Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4996/17.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
EXCLUSIVIDADE
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 15/2013 DE 8/2
Sumário: I - Na vigência de contrato de mediação imobiliária, mesmo em regime de exclusividade, o comitente pode, por si próprio, vender o imóvel.

II - Na previsão do nº2 do artº 19º da Lei nº15/2013 de 08.02, o direito da mediadora à remuneração da comissão apenas emerge se provados factos alicerçantes de imputação de um juízo ético jurídico de censura ao comitente e, bem assim, se provado que, não fora a atuação deste, a venda a cliente por si apresentado seria realizada no período daquela vigência.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

C (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., instaurou contra  J (…) e esposa, E (…) acção declarativa, de condenação, processo comum.

Pediu:

A condenação  dos Réus a pagar-lhe a quantia de 9.163,50€ a título de remuneração pelos serviços de mediação imobiliária prestados, bem como das despesas advindas do processo designadamente custas processuais e honorários devidos à mandatária judicial.

Alegou, para tanto e em síntese:

O seu objeto social é a atividade de mediação imobiliária, no âmbito da qual, mediante contrato de Mediação Imobiliária outorgado a 31 de Março de 2017, pelo prazo de 6 meses, os Réus requereram os seus serviços obrigando-se ao pagamento de uma comissão 5% sobre o preço da venda daquele, acrescida de IVA à taxa legal de 23% sobre o preço da venda do imóvel.

O contrato foi celebrado em regime de exclusividade -  Cláusula 4ª, nº1 -  mencionando o nº 2 que somente a “Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o período de vigência” e que caso o contrato de compra e venda "não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou ao arrendatário trespassante do bem imóvel, é devida à empresa a remuneração acordada.”

A Autora angariou interessados, tendo sido, consequentemente, apresentada proposta de aquisição do prédio pertencente aos ora Réus no montante de 149.000,00€ (cento e quarenta e nove mil euros), que estes rejeitaram.

Os Réus comunicaram, por meio de carta datada de 03/07/2017 e apenas assinada pela Ré esposa, a sua pretensão de cessar a relação negocial estabelecida com a Autora, pretensão que não teve efeitos imediatos, dado que o contrato de mediação, outorgado pelo prazo de 6 meses.

A Autora tomou conhecimento de que o imóvel objeto do contrato de mediação imobiliária fora alienado por escritura pública de compra e venda datada de 24 de Agosto de 2017, a favor de (…), data em que o contrato de mediação imobiliária convencionado entre a Autora e os Réus se encontrava em vigor.

Os Réus contestaram.

Disseram que o contrato de mediação imobiliária celebrado por A. e Réus é um contrato de adesão com cláusulas contratuais gerais, ao que acresce que a cláusula 4ª sob a epígrafe “Regime de Contratação” é uma cláusula contratual geral ambígua.

Nos termos da lei, em caso de dúvida sobre o significado de uma determinada cláusula contratual geral imposta, prevalecerá a interpretação mais favorável ao aderente.

Assim, no que concerne ao regime de exclusividade e considerando que visa proteger o exclusivo interesse da sociedade mediadora, aqui A., na medida em que afasta a concorrência, os ora Réus não dispõem dos meios publicitários que se encontram ao alcance da A. bem como não possuem conhecimento do mercado imobiliário, pelo que não se apresentam como verdadeiros concorrentes daquela.

O que permite concluir que o  nº 2 da cláusula 4ª  não lhes veda, a ele(s) próprio(s), a angariação de eventuais compradores.

 Desistiram de vender a moradia  e, por isso, assinou a comunicação escrita, junta com a p.i sob o doc. n.º 5, comunicação que foi minutada pelo angariador imobiliário (…), o qual transmitiu perentoriamente que a mesma seria suficiente para pôr fim ao contrato de mediação imobiliária celebrado.

Sucede, porém, que (…), filho de uma colega de trabalho e amiga da Ré mulher, tendo tido conhecimento através da sua mãe de que a moradia se encontrava à venda e desconhecendo que os Réus tinham desistido de tal pretensão, encetou contacto com estes, mostrando-se bastante interessado na aquisição da mesma.

Não obstante já não ser essa a intenção dos Réus, após a devida ponderação por parte de todo o agregado familiar, alteraram a sua posição e decidiram proceder à venda do imóvel,

De todo o modo, e no limite, decididamente é de excluir, como o fez o Ac. desta Relação de Guimarães de 20/04/2010, que o comitente não possa aceitar qualquer proposta de compra que “porventura, lhe fosse apresentada por alguém que, sem a intermediação da mediadora, se mostrasse interessado no negócio”(Procº. 7180/08.5TBBRG.G1, - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4/6/2013, proferido no âmbito do processo n.º 1264/12.2TBBCL.G1, in www.dgsi.pt.

A A. nada contribuiu para a realização do negócio jurídico de compra e venda do imóvel pelo que não tem direto à comissão. Citam em abono deste entendimento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/02/2002 proferido no processo n.º 02B2469, do relator Moitinho de Almeida, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 24/05/2011, Proc. n.º. 11231/08.5TMSNT.L1-6

Concluem no sentido da improcedência total da ação.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«…julgo a ação improcedente e, em consequência, absolvo os Réus do pedido.»

3.

Inconformada recorreu a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes, ora sintetizadas porque antes pleonásticas, conclusões:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Procedência da acção.

5.

Foram dados como provados os seguintes factos que urge considerar:

1. A autora, C (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., tem por objecto social a atividade de mediação imobiliária, dispondo, para o exercício da mesma, da Licença AMI nº (...) .

2. No âmbito do objeto social da Autora, mediante contrato de Mediação Imobiliária com o nº (...) /0174, outorgado a 31 de Março de 2017, junto a fls. 13 e segs, cujo teor se dá aqui pro reproduzido, os réus, J (…) e E (…) (segundo contraente), requereram os serviços daquela, obrigando-se ao pagamento de uma comissão sobre o preço da venda do imóvel de que eram únicos proprietários e do qual se pretendiam desfazer.

3. A referida relação contratual tinha subjacente a pretensão de realização, por parte da Autora, de todas as diligências necessárias à obtenção de potenciais interessados na compra do prédio urbano correspondente a moradia esquerda para habitação, com cave para garagem, r/c e primeiro andar, sito (…), concelho de (...) , inscrito na matriz urbana predial urbana da citada freguesia sob o artigo (...) 36º, o qual provém do artigo (...) 93º, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) , sob o número novecentos e noventa e um/ (...) , de que os Réus eram únicos proprietários (cfr. cláusula 1ª).

4. Na cláusula 2ª daquele acordo consta que a “Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na (…) compra (…) pelo preço de €162.000,00”.

5. O negócio jurídico em causa foi celebrado em regime de exclusividade, dizendo a Cláusula 4ª (sob a epígrafe “regime de Contratação”) que “1. O Segundo Contraente contrata a Mediadora em regime de Exclusividade para os compradores apresentados por a C (…) Lda..

2. Nos termos da Legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o período da vigência. No que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime das exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário (…) é devida à empresa a remuneração acordada.”

6. Consta na Cláusula 5ª que “1. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir destinatário que celebre com o Segundo Contraente o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no (…) nº 1 e 2 do artigo 19º da Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro.

2. O Segundo contraente obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado acrescido de IVA à taxa legal de 23%, não sendo essa quantia inferior a €5.000.00 (cinco mil euros) acrescida de IVA à taxa em vigor.”

7. Diz a Cláusula 9ª que “o presente contrato tem uma validade de 6 meses contados a partir da data a sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao seu termo.”.

8. A Ré entregou à Autora escrito datado de 03/07/2017, por si assinado, com o seguinte teor: “Eu, E (...) , proprietária da moradia em venda na C (...) , (…), (...) , com a angariação nº (...) -01074 venho solicitar o seguinte:

- Uma vez que não me adaptei à minha nova situação familiar, decidi retirar de venda a moradia em questão e regressar novamente a casa, fazendo desta a minha habitação principal.

- deste modo, comprometo-me a não colocar em venda a moradia, em nenhuma outra agência imobiliária.”, escrito que foi minutado pelo angariador imobiliário da Autora, (…)

9. A Autora angariou interessados tendo sido apresentada proposta por valor não concretamente apurado, que não foi aceite pelos Réus.

10. O imóvel referido em 2. e 3. dos factos provados foi vendido pelos réus a D (…) filho de uma colega de trabalho e amiga da Ré, conforme inscrição decorrente da A.P 174 de 2017/08/24, à descrição do prédio (nº 991).

11. O que esteve na génese da colocação à venda do imóvel supra referido, onde os Réus residiam foi, além do mais, o facto do Réu e do filho do casal, de 20 anos de idade, terem resolvido ir trabalhar para x (...) .

12. Não obstante a mudança de residência a Ré continuou a trabalhar no Centro Hospitalar de (...) .

13. Após a mudança do agregado familiar para x (...) o Réu e o filho do casal receberam proposta de trabalho de uma empresa sita em (...) – G (…), Lda.

14. O agregado familiar tomou a decisão de regressar a (...) .

6.

Apreciando.

6.1.

A Srª Juíza decidiu  aduzindo o seguinte, essencial, argumentário:

«De acordo com o art. 2º da Lei nº15/2013, de 8 de fevereiro (RFAMI), que estabelece o regime jurídico do exercício de mediação imobiliária “1 - A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.

O art. 17.º (quereria dizer-se 19º) estabelece que “1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”

O contrato de mediação é, assim, um contrato de prestação de serviços, típico, formal, sinalagmático, em que uma das partes (a empresa de mediação) se obriga perante a outra (o cliente),  mediante retribuição, a procurar interessado(s) para negócio que o cliente pretende celebrar, ou seja, a promover o encontro de contraente(s) com o cliente com vista à celebração do negócio que este pretende realizar.

Como se diz no Ac. R.C. de 09/09/2014, proc. 1421/12.1TBTNV.C1, in www.dgsi.pt., no sumário “(…) São características ou pressupostos essenciais do contrato de mediação imobiliária: a prática de atos pelo mediador com o fito a celebração de um negócio jurídico entre comitente e terceiro; a atuação do mediador com autonomia e independência; o direito ao recebimento da retribuição se o negócio se concretizar; a existência de uma relação de causalidade entre a atividade do mediador e o negócio celebrado…

O facto de haver cláusula de exclusividade, nos termos previsos no art. 16º, nº2, g) do RFAMI, obriga o cliente, durante o contrato de mediação, a não contratar outra mediadora para promover o negócio visado no contrato…não o inibindo de contratar interessado diretamente encontrado por si ou de aceitar propostas feitas por terceiros.

 No caso dos autos temos cláusula de exclusividade, como resulta da Cláusula 4ª, pontos 1 e 2, primeira parte, que, contrariamente ao que sustentam os Réus, não sofre de ambiguidade…

Está …provado que, depois de ter sido entregue à Autora, em 03/07/2017, a declaração referida em 8. dos factos provados, que tem por consequência a denúncia do contrato para o respetivo termo, nos termos da Cláusula 9.ª, ainda na pendência do contrato os Réus venderam o imóvel a D (…) (cfr. ponto 10. dos factos provados). Todavia, a Autora não alegou e, consequentemente, não provou, como lhe competia, nos termos do art. 342º, nº1 do Cód. Civil, que a sua atividade no âmbito do contrato de mediação celebrado com os Réus foi causal da realização do contrato de compra e venda com D (…).

Como é dito no Ac. da R.C. de 22/10/2018, proc. 84410/17.2YIPRT.P1, in www.dgsi.pt “o direito do mediador à remuneração depende de a conclusão do negócio ser efeito da sua intervenção.

Entendimento que, aliás, é aplicável mesmo quando o contrato de mediação é celebrado em regime de exclusividade, como o foi no caso concreto.

Sobre o ónus da prova compete à mediadora, como elemento constitutivo do seu direito à remuneração, nos termos do artigo 342º n.º 1 do Código Civil alegar e provar esse nexo de causalidade entre a sua actividade e a conclusão do negócio.”»

Já a recorrente entende que lhe assiste jus à remuneração porque a não concretização do negócio deve ser imputável aos recorridos.

Perscrutemos.

6.2.

São quatro as notas essenciais, no âmbito da exegese do contrato de mediação imobiliária,  que se devem ter presentes para a dilucidação da presente situação.

Primeira.

O Contrato de mediação consubstancia uma obrigação de meios e não de resultado: a mediadora desenvolve esforços no sentido de o negócio se concluir.

Mas ela não pode garantir esta consecução pois que a outorga do contrato definitivo, salvo estipulação de pacto especial de garantia no qual assuma o bom fim da operação,  não está na sua disponibilidade, antes está na disponibilidade do seu cliente/comitente e na do interessado comprador – cfr. Ac. STJ de 1.4.2014, proc. 894/11.4TBGRD.C1.S1 in dgsi.pt.

No entanto, o direito à  remuneração apenas surge, com a outorga do contrato.

Segunda.

Tem de existir um nexo de causalidade adequada entre a actividade do mediador e a celebração do negócio no sentido de que o mediador só adquire direito à comissão quando a sua actividade haja influído de forma decisiva para a conclusão do negócio visado, vg.  através da aproximação do comitente com terceiros  e que esta influência  resulte na celebração do negócio – cfr . entre outros, Acs. RC de  09.09.2014, p. 1421/12.1TBTNV.C1 cit. na sentença, relatado pelo aqui relator e subscrito pelo aqui 1º adjunto, e  de RC de 24.03.2015, p. 811/13.7TBVIS.C;  e Ac. do STJ de 12.12.2013, p. 135/11.4TVPRT.G1.S1.

Competindo ao mediador a alegação e prova dos pressupostos do seu direito, particularmente da verificação desse mesmo nexo causal.

Terceira.

O regime de exclusividade, do contrato  vale apenas, em homenagem ao princípio da autonomia privada e da disponibilidade do seu próprio património, nas relações entre agentes mediadores; e significa que o comitente não pode encarregar outra mediadora para, concorrencialmente com a anterior, alienar o imóvel.

Assim sendo,  e salvo se for anuído um regime de exclusividade absoluta, não está vedado ao comitente que, ele próprio, ativamente, procurando comprador, ou passivamente, aceitando propostas, aliene o imóvel. – cfr. entre outros,  Ac. RG de 04.06.2013, proc. 1264/12.2TBBCL.G1 Ac. da RC de 18.02.2014, p. 704/12.5T2OBR.C1 e  Ac. da RP de 01.07.2014, p. 19005/12.2YIPRT.P1 e Fernando Batista de Oliveira, O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial:inhttp://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria.pdf

Podendo, inclusive,  e salvo estipulação em contrário, ser rescindido ou revogado pelo comitente, sem responsabilização sua.

Salvo, claro, casos de abuso de direito ou de má fé,  ou  ele celebrar o contrato com terceiro já apresentado pela mediadora,  situações em que será responsável pelo pagamento da remuneração ou pelos prejuízos a esta causados, nos termos gerais – cfr. Ac. RP de 09.07.2014, p. 387/12.2TVPRT.P1, da RC de 03.11.2015, p. 115257/14.5YIPRT.C1, da RL de  05.06.2018, p. 85/17.0T8VFX.L1-7 e de 06.06.2019, p. 71848/18.7YPRT.L1-6, in gsi.pt.

 Quarta.

 O artº 19º nº2 da Lei nº15/2013, citado na sentença, prevê um conceito de imputabilidade que, certamente,  que está eivado por, e implica um,  juízo ético jurídico de censura.

E, para que o citado segmento normativo releve, devendo este conceito e juízo emergirem  de factos objectivos.

Assim será, vg.,  e paradigmaticamente:

 - se o cliente aceita os termos do negócio  com o interessado apresentado pela mediadora e, depois, sem justificação,  e ainda dentro do contrato, o recusa.

-  se ele  protela a celebração do negócio com o cliente arranjado pela mediadora para mais tarde, já depois do período do contrato, o celebrar com tal cliente.

Acresce que, mesmo nesta situação, o mediador, se impetrar o pagamento da  comissão, tem de provar, mesmo existindo exclusividade,  que com a sua actividade tinha  já arranjado interessado na celebração do negócio, ou que, certamente, o iria encontrar, e que este apenas não se concretizou por virtude da atuação culposa do cliente -  cfr. Ac. da RL de de 22.11.2012 in dsi.pt.

Efetivamente, a comissão é a contrapartida da realização do negócio resultante da atuação da mediadora, pelo que o direito à mesma apenas emerge se este se realizou  por força da sua adequada intervenção, nos termos supra aludidos.

Situação diversa, ie. desnecessidade de prova da intervenção da mediadora para a consecução do negócio, apenas emergiria se, em vez da comissão, esta impetrasse indemnização por violação contratual, nos termos gerais.

6.3.

No caso vertente, podendo, como se viu, os recorridos vender o imóvel, a sua responsabilização apenas poderia advir  se preenchidos estivessem os requisitos do artº 19º nº2 na interpretação que deste segmento normativo se operou na antecedente quarta nota.

Ora vistos os factos provados neles não se enxerga a sua verificação.

A recorrente alega que a denúncia  e a  venda violam os princípios da confiança, as suas expectativas e a boa fé.

Quanto  à violação daquelas já se viu que, podendo os donos vender, por si, o imóvel, às mesmas não tinha direito nem elas poderia acalentar.

No atinente à violação da boa fé não  emerge lastro factual bastante para se poder formular qualquer juízo de censura à conduta dos recorridos que a pudesse consubstanciar.

Na verdade, não se provou, como aduz ou parece sugerir a recorrente, que os recorridos denunciaram o contrato maliciosamente e apenas com o intuito  de se eximirem ao pagamento da comissão.

Ademais, ela não alegou e provou, como se expende na sentença, que, não fora a venda efectivada pelos donos do imóvel, ela seria efectivada, dentro do período de vigência do contrato, com interessado por si apresentado ou, sequer, a apresentar.

Improcede o recurso.

7.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - Na vigência de  contrato de mediação mobiliária,  mesmo em regime de exclusividade, o comitente pode, por si próprio, vender o imóvel.

II - Na previsão do nº2 do artº 19º da Lei nº15/2013 de 08.02, o direito da mediadora à remuneração da comissão apenas emerge  se provados factos alicerçantes de imputação de um juízo ético jurídico de censura ao comitente e, bem assim, se provado que, não fora a atuação deste, a venda a cliente por si apresentado seria realizada no período  daquela vigência.

 8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2019.09.10.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos