Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
612/23.4T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: RECLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL
PROCEDIMENTO CONCURSAL
CONTRATO CELEBRADO COM UNIDADE DE SAÚDE
ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL
CONVERSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO
NULIDADE
Data do Acordão: 04/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 115.º, N.º 1, 118.º, N.º 1, E 147.º, N.º 2, AL.ª C), DO CÓDIGO DO TRABALHO E ACT CELEBRADO COM O SINTAP, EM 14/05/2018, PUBLICADO NO BOLETIM DO TRABALHO E EMPREGO N.º 23, DE 22/06/2018
Sumário:
I – A reclassificação profissional prevista no Acordo coletivo entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo, EPE e outros e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos - SINTAP e outros deve, sob pena de nulidade, ser operada através de procedimento concursal.

II – O contrato de trabalho inicialmente celebrado a termo incerto converte-se em contrato de trabalho sem termo no caso do trabalhador permanecer em atividade após a data de caducidade indicada em comunicação do empregador, por força do disposto no art. 147.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho.

III – Todavia, no caso de contrato celebrado com Unidade de Saúde, entidade pública empresarial (E.P.E.), o contrato sem termo assim convertido é nulo por inexistência de prévio procedimento concursório de recrutamento que assegurasse a observância dos princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da publicidade.

IV – Para efeitos remuneratórios o que importa é a verificação da atividade concreta e efetivamente exercida na realidade pelo trabalhador e não o nome da atividade contratada.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação 612/23.4T8VIS.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Mário Rodrigues da Silva


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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de ...

I – AA, casado, residente na Avenida ..., ... ... instaurou a presente ação com processo comum contra:

A..., E.P.E. (A...), com sede na Avenida ..., ..., pedindo que o Réu seja condenado a:

A) Reconhecer que o Autor exerce funções cujo conteúdo funcional essencial corresponde à categoria e carreira de Técnico Superior, subsumíveis ao Anexo I ao IRTC/Acordo Coletivo celebrado com o SINTAP, em 14 de maio de 2018, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 23 de 22/06/2018, que entrou em vigor em 01 de julho de 2018.

B) A reclassificar o Autor, enquadrando-o na categoria profissional de Técnico Superior, a partir de janeiro de 2023, altura em que se sindicalizou no SINTAP;

C) A pagar ao Autor a retribuição mensal em conformidade e correspondente com a categoria de Técnico Superior, nos termos e com o âmbito previsto, nomeadamente, nas Cláusulas 23ª e 24ª do IRCT/Acordo Coletivo aplicável, desde e a partir de janeiro de 2023.

Para fundamentar os seus pedidos alegou, em síntese, tal como consta da sentença impugnada, que foi admitido ao serviço do Réu em 09 de janeiro de 2013, mediante contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Técnico, sendo que no âmbito de tal relação laboral, o Autor desempenhou as funções inerentes a tal categoria no serviço de consulta externa.

Contudo, em dezembro de 2020, por iniciativa do Réu, o Autor foi deslocado da consulta externa, para ser afeto ao “Centro de Custos – Auditoria Interna” a desenvolver atividade na Unidade de Gestão de Projetos, onde passou a exercer, juntamente com os demais membros de tal unidade, funções de elevada complexidade e responsabilidade, com autonomia técnica, atividade essa que mantém de forma ininterrupta até hoje.

As funções que exerce desde essa data integram a categoria de Técnico Superior, tal como foi reconhecido em documento escrito pela Sra. Diretora do Serviço de Aprovisionamento, sendo que em 07 de outubro de 2021, foi nomeado pelo Conselho de Administração do Réu, no Projeto de Gestão Documental implementado pelo Réu, em representação da Unidade de Gestão de Projetos, desempenhando tais funções com total autonomia, como se pronunciou em documento escrito o Sr. Administrador, Dr. BB. As funções efetivamente por si exercidas e que discrimina, correspondem e subsumem-se ao conteúdo funcional da categoria de Técnico Superior, sendo que o mesmo tem qualificações e aptidões profissionais para tal categoria profissional.

Acresce que o mesmo se sindicalizou no SINTAP em 17 de Janeiro de 2023, sendo-lhe por isso aplicável o Acordo Coletivo de Trabalho, ao qual o Réu aderiu, publicado no BTE nº 23 de 22/06/2018, que entrou em vigor em 01-07-2018, pelo que em conformidade com as cláusulas 3ª e 4º de tal ACT deve o mesmo ser classificado como Técnico Superior, sendo que desde Dezembro de 2020 e até hoje continua a exercer as mesmas funções, pelo que o mesmo deve ser reclassificado como técnico superior a partir de Janeiro de 2023, data em que se sindicalizou e auferir a retribuição correspondente a tal categoria profissional.

Por outro lado, por deliberação do Conselho de Administração do Réu de 09- 06-2022, o Autor celebrou com o Réu um contrato de trabalho a termo certo, pelo qual se obrigou a prestar ao Réu a sua atividade profissional como técnico superior, reconhecendo-lhe tal categoria para efeitos do instrumento de regulamentação coletiva aplicável, publicado no BTE de 22-06-2018, sendo que tal contrato produziu efeitos a partir de 10-06-2022 cessando quando regressar a funcionária substituída com a categoria de técnica superior que se encontrava ausente temporariamente por licença parental e férias. Por força de tal contrato o Autor passou a auferir a retribuição mensal ilíquida de € 1.215,93, acrescida de subsídio de férias e de Natal e subsídio de almoço no valor de € 4,77, tendo mantido o seu anterior horário de trabalho, e continuando a exercer como antes e sem qualquer interrupção as mesmas funções que antes exercia na Unidade de Gestão de Projetos e Serviço de Auditoria Interna e no mesmo local. Assim a circunstância de lhe ter sido comunicado que tal contrato a termo incerto caducou em 06-11-2022, como regresso da trabalhadora substituída, assim como a licença sem retribuição enquanto assistente técnico, regressando ao vencimento de assistente técnico, configura uma diminuição da retribuição que vinha auferindo e tal não impede o reconhecimento das funções que exerce como técnico superior e a sua reclassificação profissional para tal categoria com a correspondente retribuição.


+

Na audiência de partes, não se logrou a composição amigável do litígio e, notificado o réu, apresentou este contestação alegando em síntese, tal com também consta da sentença impugnada, que o Autor foi contratado ao abrigo de contrato individual de trabalho o qual reflete o acordo das partes quanto a todos os aspetos da relação laboral, sendo que na altura a designação dada às funções do Autor foi de assistente técnico, sendo essa a designação que ainda se mantém.

Tal designação foi aposta por mera facilidade de tratamento de dados, mas não correspondia a qualquer categoria consagrada em instrumento de regulação coletiva que fosse aplicável à relação laboral.

O Réu insere-se no sector público empresarial, tendo trabalhadores nomeados como funcionários públicos e trabalhadores contratados por contrato individual de trabalho, sendo que estes não detêm a qualidade de funcionários públicos, nem de agentes administrativos.

Assim, existem assistentes técnicos com contrato em funções públicas e assistentes técnicos com contrato individual de trabalho, estando estes sujeitos ao Código do Trabalho e respetiva legislação especial.

Em 2008, foram publicados diplomas definindo a estrutura da carreira e as regras de progressão dos assistentes técnicos em funções públicas, o que não aconteceu com os assistentes técnicos com regime de contrato individual de trabalho, inexistindo qualquer instrumento legal ou convencional que regulasse a estrutura e progressão na carreira e estatuto remuneratório, pelo que nada obrigava o Réu a proceder a qualquer modificação da remuneração ou posição na carreira do Autor.

Tal situação só foi alterada em 2018, quando foram publicados Acordos Coletivos de Trabalho a regular a carreira dos assistentes técnicos com contrato individual de trabalho, os quais foram celebrados entre o Réu e outros e o STFPS e o SINTAP e outros, sendo que só a partir desses acordos passou a haver níveis remuneratórios e regras a definir a mudança de categoria, sendo que o Acordo entre o Réu e o SINTAP só é aplicável ao Autor a partir de janeiro de 2023, quando o mesmo se sindicalizou.

Aquando da data da entrada em vigor dos ACT, os trabalhadores incluindo o Autor deviam ser enquadrados nas funções que exerciam nessa data, pelo que o Autor não podia ser classificado como técnico superior por não exercer s funções inerentes a tal categoria, sendo que após a entrada em vigor dos ACT a mudança de categoria implica procedimento concursal que não aconteceu.

Alega ainda que o ingresso na carreira de técnico superior não pode ocorrer devido ao contrato a termo que foi celebrado entre Autor e Réu, dado que o termo foi justificado pela substituição indireta de uma sua colega e que cessou com a comunicação de regresso da colega substituída, não impugnando o Autor a validade e licitude de tal cessação, sendo que mesmo que a aposição do termo não fosse válida, o contrato não se converteria em contrato sem termo, porquanto, nos termos legais a contratação por tempo indeterminado exigia um procedimento concursal, sendo tais normas imperativas, pelo que o contrato por tempo indeterminado não pode resultar da conversão de um contrato a termo, sendo que tal contrato sempre seria nulo e no caso o Autor aceitou subscrever aquele contrato a termo, sabendo que o mesmo caducaria com o regresso da colega e que retomaria o contrato preexistente e que se assim não fosse o Réu nunca o celebraria.


***

II – Dispensada a realização da audiência prévia, prosseguiram os autos os seus regulares termos sem enunciação dos temas de prova, acabando, a final, por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

“Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a presente ação parcialmente procedente e em consequência, condena-se o Réu A..., EPE a reconhecer que o Autor AA exerce funções cujo conteúdo funcional corresponde à categoria de Técnico Superior prevista no Anexo I ao IRTC / Acordo Coletivo celebrado com o SINTAP, em 14 de maio de 2018, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 23 de 22/06/2018, que entrou em vigor em 01 de julho de 2018, absolvendo-se o Réu dos restantes pedidos contra ele formulados pelo Autor”.


***

III – Não se conformando com esta decisão dela o autor veio apelar, alegando e concluindo:

(…).


+

Contra alegou o recorrido, concluindo:

(…).


+

O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

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IV – A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria:

1- O Réu é uma pessoa coletiva de direito público, com natureza empresarial, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial, criado pelo Estado em 02 de março de 2011, integrado no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e cujo estatuto atualmente se encontra aprovado pelo Decreto-Lei nº 52/2022 de 4 de agosto, regulado pelos artigos 63º e segs. e que consta do Anexo I a que se refere o número 3 desta disposição.

2- Sendo sua principal missão e atribuições a prestação de cuidados hospitalares à população da sua área de influência, de acordo com as Redes de Representação Hospitalar e sem prejuízo do livre acesso e circulação no SNS (artigo 64º/1 do ESNS).

3- O Autor, por seu turno, e sem prejuízo de outras competências adquiridas, é licenciado em Psicologia pelo B....

4- O Autor, mediante a celebração, em 09 de janeiro de 2013, de contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado, foi admitido ao serviço do Réu, para lhe prestar a sua atividade, mediante retribuição, exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Técnico, no âmbito da organização e sob a sua autoridade e direção auferindo a correspondente remuneração, nos termos constantes do Doc. nº 1 da petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido.

5- Nos termos da cláusula primeira, nº 1 de tal contrato o Autor obrigou-se a “… prestar-lhe a sua atividade profissional como Assistente Técnico, tendo a seu cargo tarefas de natureza executiva, enquadradas em instruções gerais e procedimentais bem definidos com certo grau de complexidade relativas a uma ou mais áreas de atividade administrativa, designadamente contabilidade, pessoal economato e património, expediente e arquivo.”

6- E, de acordo com o nº2 da mesma cláusula primeira, “Para efeitos do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, é reconhecido ao Segundo Outorgante a categoria profissional de Assistente Técnico.”.

7- Consta ainda da alínea c), do número 2, da cláusula nona que “… à data não existem instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho especificamente aplicáveis às relações de trabalho que o Centro Hospitalar mantém com os respetivos trabalhadores.”.

8- Iniciada a relação laboral, o Autor desempenhou funções administrativas, nomeadamente de atendimento ao público, marcação e desmarcação de consultas, atendimento de telefones e organização de processos, na Consulta Externa do Réu.

9- Setor onde prestava a sua atividade em espaço aberto com um conjunto de outros 5 ou 6 trabalhadores.

10- Em dezembro de 2020, por iniciativa do Réu, concretamente do seu Presidente do Conselho de Administração, o Autor foi deslocado da Consulta Externa para ser afeto, como veio a ser, ao “Centro de Custos – Auditoria Interna”, a desenvolver atividade na Unidade de Gestão de Projetos do Réu.

11- Integrado numa equipa composta por três elementos, incluindo o Autor, sendo eles:

▪ Sra. Dra. CC, Auditora Interna do Réu e Administradora Hospitalar de Carreira;

▪ Sr. Dr. DD, Técnico Superior.

12- Tendo ficado desde e a partir dessa data (dezembro 2022) a exercer funções sob a dependência hierárquica da Sra. Dra. CC.

13- Em gabinete próprio (gabinete 1) no antigo Hospital de Dia Oncológico.

14- Tal como os demais membros da Unidade de Gestão de Projetos, o Autor passou a exercer funções de elevada complexidade e responsabilidade e com autonomia técnica.

15- No quadro dessa nova atividade, a qual se mantém ininterruptamente até hoje, o conteúdo funcional exercido pelo Autor corresponde a funções consultivas, de estudo, planeamento, programação e aplicação de métodos e de processos de natureza técnica e científica preparatórios de decisões.

16- A funções de elaboração, autonomamente e/ou grupo, de projetos e de pareceres, com graus de complexidade diversa, bem como atividades de apoio geral e especializado na área e no quadro da Unidade de Gestão de Projetos do A..., EPE.

17- E, atua em representação do Serviço e/ou da Unidade em que está a desempenhar a sua atividade no âmbito da relação jus laboral.

18- O A... concorre a Fundos comunitários europeus, nomeadamente, no quadro do Portugal 2020, apresentando candidaturas nos designados eixos de desenvolvimento na sua área de atuação.

19- Tendo por referência as operações de maior relevância e envergadura financeira do Réu, e nas quais está envolvido o Autor, salienta-se:

a) Eficiência Energética no Centro Psiquiátrico de ..., com um apoio estimado de 325.000,00 euros;

b) DIR@2020 (Desmaterializar, Integrar e Robotizar) Sistema de Apoio à Modernização e Capacitação da Administração Pública;

c) CHTV+Digital+Seguro, Capacitação e Segurança Digital das Pessoas, Processo e Sistemas do A...;

d) Operação Utente 4.0 Transformação Digital dos Processos e Interação com os Utentes, com um apoio aprovado de 835.000,00 euros;

e) Centro de Ambulatório e de Radioterapia com um apoio aprovado de 13.000.000,00 euros;

f) Operação para o Alargamento de Remodelação das Instalações da Urgência Polivalente com um apoio aprovado de 4.437.000,00 Euros (este, dirigido por uma Administradora Hospitalar).

20- Assim e com respeito à sua atividade na Unidade de Gestão de Projetos do A..., o Autor participa no desenvolvimento de aspetos relacionados com a gestão, organização e planeamento, nomeadamente, visando a aprovação dos projetos e fundos em sede de candidaturas e o seu reembolso, assegurando o sucesso das operações envolvidas.

21- Bem como assegurando que, após aprovados, os projetos são executados até ao seu encerramento, de acordo e de forma a garantir que o sejam com exata observância de todas as normas e procedimentos exigíveis.

22- Neste quadro, o Autor desenvolve a atividade de Acompanhamento Financeiro, onde realiza em alguns projetos, pedidos de pagamento / reembolsos, segundo as normas que lhe são impostas por quem representa os Fundos com quem o A... está a trabalhar.

23- Participa nas reuniões com a empresa C..., empresa essa que é parceira do A... no desenvolvimento de várias ações na implementação dos projetos financiados, representando o A... no planeamento e no plano de ações decidido.

24- A descrita atividade técnica do Autor, desenvolve-se no acompanhamento especializado de execução física e financeira dos projetos em execução.

25- Por outro lado, o Autor desenvolve ações de controlo interno de forma autónoma, no e com a colaboração do Serviço de Aprovisionamento, onde averigua se os procedimentos de contratação pública são feitos de acordo com as normas das entidades financiadoras do Portugal 2020, propondo, se for o caso, planos de melhorias à Sra. Diretora do Serviço de Aprovisionamento e seus coordenadores.

26- Sobre o desempenho do Autor, funções e autonomia, pronuncia-se a Sra. Diretora do Serviço de Aprovisionamento do seguinte modo:

“O trabalho desenvolvido ao longo destes meses representa elevada competência técnica e conhecimentos do que diz respeito à Contratação Pública, compatíveis com as de um Técnico Superior.

… a forma proactiva que o AA tem apresentado no desenvolvimento de soluções internas com o objetivo de melhorar o desenho das interações da Unidade que ele representa com o Serviço de Aprovisionamento.

… em muito tem facilitado e agilizado o relacionamento com os representantes de alguns projetos e candidaturas a decorrer no A... no âmbito das Candidaturas aos Fundos Europeus.

Pelas razões apontadas anteriormente, além das competências técnicas demonstradas, declaro que considero o colaborador AA, tem vindo a desempenhar desde que integrou a Unidade de Gestão de Projetos do A..., funções compatíveis com as de um Técnico superior”, conforme Doc. nº 2 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

27- Além disso, o Autor faz o acompanhamento físico com o reporte de Contratos e Checklists de contratação Pública e, quando solicitado, responde em nome da Unidade de Gestão de Projetos a esclarecimentos e de forma autónoma, dando conhecimento dessas respostas e reporte à Sra. Dra. CC, à Sra. Dra. EE, vogal Conselho Administração, nomeadamente no que diz respeito ao projeto de Eficiência Energética do hospital de ....

28- Bem como ao Sr. Presidente do Conselho Administração, Dr.º FF, quando diz respeito ao projeto do Centro de Ambulatório e de Radioterapia.

29- Quando solicitado, o Autor é interlocutor em esclarecimentos solicitados.

30- Todos os reportes, sejam eles de execução física ou financeira, ou pedidos de reembolso, são feitos na plataforma Balcão de Fundos do Portugal 2020, onde aparece o registo da submissão e consequente pedido elaborado em nome e com o número de identificação fiscal do Autor.

31- Requerendo um trabalho que envolve conhecimentos técnicos, não só do ponto de vista financeiro como do ponto de vista da Contratação Pública e a inerente responsabilidade.

32- No que a estas funções exercidas diz respeito, com autonomia técnica, ao Autor foi solicitado, enquanto agente de execução do Projeto, o reporte anual dos contratos em curso em que está envolvido o A..., isto é, acerca da execução dos indicadores de realização e resultados da operação aprovada para efeitos do Relatório Anual de Execução do Programa por parte da Autoridade de Gestão para reporte à Comissão Europeia.

33- No âmbito do Projeto de Gestão Documental implementado pelo A..., a levar a cabo e em execução por Gestor e Equipa superiormente designados com vista a promover a desmaterialização dos suportes documentais e a integração de processos, a englobar todo o ciclo de vida dos documentos.

34- O Autor foi nomeado pelo Conselho de Administração do Réu, em representação da Unidade de Gestão de Projetos, conforme Boletim nº 14 do Conselho de Administração, publicado em 07 de outubro de 2021.

35- Sobre o seu desempenho, funções e autonomia no quadro do Projeto de Gestão Documental pronuncia-se o Senhor Administrador, Dr. BB, do seguinte modo:

“… exerce um papel múltiplo neste Grupo de Trabalho, tendo procedido ao planeamento conjunto das diversas fases do projeto, e efetuou a identificação, caraterização e descrição de intervenientes, ações implicadas e suportes atuais dos processos 35 (trinta e cinco) fluxos documentais dos seguintes serviços/setores: Gabinete do Cidadão, Expediente, Conselho de Administração, Consulta Externa, Serviços Farmacêuticos, Secretariado do Conselho de Administração, Gestão Hoteleira, Serviço Jurídico e de Contencioso, Serviço de Gestão de Doentes, Serviço de Aprovisionamento e Logística.

Em todas as suas atividades, o Sr. Dr. AA atua com total autonomia, determinando os momentos e os meios a usar utilizando os diversos e profundos conhecimentos técnico-científicos que possui para, tempestivamente, fazer entrega do trabalho solicitado ou dos contributos que entende por pertinentes para otimizar os resultados visados pelo Grupo de Trabalho que coordeno”, conforme Doc. nº 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

36- No âmbito da candidatura FEDER do A... a cofinanciamento do Centro de Ambulatório e Radioterapia, o Autor desenvolveu a sua atividade e trabalho, de forma autónoma, e em representação da Responsável da Unidade de Gestão de Projetos, com os Diretores de serviços médicos agentes da mudança para integrar as suas especialidades no novo Centro de Ambulatório, que irá nascer.

37- Prendendo-se a sua participação, nomeadamente, com a avaliação de necessidades e planeamento de equipamento junto dos serviços médicos e não médicos, assim como a sua valoração para estimativa de custos de investimento, representando tal candidatura um valor global de 26.020.471,81 euros, sendo 7.894.753,65 euros são investimento com equipamento.

38- Sobre esta tipologia de funções e desempenho do Autor, reportadas à data de 05 de abril de 2021 e que prosseguem, foi emitida a Declaração elaborada e subscrita pela Sra. Diretora do Serviço de Auditoria e da Unidade de Gestão de Projetos, nos termos constantes do Doc. nº 5 junto com a petição inicial que aqui se dá por reproduzido.

39- O Autor participou e continua a participar em reunião de planeamento e implementação, sobretudo do Projeto da Gestão Documental, para o qual foi nomeado pelo Conselho de Administração, reunindo com os Diretores de Serviço com o objetivo de reconhecer os fluxos e circuitos de informação existentes e nas quais são desenhadas propostas de novos fluxos ou reengenharia de processos.

40- O que faz de forma proactiva e com total independência em consideração e ajustes que considere pertinentes.

41- No que tange às suas qualificações profissionais e aptidões profissionais, o Autor é licenciado em Psicologia e no seu curriculum, à data da celebração do CIT, o Autor era também já possuidor de competências pedagógicas para exercer a profissão de Formador.

42- E efetuou um curso de pós-graduação MBA para Executivos, pela Universidade ....

43- Sendo que, com vista à sua valorização profissional, o Autor Pós-graduou-se em Gestão e Administração de Unidades de saúde, em 2014, pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de ..., Instituto Politécnico de ....

44- Ainda com vista à sua valorização profissional o Autor em 26 de janeiro de 2018 concluiu o curso de especialização em administração hospitalar na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa.

45- Tendo trabalho desenvolvido como Administrador Hospitalar Estagiário no Centro Hospitalar e Universitário ... Central, no âmbito do referido curso, no qual elaborou um trabalho para o Hospital na área financeira, acerca do “Apuramento de Custos do Transplante de Córnea”, na área de especialidade de oftalmologia.

46- Além disso, o Autor concluiu com mérito o PADIS – Programa de Alta Direção de Instituições de Saúde”, com a colaboração científica da Clinica da Universidade de Navarra e do IESE – Business School da Universidade Navarra, realizado de setembro a dezembro de 2018.

47- Programa PADIS que é o mais categorizado programa de alta gestão hospitalar e cujo acesso e frequência é sujeita a rigorosos critérios de qualidade e capacidade profissional.

48-O Autor frequentou ainda seminários e efetuou formações diversas, nos termos constantes dos Docs. nºs 12 e 13 juntos com a petição inicial que aqui se dão por reproduzidos.

49- Por recomendação da Sra. Dra. GG, e devidamente autorizado pelo Sr. Presidente do Conselho de Administração do A..., frequentou também financiado pelo Réu, o Curso Prático de Elaboração e Análise de Projetos de Investimento pela Escola Prática CERTFORM.

50- É membro do IPAI – Instituto Português de Auditoria Interna e da APAH – Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.

51- O Autor aderiu ao SINTAP, Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e Entidades com Fins Públicos em 17 de janeiro de 2023.

52- Por seu turno, o A... enquanto prestadora de cuidados de saúde, com natureza de entidade pública empresarial, integrada no Serviço Nacional de Saúde, aderiu ao Acordo Coletivo celebrado com o SINTAP, em 14 de maio de 2018, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 23 de 22/06/2018, que entrou em vigor em 01 de julho de 2018.

53- Desde dezembro de 2020 até hoje, o Autor continua a exercer, e nos mesmos moldes, as mesmas e exatas funções referidas nos nºs 10 a 40.

54- Funções essas que em nada encontram afinidade ou coincidem com aquelas que o Autor exerceu até dezembro de 2020.

55- Por deliberação do Conselho de Administração do A..., de 09/06/2022, o Autor celebrou Contrato de Trabalho a Termo Incerto, pelo qual se obrigou a prestar ao Réu a sua atividade profissional como Técnico Superior, … “competindo-lhe, entre outras, as funções constantes no anexo I do ACT, publicado no BTE de 22/06/2018.”, nos termos constantes da Cláusula Primeira, nº 1 do Doc. nº 17 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

56- E, no número 2 da mesma Cláusula, acordou-se que: “Para efeitos do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, é reconhecida ao Trabalhador a categoria profissional de Técnico Superior

57- O referido contrato de trabalho a termo incerto (CTTI) produziu os seus efeitos a partir de 10/06/2022, “cessando quando regressar a funcionária substituída”, sendo o Autor admitido…” nos termos do nº 3, do artigo 140º do Código do Trabalho, para substituir a Técnica Superior HH ausente temporariamente por licença parental inicial, licença parental alargada e férias, se gozadas, ininterruptamente.”

58- O Autor passou a auferir a retribuição mensal ilíquida de € 1.215,93, acrescida de subsídio de férias e de Natal, além de subsídio de almoço no valor de 4,77 euros.

59- Tendo mantido, como anteriormente, o seu horário de trabalho das 08H00 às 17H00, com uma hora de intervalo para almoço.

60- Assim como, continuado a exercer, como antes e sem quaisquer interrupções, não outras, mas as mesmas e exatas funções descritas nos nºs 10 a 40, afeto na Unidade de Gestão de Projetos e Serviço de Auditoria Interna.

61- E no mesmo exato local de trabalho, Gabinete 1 do antigo Hospital de Dia Oncológico.

62- O Réu comunicou ao Autor que tal contrato a termo incerto caducou em 6 de novembro de 2022, com o regresso da Trabalhadora ausente por licença parental, caducando também a licença sem retribuição enquanto assistente técnico, nos termos constantes do Doc. nº 19 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por reproduzido.

63- Em face de tal comunicação o Autor regressou ao vencimento de assistente técnico.

64- O Autor quando celebrou o contrato aludido no nº 4 leu-o e concordou com o seu conteúdo.

65- Tal contrato foi integralmente cumprido pelo Réu, pelo menos até dezembro de 2020.

66- Desde a sua admissão ao serviço do Réu através de tal contrato a designação dada às funções do Autor foi a de Assistente Técnico.

67- O Réu insere-se no setor público empresarial.

68- Pelo menos desde 1989, coexistem no sector empresarial do Estado trabalhadores com vínculo em função publica e trabalhadores com contrato individual de trabalho (CIT).

69- Nesse ano foram publicados o Decreto-Lei 184/89, de 2 de junho e o Decreto-Lei 427/89, de 7 de dezembro.

70- O primeiro estabelecia os princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública, e o segundo – na continuidade daquele - veio “desenvolve(r) e regulamentar os princípios a que obedece a relação jurídica de emprego na Administração Pública”.

71- Resultava desses diplomas que a relação jurídica de emprego com um ente público se podia constituir por nomeação ou por contrato de pessoal.

72- Este contrato de pessoal, podia ser um contrato de provimento, ou um contrato individual de trabalho.

73- No entanto, só a nomeação conferia a qualidade de funcionário público e só o contrato administrativo de provimento conferia a qualidade de agente administrativo.

74- Dizia o art. 2º daquele Decreto-lei 184/89, de 2 de junho que:

1 - Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas coletivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respetiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei.

2- O contrato de trabalho com pessoas coletivas públicas não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal em regime de direito público.

75- Isto significa, que os Assistentes Técnicos contratados por pessoas coletivas públicas ao abrigo deste regime de CIT não detinham “a qualidade de funcionário público” nem a de “agente administrativo”.

76- E isso fazia (e faz) com que, no universo dos técnicos contratados por pessoas coletivas públicas, haja duas situações distintas em termos de regime jurídico de contratação: i) a dos Assistentes Técnicos com contrato em funções públicas; ii) e a dos Assistentes Técnicos com contrato individual de trabalho, sujeito ao “regime do Código do Trabalho e respetiva legislação especial”.

77- Em 2008, foram publicados diplomas definindo a estrutura da carreira e as regras de progressão para os Assistentes Técnicos em funções públicas (a Lei 12- A/2008, de 27 de fevereiro), bem como o seu estatuto remuneratório (o Decreto Regulamentar 14/2008 de 31 de julho).

78- E a partir daí os Assistentes Técnicos em funções públicas passaram a ter uma carreira definida, com categorias funcionais também definidas, regras de progressão e um estatuto remuneratório pelo qual passaram a reger-se.

79- Porém, para os Assistentes Técnicos em CIT não existia diploma, ou convenção coletiva que regulasse a estrutura da carreira, a progressão entre categorias e o estatuto remuneratório, o que ocorreu até 2018.

80- No caso dos Assistentes Técnicos em CIT esse instrumento só surgiu em 2018, sendo que só em junho de 2018, e para vigorar a partir de 01 de julho de 2018, é que foram publicados Acordos Coletivos de Trabalho a regular a carreira dos Assistentes Técnicos em CIT.

81- Trata-se dos dois Acordos Coletivos de Trabalho celebrados entre o Réu e outros e o STFPS, e o SINTAP e outros, que foram objeto de publicação simultânea no BTE nº 23 de 22 de junho de 2018, e cujas redações são aliás inteiramente coincidentes.

82- Nesses Acordos estabeleceu-se a estrutura de carreira dos senhores Técnicos em CIT, a determinação da retribuição mensal base e o reposicionamento dos técnicos, o período normal de trabalho, a transição para aquele período de trabalho.

83- E estabeleceu-se que as mudanças de categoria seriam feitas mediante procedimento concursal, cujas regras também foram definidas (cfr. cláusula 8ª).

84- Com a entrada em vigor destes Acordos, e só com ela, é que passaram a estar enquadradas as matérias referidas no nº 82, sendo que tal enquadramento só obrigava o Réu e os trabalhadores ao seu serviço membros de uma das associações sindicais celebrante (como aliás é afirmado no nº 2 da cláusula 1ª dos ditos Acordos).

85- Não existiu qualquer procedimento concursal para que o Autor fosse enquadrado como Técnico Superior.

86- O Réu é uma Entidade Pública Empresarial (EPE) estabelecida no art. 1º do DL 30/2011 de 02 de março.

87- Nos termos do seu art. 5º daquele diploma, aplicava-se-lhe o regime de pessoal (recursos humanos) estabelecido no DL 233/2005 de 29 de dezembro.

88- Este diploma, no seu art 14º/4, obrigava, mesmo na contratação por contrato individual de trabalho, a que os processos de recrutamento assegurassem os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da publicidade.

89- A mesma exigência resultava, ainda, do disposto nos artigos 27.º e 28.ºdo Decreto-lei n.º 18/2017, que veio regular o regime jurídico e os estatutos aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde com a natureza de entidades públicas empresariais, diploma em vigor aquando da contratação do Autor.

90- E está reafirmada no art. 99º do Dl 52/2022.

91- O Autor quando subscreveu o contrato a termo, que visava a substituição da Dra. HH, tinha conhecimento que o contrato cessaria com o regresso da mesma.

92- O Autor tinha conhecimento que com a cessação de tal contrato a termo, que foi celebrado após procedimento concursal, retomaria o seu contrato inicialmente celebrado com o Réu.

Factos não provados

Não se provou qualquer outro facto com interesse para a decisão, sendo que:

- Da petição inicial a demais matéria dos artºs 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 48º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º, 68º, 69º, 70º, 73º, 74º, 75º, 76º, 77º, 85º (demais matéria que não consta dos factos provados) e 86º é apenas matéria conclusiva ou de direito.

- Da contestação não se provou a demais matéria dos artºs 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 38º e 68º que não consta dos factos provados, sendo que a demais matéria dos artºs 1º, 2º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 37º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 69º e 70º que não consta dos factos provados, é apenas matéria de impugnação, conclusiva ou de direito.


***

V - Conforme decorre das conclusões das alegações que, como se sabe, delimitam o objeto do recurso, a questão a decidir reside em saber se o autor/recorrente deve ser reclassificado na carreira de técnico superior e auferir a retribuição mensal correspondente a essa categoria.

No setor empresarial do Estado, no qual se incluem os Hospitais EPE, há trabalhadores em funções públicas, ou seja, com vínculo de emprego público e outros vinculados através de CIT.

Assim, a apontada dualidade de vinculação ou contratação remonta ao ano de 1989, ano em que foram publicados o Decreto-Lei 184/89, de 2 de junho e o Decreto-Lei 427/89, de 7 de dezembro.

Destes diplomas resultava que a relação jurídica de emprego com um ente público se podia constituir por nomeação ou por contrato de pessoal.

Este contrato de pessoal, podia ser um contrato de provimento, ou um contrato de trabalho, em qualquer das suas modalidades.

Decorria do disposto no art. 2º do Decreto-lei 184/89, de 2 de junho que os Assistentes Técnicos contratados por pessoas coletivas públicas ao abrigo do CIT não detinham a qualidade de funcionário público nem a de agente administrativo, ficando sujeitos ao regime do Código do Trabalho e respetiva legislação especial.

Em 2008, foram publicados diplomas definindo a estrutura da carreira e as regras de progressão para os Assistentes Técnicos em funções públicas (a Lei 12- A/2008, de 27 de fevereiro), bem como o seu estatuto remuneratório (o Decreto Regulamentar 14/2008 de 31 de Julho).

Para os Assistentes Técnicos em CIT não existia diploma, ou convenção coletiva que regulasse a estrutura da carreira, a progressão entre categorias e o estatuto remuneratório.

Só em junho de 2018, para vigorar a partir de 01 de julho, foram publicados Acordos Coletivos de Trabalho a regular a carreira dos Assistentes Técnicos em CIT (ACTs publicados BTE nº 23 de 22 de junho de 2018).

Nesses Acordos estabeleceu-se que a estrutura de carreira dos senhores Técnicos em CIT seria igual à que tinha sido definida no art. 49º da Lei 12-A/2008[1] para os técnicos em funções públicas (cfr. cláusula 3ª);

Neles se estabeleceu também a sua retribuição mensal base, o seu reposicionamento remuneratório, o período normal de trabalho e as mudanças de categoria.

Só com a entrada em vigor destes Acordos, é que passaram a estar previstas categorias profissionais e carreiras para os Assistentes Técnicos em CIT passando, desde então, a existir níveis remuneratórios, regras a definir a sua progressão dentro dos vários níveis remuneratórios e regras a definir a mudança de categoria.

Ora, como resulta da evolução legislativa acima descrita, sempre o legislador decidiu e optou por manter uma dualidade de regime legais consoante os trabalhadores vinculados através de uma relação jurídica de emprego público, sujeito a um regime próprio, ou vinculados através de CIT com sujeição às cláusulas do próprio contrato e ao regime consignado no CT.

Só em 2018 com a publicação da regulamentação coletiva a que acima se fez referência o legislador entendeu por bem equiparar os trabalhadores independentemente do vínculo a que se encontram adstritos.

Assim, no caso, e nisto as partes estão de acordo, tem aplicação o ACT celebrado com o SINTAP, em 14 de maio de 2018, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 23 de 22/06/2018, que entrou em vigor em 01 de julho de 2018 sendo que, atento o princípio da filiação, tal ACT apenas é aplicável à relação laboral estabelecida entre autor e o réu a partir de 17.01.2023, data em que o autor aderiu ao SINTAP.

No que à questão da reclassificação concerne importa reter o que estatuem as seguintes cláusulas do referido ACT:

II- Carreiras profissionais e definição de funções

Cláusula 3.ª Definição das carreiras abrangidas

As carreiras dos trabalhadores abrangidos pelo presente AC são as seguintes: a) Técnico superior; b) Assistente técnico; c) Assistente operacional.

Cláusula 4.ª Enquadramento profissional

Todos os trabalhadores abrangidos por este AC serão obrigatoriamente classificados, segundo as funções efetivamente exercidas, nas carreiras constantes da cláusula anterior.

IV- Admissão e período experimental

Cláusula 8.ª Procedimento concursal

1- O recrutamento para os postos de trabalho correspondentes às carreiras referidas na cláusula 3.ª do presente AC, incluindo mudança de categoria, é feito mediante procedimento concursal.

(…)

XIV- Disposições finais

Cláusula 32.ª Aplicação do presente acordo

1- Os trabalhadores filiados nas estruturas sindicais utorgantes do presente AC, contratados pelos estabelecimentos de saúde igualmente outorgantes, em regime de contrato de trabalho, para o exercício de funções correspondentes ao conteúdo funcional das carreiras reguladas no presente AC, transitam para a categoria e carreira correspondente, ficando por ele abrangidos

(…)

Presente este quadro normativo a primeira ideia a reter é de que a reclassificação se faz através de procedimento concursal.

Tal resulta inequivocamente, no nosso entendimento, da Clª 8ª do ACT.

Pode, no entanto, questionar-se se, no caso em análise, se encontra dispensado o procedimento concursal por o autor, embora contratado em 2013 para desempenhar as funções de assistente técnico, executar ou desempenhar desde dezembro de 2020 e até ao presente as funções próprias da categoria de técnico superior como o réu, inclusivamente, reconhece.

Na análise desta questão há a considerar que, à data da entrada em vigor do ACT, ainda o autor não desempenhava funções inerentes à categoria de Técnico Superior, o que só aconteceu a partir de dezembro de 2020, sendo que o ACT vigorava desde 2018 e que só se tornou aplicável ao autor desde a sua filiação em 17.01.2023.

Por isso, tal como se decidiu na sentença, não podia ser aplicado o regime de transição de carreiras previsto na cláusula 32ª de tal ACT, acima transcrita, sendo aplicáveis as regras previstas no ACT para a mudança de categorias.

Nas palavras da sentença “não poderia o Autor aceder à categoria de Técnico Superior no momento da entrada em vigor do acordo coletivo de trabalho aplicável, por na altura ainda não exercer as referidas funções[2] e não estar sindicalizado”,

Mas outra questão se suscita que tem a ver com a celebração do contrato a termo incerto com início em 10.06.202, através do qual o autor se obrigou a prestar ao Réu, como efetivamente prestou, a sua atividade profissional como Técnico Superior, contrato este que caducou, através de comunicação do autor em 6 de novembro de 2022, caducando também nessa data a licença sem retribuição com regresso ao vencimento de assistente técnico.

É que, não obstante a cessação deste contrato o autor continuou a desempenhar as funções correspondentes à categoria de Técnico Superior como, aliás já desempenhava antes da celebração desse contrato pelo que seria de concluir que este contrato se converteu em contrato sem termo atento o disposto no artº art. 147.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho.

Acontece, porém, e passamos a citar a sentença, que “o Réu é uma Entidade Pública Empresarial (EPE) estabelecida no art. 1º do DL 30/2011 de 02 de março, sendo que nos termos do art. 5º daquele diploma, aplicava-se-lhe o regime de pessoal (recursos humanos) estabelecido no DL 233/2005 de 29 de dezembro. Este diploma, no seu artº 14º/4, obrigava, mesmo na contratação por contrato individual de trabalho, a que os processos de recrutamento assegurassem os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da publicidade, sendo que a mesma exigência resultava, ainda, do disposto nos artigos 27.º e 28.º do Decreto-lei n.º 18/2017, que veio regular o regime jurídico e os estatutos aplicáveis às unidades  de saúde do Serviço Nacional de Saúde com a natureza de entidades públicas empresariais, diploma em vigor aquando da contratação do Autor.

Estas exigências foram reafirmadas nos artºs 98º e 99º do DL 52/2022 de 04/08, em vigor à data da comunicação da caducidade do contrato a termo pelo que o processo de recrutamento deve observar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação, bem como da publicidade.

Daí que no Ac. desta Relação de 27-01-2023 no proc. 1594/21.2T8GRD.C1[3], in www.dgsi.pt ,citado na sentença se tenha decidido que “o contrato de trabalho inicialmente celebrado a termo incerto converte-se em contrato de trabalho sem termo no caso do trabalhador permanecer em atividade após a data de caducidade indicada em  comunicação do empregador, por força do disposto no art. 147.º, n.º 2, al. c), do Código do Trabalho. Todavia, no caso de contrato celebrado com Unidade de Saúde, entidade pública empresarial (E.P.E.), o contrato sem termo assim convertido é nulo por inexistência de prévio procedimento concursório de recrutamento que assegurasse a observância dos princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade e da publicidade”.

Assim, subscrevemos integralmente a sentença na parte onde se escreveu que “não é possível reconhecer a conversão de um contrato a termo em contrato por tempo indeterminado no caso de entidade púbica empresarial, como ocorre com o ora Réu, face à natureza de E.P.E. e ao não acatamento da exigência legal e constitucional da precedência de procedimento concursal. A exigência de procedimento concursal está consignada no art. 47.º n.º 2 da Constituição quando acentua que “todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”, o que já levou o Tribunal Constitucional a declinar a possibilidade da convertibilidade do contrato de trabalho a termo em sem termo no seio da Administração Pública, no seu acórdão n.º 368/2000, com força obrigatória geral (publicado no DR I Série-A, de 30.11.2000).

Desta forma, a conversão do contrato a termo incerto que o Autor celebrou com a Ré, sempre geraria a nulidade do contrato por tempo indeterminado por falta de procedimento concursal, pelo que por essa via também o Autor não poderia ser reclassificado como Técnico Superior”.

Mas já não subscrevemos a sentença quando nela se afirma que não podendo o Autor ser reclassificado na categoria de Técnico Superior por falta de procedimento concursal, não pode ser o Réu condenado a pagar a retribuição correspondente a tal categoria.

Ora, está provado que o autor desde dezembro de 2020 até o presente (facto 53) tem vindo a desempenhar ou a executar as funções próprio de um Técnico Superior, ou seja, tarefas enquadráveis na carreira de Técnico Superior.

E isso mesmo a ré reconhece e aceita.

O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que foi contratado (artº 118º nº 1 do CT), cabendo às partes determinar por acordo a atividade para a qual o trabalhador é contratado (nº 1 do artº 115º do CT).

Ora, pelo menos tacitamente as partes aceitaram ou acordaram que a partir de dezembro de 2020 o autor passasse a desempenhar funções que, em concreto, correspondem às de Técnico Superior, situação que se manteve inalterada a partir do memento em que o IRCT passou a ser aplicável ao autor.

Desta atividade contratada depende, em primeira linha, o estatuto remuneratório do trabalhador, pois que, o que conta para este efeito, são as funções concreta ou efetivamente exercidas.

O que importa para efeitos salariais é a verificação da atividade concreta e efetivamente exercida pelo trabalhador.

O Autor não exerce as funções de Assistente Técnico, sendo-o apenas no nome e não na realidade.

Por isso, enquanto a situação de facto se mantiver, é obrigação da ré remunerar o autor de acordo com a remuneração devida aos Técnicos Superiores, sob pena estar a usufruir de uma atividade laboral em que é devida uma remuneração superior àquele com que remunera o trabalhador.

Uma coisa é reclassificação do autor numa categoria profissional prevista em certo IRCT; outra é a remuneração devida a trabalhador a qual deve estar em conformidade com a atividade efetivamente exercida.

A não ser assim estar-se ia a alterar o equilíbrio das prestações com nítido prejuízo para o trabalhador.

Por exemplo, um trabalhador não pode estar a ser retribuído como servente quando em concreto executa tarefas de encarregado de obra.

Tudo isto para dizer que, enquanto o autor continuar a exercer a funções inerentes a Técnico Superior tem direito a ser remunerado em conformidade como tal de acordo com o previsto no ACT aplicável, com exceção do período em que esteve contratado a termo, na medida em que nesse período auferiu a retribuição devida aos Técnicos Superiores.


***

IV - Termos em que se delibera julgar a apelação parcialmente procedente em função do se altera a decisão impugnada dos seguinte modo.

a) Condena-se a ré a pagar ao Autor a retribuição mensal em conformidade e correspondente com a categoria de Técnico Superior, nos termos e com o âmbito previsto Acordo Coletivo aplicável, desde 17 janeiro de 2023, e enquanto o autor continuar a desempenhar funções de Técnico Superior, com exceção do período entre 09.06.2022 e 06.12.2022

b) No mais, confirma-se a sentença impugnada.


*

Custas a cargo do apelante e da apelada na proporção da sucumbência.

*

Sumário[4]:

(…).


*

Coimbra, 05 de abril de 2024

***

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)

(Mário Sérgio Ferreira Mendes da Silva)




[1] Artº 49º. “São gerais as carreiras de: a) Técnico superior; b) Assistente técnico; c) Assistente operacional”.

[2] De Técnico Superior
[3] Relatado pelo agora Conselheiro Azevedo Mendes e subscrito como 1º adjunto pelo ora relator.
[4] Da responsabilidade do relator.