Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2225/22.9T8ACB-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
FIXAÇÃO CASUÍSTICA
SUBSÍDIOS DE NATAL E DE FÉRIAS
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 239.º, N.º 3, ALÍNEA B), SUBALÍNEAS I) E II), DO CIRE, 263.º E 264.º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Na fixação do rendimento disponível, não haverá que atender às concretas despesas comprovadas ou meramente alegadas pelo insolvente, procurando-se antes a determinação do que é razoável gastar para prover ao seu sustento e do seu agregado familiar que, eventualmente, tenha a seu cargo.
II – Tratando-se de um valor a fixar casuisticamente pelo tribunal, atentas as específicas circunstâncias do insolvente e do seu agregado familiar, na fixação do rendimento disponível, deve ter-se em consideração as condições pessoais do devedor e do seu agregado familiar (idade, estado de saúde, situação profissional, rendimentos).

III – A insolvente terá de entregar ao fiduciário todo e qualquer rendimento por si auferido que, mensalmente, exceda o equivalente a 1,75 a Retribuição Mínima Mensal Garantida, independentemente de tais quantias serem por si recebidas a título de subsídios de natal, de férias, ou outros.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Avelino Gonçalves

2º Adjunto: Paulo Correia

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

A devedora AA, veio requerer que lhe seja concedida a exoneração do passivo restante, propondo a fixação de um rendimento líquido mensal indisponível não inferior ao total das suas despesas, no montante de 2.100 €, alegando, relativamente à sua situação socioeconómica:

- a requerente entrou num quadro clínico de burnout, estado clinico agravado em 2019 em que lhe é diagnosticada fibromialgia, acabando por desenvolver depressão; sofre ainda de problemas dentários, de pele e imunológicos;

- suporta, para além das despesas básicas relativas a alimentação, habitação (renda de casa) e vestuário, serviços de telemóvel e internet, usando um carro emprestado;

 - neste momento não tem qualquer rendimento disponível, requerendo para o seu sustento, que lhe sejam considerados e deduzidos ao rendimento disponível os seguintes montantes mensais:

Despesas com Habitação/Diárias;

1. Renda de casa - €450,00; Doc. 11

2. Luz - € 25,00 (aproximadamente); Doc. 12

3. Água -€ 25,00 (aproximadamente); Doc. 13

4. Gás - € 25,00 (aproximadamente); Doc. 14

5. Tlm+net+tv - € 83,15; Doc. 15

6. Supermercado - € 300,00;

7. Vestuário

Total: € 908,15;

Despesas com Saúde mensais fixas

1.Consulta Medicina dentária - € 45,00; Doc. 16

2. Sessão fisioterapia - € 25 (1x/ semana); Doc. 17

3. Consulta psiquiatria - € 90,00 x 3; Doc. 18

4. ... - € 70,00x2; Doc. 19

5. Autoimunes - € 5,00; Doc. 20

6. ECD - € 30,00 (aproximadamente); Doc. 21

7. Farmácia - € 60,00; Doc. 22

8. Prestação de cuidados de higiene - € 120,00; Doc. 10

9. Aparelho miorelaxante - € 250,00;

Total: € 770,00;

Despesas com carro

1. IUC – € 147,21 – Doc. 23

2. Gasóleo - € 300,00 aproximadamente; Doc. 24

3. Portagens - € 75-100,00; Doc. 25

4. Seguro de veiculo - € 33,00 mensais; Doc. 26

A Requerida utiliza um veiculo emprestado, no entanto tem que suportar o gasóleo, portagens e o seguro para se deslocar diariamente de ... para ... e ....

Total: € 480,00

Despesas com Enfermagem

1. Quota da Ordem dos Enfermeiros – 9,00 €;

2. SEP – 1% do vencimento descontado no HBA;

3. Seguro AT - € 60,03 (3/3 meses);

Total: € 2158,00 aproximadamente.

Sendo enfermeira, o rendimento liquido mensal da requerida fixa-se entre os 1.000 € e os 2.000 €, dependendo do numero de horas que efetua e do numero de entidades para que trabalha.

Pelo Administrador de Insolvência foi junto o relatório a que alude o artigo 155º do CIRE.

A 27 de setembro de 2023, foi proferido Despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, determinando que:

Durante os três anos posteriores ao trânsito em julgado do presente despacho (designado de período da cessão), o rendimento disponível que o insolvente venha a auferir em cada momento, englobando todos os seus rendimentos, qualquer que seja a sua fonte, com exclusão mensal do valor equivalente a 1,5 o RMMN, considera-se cedido ao fiduciário.


*

Inconformada com tal decisão, a Insolvente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

Em face do supra-exposto, conclui-se reiterando:

1.ª Por Despacho inicial proferido em 27.09.2023, foi deferido o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pela então Recorrente, ora Apelante.

2ª Porém, foi igualmente determinado que a aqui Apelante, durante os três anos subsequentes ao encerramento dos presentes autos, cedesse ao Fiduciário nomeado, o rendimento disponível que venha a auferir, considerando a importância correspondente ao valor de 1,5 salário mínimo nacional, como o valor necessário para o seu sustento e despesas de saúde e profissionais, com exclusão dos subsídios de férias e de Natal.

3ª No entanto, a Apelante, tem diversas doenças crónicas, que implicam gastos de saúde diários e um pouco elevados, face ao valor que foi fixado, pelo que em termos minimamente dignos, é manifestamente insuficiente.

4ª A Sr.ª Administradora de Insolvência, no seu Relatório, elaborado nos termos do artigo 155º do CIRE, pronunciou-se favoravelmente ao pedido de exoneração do passivo restante, não se tendo pronunciado no momento quanto ao valor a ceder, como rendimento disponível, aos credores, deixando essa determinação para um momento posterior.

5ª Não foi, no entanto, consultada a Sr.ª Administradora de Insolvência, pelo Tribunal a quo para os efeitos de fixação do valor considerado para o caso concreto, a ceder aos credores.

6ª Nenhum credor manifestou a sua oposição ao pedido de exoneração do passivo restante, nem às despesas arroladas pela Apelante e respetivos documentos comprovativos.

7ª Fixou, assim, o Tribunal a quo o montante de € 1.140,00, (1,5) valor do atual salário mínimo nacional, para a Apelante pagar as suas despesas de saúde, profissionais e ainda do seu dia-a-dia, durante o período da cessão.

8ª A Apelante tem despesas mensais de € 2.100,00, tidas com renda de casa, alimentação, alimentação, eletricidade, água, luz, gás, saúde, farmácia, combustível, despesas com a profissão, todas documentadas e que não foram objeto de oposição/impugnação por parte dos credores e considerado como facto provado em sentença de declaração de insolvência.

9ª A Apelante, indicou como valor mensal para despesa com alimentação, € 300,00 para a sua alimentação, que é por si só um valor já bastante diminuto, pois constitui em alguns meses a um valor inferior ao € 10,00 diários.

10ª O mesmo acontece com o combustível para o seu veiculo € 300,00, considerando que a Apelante reside me ... e Trabalha em ....

11ª Poder-se-ia questionar porque não reside em ..., os imóveis para arrendamento são bem mais caros.

12ª Também se pode perguntar, porque não recorre aos transportes públicos, ora considerando que a Apelante é enfermeira e faz turnos não é muito fácil, acrescendo ainda o facto de em termos físicos ter dias em que a sua mobilidade é afetada, pela fibromialgia.

13ª No entanto, o que a realmente a preocupa, face ao valor que lhe foi fixado, é o facto de não poder dar continuidade os cuidados de saúde de que necessita, conforme relatórios médicos juntos.

14ª Veja-se só a titulo de exemplo, a Apelante tem que ter a prestação de cuidados de higiene, pois em alguns dias da semana, devido à patologia da fibromialgia, que não consegue simplesmente assegurar sozinha os seus cuidados de higiene, implicando o pagamento de uma prestação de serviços de € 120,00, para que alguém se desloque a sua casa e lhe dê banho e a vista, sendo este um dos factos que a Apelante em termos emocionais não consegue ultrapassar, tem 35 anos e vê-se nesta situação, sendo a consulta de psiquiatria uma necessidade para aquela.

15ª Ora, com o valor que acaba de ser fixado a Apelante não poderá manter este cuidado, entre outros, porém também não tem a quem recorrer para lhe assegurar esta ajuda.

16ª O seu tratamento para a depressão, também ficará em risco, pois a verdade é que a mesma deixa de ter possibilidades económicas para efetuar as consultas de psiquiatria.

17ª Salvo o devido respeito, que é muito, € 450 de renda de casa, € 300,00 de alimentação e € 300,00 para as deslocações, temos € 1050, sobrando assim € 90,00, que é uma quantia manifestamente insuficiente para prover às restantes necessidades, nomeadamente de saúde, não permitindo sequer dar continuidade aos seus tratamentos, pagar água, luz, gás, portagens e até despesas com a sua profissão, necessárias a um sustento minimamente digno.

18ª - No caso presente, apesar de ser um agregado familiar composto só pela Apelante, não podem ser aplicados os critérios como se fosse uma só pessoa.

19ª Atendendo aos documentos juntos aos autos, deveria o Tribunal a quo ter considerado os valores constantes nesses documentos e que resultaria uma decisão diferente àquela que veio a ser proferida.

20ª Ora, parece-nos, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo em nada teve em conta o alegado pela Apelante.

21ª A Decisão que fixou a quantia mensal de € 1.140,00 (1,5 do atual salário mínimo mensal), como montante destinado ao sustento da Apelante e dos seus cuidados de saúde e profissionais, viola o regime excecional previsto nas sublinhas i) e ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 239º do CIRE.

22ª Centrando-nos na aliena i) da alínea b) do n.º 3 do artigo 239º do CIRE, refere-se ao “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”, o que traduz na sua génese uma salvaguarda da pessoa humana e da sua dignidade pessoal, que se sobrepões aos direitos de ressarcimento dos credores.

23ª Resulta do preambulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, o espirito da conjugação do principio fundamental do ressarcimento dos credores com atribuição aos devedores singulares, declarados insolvente, a possibilidade de se libertarem de algumas das suas dividas e assim permitir a sua reabilitação económica.

24ª Com esta Decisão do Tribunal a quo, a Apelante não terá possibilidade dessa “reabilitação económica”, pois a nova oportunidade que lhe é possibilitada com o processo de insolvência e a exoneração do passivo restante, é colocada em causa quando não é garantido ao Apelante o seu sustento e os cuidados de saúde, minimamente digno para viver.

25ª Para tanto não se pode, desde logo, deixar de atentar que o mesmo tem subjacente o principio constitucional da dignidade pessoa humana, que embora referido no art.º 1º da CRP como constituindo a base da República Portuguesa é, na realidade um «vector axiológico estrutural da própria Constituição» (Ac do TC nº 28/2007, de 17/0172007, consultável in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ 20070028.html), na medida em que reconhece a pessoa humana como um verdadeiro princípio regulativo primário da ordem jurídica, fundamento e pressuposto da ‘validade’ das respetivas ‘normas

26ª Uma vez que o vetor fundamental da norma é o da dignidade da pessoa humana, a fixação daquele valor tem em vista os gastos necessários à subsistência, ao custeio das necessidades primárias - despesas relacionadas com a habitação, alimentação, vestuário, consumos de bens essenciais (água, luz, transportes) e assistência médica - e não referências grupais ou padrões de consumo próprios da classe social antes integrada, nível de vida correspondente ou a uma específica formação profissional ou atividade ou hábitos de vida pretéritos.

27ª Assim: - “o Ac. da RC de 31/01/2012., processo 1255/11.0TBVNO-A.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc: 5. O critério a usar pelo julgador é o da dignidade da pessoa humana o que, numa abordagem liminar ou de enquadramento, se pode associar à dimensão dos gastos necessários à subsistência e custeio de necessidades primárias (e não assente em referências grupais ou padrões de consumo próprios da classe social antes integrada, nível de vida correspondente a uma específica formação profissional ou atividade ou hábitos de vida pretéritos).”

28ª Tal exclusão emana do principio da dignidade humana, contido no principio do Estado de Direito, plasmado no artigo 1º da CRP e aludido também na alínea a) do n.º 1 do artigo 59º do mesmo diploma legal. O principio da dignidade humana obriga a que ordenamento jurídico estabeleça normas que salvaguardem a todas as pessoas o sustento mínimo para uma existência condigna.

29ª O Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do preceito contido nas supra mencionadas subalíneas b) do n.º 3 do artigo 239º do CIRE, sendo o Douto Despacho recorrido passível de censura.

30ª O Douto Despacho recorrido, que determinou o rendimento indisponível da Apelante em € 1.140,00 (atualmente salário mínimo e meio nacional), não teve em conta os elementos e documentos juntos aos autos pela Apelante e aplicou incorretamente os critérios de razoabilidade e equidade que se impunham no caso concreto, pois o valor necessário para si e para o seu estado de saúde e despesas com a profissão é aquele que foi requerido, € 2100,00, excluindo-se igualmente este valor das prestações que venha a auferir a titulo subsídio de férias e Natal.

31ª Nesta conformidade, temos que concluir que o douto despacho recorrido, violou o disposto no artigo 239º, n.º 3 do CIRE.

32ª Assim sendo, entende-se que se recorrermos a um critério assente em juízos de razoabilidade e equidade, o montante considerado como minimamente digno para sustento da insolvente, não poderá ser de valor inferior ao valor das despesas supra indicado, ou caso assim se não entenda deverá ser fixado 2,5 RMMG.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, REQUER-SE A V. EX.ªS

QUE:

QUE SEJA REVOGADO O DOUTO DESPACHO PROFERIDO PELO TRIBUNAL A QUO NA PARTE QUE DETERMINA COMO RENDIMENTO DIGNO PARA O SUSTENTO DA APELANTE E CUIDADOS DE SAÚDE E COM A PROFISSÃO O VALOR DE 1,5 RMMG, ALTERANDO-SE ESSE VALOR PARA O VALOR CORRESPONDENTE ÀS DESPESAS INDICADAS PELA MESMA, ISTO É, PELO MENOS A QUANTIA DE 2,5 RMMG, COMO VALOR RAZOAVELMENTE NECESSÁRIO PARA O SUSTENTO MINIMAMENTE DIGNO DA DEVEDORA, EXCLUINDO-SE IGUALMENTE ESTE VALOR DAS PRESTAÇÕES QUE VENHA A AUFERIR A TÍTULO DE SUBSIDIO DE FÉRIAS E NATAL;


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Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se o tribunal, ao fixar o rendimento indisponível no montante equivalente a 1,5 RMMN não teve em consideração as condições sócio-económicas da devedora, violando o disposto no regime excecional previsto nas sublinhas i) e ii), da al. b), do nº3 do artigo 239º CIRE.
2. Se ao rendimento indisponível deve ser deixado também o equivalente a 1,5 dos subsídios de férias e de natal auferidos pela devedora.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O tribunal recorrido teve em consideração a seguinte a factualidade (atentas as alegações da insolvente e o relatório do Administrador de Insolvência), matéria que aqui não é posta em causa:
1. A insolvente alega que exerce funções de enfermeira auferindo o rendimento liquido mensal entre os €1.000,00 e os €2.000,00, dependendo das horas que efetua e do número de entidades para a qual trabalha.
2. Foram reconhecidos créditos em valor superior a € 300 000, 00.
3. Refere ainda ter despesas mensais de cerca de €2100.
4. Do CRC nada consta.
*
Com base em tais factos, a decisão recorrida fixa o rendimento indisponível no equivalente a 1.5 o RMMN, partindo dos seguintes princípios que, assim, se sintetizam:
- o valor disponível deverá ser encontrado entre um o valor mínimo que se deve considerar como rendimento mínimo garantido que resultará das necessidades que, em concreto, o insolvente apresentar – tendo em consideração os limites da penhora constantes do artigo 738º do CPC –, e o valor máximo de três vezes o salário mínimo nacional;
- para além deste montante a excluir, podem ser ressalvadas outras despesas que o juiz entenda atendíveis ou elegíveis no caso concreto;
- é de atender ao número de pessoas do agregado familiar e um critério de razoabilidade geral, sem que haja uma correspondência direta o montante a excluir e as despesas diretas alegadas pelo devedor;
- está em causa determinar o estritamente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar e não necessariamente manter o nível de vida que tinha antes da sua declaração de insolvência (nível de vida esse em que os gastos superaram os próprios rendimentos e que terá levado à situação de insolvência em que se encontra).
Insurge-se a devedora/Apelante contra tal decisão, sustentando que, face ao seu rendimento líquido mensal que fixa entre os 1.000 € e os 2.000 € e a relação de despesas mensais juntas, no valor de 2.158,00 €, requer:
1. A fixação como rendimento indisponível no valor correspondente ao das suas despesas.
2. que as prestações que venha a auferir a título de subsídio de férias e de Natal, venham a integrar o rendimento indisponível, reduzidas ao valor mensal que se venha a determinar como valor indisponível.
Segundo a Apelante, o montante atualmente fixado a título de rendimento disponível – rondando uns atuais 1.140,00 € – é um valor diminuto para o sustento mínimo, tendo em consideração que paga 450.00 € de habitação, tem despesas de transporte e é paciente de fibromialgia, entre outras doenças crónicas, cujas despesas calcula em 770,00 € mensais.
Mais alega que tal valor viola o regime excecional previsto nas als. i) e ii), da al. b), do art. 239º do CIRE.
Cumpre apreciar a primeira pretensão da Apelante.
Segundo o nº 3 do artigo 239º do CIRE, por rendimento disponível entende-se o conjunto de todos os rendimentos que provenham, a qualquer título, ao devedor, com exclusão:
a) Dos créditos a que se refere o art. 115º cedidos a terceiros, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua atividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
Atentar-se-á em que a al. b) comporta três subgrupos, sendo que, enquanto a subalínea i) respeita ao montante necessário a assegurar o direito à vida do devedor e do seu agregado familiar, exclusão esta que é automática e independentemente da alegação de factos a tal respeito pelo devedor, a exclusão a que se reporta a subalínea iii), depende de requerimento do devedor e da concreta alegação das despesas a excluir e de factos dos quais resulte serem as mesmas essenciais para a vivência do devedor.
Sendo o rendimento disponível integrado por todos os rendimentos que o devedor aufira, a qualquer título, dele será excetuado “o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional”.
Não questionando concretamente as balizas em que se moveu a decisão recorrida, a Apelante quer, pura e simplesmente, fazer corresponder o valor do rendimento indisponível à soma do valor das despesas por si apresentadas, com o fundamento de que, “caso contrário, não consegue fazer face a todas as suas despesas mensais”.
Contudo, tal como o defendido na decisão recorrida, tal correspondência não tem cabimento à luz dos princípios que regem o benefício da exoneração do passivo restante, onde haverão também de ser tidos em consideração os interesses dos credores a ver os seus créditos satisfeitos, buscando-se um ponto de equilíbrio entre tais interesses e o direito do insolvente e do seu agregado a um sustento que lhe permita viver com um mínimo de dignidade[1].
Como é jurisprudência pacífica, não haverá que atender às concretas despesas comprovadas ou meramente alegadas pelo insolvente, procurando-se antes a determinação do que é razoável gastar para prover ao seu sustento e do seu agregado familiar que, eventualmente, tenha a seu cargo[2].
Quanto a eventuais despesas extraordinárias deverão ser atendidas pelo tribunal, já não no âmbito do ponto i), mas com recurso ao disposto na al. iii) que determina a exclusão de “outras despesas ressalvadas pelo juiz, a requerimento do devedor[3]”.
Também a jurisprudência tem insistido em que a fixação de um rendimento indisponível não visa assegurar a manutenção do padrão de vida anterior à declaração de insolvência, mas apenas uma vivência minimamente condigna, cabendo ao visado adequar-se à especial condição em que se encontra, ajustando as despesas ou encargos e o seu nível de vida, em general e na medida do possível, à realidade em que se encontra[4]. Sendo o critério a usar pelo julgador o da dignidade da pessoa humana, este encontra-se associado à dimensão dos gastos necessários à subsistência e custeio das necessidades primárias e não assente em referências grupais ou padrões de consumo próprios da classe social antes integrada, nível de vida correspondente ou a uma específica formação profissional ou atividade ou hábitos de vida pretéritos[5].
Socorrendo-se o legislador de um conceito aberto e indeterminado – o direito a um mínimo de sobrevivência que radica no princípio da dignidade da pessoa humana –, haverá que proceder à sua objetivação, de modo a evitar desigualdades no tratamento da questão.
O apelo do legislador ao conceito do rendimento necessário para o sustento minimamente digno do devedor e dos seus membros do agregado familiar, remete-nos para o valor constitucionalmente protegido da salvaguarda da pessoa humana e da sua dignidade pessoal (princípio com acolhimento, não só, nos arts. 1º, 13º, 59º, nº1, e 67º, nº1 da CRP, mas ainda nos arts. 1º e 25º, nº1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem).
A jurisprudência maioritária[6] vem assentando na ideia de que, se a lei alude ao salário mínimo nacional para definir o limite máximo isento da cessão do rendimento disponível, também se deverá atender a esse mesmo salário mínimo nacional para, no caso concreto, a partir dele, e juntamente com a avaliação dos gastos necessários à subsistência e custo das necessidades primárias do devedor e do seu agregado familiar, determinar qual o quantum considerado compatível com o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar[7].
A ele se recorrendo como mero referencial, a doutrina e a jurisprudência[8] vêm assentando em que, de qualquer modo, não se deverá, nunca, fixar um quantitativo inferior ao salário mínimo nacional que esteja em vigor.


O Rendimento Mínimo Mensal Nacional constituirá um mero indicador do que possa constituir o limite mínimo indispensável ao sustento digno de uma pessoa e não uma bitola de aplicação automática, sob pena de violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, podendo justificar-se uma escala de percentagens variáveis consoante o montante dos rendimentos: o esforço de compressão das despesas necessário para se viver com o valor equivalente a salário mínimo nacional será muito superior para quem aufira 2.000 € ou 3.000 €, do que para quem já aufira rendimentos próximos daquele montante.
Temos, assim, como balizas dos rendimentos a que o devedor terá direito a reter para o seu sustento e do seu agregado familiar, como limite mínimo, o correspondente a um salário mínimo nacional (a retribuição mínima mensal garantida foi fixada para o ano de 2023 em 760,00 €, pelo DL nº85-A/2022, de 22 de dezembro – ou um valor de 886,66 €, se entendermos que tal remuneração é atribuída ao trabalhador 14 vezes no ano) e, como limite máximo, que não poderá ser excedido “salvo decisão fundamentada do juiz em contrário”, o equivalente a três salários mínimos, ou seja, 2.280,00 [9].
A menção ao que seja “razoavelmente necessário”, envolve, um juízo de ponderação casuística do juiz sobre o montante a fixar, encontrando-se associado à dimensão dos gastos necessários à subsistência e custeio de necessidades primárias do devedor e do seu agregado[10].
No caso em apreço, tendo-lhe sido fixado um rendimento indisponível correspondente a 1.5 o RMMN (o que perfaz o montante atual de 1.140 €), pretende a Apelante a fixação do mesmo no valor de 2.158,00 €, próximo do limite máximo admissível (2.280,00 €) e superior, inclusivamente, aos rendimentos por si auferidos mensalmente, o que não faz qualquer sentido.
A circunstância de a exoneração do passivo restante envolver, em caso de procedência, a final, um relevante benefício para o devedor, correspondente ao perdão dos créditos não satisfeitos, pressupõe, da parte deste, o correspondente sacrifício de compressão das suas despesas diárias, de modo a, dentro do possível e sem afetar os seus meios de subsistência, ceder parte do seu rendimento para pagamento aos credores.
Por outro lado, algumas das despesas por si alegadas surgem manifestamente excessivas (caso de um alegado valor de 85,00 € mensais um serviço de telemóvel, Net, TV), ou a despesas que não são renováveis mensalmente (como consultas de medicina dentária ou EDC ou um aparelho mio-relaxante, ou valor do IUC). Outras não se encontram devidamente fundamentadas (como a alegada despesa de 120 € mensais em cuidados de higiene, por não conseguir assegurar sozinha tais cuidados, limitação não consentânea com o facto de conduzir e de exercer a profissão de enfermeira).
De qualquer modo, das informações clínicas disponíveis e doc. comprovativos da realização de fisioterapia, exames e gastos em medicamentos, podemos concluir que a devedora ostenta problemas de saúde que lhe implicam despesas de saúde acrescidas.
Por outro lado, embora os valores que alega despender nas deslocações diárias para o trabalho se nos afigurem excessivos (300 € de gasóleo e entre 75 – 100 € de portagens), também aqui poderemos assentar em que, residindo a devedora em ... e trabalhando em ..., sendo enfermeira e trabalhando por turnos, se verá forçada a movimentar-se em viatura automóvel, tratando-se de despesa essencial para o exercício da sua profissão.
Tendo, assim, como relevante, o facto de o seu agregado familiar ser composto por ela própria, suportar uma despesa de 450,00 € de renda de casa (facto confirmado pelo A.I., no Relatório elaborado nos termos do art. 155º CIRE), que trabalha fora da sua localidade de residência, o que implica despesas de deslocação acrescidas, o facto de vivendo sozinha, suportar sozinha a totalidade das despesas básicas correntes (água, luz, gás, telefone), e despesas de saúde acrescidas.
Face a tais considerações, ponderados os interesses dos credores em verem satisfeitos os seus créditos, entende-se que o valor necessário e adequado a prover ao sustento digno da requerente e a assegurar o exercício da sua atividade profissional, temos por adequada a fixação do seu rendimento indisponível em 1.75 o RMMG, o que dá um valor líquido atual de 1.330, 00 €.
Quanto a eventuais despesas extraordinárias que possa ter de vir a suportar em virtude dos cuidados de saúde de que necessita (ou outras), terá de, caso a caso, formular requerimento a tal respeito.
2. Se o valor dos subsídios de férias e de Natal devem ser abrangidos pelo rendimento indisponível, sendo sujeitos unicamente ao grau de redução aplicável aos demais rendimentos.
A Apelante insurge-se, por fim, contra a decisão requerida, embora sem indicar qualquer fundamento, sustentando que o rendimento a considerar indisponível deve ser igualmente reduzido ao valor das prestações que venha a auferir a titulo de subsídio de férias e de natal.
Ou seja, se bem entendemos o seu raciocínio, nos meses em que lhes fossem pagos os subsídios de férias e de Natal, teria direito a reter para si, não o equivalente a 1.75 o RMNG, mas o equivalente a 3,5 o RMMG, ou seja, o valor de 2.660,00 €.
A resposta à questão sobre quais os valores que podem ou devem ser contabilizados para a determinação dos rendimentos que integram a parte disponível e a parte indisponível, encontrar-se-á na natureza do instituto em causa e nos interesses que lhe subjazem – por um lado, o interesse dos credores a verem satisfeitos os seus créditos e, do outro lado, a necessidade de que tal cessão de rendimentos não ponha em causa a satisfação das necessidades básicas do devedor.
Para a determinação de quais os montantes a atender para a determinação das quantias a ceder ao fiduciário considerar-se-ão todos os rendimentos a qualquer título advindos ao insolvente, independentemente da sua natureza, ou seja, de se tratar de retribuição salarial, de rendas, rendimentos resultantes de atividade por conta própria, ou outros.
E tal cessão, quando o devedor é um trabalhador por conta de outrem, é feita mensalmente, em função da totalidade dos rendimentos auferidos nesse mesmo período.
Os artigos 263º e 264º do Código do Trabalho atribuem ao trabalhador por conta de outrem o direito a receber subsídio de férias e de Natal, prestações estas que se destinam a fazer face às inerentes despesas acrescidas nesses períodos, direito este irrenunciável.
Tais prestações têm a natureza de retribuição, isto é, de contrapartida ligada ao trabalho prestado, integrando a remuneração anual, razão pela qual, se tem vindo ultimamente a entender que o rendimento a considerar para efeitos de assegurar o mínimo de subsistência do trabalhador será o valor do RMMG auferido durante o ano, multiplicado, não por 12 vezes, mas por 14.
Contudo, tais considerações só terão relevância na hora e no momento da fixação do montante que ao devedor é permitido dispor mensalmente – ou seja, para o cálculo dos limites mínimos ou máximos de referência – e, já não, para o efeito de, nom momento da cessão, tais subsídios manterem a sua autonomia, sendo excluídos do rendimento disponível (na sua totalidade ou em parte).
Encontrando-se o insolvente obrigado a ceder o rendimento disponível que vier a auferir (artigo 239º) – e tal cessão tem na sua origem um ato voluntário do insolvente, ao requerer a concessão da exoneração do passivo restante –, no momento de determinar qual o montante que pode reservar para si para assegurar o seu sustento, não se trata aqui de assegurar ao insolvente o recebimento de um “salário” em montante nunca inferior ao valor da remuneração mínima garantida. O valor do rendimento mensal mínimo garantido já terá sido tido em consideração enquanto mero “valor de referência”, a partir do qual é fixado o montante mensal que o insolvente tem direito a reservar para si e que se encontrará excluído da obrigação de entrega ao fiduciário, ficando de fora quaisquer considerações sobre a natureza da retribuição (sendo indiferente o título a que lhe advenha, subsídios, salários, ajudas de custo, horas extraordinárias, ou outros rendimentos sem qualquer conexão com a relação laboral).
Se o tribunal considerar que determinada quantia corresponde ao valor abaixo do qual deixa de se mostrar garantido o mínimo de subsistência do insolvente e seu agregado, terá o mesmo direito a reter toda e qualquer quantia que vier a auferir até ao referido montante, independentemente da sua natureza, desde que se contenha e na medida em que não ultrapasse esse valor “indisponível”.
Como se afirma no Acórdão do TRP de 23-09-2019[11], os subsídios de férias ou de natal (tal como eventualmente outras atribuições patrimoniais) serão excluídos da indisponibilidade quando – apenas quando –, o montante singelo do rendimento já alcança o montante fixado como rendimento indisponível.
Como já referimos, o valor do salário mínimo nacional é aqui tido em consideração como mero valor “de referência”, a partir do qual é fixado o montante mensal que o insolvente tem direito a reservar para si e que se encontrará excluído da obrigação de entrega ao fiduciário, ficando de fora quaisquer considerações sobre a natureza da retribuição (sendo indiferente o título a que lhe advenha, subsídios, salários, ajudas de custo, horas extraordinárias)[12].
Concluindo, a insolvente terá de entregar ao fiduciário todo e qualquer rendimento por si auferido que, mensalmente, exceda o equivalente a 1,75 a Retribuição Mínima Mensal Garantida, independentemente de tais quantias serem por si recebidas a título de subsídios de natal, de férias, ou outros.

A apelação é de proceder parcialmente.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revoga-se a decisão recorrida, fixando-se, mensalmente, o valor razoavelmente necessário ao sustento da insolvente em uma vez e meia a retribuição mínima mensal garantida, independentemente de tais quantias serem por si recebidas a título de subsídios de natal e de férias.

Custas pelo Apelante, na proporção do decaimento, que se fixa em ½, sem prejuízo do disposto no artigo 248º do CIRE.

Notifique-se.

                                               Coimbra, 09 de janeiro de 2024

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.

(…).


[1] Cfr., Mafalda Bravo Correia, “Critérios de Fixação do rendimento disponível no âmbito do procedimento de exoneração o passivo restante na Jurisprudência e sua conjugação com o dever de prestar alimentos.”, in Julgar – nº 31- 2017, p.118. No sentido da inexistência de qualquer inconstitucionalidade material na ponderação dos interesses em jogo do devedor insolvente e dos credores na previsão do instituto da exoneração do passivo restante, se pronunciou Paulo Mota Pinto, “Exoneração do passivo restante: Fundamento e constitucionalidade”, in “III Congresso de Direito da Insolvência”, Coord. Catarina Serra, Almedina, pp.175-195.
[2] Como se afirma no Acórdão do TRC de 31.01.2012, não pode existir qualquer correspondência entre o valor a fixar e o montante global das despesas indicadas pelo devedor, por falta de suporte legal – relatado por Carlos Marinho, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Onde se inserirão despesas extraordinárias por doença aguda ou crónica, incapacidade, etc.
[4] Acórdão TRE de 04.12.2014, relatado por Cristina Cerdeira, e Acórdão TRG de 19-03-2013, relatado por António Santos, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Acórdão do TRC de 31-01-2012, relatado por Carlos Marinho, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Cfr., entre muitos outros, Acórdão do STJ de 02-02-2016, relatado por Fonseca Ramos, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Como já se pronunciou inúmeras vezes o Tribunal Constitucional, “o salário mínimo nacional, contendo em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o “mínimo dos mínimos” não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo, assim como, também uma pensão de invalidez, doença, velhice ou viuvez cujo montante não seja superior ao salário mínimo nacional não pode deixar de conter em si a ideia de que a sua atribuição corresponde ao mínimo considerado necessário para a subsistência do respetivo beneficiário – Acórdão do Tribunal Constitucional nº177/2002, de 23.04, relatado por Maria dos Prazeres Beleza.
[8] José Gonçalves Ferreira, “A exoneração do passivo restante”, Coimbra Editora, p.94, e Acórdão do TRP de 24.01.2012, relatado por Rodrigues Pires, disponível in www.dgsi.pt.  
[9] Em igual sentido, entre outros, Acórdão do TRP de 02-02-2012, relatado por Maria Amália Santos, disponível in www.dgsi.pt.
[10] Letícia Marques Costa, “A Insolvência de Pessoas Singulares”, Coleção Teses, Almedina, pp.211-213.
[11] Chamando a atenção para o tratamento a dar aos subsídios de natal e de férias, cfr. o Acórdão de 23-09-2019, relatado por José Eusébio Almeida, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Cfr., Acórdãos do TRC, de 22-06-2020, e de 13-07-2020, relatados pela aqui também relatora, e Acórdãos do TRP de 26-10-2020, relatado por Jorge Seabra, disponíveis in www.dgsi.pt.