Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
205/13.4GACNF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE
AFECTAÇÃO GRAVE DA POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA VISÃO
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (CINFÃES – SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 144.º, AL. B), DO CP
Sumário: I - A diminuição irreversível, em 50%, da acuidade visual do olho direito da vítima e da visão desta em geral, geradora de dificuldades visuais permanentes, traduz grave afectação da possibilidade de utilização do referido órgão.

II - Consequentemente, a ofensa à integridade física determinante das lesões conducentes ao referido resultado constitui o crime previsto no artigo 144.º, al. b), do CP.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                                                                                            

I. Relatório:                                                  

            A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 205/13.4PBCBR que corre termos no Tribunal da Comarca de Viseu – Cinfães – Secção de Competência genérica – J1, foi proferida Sentença em 26/4/2016, cujo Dispositivo é o seguinte:

V. DISPOSITIVO

Da parte penal

Pelo exposto, decide-se:

a) Condenar o arguido A... , pena de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de prisão efetiva, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punível pelos artigos 143.º, n.º 1 e 144.º, alínea b), do Código Penal.

b) Condenar o arguido no pagamento das custas processuais a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 04 (quatro) UC, cfr. artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

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Da parte civil

Decide-se julgar totalmente procedente a ação cível, e, em consequência:

c) Condenar o arguido/demandado civil no pagamento ao demandante civil das seguintes quantias:

- €1.000,00 (mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil (24.01.2016), e até efetivo e integral pagamento.

- €20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados desde a data da prolação desta sentença, e até efetivo e integral pagamento.

d) Custas na instância cível a cargo do arguido/demandado civil, cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais.

 (….)

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B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 1/6/2016, o arguido, pedindo a sua revogação, extraindo da motivação as seguintes Conclusões:

1 - Pratica o crime de ofensa à integridade física GRAVE, “quem ofender o corpo ou a saúde de outrem de forma a (...) tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem”. – artº 144 al b) do CP.

2 - O crime de ofensa à integridade física grave surge na lei penal como um delito qualificado pelo resultado, que, pelo resultado a que conduz, apresenta uma ilicitude mais grave, do que a correspondente ao tipo fundamental, a ofensa à integridade física simples. O bem jurídico protegido é a integridade física do ofendido, pretendendo-se evitar determinadas formas de agressão particularmente graves descritas de forma exaustiva no corpo do artº 144 do CP.

3 - No preenchimento da alínea b) do indicado normativo, à impossibilidade de utilizar o corpo terá desde logo que se reconhecer autonomia em relação à perda ou privação de órgão ou membro, à incapacidade de trabalho ou à privação da possibilidade de utilizar os sentidos. Trata-se de uma noção de carácter eminentemente funcional, pelo que ao seu preenchimento não basta inclusivamente a perda de um órgão no sentido utilizado pela alínea a) deste tipo legal, se as funções por este desempenhadas no quadro geral do organismo humano continuam a ser asseguradas.

4 - Relativamente à incapacidade de trabalho ou à privação da possibilidade de utilizar os sentidos, a distinção far-se-á, quanto à primeira das capacidades referidas porque não estamos aqui perante um conceito de significado puramente económico, e quanto à segunda porque se trata de uma noção mais abrangente. Há a perda de um sentido (audição, vista, olfato, tato ou paladar) quando se verifica a privação absoluta do mesmo sentido.

5 - O que no caso vertente não se verificou.

6 - As lesões e sequelas que advieram ao ofendido não cabem na previsão do estatuído na alínea b) do artigo 144º do CP, antes da forma simples do tipo legal de crime sob apreciação.

7 - Condenando o arguido nos termos constantes da douta sentença recorrida, fez o Tribunal errada qualificação jurídica dos factos, devendo, por consequência, ser o arguido condenado pelo crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º do CP.

8 - O art. 71.º do CP estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

9 - As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afetados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

10 - Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afetados.

11 - À data da prática dos factos, o Recorrente vivia sozinho numa casa abandonada; mas presentemente os familiares dispõem-se a tudo fazer para o recuperar para o seio da família e da sociedade; Na audiência de discussão e julgamento, mostrou uma postura de humildade e arrependimento sinceros, consternação pela sua conduta e sofrimento que provocou ao ofendido e a vergonha provocada nos seus familiares que considera pessoas de bem.

12 - Assumiu a gravidade dos factos por si praticados, verbalizando o reconhecimento da necessidade de mudar de vida; Atualmente, o Recorrente, apresenta uma forte censura quanto ao crime que praticou e apresenta-se consciente das consequências que daí advêm, o que mostra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade; É intenção do Recorrente integrar o agregado familiar do seu irmão e desta forma possibilitar a sua reorganização e estabilidade familiar.

13 - Tendo em conta os factos que se desenrolaram e que se encontram provados nos presentes autos, o percurso de vida do arguido muito ligado ao consumo de álcool, que consome há vários anos, mantendo mesmo assim hábitos de trabalho que o conseguiram manter fora da criminalidade durante vários anos, altura em que a sua dependência atingiu um grau elevado e consequentemente um desvio no seu comportamento, levando-o à prática dos ilícitos em apreço, o que não nos permite falar em personalidade tendencialmente criminosa, mas antes numa fragilidade comportamental que o mesmo não soube superar; relevando o facto do arguido se manter abstinente e ter tido consciência suficiente para perceber que necessita de ajuda para procurar libertar-se de forma consistente da dependência de que sofre, mostrando vontade de inverter o seu percurso de vida e tornar-se um cidadão válido e aceite socialmente, tudo ponderado, entende-se adequado a satisfazer as finalidades da punição, entre elas a da ressocialização do arguido, condená-lo em pena de prisão, suspensa na sua execução.

14 - Valorando o ilícito perpetrado, ponderando em conjunto os factos e personalidade do arguido, tendo em conta a gravidade dos factos, e sua reiteração ocasional, a personalidade do arguido projetada nos factos e perspetivada por eles, que demonstra que os ilícitos resultam de atuação pluriocasional e não de tendência criminosa, as exigências de prevenção geral sentidas, as exigências de prevenção especial de forma a dissuadir a reincidência, os efeitos previsíveis da pena aplicar, no comportamento futuro do arguido, e, sem prejuízo do limite da culpa que é intensa, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, a merecer suspensão da execução da pena, nos termos do artº 50º nº 1 do CP, desde que subordinada às condições de não consumir álcool, não praticar atividades ilícitas e submeter-se à fiscalização dos Serviços de Reinserção Social, nos termos do artº 51º nºs 1 e 4 do CP.

15 - O Tribunal fez incorreta aplicação do preceituado nos artigos 71º e 50º do Código Penal, violando-os.

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O recurso, em 8/6/2016, foi admitido.

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C) O Ministério Público respondeu, em 1/9/2016, ao recurso, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:

            1. A douta sentença proferida nos autos que condenou o recorrente A... como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave encontra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, não merecendo qualquer censura.

            2. O tribunal a quo procedeu a uma correta qualificação jurídica da factualidade dada como provada.

            3. A matéria de facto dada como provada na sentença ora posta em crise mostra-se suficiente e adequada para conduzir necessariamente à condenação do arguido, já que ressalta da matéria fáctica que o arguido preencheu com a sua conduta todos os elementos típicos do crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 144.º, alínea b), do Código Penal.

            4. A conduta perpetrada pelo arguido atingiu a ofensa à integridade física do assistente, afetando-lhe de forma grave e permanente a possibilidade de utilizar o sentido da visão, provocando-lhe uma diminuição significativa da acuidade visual em 5/10 (50%) do olho direito.

            5. A medida concreta da pena aplicada pelo tribunal a quo nenhuma censura merece, tendo a mesma sido fixada de acordo com as exigências de prevenção geral e especial e tendo como limite máximo a culpa do arguido.

            6. Considerando que o recorrente havia sido já condenado por diversas vezes, em data anterior à dos factos, e, nomeadamente, em pena de prisão suspensa na sua execução, não se coibindo de praticar o ilícito penal em apreço ainda no decurso da pena de substituição, não é possível fazer um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado.

            7. A simples censura e ameaça de prisão não se revela suficiente para dissuadir o recorrente da prática de novos crimes.

            8. Pelo exposto, entendemos não merecer a decisão a quo, agora posta em crise, qualquer censura.

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D) O assistente e demandante civil respondeu, em 5/9/2016, ao recurso, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:

            1. Foi extemporâneo, por tardio, o recurso apresentado pelo arguido/demandado no dia 01.06.2016, por telecópia.

            2. O arguido/demandado praticou ato processual que a lei não prevê nem admite, e portanto nulo, inválido e ineficaz, quando apresentou requerimento de interposição de recurso no dia 31.05.2016, por correio eletrónico.

            3. O recurso apresentado pelo arguido/demandado deverá ser rejeitado, nomeadamente por haver de considerar-se inaplicável ao caso em apreço o disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do CPC de 1961, na redação do D.L. n.º 342/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06.

            Sem prescindir nem conceder:

            4. O ato criminoso praticado pelo arguido/demandado subsume-se e enquadra-se na previsão do tipo legal do crime de ofensa à integridade física grave.

            5. Foi adequada a decisão de não suspender na sua execução a pena de prisão em que foi condenado o arguido/demandado, e também por razões e necessidades de prevenção geral.

            6. Na douta sentença, que não merece reparo, interpretaram-se e aplicaram-se corretamente todos os preceitos constitucionais, penais, civis, processuais – penais e processuais – adequados ao caso, nomeadamente as disposições do artigo 144.º e respetiva alínea b), e artigos 50.º e 71.º, todos do Código Penal.

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Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em 6/10/2016, emitiu douto parecer em que, após expressar que a utilização do correio eletrónico é um meio legal de apresentação a juízo de atos processuais escritos, defendeu a improcedência do recurso, acompanhando a resposta apresentada em 1ª instância pelo Ministério Público.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Decisão Recorrida:                     

            “(…)

II. OS FACTOS

A. FACTOS PROVADOS

Com relevância para a boa decisão da causa encontram-se provados os seguintes factos:

1) No dia 15 de Setembro de 2013, cerca das 17.00 horas, no Estádio de Futebol de Vila Nova, em Oliveira do Douro, Cinfães, quando o ofendido B... foi recolher um boi, sua pertença, que havia participado numa achega de bois, o arguido A..., por motivos não concretamente apurados, atingiu o ofendido B...com um pau de junco, com aproximadamente 1,50m de comprimento, com uma moca numa das extremidades, e com espessura média nunca inferior a 5 cm, na cabeça, na zona frontal, na testa, do lado direito.

2) Como consequência direta e necessária do comportamento do arguido, o ofendido B...sofreu, para além de dores físicas nas zonas atingidas, traumatismo da cabeça e da face, apresentando ao nível da face, cicatriz irregular, não dolorosa à palpação e não aderente aos planos subjacentes, localizada na região supraciliar direita, junto à sua porção mais medial com 2,5 cm por 1,5 cm de maiores dimensões e midríase à direita.

3) As lesões sofridas determinaram, direta e necessariamente, 492 (quatrocentos e noventa e dois) dias para a sua consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral durante o período de 15 (quinze) dias, e como consequências permanentes uma cicatriz na face, a qual não é desfigurante e não afeta funcionalmente, afetação da capacidade de visão com acuidade visual de 5/10 com correção do olho direito e dificuldade na leitura fluente.

4) Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de molestar o ofendido B...na sua integridade física, o que da forma supra descrita, logrou conseguir.

5) Apesar de ter admitido como possível que da sua conduta poderiam advir para o ofendido as lesões supra descritas, o arguido atuou, conformando-se com esse resultado.

6) E bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou que:

7) Por ação da descrita pancada vibrada pelo arguido com um pau de junco, o ofendido B...caiu, de imediato, prostrado no solo.

8) De seguida, foi o ofendido B...transportado de ambulância para o Hospital de Penafiel, onde recebeu tratamento, sendo posteriormente transferido para o Hospital de Santo António, na cidade do Porto, onde foi sujeito a exames médicos, e, daí, ainda depois, foi enviado para o Hospital de São João, na mesma cidade, onde esteve internado durante dois dias, tendo alta para domicílio, com orientação para Consultas Externas de Oftalmologia e Neurocirurgia do mesmo Hospital e do Centro de Saúde de Resende.

9) No âmbito das consultas que veio a fazer, foi medicamente decidido submeter B...a cirurgia ocular direita, o que lhe foi feito, no Hospital de São João, a 24 de Outubro de 2013, tendo efetuado cirurgia de vitrectomia associada a facoemulsionação com implante de lente intraocular por buraco macular traumático do olho direito, resultado de trauma ocular fechado.

10) Em resultado direto, necessário e adequado da descrita agressão perpetrada pelo arguido, sofreu o ofendido, entre outras lesões, fratura frontal direita com irradiação para a base, contusões hemorrágicas frontais à direita, fimbria hemorrágica extra-axilar frontoparietal alta direita, volumoso hematoma palpebral à direita, hematoma periorbitário à direita - hifema, midríase média, buraco macular traumático do olho direito, hemovitrio inferior, edema microcistico córneo e/hematoma retrobulbar e teve necessidade de receber tratamentos, de realizar exames e de se submeter a consultas, tudo do foro médico-cirúrgico, em diversos estabelecimentos hospitalares, passando por cirurgia (vitrectomia) ao olho direito.

11) O ofendido ficou permanentemente com uma cicatriz irregular na zona supraciliar da face, com 2,5 cm por 1,5 cm nas suas maiores dimensões, e midríase (dilatação traumática permanente da pupila) à direita.

12) Ficou ainda o ofendido com uma irreversível diminuição da acuidade visual à direita (5/10), e em geral, o que lhe acarreta dificuldades de visão permanentes, nomeadamente para curtas distâncias (dificuldade de leitura fluente), e também dificuldades em ver televisão, em conduzir e em realizar outras e todas as tarefas indiferenciadas da vida quotidiana ou de laser que demandem acuidade visual, nomeadamente nos "afazeres domésticos" e na atividade agrícola e de criador de gado por conta própria, que leva a cabo e que é a fonte da sua subsistência, e ainda na atividade da caça, passatempo e desporto a que se dedica há muitos anos.

13) Em resultado da agressão, o ofendido efetuou transportes para os locais das consultas e tratamentos, com refeições tomadas fora de casa, com tratamentos.

14) No tempo despendido com doença, deslocações e tratamentos, o ofendido deixou de se poder dedicar à atividade profissional da agricultura, que exerce por conta própria, e com a consequente necessidade de esse trabalho ser realizado por terceiros.

15) O ofendido realizou, pelo menos dezasseis, deslocações, as quais foram em geral feitas em veículo próprio ou de familiares e amigos.

16) O trabalho agrícola foi apesar de tudo realizado, com esforço acrescido de familiares e a ajuda de vizinhos e amigos, tendo sido parte desta última prestada de forma remunerada.

17) O ofendido sofreu o padecimento proveniente de todos os dias de doença e de convalescença por que passou, sentiu fortes incómodos com limitações na visão, e sofreu intensas dores físicas, muita ansiedade, um forte abalo psíquico, e até temor pela sua vida, bem como perda da visão do olho direito, este no momento em que recebeu a pancada vibrada pelo arguido e nos instantes imediatamente subsequentes.

18) O ofendido sentiu-se, ainda, e durante muito tempo abalado, moralmente magoado, humilhado, triste, abatido, angustiado e desanimado, em consequência da agressão de que foi vítima, para a qual em nada contribuiu, e das consequências desta.

19) Sente e sentirá ainda o ofendido, para todo o resto da sua vida, desgosto com a cicatriz que lhe ficou na face, que lhe altera a morfologia e a estética do rosto, e incómodos graves pela pronunciada diminuição da acuidade visual de que ficou a padecer por força da mesma agressão, bem assim como angústia e desgosto por essa diminuição da sua capacidade visual, cujos efeitos se fazem e farão sentir a todo o momento, na vida quotidiana.

20) O ofendido B...nasceu em 14.03.1957.

Provou-se ainda que:

21) O arguido trabalha como agricultor nas quintas, quando é chamado.

22) Aufere um vencimento mensal no valor aproximado de €400,00.

23) Não recebe qualquer subsídio.

24) Vive com o irmão, em casa deste.

25) O arguido contribui para as despesas da casa, comprando gás e comida.

26) Tem dois filhos menores, de 4 e 10 anos de idade, que vivem numa Instituição em Viseu.

27) O arguido não paga qualquer quantia a título de pensão de alimentos para os seus filhos menores.

28) Foi solicitada, na fase de julgamento, a elaboração de relatório social relativo ao arguido, no qual refere a D.G.R.S.P., em suma, que:

- O arguido provém de um quadro familiar rural empobrecido afetivamente, dominado pela conflituosidade e por hábitos etílicos profundos que reproduziu no seu modelo educativo e na estruturação da sua rede de relações afetivas, que culminou no afastamento dos filhos e da companheira, atualmente institucionalizados.

- Com uma reduzida capacidade de autoavaliação, as suas dinâmicas são pouco orientadas para a resolução das suas vulnerabilidades, agindo mais por pressão do sistema judicial do que por uma efetiva vontade de mudança, com prejuízo de si próprio e dos que lhe são afetivamente mais próximos.

- É neste contexto, que tem estado a ser acompanhado em consultas de psicologia cujo objetivo é a dissuasão dos consumos de álcool.

- Apesar de comparecer às consultas, o impacto na sua mudança de vida tem sido reduzido.

- Na comunidade não regista problemas de inserção.

29) Do certificado do registo criminal relativo ao arguido constam as seguintes condenações:

(I) No âmbito do processo n.º 23/01 (n.º 84/99.2GCPRG), que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua, o arguido foi condenado por factos praticados em 17.10.1999, por sentença proferida em 13.02.2002, transitada em julgado em 11.04.2002, na pena de multa de €500,00, pela prática de um crime de furto, substância explosiva e armas, e declarada extinta por cumprimento.

(II) No âmbito do processo n.º 91/01.7GARSD, que correu termos no Tribunal Judicial de Resende, o arguido foi condenado por factos praticados em 23.08.2001, por sentença proferida em 16.12.2002, transitada em julgado em 13.01.2003, na pena única de multa de 240 dias de multa à taxa diária de €5,00, pela prática de um crime de introdução de lugar vedado ao público, de um crime de furto qualificado na forma tentada, e declarada extinta por cumprimento.

(III) No âmbito do processo n.º 59/03.9GBMDA, que correu termos no Tribunal Judicial de Moimenta da Beira, o arguido foi condenado por factos praticados em 10.10.2003, por sentença proferida em 27.02.2004, transitada em julgado em 15.03.2004, na pena de multa de 70 dias de multa à taxa diária de €4,50, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, e declarada extinta por cumprimento.

(IV) No âmbito do processo n.º 90/09.0TARSD, que correu termos no Tribunal Judicial de Resende, o arguido foi condenado por factos praticados em 30.09.2009, por sentença proferida em 06.05.2011, transitada em julgado em 06.06.2011, na pena de 40 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de violência doméstica.

(V) No âmbito do processo n.º 229/10.3GARSD, que correu termos no Tribunal Judicial de Resende, o arguido foi condenado por factos praticados em 10.10.2010, por sentença proferida em 12.05.2011, transitada em julgado em 13.06.2011, na pena de 8 meses de prisão substituída por 280 dias de multa à taxa diária de €6,00, pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, e declarada extinta por cumprimento.

(VI) No âmbito do processo n.º 71/14.2GARSD, que correu termos no Tribunal Judicial de Resende, o arguido foi condenado por factos praticados em 30.03.2014, por sentença proferida em 31.03.2014, transitada em julgado em 09.05.2014, na pena de multa de 110 dias de multa à taxa diária de €6,00, e na pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, pela prática de um crime de desobediência, e declarada extinta por cumprimento.

(VII) No âmbito do processo n.º 247/13.0GARSD, que correu termos na Comarca de Viseu, Instância Central, Secção Criminal, J2, o arguido foi condenado por factos praticados em 22.04.2014, por sentença proferida em 14.01.2015, transitada em julgado em 18.02.2015, na pena de multa de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática de um crime de detença de arma proibida.

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B. FACTOS NÃO PROVADOS

a) Que o arguido praticou os factos descritos em 1) de forma a impedir que o ofendido atingisse o seu irmão C... com um pau de junco.

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III. MOTIVAÇÃO

(…)

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IV. APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

III. Apreciação do Recurso:

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.

Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

As questões a conhecer são as seguintes:

- Saber se:

1) o crime praticado não se subsume no tipo legal de crime de ofensa à integridade física grave, mas sim no previsto no artigo 143.º, do Código Penal.

2) o tribunal a quo violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena e da suspensão da pena de prisão, nos termos do disposto nos artigos 71.º e 50.º, do Código Penal.

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            QUESTÃO PRÉVIA:

            O assistente, a fls. 512/515, suscita a questão da intempestividade do recurso apresentado pelo arguido, nos seguintes termos:

“Da douta sentença recorrida foram notificados Assistente e Arguido em 26 de abril de 2016 (cfr. ata da respetiva leitura, dessa data).

De acordo com o disposto no artigo 411.º, do CPP, o prazo para a interposição de recurso, que é de 30 dias, terminou a 26 de maio do mesmo e corrente ano.

É inquestionável que seria ainda lícito ao Arguido praticar o ato num dos três primeiros dias úteis subsequentes ao do término do prazo, por um dos meios para tal admissíveis, mediante o pagamento de multa, nos termos da lei processual Civil.

O terceiro e último dia no qual era possível praticar validamente o ato de interposição de recurso foi o dia 31 de maio.

Segundo consta do sistema informático CITIUS, o ato foi praticado, por telecópia, no dia 01 de junho e os originais do recurso apresentado na Secretaria foram-no tão só no dia 06 de junho.

Consta, ainda, no entanto, que foi pelo Recorrente paga em 31 de maio uma multa (supostamente a que seria devida pela apresentação tardia da peça processual).

E, compulsando os autos «físicos», logrou o Assistente verificar que, a fls. 427 e seguintes dos mesmos, existe comprovativo de que o recurso do Arguido foi enviado previamente por correio eletrónico, concretamente no dia 31 de maio, pelas 18,45h.

Ou seja, a admitir-se poder o ato em causa ser praticado por correio eletrónico, o mesmo tê-lo-ia sido em tempo, porque no último dia do prazo, 31 de maio.

Todavia, a entender-se não ser admissível aceitar como válida a interposição de recurso por correio eletrónico, já o mesmo foi apenas apresentado a juízo a 01 de junho, de modo extemporâneo por tardio.

Na ótica do Recorrido, foi na verdade extemporânea a interposição de recurso pelo meio adequado (telecópia) e nula a apresentação da alegação por correio eletrónico, o que se invoca.

E isto por ter de considerar-se inválido o envio a juízo da peça processual em causa por correio eletrónico, estando este inequivocamente arredado do ordenamento jurídico nacional, como modalidade de apresentação a juízo de atos processuais escritos das partes/sujeitos no âmbito do processo cível e criminal, pelo artigo 1.º do D-L. n.º 303/2007, de 24/08.”

Para sustentar a sua posição, o recorrente apoia-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.05.2013, in www.dgsi.pt.

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A longa discussão sobre a remessa a juízo de peças processuais, em processo penal, esteve na origem do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014, publicado no D.R. n.º 74, Série I, de 2014-04-15.

Tal acórdão fixou jurisprudência nos seguintes termos:

“Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de processo penal.”

Assim sendo, não possuindo nós divergências relativas à jurisprudência fixada, sem necessidade de mais considerações, é de concluir que o recurso interposto nos presentes autos é tempestivo.

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1) Do tipo legal de crime praticado pelo arguido:  

            O artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal estabelece que « Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.».

Este é o tipo fundamental em matéria de crimes contra a integridade física, cujo bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana.

O crime fica preenchido com ofensas no corpo ou na saúde de outra pessoa, praticado com dolo em qualquer das três modalidades enunciadas no art.14.º do Código Penal.

Para além do crime de ofensa à integridade física simples, agora referido, o Código Penal prevê casos especiais de ofensas à integridade física, designadamente, o crime de ofensa à integridade física grave e o crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado.

Não se verificando algum dos casos especiais de ofensas à integridade física previstos no Código Penal, no capítulo dos “ Crimes contra a integridade física”, as ofensas à integridade física terão o tratamento do artigo 143.º, do Código Penal.

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O recorrente defende “não ter incorrido no tipo legal de crime de ofensa à integridade física grave, antes no previsto no artigo 143.º, do C. Penal (ofensa à integridade física simples).

Para tanto, alega, no essencial, referindo-se ao artigo 144.º, do Código Penal, o seguinte:

“(…).

No preenchimento da alínea b) do indicado normativo, à impossibilidade de utilizar o corpo terá desde logo que se reconhecer autonomia em relação à perda ou privação de órgão ou membro, à incapacidade de trabalho ou à privação da possibilidade de utilizar os sentidos. Trata-se de uma noção de caráter eminentemente funcional, pelo que ao seu preenchimento não basta inclusivamente a perda de um órgão no sentido utilizado pela alínea a) deste tipo legal, se as funções por este desempenhadas no quadro geral do organismo humano continuam a ser asseguradas.

Relativamente à incapacidade de trabalho ou à privação da possibilidade de utilizar os sentidos, a distinção far-se-á, quanto à primeira das capacidades referidas porque não estamos aqui perante um conceito de significado puramente económico, e quanto à segunda, porque se trata de uma noção mais abrangente.

Há a perda de um sentido (audição, vista, olfato, tato ou paladar) quando se verifica a privação absoluta do mesmo sentido.

O que no caso vertente não se verificou.

Face ao que se deixou dado como provado na douta sentença recorrida, as lesões e sequelas que advieram ao ofendido não cabem na previsão do estatuído na alínea b) do artigo 144.º do CP, antes da forma simples do tipo legal de crime sob apreciação.

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O artigo 144.º, do Código Penal, dispõe o seguinte:

“Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a:

a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente;

b) Tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;

c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou

d) Provocar-lhe perigo para a vida;

é punido com pena de prisão de dois a dez anos.”

A alínea b) – aquela que nos interessa para o caso em apreço – contempla as chamadas lesões funcionais.

Podemos ler, a seu propósito, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, na página 228:

«(…) Em causa tanto poderá estar a perda completa dessas faculdades, como parece indicar a expressão “tirar-lhe”, como a sua diminuição, ou seja, perdas da ordem de percentagem, de capacidade de visão, auditiva, de trabalho, etc. Quer a perda quer a diminuição terão que ser graves, ou seja, não poderão ser insignificantes, transitórias, muito embora não se exija a permanência das lesões.»

Na página 230, da obra citada, pode, também, ser lido:

«Há a perda de um sentido quando se verifica a privação absoluta do mesmo sentido.

(…).

A par da impossibilidade da utilização de um sentido surgem as diminuições funcionais. Aqui se devem incluir as lesões que conduzem à perda de um dos olhos da vítima, sem que todavia, e compreensivelmente, se possa falar de cegueira total, ou a diminuições da capacidade visual de ambos os olhos. O mesmo vale em relação ao órgão auditivo que pode ser afetado (reduções percentuais da capacidade auditiva) sem que possa falar-se de perda completa de audição.»

            Ora, as lesões sofridas pelo ofendido, no presente caso, não podem deixar de ser consideradas graves, sendo certo que abarcam, além do mais, uma diminuição funcional do seu sentido da visão (ver factos provados n.ºs 3, 9, 10, 12).

            Na verdade, a diminuição da acuidade visual causa importante défice funcional e considerável morbidade a seus portadores.

Ainda que a acuidade visual possa ser tratada com o uso de lentes corretivas, implantes de lentes intraoculares e óculos de grau, quando for de nível baixo, temos que ter bem presente que, relativamente ao ofendido, está dado como provado que a respetiva diminuição é irreversível.

 Assim sendo, não há motivo para alterar a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido.

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2) Da medida da pena e da suspensão da execução da pena de prisão:

Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a proteção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afetados.

Na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).

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Revertendo ao caso concreto, constatamos que o recorrente, embora manifeste a sua discordância em relação ao quantum da pena aplicada, não indica qual a medida da pena que considera adequada, limitando-se, em bom rigor, a pugnar pela suspensão da execução da pena de prisão.

Estando em causa a prática de um crime de ofensa à integridade física grave, cuja moldura penal consiste em pena de prisão de dois a dez anos, limitamo-nos a considerar que a pena aplicada em concreto peca apenas por defeito.

Na verdade, situa-se quase no mínimo legal, não obstante os antecedentes criminais do arguido e, ainda, a prática dos factos ora em causa ter ocorrido “durante o período da suspensão referente à condenação identificada em (IV)”.

Acresce que o arguido não interiorizou a gravidade dos factos praticados.

Por conseguinte, nenhuma razão existe para uma redução da pena de prisão.

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E há motivo para a suspensão da sua execução?

O artigo 50.º, do Código Penal, estabelece que o tribunal decretará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Encontramo-nos face a um poder-dever, sendo certo que a suspensão da execução da pena de prisão é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.

A suspensão da execução da pena «une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal ao chamamento, pela ameaça de executar no futuro a pena, à própria vontade do condenado para reintegrar-se na sociedade». É uma pena, porque oriunda de condenação produtora de antecedentes criminais. É uma medida de correção, enquanto busca, a reparação do delito ou «prestações socialmente úteis». Aproxima-se das medidas de ajuda social, se no domínio respetivo se desenham instruções que «afetam o comportamento futuro do condenado». E tem uma coloração sócio-pedagógica ativa, pelo «estímulo ao condenado para que seja ele mesmo quem com as suas próprias forças possa durante o regime de prova reintegrar-se na sociedade» (Jescheck, Tratado, versão espanhola, vol. II, págs. 1152 e 1153).

Ora, a suspensão da execução de uma pena só tem razão de ser quando for possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido.

Como tem vindo a ser entendido pelos nossos tribunais superiores, “na suspensão da execução da pena de prisão, não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições de vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”, conforme Acórdão do STJ, de 25/6/2003, CJ, Acs. do STJ, ano XXI, tomo II, pág. 21.

Mais, a suspensão da execução da pena não deverá ser utilizada pelo julgador se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

Na realidade, o valor da socialização em liberdade tem que estar balizado por exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, de acordo com o que defende Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pág. 344.

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Ora, não estamos perante um quadro que aponte para um juízo de prognose favorável ao arguido.

Com efeito, as necessidades de reprovação e prevenção do crime em causa nos autos são acentuadas, na medida em que estamos perante uma situação de violência física, sendo certo que a sociedade não deve minimizar comportamentos como o descrito nos autos.

Só mesmo um quadro de prognose deveras favorável ao arguido poderia impedir a sua prisão efetiva.

Acontece que isso não resulta da matéria de facto dada como assente.

Nada de assertivo existe no sentido do arguido apresentar um quadro de referências que permita perspetivar uma alteração positiva no seu comportamento.

De acordo com o facto provado n.º 28, embora esteja inserido na comunidade, o recorrente demonstra dificuldade em manter um comportamento conforme com aquilo que é de esperar de um normal cidadão.

Logo, não estão reunidos os pressupostos que justifiquem a suspensão da execução da pena, não merecendo reparo, também nesta parte, a sentença recorrida.

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IV – DECISÃO:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.

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(elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)

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Coimbra, 7 de Dezembro de 2016

(José Eduardo Martins - relator)

(Maria José Nogueira - adjunta)