Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | TAXA DE JUSTIÇA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE PRAZO RECLAMAÇÃO DA CONTA INCONSTITUCIONALIDADE | ||
Data do Acordão: | 09/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.6 Nº7, 31 RCP | ||
Sumário: | 1.- Quando o processo é remetido à conta, a responsabilidade pelo pagamento das custas está definitivamente fixada. 2.- Assim, o requerimento a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça não pode ser apresentado em reclamação à conta de custas, mas sempre antes da elaboração desta. 3.- A interpretação de que o nº 7 do artigo 6º do RCP impõe que o requerimento da parte, a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, deve ser apresentado antes do processo ser remetido à conta não sofre de qualquer vício de inconstitucionalidade. | ||
Decisão Texto Integral: | 1. G (…), intentou procedimento cautelar de arresto contra J (…) e esposa. O mesmo foi indeferido, e a responsabilidade pelas custas atribuída à requerente. A decisão final transitou em julgado. Efectuada a conta, que implicava o pagamento do valor de custas de 114.560,50 €, veio a requerente reclamar da conta, por o valor ser excessivo, por a causa ser simples e se discutir apenas uma questão de direito, pelo que requeria a dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça. * Foi proferido despacho que indeferiu tal reclamação. * 2. A requerente/reclamante interpôs recurso, concluindo que: A- A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não pode julgar-se subsumida ao caso julgado da decisão que ponha termo ao processo, porquanto esta se limita a fixar, em termos definitivos, a repartição da responsabilidade pelas custas, mas já não o concreto montante das mesmas. B- A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo Juiz, pode e deve ser apreciada e decidida, em sede de Reclamação da Conta de Custas, uma vez que, só a final, terminada a lide, esgotada a tramitação necessária para a decisão das questões colocadas pelas partes nos articulados e nas alegações de recurso, será possível aferir da verificação do circunstancialismo do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais. C- O artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais não define nem elenca os vícios da conta que podem ser objecto de reclamação e servir de fundamento à decisão que ordene a sua reforma, referindo-se apenas, de forma expressa, à hipótese de a conta enfermar de erros materiais, caso em que permite inclusivamente a sua reforma pelo próprio secretário de justiça e de forma oficiosa, sujeita a reclamação para o juiz cuja decisão é, nesse particular, insusceptível de recurso. D- A reclamação da conta pode ter por objecto outros vícios que não apenas os erros materiais, ainda que não possa ter por objecto questões relativas à definição da responsabilidade pelas custas que tiveram de ficar decididas em momento anterior aquando da respectiva condenação em custas. E- Só a final, uma vez terminada a lide, esgotada a tramitação necessária para a decisão das questões colocadas pelas partes nos articulados e nas alegações de recurso, será possível aferir da verificação do circunstancialismo do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais. F- A dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve, imprescindivelmente, existir, ponderando entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a actividade jurisdicional efectivamente prestada pelo tribunal ao longo da causa. G- No caso sub judice não foi respeitado o juízo de proporcionalidade, impondo-se a revogação e substituição da decisão recorrida, sob pena de violação do princípio da proibição do excesso. H- Compete ao tribunal, oficiosamente, dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando a especificidade da situação o justificar. I- O mecanismo da dispensa do remanescente visa salvaguardar a relação de proporcionalidade que deve sempre existir entre o valor da taxa de justiça cobrada às partes e a atividade jurisdicional efetivamente desenvolvida pelo tribunal ao longo de todo o processo. J- O poder jurisdicional do tribunal, em matéria de custas, não se esgota com a notificação da conta de custas. K- O tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente e inconstitucionalmente as disposições dos artigos 6.°, n.° 7, parte final e 31.°, n.°s 1 a 3, ambos do Regulamento das Custas Processuais, ao considerar extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça formulado pela recorrente em sede de reclamação da conta de custas. L- A taxa de justiça corresponde a uma taxa e não a um imposto, pelo que, na sua origem, está a prestação do serviço de administração da justiça, razão pela qual sempre deverá existir um nexo sinalagmático, ponderado entre o serviço desenvolvido e a taxa de justiça devida. M- O Tribunal Constitucional tem afirmado que as normas definidoras dos critérios de cálculo das taxas de justiça se encontram sujeitas a um controlo de constitucionalidade, no que respeita à sua aferição à luz das regras de proporcionalidade, decorrentes do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, no que contende com a sua apreciação à luz da tutela jurisdicional efectiva a que alude o artigo 20.º da referida Constituição, sob pena de inconstitucionalidade material (cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/201, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 200, de 16 de Outubro de 2013; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 227/2007, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 98, de 22 de maio de 2007 e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2007, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 210, de 31 de outubro de 2007). N- O cidadão utente da justiça tem o direito a esperar que a mesma produza, sempre, decisões ponderadas, proporcionais e justas, sem necessidade de requerimento prévio. O- A complexidade da presente causa não justifica o pagamento do remanescente da taxa de justiça, no montante de €14.560,50. P- O tribunal tem o poder e o dever de apreciar a (des)proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça e a tutela jurisdicional efectivamente prestada nos autos, sempre que a questão for suscitada após a notificação da conta de custas. Q- Encontram-se verificados os fundamentos de que depende a dispensa do remanescente da taxa de justiça, no valor de €14.560,50 imputada à recorrente, ao abrigo do disposto no n.° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, devendo ser dispensado o respetivo pagamento, sob pena de se violar o principio da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça atenta a desproporcionalidade entre a taxa de justiça global e a actividade jurisdicional desenvolvida pelas partes (artigos 2.°, 13.°, 18.º, n.º 2, 2.ª parte e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa). R- Tem sido, de resto, essa a posição jurisdicional maioritária dos nossos tribunais, nomeadamente, a seguida pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.11.2013, proferido no âmbito do Processo n.º 332/04.9TBVPA.P1 (Aristides Rodrigues de Almeida), pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.03.2019, proferido no âmbito do Processo n.º 18335/16.9T8LSB.L1-6 (Manuel Rodrigues) e pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.10.2019, proferido no âmbito do Processo n.º 1712/11.9TVLSB-B.L1.S2 (Pedro de Lima Gonçalves), todos in www.dgsi.pt. S- O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 6.º, n.º 7 e 31.º, n.ºs 1 a 3 do Regulamento das Custas Judiciais e os artigos 2.º; 13.º; 18.º, n.º 2; 20.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, nos melhores de direito e nos demais que V. Exas suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e revogado o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que julgue procedente a reclamação da conta de custas apresentada pela recorrente, dispensando-a do pagamento do remanescente da taxa de justiça, com o que farão, como é timbre deste Venerando tribunal, a já costumada JUSTIÇA! 3. A factualidade a considerar era a que decorria dos pontos 1. e 2. supra. 4. Foi proferida decisão singular que julgou o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Veio, então, a recorrente reclamar para a conferência, esgrimindo exactamente os mesmos argumentos que constam das suas conclusões de recurso. 5. Na aludida decisão singular deixou-se escrito, na parte respeitante à fundamentação jurídica, que: 2. Na decisão recorrida escreveu-se que: “Como resulta do disposto no n. 2 do art. 31.º, do RegCP (Decreto-Lei nº 34/2008 de 26 de Fevereiro - Regulamento das Custas Processuais), a reclamação da conta terá que ser fundada na violação das disposições legais. Designadamente as previstas no art. 30.º. No caso concreto, o reclamante informa que ficou em “choque” com a notificação a conta para pagar. Assim, após enunciar os motivos, pede que seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Pronunciou-se o senhor escrivão contador bem como o Ministério Público. Ambos no sentido da improcedência do pedido, sendo o douto MP desde logo porque o pedido de dispensa já não pode ser formulado após a notificação da conta de custas. Apreciando. Como já referimos, a reclamação e custas apenas pode ser procedente caso a mesma esteja elaborada em violação das disposições legais referentes à condenação em custas e ao modo de elaboração a própria conta. O que significa que não pode ser na reclamação à conta que se pede algo que é seu pressuposto. Tal pedido – o da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - já deveria ter sido formulado anteriormente à elaboração da conta, após a notificação a decisão que punha termo ao processo (Cf. art do ReGCP e Ac. do TR Guimarães de 27.06.2019 1Rel. Desemb. Fernando Fernandes Freitas e disponível in www.dgsi.pt/jtrg o qual dá conta da posição jurisprudencial e doutrinária maioritária). Na verdade, estabelece o nº 7 do art.º 6º do RegCP que “nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento” (é nosso o destaque). Assim, por total ausência de fundamento, indefiro à reclamação da conta e, por extemporaneidade, indefiro à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.”. Subscrevemos inteiramente a fundamentação jurídica do despacho recorrido, que se mostra de acordo com os preceitos legais pertinentes e a sua mais correcta interpretação. Ao contrário do que defende a recorrente a lei é bem clara relativamente ao incidente de reclamação da conta ou reforma da conta: a mesma terá que ser fundada na violação das disposições legais - art. 31º, do RCP -, designadamente as taxativas previstas no art. 30.º. O que significa, como salientado no despacho recorrido, que não pode ser na reclamação à conta que se pede algo que é seu pressuposto. Tal pedido – o da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça - já deveria ter sido formulado anteriormente à elaboração da conta, após a notificação a decisão que punha termo ao processo. E não se invoque na defesa da sua posição, como a recorrente o faz, o Ac. da Rel. de Lisboa, de 28.3.2019, Proc. 18335/16.9T8LSB, em www.dgsi.pt, porque o mesmo expressa justamente a posição da 1ª instância e a nossa posição, pois como resulta da leitura do mesmo e sumário publicado, aí se definiu que: “III - A intervenção do juiz no sentido da dispensa ou redução excepcional do pagamento do remanescente da taxa de justiça não depende de requerimento das partes, podendo esta ser decidida a título oficioso, na sentença ou no despacho final. IV - Não obstante, se o juiz nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, e se as partes entenderem estarem verificados os pressupostos de dispensa, deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão, por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respetiva alegação”. – os sublinhados são nossos. E igualmente não se invoque o Ac. do STJ de 24.10.2019, Proc.1712/11.9TVLSB-B, no mesmo site, porquanto aí se explicita uma fundamentação jurídica contrária à defendida pela recorrente, perante a interpretação a dar ao falado art. 6º, nº 7, do RCP. Efectivamente, aí expõe-se, justificação que seguimos de perto, que: iii) A interpretação de que o nº 7 do artigo 6º do RCP impõe que o requerimento da parte, a solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça, deve ser apresentado antes do processo ser remetido à conta não sofre de qualquer vício de inconstitucionalidade.
7. Decisão
Pelo exposto, julga-se a reclamação improcedente, confirmando-se a decisão singular reclamada. * Custas pela recorrente/reclamante. * Coimbra, 22.9.2020
Moreira do Carmo ( Relator ) Fonte Ramos Alberto Ruço
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