para tanto fundamenta o Douto Tribunal que ‘’a melhor interpretação do art.º 244.º, n.º 2, do CPPT, será aquela em que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo’’.

3. Salvo o devido respeito, que desde já se salvaguarda, não podem os Executados, aqui Recorrentes aceitar o supra vertido, considerando os mesmos que a Douta decisão recorrida errou de direito ao ordenar o levamento da sustação da penhora.

4. Desde logo, porque esse levantamento consubstancia uma violação cristalina do vertido no n.º1 do artigo 794.º do CPC, nos termos do qual ‘’pendendo mais de que uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga’’.

5. Claro ficando que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – artigo 822.º do CC e 794.º, n.º 1 do CPC.

6. Por outro lado, pese embora o artigo 244.º do CTTP, aditado pela Lei n.º 13/2016 de 23 de maio, vete à Autoridade Fiscal, no âmbito de uma execução fiscal, a venda de imóvel destinado a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim, a interpretação deste preceito legal não pode ser de forma literal e restrita.

7. Com efeito, conforme fundamentado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-05-2020, relativo ao processo n.º 367/16.9T8CVL-C.C1, ‘’a proibição de venda de imóvel destinado exclusivamente à habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim, prevista no n.º 2 do art.º 244.º do CPP apenas diz respeito à venda a impulso da administração fiscal e destinada ao pagamento coercivo de dívidas fiscais do devedor, quanto às dívidas do devedor de outra natureza não preceitua, nem pode preceituar, o CPPT, pois ada nos indica que o legislador quis criar, ainda que indiretamente, um entrave ao prosseguimento das execuções civeis’’ e no mais ‘ ‘’assim, a impossibilidade de venda do imóvel penhora que seja de habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que, à partida, não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito’’.

8. Só uma interpretação neste sentido logra alcançar uma plena harmonia entre o preceituado no artigo 244.º, n.º 2 do CPPT e o vertido no artigo 749.º, n.º 1 do CPC, salvaguardando, igualmente o direito do Exequente a ver satisfeito o seu crédito.

9. Com efeito, uma aplicação dos preceitos legais neste sentido, em conjugação, igualmente, com artigos 239.º e 240.º do CPPT, permitem que o Exequente que quiser obter pagamento do seu crédito pelo produto dos bens duplamente penhorados, o reclame na execução onde foi efetuada e registada a a penhora anterior, para aí ser graduado com a preferência da respetiva penhora

10. Por tudo o exposto, não vinga, igualmente o possível argumento de que não tem lugar a aplicação do artigo 794.º, n.º 1 do CPC nos casos em que a penhora anterior disser respeito a execução fiscal onde se encontre penhorado o imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim, porquanto tal artigo prevê a existência de dinâmica processual e in casu, a execução fiscal de encontra forçosamente ‘’suspensa’’ por força do n.º 2 do art.º 244.º do CPPT.

11. A proibição de venda a que se reporta o n.º 2 do art.º 244.º do CPPT, apenas se reporta à venda para o pagamento coercivo de créditos fiscais, e uma vez que o CPPT não contém uma norma idêntica à prevista no n.º 2 do art.º 850.º do CPC, tratando-se de uma lacuna, nos termos do art.º 246.º, n.º 1 do CPPT, ela terá de ser suprida por interpretação analógica, e assim será permitir que o credor que tenha reclamado o seu crédito na execução fiscal, mesmo que a venda para efeitos fiscais se não possa realizar (art.º 244.º, n.º 2, do CPPT), promova a venda, tudo numa situação análoga e com as necessárias adaptações.

Impõe-se assim que este Venerando Tribunal revogue o Despacho ora em crise, por violador do artigo 794.º, n.º 1 do CPC, substituindo-o por outro, que revogue o levantamento da sustação da penhora registada sobre o imóvel referente à a fração autónoma, designada pela letra ..., do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...67 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial da sob o ...43, mantendo a mesma.

Assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA!

                                                           ***

1.4. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., respondeu o exequente terminando a sua motivação com conclusões que se transcrevem:

a) Consideram os Recorrentes que a douta decisão de que se recorre errou de direito ao ordenar o levantamento da sustação da execução, alegando, em síntese, a aplicabilidade e violação do artigo 794.º, n.º 1 do CPC e, ainda, a preterição da via necessária para a aqui Recorrida satisfazer o seu direito de crédito, nomeadamente, a reclamação de créditos no âmbito do processo de execução fiscal.

b) Contudo, não adere a aqui Recorrida, em conformidade com a jurisprudência dominante no que a esta problemática concerne, à tese segundo a qual deve ser aplicado, no caso sub judice, o artigo 794.º, n.º 1 do CPC.

c) Desde logo, atendendo ao conteúdo do supramencionado artigo, assim como à sua finalidade prática – a de evitar a realização de diligências de venda distintas sobre o mesmo bem – não estamos perante uma situação que convoque a sua aplicação, uma vez que não se verifica o pressuposto de ambas as execuções serem verdadeiramente concorrentes, prosseguindo ambas os seus termos normais.

d) Na medida em que o único bem penhorado em ambas as execuções se identifica com a casa de morada de família, vale no processo executivo fiscal a proibição de venda decorrente do artigo 244.º, n.º 2 do CPPT, nuclear no âmbito dos presentes autos.

e) Segundo esta disposição, a venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando efetivamente utilizado para esse fim, não é, em princípio, permitida para efeitos da cobrança de créditos fiscais.

f) Deste modo, a execução fiscal encontra-se paralisada por imposição legal, não permitindo o pagamento da quantia exequenda nem do crédito que viesse, eventualmente, a ser reclamado pela aqui Recorrida.

g) Consequentemente, não se entende que deva ser apresentada qualquer reclamação de créditos no processo de execução fiscal em apreço, porquanto esta não serviria qualquer efeito útil: segundo a jurisprudência maioritária, a que aderimos, a proibição legal decorrente do artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, vale na execução fiscal independentemente de ser a Autoridade Tributária ou um qualquer credor reclamante a impulsionar a referida venda.

h) Tem sido esta a orientação maioritária na jurisprudência portuguesa, conforme se infere, a título de exemplo, do conteúdo dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2021 (processo n.º 906/18.0T8AGH.L1.S1) e de 02-06-2021 (processo n.º 5729/19.7T8LRS-A.L1.S1), dos Acórdãos da Relação de Lisboa de 05.11.2020 (processo n.º 3911/18.3T8ALMA.L1-6) e de 24.03.2022 (processo n.º 1320/11.4BMTA-C.L1-2), da Relação de Coimbra de 26.09.2017 (processo n.º 1420/16.7T8VLS-B.C1) e da Relação do Porto de 22.10.2019 (processo n.º 8590/18.5T8PRT-B.P1) e de 19.05.2020 (processo n.º 2342/16.4T8AGD-B.P1).

i) Por tudo quanto exposto, considera-se que se impõe o levantamento da sustação da execução comum, devendo esta prosseguir os seus termos, de acordo com a decisão propugnada pelo douto despacho recorrido, sem prejuízo de a Fazenda Nacional reclamar os seus créditos, sendo graduada e paga no lugar que lhe couber.

Nestes termos e nos que Vossas Excelências muito doutamente suprirão, julgando totalmente improcedente o presente recurso e de conformidade com as precedentes conclusões será feita uma verdadeira e sã

JUSTIÇA”.

                                                           ***

1.5. - Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“Quanto ao recurso apresentado em 16-02-2023 pelos dois executados:

Por tempestivo e legal, admito o recurso interposto pelos executados sobre o despacho de 11-01-2023, o qual é de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. artos. 627, 631, 637, 638, 639, 644, no. 2, al. h), 853, n.os 1, 2, al. a), e 4, todos do Código de Processo Civil).

Notifique e, com a finalidade de ser instruído o recurso em separado, devem os recorrentes cumprir o disposto no art.º 646.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e, após essa indicação, emita certidão de acordo com o pedido feito pelos recorrentes, proceda ainda à junção do requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações e despacho posto em crise, remetendo-o (o recurso em separado da presente execução), convenientemente instruídos, ao V. Tribunal da Relação de Coimbra.

Comunique ao Agente de Execução.

Notifique”.

                                                           ***

1.6. - Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                               2. Fundamentação

Os factos com interesse para a decisão a proferir são os constantes do relatório supra.

                                               ***

    3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

No caso em apreço, a questão a decidir, consiste em saber – se o despacho recorrido deve ser revogado, por acórdão, e substituído por outro que revogue o levantamento da sustação da penhora registada sobre o imóvel referente à fração autónoma, designada pela letra ..., do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...67 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial da  sob o ...43, mantendo a mesma, substituindo-o por outro, que revogue o levantamento da sustação da penhora registada sobre o imóvel referente à a fração autónoma, designada pela letra ..., do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...67 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial da  sob o ...43, mantendo a mesma.

Apreciando.

Como se sabe a questão não é pacifica. Advogou a sentença recorrida, que deveria proceder-se ao LEVANTAMENTO da SUSTAÇÃO da penhora registada sobre o imóvel penhorado, prosseguindo os autos com a citação de credores nos termos do art.º 786.º do CPC, com as subsequentes diligências de venda, por forma a atingir o ressarcimento total da quantia exequenda e demais custas (com respeito ainda pelo reconhecimento e graduação de créditos, a efetuar oportunamente), diga-se, desde já, que não comungamos da posição defendida na decisão recorrida.

Não perfilhamos tal entendimento, antes advogamos a posição defendida pelos recorrentes, posição por nós já defendida nos processos n.ºs 2245/19.0T8ACB.C1, datado de 12/4/2023, 7389/17.0T8CBR-A.C1, acórdão datado de 13/11/2019, bem como o processo, citado pelos recorrentes, relatado por nós.

Preceitua o n.º 1 do art.º 794.º do C.P.Civil que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga”.

Por sua vez, reza o n.º 4 do preceito: “a sustação integral da execução” equivale à extinção da execução, sem prejuízo de o exequente poder requerer a renovação da execução, indicando outros bens à penhora.

Em regra, existindo uma dupla penhora, segundo o disposto no art.º 794º citado, na pendência de mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior. Caso em que o exequente da segunda execução (ou sustada), para poder obter o pagamento do seu crédito através dos bens assim duplamente penhorados, terá de o ir reclamar à execução com penhora anterior, sendo, pois, nessa execução que o crédito há-de ser reconhecido, verificado e graduado, cfr. art.º 791.º do C.P.Civil, a fim de ser pago pelo produto da venda de tais bens e no lugar que lhe competir, segundo a ordem de preferência das garantias reais.

No caso em apreço está provado que existe e mantêm-se vigente uma penhora em sede de processo de execução fiscal, efectuada, em data anterior à dos presentes autos e incidente sobre o imóvel em causa, imóvel dos executados.

Perante tal situação, entendeu o tribunal “a quo”, no caso que temos entre mãos, nestes autos, deferir o levantamento da sustação execução, como já referimos.

No que concerne à execução fiscal, preceitua o art.º 244.º do Código do

Procedimento e do Processo Tributário, daqui em diante designado por CPPT, que:

Realização da venda”

1 – A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 – Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim”. (aditado pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio).

3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.

4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.

5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.

6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afecto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado”.

A Lei 13/2016, de 23 de Maio, veio alterar o art.º 244.º do CPPT, tendo em vista como resulta do seu art.º 1.º, a protecção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado. Sendo de aplicação imediata e ainda aos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.

O art.º 244.º faz parte do CPPT e dispondo sobre o processo de execução fiscal, tem subjacente, conforme se preceitua no art.º 148.º do mesmo diploma, que “o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas:

a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;

b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.

c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias.

2 - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei:

a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo;

b) Reembolsos ou reposições”.

Cabe salientar que esta Lei (Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio) não impede a venda da habitação no âmbito de execuções hipotecárias, por iniciativa de instituições bancárias, como a presente (cfr. art.º 4º), limitando-se, nesse caso, a prevenir que “quando haja lugar a penhora ou execução de hipoteca, o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que a sua venda seja concretizada nos termos em que é legalmente admissível” (nº 1) e bem assim que “enquanto não for concretizada a venda do imóvel, o executado pode proceder a pagamentos parciais do montante em dívida, sendo estes considerados para apuramento dos montantes relevantes para a concretização daquela venda” (nº2).

Por conseguinte, a tutela dos direitos dos restantes credores na cobrança coerciva continua a ser assegurada.

Mas sendo assim, como é, como se concretiza?

Na execução fiscal (a primeira), ou na execução comum (a segunda)?

Nesta vertente as opiniões não são uniformes.

Uns advogam que terá de ser na primeira (execução fiscal) referindo:

A execução fiscal destina-se ao pagamento coercivo de dívidas fiscais.

Logo a proibição da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim, prevista no n.º 2 do art.º 244.º do CPPT apenas diz respeito à venda a impulso da administração fiscal e destinada ao pagamento coercivo de dívidas fiscais do devedor, quanto às dívidas do devedor de outra natureza não preceitua, nem pode preceituar, o CPPT, pois nada nos indicia que o legislador quis criar, ainda que indirectamente, um entrave ao prosseguimento das execuções cíveis.

Nesta medida mantem-se vigente a penhora incidente sobre o imóvel do devedor (que esteja destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do mesmo ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim) em sede de execução fiscal, até porque o dito Código não prevê, para tal situação (proibição de venda do bem para pagamento coercivo de dívidas fiscais) o levantamento dessa penhora, nem a suspensão da execução fiscal, todavia, esta “suspensão” existirá de facto.

Assim, a impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que, à partida, não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito.

A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito que, forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das acções executivas cíveis. Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente/recorrente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.

Assim, a solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda, dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias. Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

Tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.

Assim, entendem os defensores desta posição que a interpretação do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, de que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo, não viola qualquer preceito legal ou constitucional (cfr. Ac. da Rel. Porto de 2019.03.08 – Proc.º n.º 11128/11.1TBVNG-C.P1, relatado por Anabela Dias da Silva e Ac. da Rel. de Coimbra de 24 de Outubro de 2017, proc.º n.º 249/13.6TBSPS, relatado por Sílvia Pires, bem como os citados nos mesmos arestos e doutrina citada e decisão singular proferida no processo n.º 1325/16.9T8ACB.C1 desta Relação, datada de 8/4/2019, proferida por Falcão de Magalhães, do qual somos adjunto.

Outros advogam que terá de ser na segunda (execução comum) referindo:

Que para além de não se prever sequer no CPTT o impulso da execução fiscal por banda dos credores reclamantes, parece claro que a Lei nº 13/2016, de 23 de Maio, impede efectivamente que em tais processos de execução, instaurados por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, haja lugar à venda de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado fora dos casos aí previstos, o que se depreende das alterações ao CPTT pela mesma Lei efectuadas é que o bem permaneça penhorado e por consequência por esse motivo se conserve o direito do Estado de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art.º 822º, n.º 1 do Código Civil) mas que não se entre na fase da venda - artigos 248.º e seguintes do CPTT – e seja por essa via que se realize o valor necessário para proceder ao pagamento das dívidas (exequenda e reclamadas).

Assim, dizem os defensores desta tese que não faz sentido suspender a execução da subsequente penhora, nos termos do art.º 794.º do C.P.C., quando a execução fiscal está “suspensa” por esse motivo, ser casa de habitação própria.

É que a aplicabilidade do art.º 794º do CPC pressupõe que na primeira das execuções possam ser praticados os actos necessários para o exequente e os demais credores recebam as quantias a que têm direito.

O objectivo de tal norma é o de impedir que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens.

Se a venda não se pode legalmente concretizar no primeiro, o mesmo é dizer que nada impede que se realize no segundo, o da execução comum.

Esta é, aliás, a solução que melhor acautela, segundo estes, os interesses dos demais credores do executado que só deste modo realizarão o seu direito de serem pagos pelo produto da venda do bem (imóvel) penhorado, não tendo, por essa razão, aplicação ao caso o disposto no art.º 794º do CPC, impondo-se, em contrapartida, que a execução comum prossiga os seus ulteriores termos, promovendo-se a citação da Fazenda Nacional para reclamar o seu crédito (art.º 786º, nº1, b) do CPC) o que a suceder determinará que seja oportunamente graduado (art.º 791º do CPC) no lugar que lhe competir (cfr. neste sentido entre outros Ac. Rel. de Guimarães, 30 de maio de 2019 – Proc.º n.º 2677/10.0TBGMR.G1, relatado por Alcides Rodrigues, da mesma Relação de 17 de janeiro de 2019, proc.º n.º 956/17.4T8GMR-C.G1, relatado por Alexandra Rolim Mendes, da Relação de Coimbra de 26.9.2017, proc.º n.º 1420/16.4T8VIS-B.C1, relatado por Fonte Ramos e Ac. Rel. de Évora, 12 de Julho de 2018, proc.º n.º 893/12.9TBPTM.E1, relatado por Maria João Sousa e Faro e os demais citados nos referidos arestos, Ac. do S.T.J. de 13 Outubro 2022, proc.º 639/21.0T8SRE-A.C1.S1, relatado por Vieira e Cunha, bem como os acórdãos mele citados, tendo voto de vencido da conselheira Ana Paula Lobo, que pugna a doutrina por nós advogada).

Advogamos, como já referimos, a primeira posição, de se dever promover a venda na execução fiscal, por ser aquela que, em nossa opinião, melhor se coaduna com o espirito da lei.

E isto porque preceitua o art.º 239.º do CPPT - “Citação dos credores preferentes e do cônjuge” que:

“1 - Feita a penhora e junta a certidão de ónus, serão citados os credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados, e o cônjuge do executado no caso previsto no artigo 220.º ou quando a penhora incida sobre bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo, sem o que a execução não prosseguirá.

2 - Os credores desconhecidos, bem como os sucessores dos credores preferentes, são citados por éditos de 10 dias”.

Continuando o art.º 240.º do CPPT –“Convocação de credores” que:

“1 - Podem reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a citação nos termos do artigo anterior os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados.

2 - O crédito exequendo não carece de ser reclamado.

3 - O órgão da execução fiscal só procede à convocação de credores quando dos autos conste a existência de qualquer direito real de garantia.

4 - O disposto no número anterior não obsta a que o credor com garantia real reclame espontaneamente o seu crédito na execução, até à transmissão dos bens penhorados”.

No caso presente o exequente/recorrido é um credor com garantia real sobre o bem penhorado na execução fiscal, logo foi citado para os termos da mesma, nos termos dos art.ºs 239.º e 240.º do CPPT, pelo que, se for reclamado o crédito, dúvidas não temos de que a autoridade fiscal terá de dar início ao procedimento de venda do bem penhorado, por força do n.º 1 do art.º 244.º do CPPT, embora esteja impedida de ter, com tal venda, o objectivo de pagamento coercivo dos créditos fiscais, mas não poderá ignorar o legítimo pagamento dos créditos reclamados e que venham a ser verificados, reconhecidos e graduados conforme lhes competir.

É certo que o CPPT não contém uma norma idêntica à prevista no n.º 2 do art.º 850.º do C.P.Civil, todavia trata-se de uma lacuna que terá de ser suprida por interpretação analógica, até porque segundo o disposto no art.º 246.º, n.º 1 do CPPT “Na reclamação de créditos observam-se as disposições do Código de Processo Civil, excepto no que respeita à reclamação da decisão de verificação e graduação, que é efectuada exclusivamente nos termos dos artigos 276.º a 278.º deste código”.

Assim sendo, a resposta há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação, a venda da penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, mas, quanto a nós, não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.

Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

Esta é a interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução, tanto mais que a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior».

Face ao exposto a pretensão dos recorrente terá de proceder.

                                                           ***

         4. Decisão

Nos termos expostos, decide-se, por acórdão, julgar procedente o recurso e por consequência revogar a decisão recorrida que ordenou o levantamento da sustação da penhora em causa.

Custas pelo recorrido.

Coimbra, 12/7/2023

Pires Robalo (adjunto)

Sílvia Pires Neves (adjunta)

Cristina Neves (adjunta) -, (vencida, consoante declaração de voto infra)

«DECLARAÇÃO DE VOTO»

Discordo da decisão que fez vencimento no Acórdão ora proferido por entender que existindo impedimento legal à venda do bem imóvel que constitui casa de morada de família do executado, no âmbito da execução fiscal, por via do disposto no artº 244 nº2 do CPPT, deve ser levantada a sustação da execução comum, prosseguindo nesta as diligências para venda desse imóvel.

Com efeito, ao contrário do que se defende na posição que fez vencimento, o CPPT não prevê, em qualquer normativo, a possibilidade de os credores reclamantes impulsionarem a execução fiscal, nomeadamente para venda do imóvel ali penhorado. A ausência de qualquer norma que possibilite aos credores reclamantes diligenciarem pela venda do bem é reconhecida na posição que fez vencimento, considerando, no entanto que se trata de lacuna a suprir por interpretação analógica, tendo em conta que o artº 246, nº 1 do CPPT, manda aplicar à reclamação de créditos as disposições de processo civil. Discordamos deste entendimento. O artº 246 do CPPT tem aplicação restrita à fase da verificação e graduação de créditos e não permite considerar nem aplicar qualquer critério interpretativo em relação à fase da venda ou à possibilidade de impulso processual da execução por parte dos credores reclamantes.

Aliás, resulta expressamente do artº 152, nº1, do CPPT que a legitimidade para a execução das dívidas tributárias cabe ao órgão de execução fiscal. Por sua vez, o artº 150, nº1, do CPPT, estipula que a “instauração e os actos da execução são praticados no órgão da administração tributária designado, mediante despacho, pelo dirigente máximo do serviço.”

Visando a execução fiscal essencialmente o interesse público e não a defesa de interesses privados, apenas salvaguardados por via da reclamação de créditos na fase de venda do bem penhorado, entendemos que não existe fundamento para se considerar a existência de Tribunal da Relação de Coimbra qualquer lacuna a suprir por via de interpretação analógica, mas antes de opção expressa do legislador.

Nesta medida e, reconhecendo que este preceito que impede a venda de imóvel que constitui habitação própria e permanente do executado e seu agregado familiar se aplica apenas às execuções fiscais e não às comuns, o defendido na posição que fez vencimento deixaria o exequente sem qualquer tutela do seu direito em violação do disposto no artº 20, nº5, da nossa Constituição, pela impossibilidade de se fazer pagar pelo património do seu devedor no âmbito da execução comum ora sustada e pela impossibilidade de promover e fazer prosseguir a execução fiscal.

Acresce que, conforme defendido no Acórdão do STJ de 23/01/2020 (proc. nº 1303.17.0T8AGD.B.P1.S1, relatora Rosa Tching) “A ratio legis da norma do artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, a possibilidade do dinamismo da execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre o mesmo bem e em que o credor deve fazer a reclamação do seu crédito.”

Efectivamente as razões da sustação da execução prevista neste preceito prendiam-se com a necessidade de assegurar que, em caso de múltiplas execuções movidas contra o executado, fossem satisfeitos os créditos sobre este executado de acordo com a prioridade de penhora do bem e o privilégio de que gozassem, independentemente da maior ou menor celeridade de qualquer das execuções e das diligências de venda. Não se verificando esta dinâmica pela impossibilidade da venda naquela execução fiscal, não existem razões para a manutenção desta sustação, devendo ser ordenado o seu levantamento, afim de a execução comum prosseguir os seus termos. É esta a posição que, em nosso entender, salvaguarda o direito à tutela jurisdicional efectiva dos credores do executado, sem prejudicar os direitos quer destes credores quer do próprio executado, face à restrição do âmbito do artº 244 nº2 do CPPT.

É esta a posição que subscrevemos no Acórdão proferido nesta Secção em 26/06/2022, no proc. nº 639/21.0T8SRE-A.C1 e é a posição seguida no nosso Supremo Tribunal, conforme resulta dos Acórdãos de 23/01/2020 (citado), de 02/06/2021, proferido no proc. nº 5729/19.7T8LRS-A.L1.S1, relator Tibério Nunes da Silva, de 14/12/2021, proferido/ no proc. nº 906/18.0T8AGH.L1.S1, relator Jorge Dias e de 13/10/2022, proc. nº 639/21.0T8SRE-A.C1.S1, relator Vieira e Cunha.

Cristina Neves (2ª Adjunta).