Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6344/16.2T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: MEDIDAS DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS E DOS JOVENS EM PERIGO
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1978.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A confiança com vista a futura adopção exige, além da verificação de uma das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º, do Código Civil, que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação.

II – Existindo sinais claros de que os pais e os filhos querem manter os laços afectivos e que aqueles estão disponíveis para proporcionar os cuidados de que estes necessitam não é de decretar a confiança com vista a futura adopção,, ainda que os pais não constituam a “família perfeita”.

Decisão Texto Integral:




I -  Relatório

 

1. Os presentes autos de promoção e protecção de menor iniciaram-se na sequência de requerimento apresentado pelo Mº Pº. Dizem respeito às menores AA e BB, filhas de CC e de DD.

Ali alegou-se que os progenitores vivem essencialmente de apoios sociais e da solidariedade da comunidade local, a embriaguez frequente dos mesmos, a violência gratuita sobre animais a que assistiam, falta de alimentação, mudanças de residência, estando a saúde e segurança das crianças em perigo.  

Declarada aberta a instrução, tiveram lugar as pertinentes diligências, após o que se arquivaram os autos.

O processo foi reaberto, e veio a ser aplicada às crianças (em 18.5.2017) a medida cautelar de acolhimento residencial no CAT de ....

Realizada instrução, o Mº Pº apresentou alegações, nas quais pugnou pela aplicação da medida de protecção de confiança das crianças AA e BB a instituição com vista à sua futura adoção. E os progenitores também alegaram, nelas discordando da medida proposta pelo Mº Pº, defendendo que as menores lhes sejam confiadas, ainda que tal exija apoio de natureza psicopedagógica, social ou económica.

Realizou-se o debate judicial.

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Foi proferida sentença, pela qual se aplicou em favor das crianças AA e BB, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista à sua futura adopção, nos termos e para os efeitos constantes dos arts. 35º, nº 1, g), 38º-A, b) e 62º-A, todos da LPCJP e 1978º nºs 1, d) e e), 2 e 3 do Código Civil.

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2. Os pais recorreram, concluindo que:

1. Nos presentes autos foi proferido acórdão aplicou, em favor das crianças AA e BB, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista à sua futura adoção, nos termos e para os efeitos constantes dos artigos 35° n° 1 alínea g), 38°-A, alínea b) e 62°-A todos da LPCJP e 1978° nos 1 alíneas d) e e), 2 e 3 do Código Civil.

2. Nos termos do art.º 195.º n.º 1 e 2 do C.P.C., é nula a audição das menores BB e AA por violação dos artigos 4.º alíneas i) e j) e 84.º da Lei 174/99 de 01 de setembro, bem como dos artigos 4 e 5.º da Lei 141/2015 de 08 de setembro, o que determina a nulidade do acórdão recorrido por dele depender absolutamente.

3. A audição realizada revelou-se ineficaz em termos de dinâmica relacional entre o Tribunal e as menores, o que pôs em causa o direito de estas expressarem a sua opinião e vontade.

4. O princípio de audição e participação da criança está previsto no art.º 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, bem como no art.º 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança.

5. O art.º 4.º da Lei n.º 141/2015 dita que “A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente a não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais.

6. As menores foram ouvidas numa sala de audiências comum. Aquando da audição, o Exmo. Sr. Juiz, as Exmas. Sras. Juízas Sociais, bem como o Exmo. Sr. Procurador encontravam-se sentados nas respectivas bancadas, enquanto as menores se sentaram no local habitualmente ocupado pelas partes/testemunhas. Como é do conhecimento geral, numa sala de audiências comum, as bancadas dos Srs. Magistrados situam-se num plano superior.

7. A “escolha do local ”revelou-se inadequada, uma vez que a “carga” que uma sala de audiência comum impõe é imprópria para a idade das menores,

8. Exigindo-se que a audição das menores se tivesse realizado num espaço, adequado, neutro, informal, apetrechado com alguns elementos, garantindo-se nestas condições a descontração, espontaneidade e sinceridade das respostas.

9. Antes da audição das crianças, nenhuma informação lhes foi prestada, tendo o Tribunal passado, quase de imediato, à formulação de questões, violando o art.º 5.º, n.º 3 da Lei n.º 141/2015, do RGPTC que refere que a audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.

10. As menores mostraram desconfortáveis, desconfiadas e deslocadas, não tendo havido um autêntico esforço para as confortar e ambientar.

11. No âmbito da audição de menores a criança deverá ser assistida por um técnico com conhecimento e habilitações para o efeito (cfr art.º 5.º n.º 7 alínea a) da Lei 141/2015, de 08 de setembro).

12. A Técnica que acompanhou as menores na audição destas é Técnica Superior da Segurança Social, e não uma Técnica com formação especial na área da Psicologia, pelo que a sua intervenção não foi além da repetição das questões que iam sendo colocadas às menores.

13. A omissão dos identificados pressupostos e as consequências que criou são perceptíveis nas declarações das menores que se encontram gravadas e correspondem ao Ficheiro: 20210623100209_3349951_2871929, no que tange à BB, e ao Ficheiro: 20210623102200_3349951_2871929, no que concerne à AA.

14. O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida em audiência de julgamento, bem como da prova documental junta aos autos.

15. Impugna-se a matéria de facto dada como provada nos números 3, 5, 10, 16, 20, 21, 28, 29, 32,36, 39 e 52, bem como a matéria de facto dada como não provada nos números 1, 2 (trata-se do número 2 indicado em segundo lugar cuja numeração se repetiu), visando a reapreciação da prova gravada e da prova documental junta aos autos e a modificação da matéria de facto.

16. No que respeita à matéria dada como provada no referido número 3, a discordância dos apelantes limita-se ao segmento “nascida a .../.../2015”, porquanto, da prova produzida nos autos, nomeadamente do assento de nascimento da criança EE, junto aos autos a Fls. 7, consta que a mesma nasceu no dia .../.../2007 e não no dia 31 de Maio de 2015.

17. Assim, deve a matéria de facto constante do número 3, ser alterada passando a ter a seguinte redação: “O pai das crianças AA e BB é irmão da criança EE, nascida a .../.../2007,tendo o mesmo pai”.

18. Em parte alguma da prova produzida em audiência de julgamento, bem como da restante prova constante dos autos, resulta o que foi considerado provado no número 5 da matéria de facto provada.

19. A testemunha FF não faz qualquer referência a especiais dificuldades a nível da motricidade fina (cfr. Ficheiro: 20200626114545_3349951_2871929, Minutos: 00:02:15 a 00:03:39e 00:17:07 a 00:18:20).

20. Assim, deve a matéria de facto constante do número 5ser alterada passando a considerar-se não provado que a criança BB continuava a apresentar especiais dificuldades a nível da motricidade fina.

21. No que respeita à matéria dada como provada no referido número 10, a presente impugnação restringe-se ao segmento “tendo sido o seu pai que lhe passou essa informação”, porquanto, da prova produzida em audiência de julgamento, bem como da prova documental junta aos autos, não é possível retirar tal conclusão.

22. As testemunhas CC (cfr. Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 01:01:09 a 01:01:26) e DD (cfr. 20200710145933_3349951_2871929, Minutos: 00:10:47 a 00:11:23) negaram tal facto.

23. Assim, deve a matéria de facto constante do número 10 ser alterada passando a ter a seguinte redação: “Também a criança BB transmitiu que ia para uma escola nova”.

24. Resulta do número 16 da matéria de facto provada que “As despedidas são vivenciadas pelas crianças com tranquilidade, ambas regressam à rotina com normalidade, não questionando no seu dia a dia, a ausência dos pais.”

25. Da prova produzida em audiência de julgamento–v.g., testemunha CC (cfr., Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 01:00:16 a 01:01:09), testemunha DD (cfr., Ficheiro: 20200710145933_3349951_2871929, Minutos: 00:09:47 a 00:10:02) e testemunha GG (cfr., Ficheiro: 20200710152518_3349951_2871929, Minutos:00:03:48 a 00:06:03) resultou o contrário, todos reportando que as crianças choravam nas despedidas.

26. Deve a matéria de facto constante do número 16 ser alterada passando a ter a seguinte redação: “As despedidas são vivenciadas pelas crianças com choro e sofrimento.”

27. Consta do número 20 da matéria de facto provada que “Ele revela-se permissivo e pouco assertivo na educação das crianças, incapaz de lhes impor regras, não conseguindo discernir as capacidades das crianças.”

28. No que respeita ao referido facto, foi produzida prova que impõe decisão diversa da recorrida, designadamente as declarações da testemunha CC (cfr., Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 00:31:14 a 00:33:08), da testemunha EE (cfr., Ficheiro: 20200626104722_3349951_2871929, Minutos: 00:25:26 a 00:26:17) e da testemunha HH (cfr., Ficheiro: 20200626122521_3349951_2871929, Minutos: 00:13:18 a 00:14:11).

29. Não é objetivamente possível terem-se como provados os factos referidos no número 20 pelo que deverá a mesma matéria de facto ser alterada, passando a considerar-se não provada.

30. No que tange à matéria de facto provada no número 21, a presente impugnação, restringe-se ao segmento “revela-se pouco exigente com os estudos das crianças, com o seu controlo e supervisão, com o encorajamento das crianças”.

31. No que concerne a esse facto foi ouvida a testemunha CC (cfr., Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 00:29:43 a 00:31:14).

32. O identificado segmento impugnado redunda numa imputação genérica, não confirmada factualmente.

33. Por não ter sido feita prova de quaisquer factos que pudessem levar às conclusões genéricas constantes do mencionado segmento, deve o mesmo ter-se como não provado e, consequentemente, sera matéria de facto constante do número 21, alterada passando a ter a seguinte redação: “Ainda e sempre o progenitor revela pouca capacidade de identificar, avaliar e antecipar as necessidades das crianças, bem como de assegurar a sua disciplina, saúde e educação”.

34. Da prova produzida em audiência de julgamento–Cfr. depoimento da testemunha DD (cfr., Ficheiro: 20200710142356_3349951_2871929, Minutos: 00:20:27 a 00:21:33)– concluiu-se que não corresponde à verdade a matéria de facto provada sob o n.º 28.

35. Assim, deverá a mesma matéria de facto constante do número 28 ser alterada, passando a ter a seguinte redação: “A mãe das crianças, desde que a jovem II foi confiada à sua madrinha, tentou visitá-la por duas vezes, deslocando-se à casa onde a mesma residia, não o tendo logrado atenta a expressa oposição da madrinha que fechava a porta e contactou-a via Facebook, em Dezembro de 2019, depois de interpelada para lhe pagar alimentos”.

36. No que concerne à matéria de facto provada no número 29, a presente impugnação restringe-se ao segmento “A identificada mãe das crianças revela-se pouco exigente com os estudos das crianças, com o seu controlo e supervisão, com o encorajamento das crianças”.

37. Na prova produzida não se encontram quaisquer elementos que possam conduzir ao que se deu como provado no aludido segmento do número 29 e no número 32 da matéria de facto provada, existindo prova que impõe conclusão diversa (v.g., testemunha DD -cfr., Ficheiro: 20200710145933_3349951_2871929, Minutos: 00:15:30 a 00:16:19).

38. Assim, deve a matéria de facto constante do número 32 ser dada como não provada e a matéria de facto constante do número 29 alterada passando a ter a seguinte redação: “A identificada mãe das crianças revela-se permissiva no contacto das crianças com adultos de passagem pela sua casa”.

39. No que respeita à matéria dada como provada no número 36, a discordância dos apelantes limita-se ao segmento 20.07.2017:Rua..., ... —... (o agregado teve conhecimento que iria ser alvo de despejo por dividas do falecido marido e procura nova habitação para morar), porquanto, da prova produzida em audiência de julgamento resulta fundamento diverso, designadamente as declarações prestadas pela testemunha CC (cfr., Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 00:50:38 a 00:51:25) e as declarações prestadas pela testemunha DD (cfr., Ficheiro: 20200710142356_3349951_2871929, Minutos: 00:25:53 a 00:26:14).

40. Assim, deve o mencionado segmento da matéria de facto constante do número 36 ser alterado passando a ter a seguinte redação: 20.07.2017: Rua..., ... —... (para aceder à sua habitação, o arrendatário do ... tinha de passar pelo interior da habitação do agregado que se situava no ..., o que limitava fortemente a privacidade destes e motivou a sua mudança de residência)”.

41. Todo o constante do número 39 da matéria de facto provada constitui uma imputação genérica e conclusiva, não confirmada por qualquer facto, sendo que, em parte alguma da prova produzida em audiência de julgamento, bem como da restante prova constantes dos autos, resultam referências a qualquer resistência por parte dos progenitores à intervenção/acompanhamento do CAFAP, pelo que deve a matéria de facto constante do número 39 ser alterada, considerando-se não provada.

42. No que respeita à matéria dada como provada no referido número 52, a discordância dos apelantes limita-se ao segmento “Os progenitores mantêm entre si um relacionamento algo conflituoso”.

43. Quanto à matéria constante do referido número foi ouvida a testemunha JJ (cfr., Ficheiro: 20200626144546_3349951_2871929, Minutos: 00:08:22 a 00:08:43)e consta dos autos relatório de avaliação psicológica e psiquiátrica do progenitor(fls. 1169 e seguintes) no qual se refere que “Relativamente ao relacionamento com a progenitora das crianças, de quem se referiu de forma próxima e afectuosa”.

44. Deve a matéria de facto constante do número 52, ser alterada passando a ter a seguinte redação: “Os progenitores mantêm um relacionamento algo conflituoso com a comunidade local, com rede de apoio informal muito reduzida.”

45. Os apelantes discordam do facto de o Tribunal recorrido ter julgado não provado o que resulta do número 1 da matéria de facto não provada.

46. Constam dos autos vários relatórios e várias informações veiculadas pelo CAT de ... não sendo minimamente crível que os progenitores, após convívios com as crianças em sua casa, apresentassem as crianças vestidas com roupas não adequadas à época em questão ou com problemas de higiene sem que tal situação fosse reportada pelo CAT ao presente processo.

47. Assim, deve a matéria de facto constante do número 1 dos factos não provados ser alterada, passando a integrar a matéria de facto provada.

48. Resulta do número2 dos factos não provados que ”Nas deslocações ao CAT os menores levavam-lhes roupa, brinquedos, géneros alimentícios e, no tempo de convívio, prestavam-lhes toda a sua atenção, afecto e carinho, fortalecendo dessa forma a autoestima e segurança das menores.”

49. No que tange ao número2 (que deveria ter sido indicado como número 3) da matéria de facto não provada, os Apelantes não aceitam que não seja integrada na matéria de facto provada que, aquando das suas visitas às crianças no CAT, sempre lhes levaram lembranças. Como também não aceitam, por tal ter sido provado, que se dê como não provado que nessas ocasiões prestavam às crianças toda a sua atenção, afecto e carinho, fortalecendo dessa forma a sua autoestima e segurança–v.g. -testemunha GG (cfr., Ficheiro: 20200710152518_3349951_2871929, Minutos: 00:09:45 a 00:10:25, Minutos: 00:03:48 a 00:06:03 e Minutos: 00:08:22 a 00:08:52).

50. Assim, a matéria de facto constante do indicado artigo 2 dos factos não provados, deverá ser alterada, passando a integrar a matéria de facto provada com a seguinte redação: ”Nas deslocações ao CAT os progenitores levavam lembranças às menores, prestavam-lhes toda a sua atenção, afecto e carinho, fortalecendo dessa forma a autoestima e segurança das menores.”

51. Resultou provado que nos períodos em que as menores foram autorizadas a conviver com os pais na casa destes, as menores sentiam-se felizes –v.g., testemunha Dr. KK (cfr.,  Ficheiro: 20200710095609_3349951_2871929, Minutos: 00:13:11 a 00:14:16 e 00:28:15 a 00:28:49), testemunha EE (cfr., Ficheiro: 20200626104722_3349951_2871929, Minutos: 00:40:52 a 00:42:05) e testemunha DD (cfr., Ficheiro: 20200710145933_3349951_2871929, Minutos: 00:11:23 a 00:11:47);por se revelar relevante à discussão da causa, deve ser aditada à matéria de facto provada o seguinte facto: “Nos períodos em que as menores foram autorizadas a conviver com os pais na casa destes, as menores sentiam-se felizes”.

52. Da prova produzida em audiência de julgamento, foi possível concluir que nas visitas efetuadas pelo Dr. KK à casa de habitação dos progenitores, no período entre Setembro de 2018 e Setembro de 2019, as crianças apresentava-se bem–v.g., testemunha KK (cfr. Ficheiro: 20200710095609_3349951_2871929, Minutos: 00:12:28 a 00:12:48 e 00:28:15 a 00:28:24);tal facto é relevante para a boa decisão da causa pelo que deverá ser aditada à matéria de facto provada que “Nas visitas efetuadas pelo Dr. KK à casa de habitação dos progenitores, no período entre Setembro de 2018 e Setembro de 2019, as crianças apresentava-se bem”.

53. Foi igualmente possível comprovar, através dos relatórios sociais emanados da EMAT, das declarações prestadas pela testemunha Dra. LL. Ficheiro: 20200626160341_3349951_2871929, Minutos: 00:48:45 a 00:49:12), das declarações prestadas pela testemunha Dr. KK (cfr. Ficheiro: 20200710095609_3349951_2871929, Minutos: 00:31:32 a 00:32:40), das declarações da menor BB (cfr. Ficheiro: 20210623100209_3349951_2871929, Minutos: 00:02:34 a 00:03:34) e da menor AA (cfr. Ficheiro: 20210623102200_3349951_2871929, Minutos: 00:05:15 a 00:06:26),que existe entre os progenitores e as crianças um forte vínculo, carinho e afecto; tal facto é relevante para a discussão da causa e deverá se aditado à matéria de facto provada.

54. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou provado que entre Setembro de 2018 e Setembro de 2019, período durante o qual o agregado familiar das crianças foi acompanhada pelo Dr. KK, técnico da EMAT, os progenitores apresentaram inegáveis melhorias ao nível da apresentação pessoal, do trabalho e da organização da casa–v.g., testemunha Dr. KK (cfr. Ficheiro: 20200710095609_3349951_2871929, Minutos: 00:07:25 a 00:10:04, 00:25:46 a 00:26:32 e 00:34:13 a 00:35:08); tal facto é relevante para a discussão da causa e deve ser aditado à matéria de facto provada.

55. Da prova produzida em audiência de julgamento–cfr., testemunha Dra. MM (cfr. Ficheiro: 20200626150843_3349951_2871929, Minutos: 00:29:32 a 00:30:05) foi possível comprovar que os progenitores fizerem algumas alterações na casa sita na Rua..., ..., ..., ... o que resultou na melhoria das condições de habitabilidade; tal facto, porque relevante para a discussão da causa, deve ser aditado à matéria de facto provada.

56. Da discussão da causa foi também possível comprovar que os progenitores que, até esse momento vinham a fazer melhorias importantes, quando deixaram de ser acompanhados pelo Dr. KK e passaram a ser acompanhados pela Dra. MM, sentiram falta de apoio e orientação, o que determinou um retrocesso na sua evolução–cfr. testemunha DD (cfr. Ficheiro: 20200710145933_3349951_2871929,Minutos: 00:13:46 a 00:14:33), testemunha CC (cfr. Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 00:39:00 a 00:39:45 e  00:57:52 a 00:58:23), testemunha Dr. KK (cfr. Ficheiro: 20200710095609_3349951_2871929, Minutos: 00:08:36 a 00:10:04 e00:34:13 a 00:35:08) e testemunha Dra. MM (cfr. Ficheiro: 20200626150843_3349951_2871929, Minutos: 00:34:30 a 00:34:40);tal facto é relevante para a discussão da causa e deverá ser aditado à matéria de facto provada.

57. A intervenção para promoção dos direitos da criança ou jovem em perigo só é legítima, quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto puserem em perigo a sua segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento –art.º 3 da Lei 147/99 de 01 de setembro.

58. Para que haja intervenção para promoção dos direitos da criança, tem que se verificar, à luz da alínea e) do art.º 4.º da Lei 147/99 de 01 de setembro, uma situação de perigo atual.

59. A medida de confiança a instituição com vista à adoção terá que ter em conta o art. 38.º-A, pelo que somente será aplicada quando se verifique qualquer das situações previstas no art.º 1978.º do Código Civil.

60. Toda e qualquer intervenção deverá ter em conta o superior interesse da criança–cfr. n.º 1 do art.º 3.º da Convenção Sobre o Direito das Crianças, alínea a) do art.º 4.º da Lei 147/99, de 01 de setembro, e n.º 2 do art.º 1978.º do Código Civil, devendo ser selecionada a que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual, psíquico e moral, devendo para tanto assegurar também a tutela efetiva dos direitos dos pais-art.º 1877.º, 1878.º 1885.º todos do Código Civil.

61. A intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de GRANDE SIGNIFICADO, prevalecendo as medidas que garantam a continuidade de uma VINCULAÇÃO SECURITIZANTE.

62. Oart.º 9.º n.º 1 da Convenção dos Direitos da Criança dita que “Os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes”, salvo se essa separação se revelar necessária no interesse superior da criança, o que se verificará no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança.

63. A Constituição da República Portuguesa no art.º 36.º nº 6 dita que para que se determine a separação dos filhos dos progenitores é necessário a verificação do não cumprimento dos deveres fundamentais dos pais, o que está intimamente relacionado com a existência de perigo grave.

64. Os vínculos afetivos entre os progenitores e as menores são muito fortes pelo que deverá ser dada prevalência à reintegração na família.

65. O tribunal a quo deucomo provado nos artigos 7.º, 8.º e 9.º que a menor BB, em contexto escolar, idealiza vivências em família, comportando-se como se residisse em família, fala dos fins de semana, tendo partilhado com os pares e professores que o Natal foi passado em família, atribuindo características de perfeição ao momento que passou no seio familiar.

66. Resultado facto provado com o n.º 82, que a BB sente aceitação, suporte afetivo e disponibilidade por parte dos progenitores.

67. Quando questionada sobre a possibilidade de ser adotada a BB, demonstra que não quer perder a sua família de origem nomeadamente sua progenitora.

68. No decurso da sua audição é lhe questionado que coisa mudaria na sua vida e a sua resposta foi categórica “prefiro a minha MÃE, quero a minha MÃE”.

69. No desenho que faria da sua casa, a menor AA colocaria lá dentro a mãe, o pai, a avó e a BB.

70. A realidade que hoje é vivenciada pelos progenitores é diametralmente oposta à que justificou a instauração do processo de promoção e proteção.

71. Os progenitores sempre procuraram trazer as menores para o seio familiar.

72. Atualmente o progenitor está inserido no mercado de trabalho e aprogenitora manteve sempre uma postura ativa na busca de emprego, interessando-se pela realização de formações de índole profissional, adquirindo desse forma novas competências.

73. Os progenitores, NUNCA deixaram de contactar as menores (via telefone) e percorriam centenas de Kms para efetuar as visitas, levando-lhes lembranças, e prestando-lhes toda a sua atenção, afeto e carinho, fortalecendo dessa forma a autoestima e segurança das menores.

74. O encaminhamento das menores para a adoção determinará um afastamento definitivo e irreversível das crianças, não apenas dos seus pais biológicos, como também da irmã EE, provocando assim o desmembramento da família.

75. No caso concreto não se mostram esgotadas as possibilidades de integração na família biológica.

76. Dos relatórios de avaliação psicológica e psiquiátrica realizados aos ora Apelantes, constantes de fls. 1073 (progenitora) e 1169 (progenitor), não se concluiu pela incapacidade destes para desempenharem as suas responsabilidades parentais de forma absoluta, transmitindo que, com apoio, orientação e acompanhamento os progenitores conseguirão desempenhar as suas responsabilidades.

77. A aplicação da medida, prevista no art.º 35.º n.º 1, al. g) da Lei 147/99 de 01 de novembro, é desproporcional, desnecessária e desadequada.

78. Verifica-se erro na interpretação e aplicação do artigo 1978.º, nº 1, do Código Civil, pelo deverá o douto acórdão ser revogado e substituído por outro que julgue verificado o requisito da existência de vinculação afetiva entre os progenitores e as menores e decrete outra medida de promoção e proteção proporcional e adequada à situação concreta em obediência ao primado da família biológica art.º 4.º, alíneas g) e h) da Lei n.º 147/99.

79. No caso vertente deve ser aplicada a medida de apoio junto dos pais prevista no art.º 35 n.º 1 a), julgando-se que esta solução é a que melhor defende os SUPERIORES INTERESSES DAS MENORES, o primado da família biológica e da continuidade das relações psicológicas profundas.

3. O Mº Pº contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.

 

II -  Factos Provados

 

 

1 As crianças AA, nascida na freguesia ..., concelho ..., a ... 2016 e BB, nascida na freguesia de ..., a ...de 2012, são ambas filhas de CC e de DD.

2 As crianças foram acolhidas residencialmente no dia ... de 2017 desde então permanecendo no ... de ....

3 O pai das crianças AA e BB é irmão da criança EE, nascida a .../.../2007(15), tendo o mesmo pai.

4 Esta mantém com a mãe uma relação não hierárquica, de igual para igual, sendo que é frequenta a sua mãe conversar com a filha sobre os conflitos em que a família se envolve, sejam estes com vizinhos ou outros familiares, ocasiões nas quais a EE assume uma postura de protecção para com a sua progenitora, tentando a jovem, com apenas 13 anos, tranquilizar e aconselhar a sua progenitora perante situações de vida diária e perante as situações respeitantes à conjugalidade.

5 A 18 de Abril de 2018 a criança BB continuava a apresentar dificuldades não só a nível da linguagem como a nível cognitivo e especiais dificuldades a nível da motricidade fina.

6 Esta criança, no primeiro semestre do ano lectivo recentemente finalizado, revelou um decréscimo no seu aproveitamento e o seu comportamento modificou-se, passando a ter alguns comportamentos de furto e mentira.

7 Em contexto escolar, nas reuniões de grupo, BB idealiza vivencias em família e oculta o facto de residir em contexto de acolhimento residencial.

8 Ela comporta-se como se residisse com a sua família, fala dos fins de semana em contexto familiar, designadamente que passeia com os seus pais.

9 E inclusive partilhou com os colegas e professora que o natal foi passado em família, atribuindo características de perfeição ao momento.

10 Também a criança BB transmitiu que ia para uma escola nova, tendo sido o seu pai que lhe passou essa informação.

11 No presente a criança AA- que frequenta o Jardim de Infância da instituição -apresenta alguma dificuldade na comunicação oral- já foi feita avaliação para fazer terapia de fala -é algo agitada, distraída e necessita de trabalho individual para cumprir a actividade do princípio ao fim.

12 Ainda a AA, na coordenação manual- por exemplo a desenhar -não controla os movimentos e ultrapassa normalmente os limites do desenho.

13 As crianças BB e AA encontram bem-adaptadas na instituição, estabelecendo uma relação positiva com os pares e cuidadoras da instituição e mantêm muito bom relacionamento entre si, com a mais velha a apresentar algum instinto protector em relação à irmã mais nova.

14 No seu dia a dia não costumam perguntar pelos progenitores, apenas o fazem em situações muito especificas, como por exemplo se outra criança estiver a falar da família ou se quiserem partilhar alguma conversa que tiveram com a mesma.

15 A relação parental tem vindo a ser assegurada através de contactos telefónicos dos progenitores e visitas com periodicidade mensal à instituição, sendo que as visitas decorrem com normalidade.

16 As despedidas são vivenciadas pelas crianças com tranquilidade, ambas regressam à rotina com normalidade, não questionando no seu dia a dia, a ausência dos pais.

17 O pai das crianças AA e BB é analfabeto, não sabendo ler nem escrever, revelando grandes dificuldades na compreensão de vocábulos e frases mais complexos e conteúdo mais elaborado.

18 Ele apresenta um nível cognitivo muito inferior ao da média, enquadrável na deficiência mental ligeira, é mínimamente autónomo, carece de apoio, assistência e orientação no seu dia a dia para tarefas minimamente mais complexas.

19 Também o progenitor não sabe o ano em que nasceu o em que se casou com a mãe das crianças.

20 Ele revela-se permissivo e pouco assertivo na educação das crianças, incapaz de lhes impor regras, não conseguindo discernir as capacidades das crianças.

21 Ainda e sempre o progenitor revela pouca capacidade de identificar, avaliar e antecipar as necessidades das crianças, bem como de assegurar a sua disciplina, saúde e educação, revela-se pouco exigente com os estudos das crianças, com o seu controlo e supervisão, com o encorajamento das crianças.

22 E também se revela permissivo no contacto das crianças com adultos de passagem pela sua casa, apresentando pouca consistência na implementação de regras de segurança para as crianças.

23 O pai das crianças era comerciante de gado mas desde o mês de Setembro de 2019 que trabalha numa empresa de jardinagem, auferindo o salário mínimo nacional.

24 Da perícia médico-legal, na área da psicologia, efectuada ao pai das crianças, resulta entre o mais o seguinte:

- Ter o pai das crianças um funcionamento cognitivo global muito abaixo da média, enquadrável na deficiência mental ligeira, com autonomia mínima, não possuindo as capacidades para assegurar de forma autónoma os cuidados parentais às crianças.

- Neste sentido, sem a presença de apoio extra e de orientação, nomeadamente acompanhamento e orientação institucional, uma rede social de apoio no meio onde está inserido, a sua capacidade para o desempenho das responsabilidades parentais encontra-se comprometida;

- apresenta factores de risco para uma parentalidade positiva, uma vez que revela pouca capacidade de percepcionar, antecipar e satisfazer as necessidades básicas das crianças, particularmente nas áreas da saúde, educação, segurança, representação e administração dos bens das crianças.

25 A avó materna das crianças NN- que vive com a família em permanência -embriaga-se com frequência.

26 A mãe das crianças- DD -não consegue manter uma actividade certa.

27 De quatro filhos de um anterior relacionamento três foram encaminhados para adopção, um outro- a jovem II, já maior de idade -desde tenra idade, ficou a viver com a madrinha, OO.

28 A mãe das crianças, desde que a jovem II foi confiada à sua madrinha, nunca a visitou, apesar de saber do seu paradeiro, e apenas a contactou via Facebook, em Dezembro de 2019, depois de interpelada para lhe pagar alimentos.

29 A identificada mãe das crianças revela-se pouco exigente com os estudos das crianças, com o seu controlo e supervisão, com o encorajamento das crianças, além de se revelar permissiva no contacto das crianças com adultos de passagem pela sua casa.

30 Ela apresenta pouca consistência na implementação de regras de segurança para as crianças (a 12 de Novembro de 2018 fizeram-se transportar com as crianças num veículo de 5 lugares com mais duas pessoas- indo a criança BB ao colo da mãe –e por vezes não levavam cadeira de segurança para transportar as crianças, desvalorizando tal facto).

31 Também a progenitora apresenta um nível cognitivo muito inferior ao da média, enquadrável na deficiência mental ligeira, sendo vulnerável ao stress, com tendência para baixa tolerância à frustração e baixo controlo dos impulsos.

32 Ela revela-se pouco exigente com os estudos das crianças, com o seu controlo e supervisão, com o encorajamento das crianças.

33 No percurso profissional ou laboral da progenitora DD anota-se o seguinte:

- de Julho e Agosto de 2019 ela, como desempregada de longa duração, trabalhou na empresa “A...”, durante dois meses, tendo-se despedido por motivos de desavença com a sua cunhada PP, colega de trabalho e responsável pelo seu transporte ao local de trabalho;

- a partir do dia 2 de Dezembro de 2019 trabalhou em ..., na fábrica de louça ..., no sector da embalagem (arranjou este emprego, por intermédio da sua cunhada PP, colega de trabalho e responsável pelo seu transporte ao local de trabalho), até data não apurada;

- a 29 de Janeiro de 2020 começou a frequentar um curso de acção educativa- acividades do quotidiano e técnicas de animação para crianças e jovens, ministrado pelo ..., nas instalações da Escola Secundária ..., formação tem a duração de 300 horas, com início em 2020/01/29, com calendarização alterada por via da crise pandémica mundial, e que terminaria previsivelmente em 2020/04/30, decorrendo à segunda e terça-feira no período da manhã, quarta e quinta-feira durante todo o dia e sexta-feira manhã.

Tal formação tinha subsídio atribuído em numerário no valor de 4.77€ por dia (tendo de frequentar pelo menos 3 horas de formação por dia) acrescendo a este valor 1.76€, por dia, correspondente ao subsídio de transporte.

34 Ainda e sempre a progenitora frequentou curso de capacitação para gestão doméstica e familiar, com a duração de 300 horas, de 22.11.2018 a 08.02.2019 e frequentou também curso de capacitação para o processo de autonomização pessoal e profissional de 11.03.2019 a 29.05.2019, com a duração de 300 horas, ambos na ... em ....

35 Da perícia médico-legal, na área da psicologia, efectuada à mãe das crianças, resulta entre o mais:

- ter a mãe das crianças um funcionamento cognitivo global abaixo da média, enquadrável na deficiência mental ligeira, com autonomia mínima, não possuindo as capacidades para assegurar de forma autónoma os cuidados parentais às crianças.

- neste sentido, sem a presença de apoio extra e de orientação, nomeadamente acompanhamento e orientação institucional, uma rede social de apoio no meio onde está inserido, a sua capacidade para o desempenho das responsabilidades parentais encontra-se comprometida.

36 Os mencionados pais das crianças revelam uma grande instabilidade habitacional, sendo que no período compreendido entre ... de 2017 e finais de Setembro de 2019 foram-lhes conhecidas 6 alterações de morada:

- 18.05.2017: Rua do ...– ...– ...;

- 20.07.2017: Rua..., ... – ... - para aceder à sua habitação, o arrendatário do ... tinha de passar pelo interior da habitação do agregado que se situava no ..., o que limitava fortemente a privacidade destes e motivou a sua mudança de residência (o agregado teve conhecimento que iria ser alvo de despejo por dividas do falecido marido e procura nova habitação para morar);

- 26.10.2017: Rua..., ... – ... – ...;

- 27.04.2018: Rua do ... - ... – ... (a 19/10/2018 a progenitora refere que a sua casa vai ser penhorada por uma entidade financeira);

- 15.01.2019: Casa da Paróquia – ... – ...;

- 30.09.2019: Rua do ... – ... – ... (a 27/11/2019, a progenitora informa de ação judicial por divida às finanças, com ordem de despejo);

- a partir do dia 14 de dezembro de 2019 - Rua..., ... – ..., ...;

- desde data não apurada do iniico deste ano: Rua do ...– ...– ....

37 O agregado familiar das crianças foi acompanhado pela equipa do RSI, do ano de 2006 ao ano de 2018, com interrupções pelas suas idas constantes para o ..., não se tendo verificado progressos na sua integração social, pautando-se por pequenos avanços e recuos, constando do relatório da EMAT de 27/04/2018 que a equipa do RSI transmitiu que esta família foi acompanhada, desde 2006 até abril de 2018, não se verificando progressos na sua interação social, manifestando dificuldades de inserção e autonomização social.

38 Também este agregado familiar foi acompanhado pela Paróquia de ..., de 15 de Janeiro de 2019 a 30 de Setembro de 2019 e é acompanhado pelo CAFAP, desde o mês de Outubro de 2018, tendo em conta a necessidade de uma intervenção especializada direccionada à família em situação de risco psicossocial, no sentido de fomentar a função parental mediante a aquisição de competências parentais familiares e sociais.

39 Na sequência deste acompanhamento e do respectivo relatório os progenitores têm revelado resistência à sua intervenção, não apresentando melhorias.

40 Aquando das visitas domiciliárias às sucessivas casas onde os pais da crianças têm residido estas apresentam-se frequente ou regularmente desarrumadas e com pouca higiene.

41 E aquando da visita domiciliária realizada no dia 7 de Setembro de 2017, na Rua..., ... – ..., a cozinha apresentava um odor desagradável, resultante da guarda de comida para dar aos cães de guarda do rebanho de ovelhas do progenitor, a casa de banho estava suja, os brinquedos das crianças sujos, a roupa amontoada e suja.

42 Nessa ocasião a avó materna das crianças exalava um forte cheiro a urina, encontrava-se descalça e a descascar batatas de pé.

43 A falta de arrumação e de higiene foram igualmente constatadas aquando de outras visitas domiciliárias, como sejam nos dias 2 de Outubro de 2018 ou 26 de Dezembro de 2018.

44 Nesta última- 26 de Dezembro de 2018 –constatou-se que as crianças, de férias com o pais, tinham o cabelo e o nariz sujo, sendo que a sua mãe também evidenciava mau cheiro.

45 Enquanto habitaram, no ano de 2019, em ..., na Rua..., ... visitas domiciliárias- a 6, 21 e 29 de Novembro -apresentando a habitação falta de higiene e falta de organização, com louça suja amontoada, mesa da sala suja com restos de comida e gordura e o pavimento sujo.

46 Em todas elas a mãe e a avó materna das crianças apresentaram sempre pouco cuidado ao nível da higiene pessoal.

47 No dia 29 de Novembro de 2019 a EMAT deslocou-se a casa do agregado familiar das crianças no sentido de efectuar visita domiciliária, e constatou que a avó materna das crianças exalava cheiro a álcool e a urina.

48 Em tal ocasião a EMAT sugeriu à mãe das crianças que a sua progenitora integrasse um centro de dia, mas a avó materna das crianças começou a chorar, ameaçando suicidar-se, caso essa situação se concretizasse.

49 Quando o pai das crianças soube que estas não iriam a casa no feriado de 1 de Novembro de 2019 também ameaçou suicidar-se aproximando-se de um poço.

50 As crianças revelam–se muito distraídas e alheadas das tarefas que lhe são atribuídas, necessitando de uma grande supervisão .

51 No dia 2 de Julho de 2019 assistiram a uma altercação entre a sua mãe e QQ, que acusava a irmã das crianças, EE, de no dia anterior lhe ter furtado um saco com bolos.

52 Os progenitores mantêm (entre si) um relacionamento algo conflituoso (como também é conflituoso o seu relacionamento) com a comunidade local, com rede de apoio informal muito reduzida.

53 Têm surgido conflitos familiares entre a mãe das crianças e a sua cunhada PP- alegadamente esta chama aquela de puta e imputa-lhe falsos testemunhos designadamente o facto de ter assassinado o seu falecido marido -situação que por norma acontece ao fim de semana quando a sua cunhada ingere bebidas alcoólicas em excesso (discutem na rua, a sua cunhada no exterior, no meio da rua e a Sra. NN e a Sra. DD ficam na janela de casa).

54 A mãe das crianças informou que no dia 02/02/2020 a sua cunhada PP enviou mensagens à sua filha EE, via Messenger e, neste contacto transmitiu à jovem que a Sra. DD sua mãe terá matado o seu pai com “viagra”.

55 Após este contacto a jovem EE ficou muito perturbada e ligou à sua progenitora, a chorar e durante alguns dias a jovem não manteve contacto telefónico.

56 Não são conhecidos parentes da família alargada com condições e disponibilidade para assumir as responsabilidades parentais das crianças e zelar cabalmente pela sua segurança, saúde, educação, desenvolvimento emocional, afectivo e educativo, alimentação, vestuário e higiene, de forma permanente e duradoura.

57 Após ser decretada a medida de acolhimento, os progenitores sempre mantiveram contacto com as menores, visitando-as com regularidade no lar de acolhimento onde as mesmas se encontram, procurando que elas passassem alguns períodos na sua companhia, com as orientação e recomendações transmitidas a serem genericamente cumpridas, inexistindo notícia da entrega das menores, na instituição, ter sido realizada não atempadamente.

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FACTOS SUBSEQUENTES

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58 A partir de 10 de Setembro de 2020 os progenitores deslocaram-se de novo para o ..., para a zona de ..., para que o progenitor trabalhasse numa exploração pecuária, constando doas autos como sua morada ..., ..., ....

59 Em 30 de Dezembro os progenitores informaram o processo de que a sua nova morada era na Rua..., ... ....

60 Desde a deslocação para ... e posteriormente para ... e até 20 de Maio os progenitores contactaram pessoalmente as filhas, com deslocação à instituição, em 8 de Janeiro e 21 de Março de 2021, e estabeleceram contactos telefónicos, todos no ano de 2021, em 3, 1, 15, 17 e 22 de Fevereiro, 2, 4, 9, 12 e 16 de Março, 6, 12, 16, 23 de Abril e 14 de Maio, visitas e contactos telefónicos esses autorizados ou admitidos pelo despacho de 17 de Dezembro de 2020 e a partir dessa data.

61 Em Maio passado as crianças continuavam bem integradas no CAT, mantendo uma relação positiva com os seus pares, prestadoras de cuidados e equipa técnica, pese embora por vezes apresentarem alguns comportamentos de oposição e dificuldades em cumprir regras, bem como recurso à mentira.

62 Nenhuma delas manifesta qualquer sentimento em relação à sua estadia no CAT, a menos que lhe seja questionado directamente.

63 Aquando das visitas em contexto institucional as crianças mostraram-se sempre bem dispostas e entusiasmadas, embora focando maioritáriamente a sua atenção nos presentes e bens alimentares que os progenitores lhes trazem, ainda que actualmente, devido ao plano de contingência em vigor na Instituição, o contexto de visita não permita a interação física entre os visitantes e as menores tão pouco é possível deixar as crianças, em algum período, sózinhas com os progenitores.

64 Durante este período os progenitores conversam com as filhas, questionando os seus comportamentos, bem-estar e rotinas sendo que na última visita efectuada- na data de aniversário da menor AA -a visita se haja pautado por fraca interação entre as menores e os progenitores, com a BB a manter-se a jogar no telemóvel da irmã mais velha e a AA entretida com os presentes que lhes trouxeram, havendo pouco diálogo entre eles.

65 Nos contactos telefónicos, com os pais e a avó materna, com periodicidade diária em dias úteis, estes colocam questões rotineiras (o que comeram, como correu a escola, o que estavam a fazer, etc.), as crianças vão respondendo às suas perguntas e fazem alguns pedidos de bens alimentares/guloseimas e materiais para a próxima visita.

66 Dado que os telefonemas eram diários eles são encarados como uma rotina, não se mostrando como momentos enriquecedores para as menores.

67 Nas videochamadas, efectuadas por parte dos progenitores e da avó materna, estas decorrem com tranquilidade, as menores mostram-se agradadas por verem os familiares, conversam acerca de assuntos rotineiros (aulas, comportamentos, atividades do dia-a-dia).

68 No dia-a-dia as crianças não solicitam que se efectue algum tipo de contacto com os progenitores.

69  No ano lectivo 2020/2021 a menor BB frequenta o 3° ano do ..., onde se encontra bem integrada, tem vindo a atingir com dificuldade alguns dos objectivos programados, devido à sua falta de empenho, concentração e pouca responsabilidade e passou a usufruir de medidas universais a partir do segundo período deste ano lectivo.

70 A menor AA frequenta a sala dos 4 anos do pré-escolar da ..., onde se encontra bem integrada.

71 Por reporte ao 2º período escolar esta criança evoluiu significativamente ao nível do seu comportamento, pois que já convive com os colegas de forma mais harmoniosa e tem feito um esforço no sentido de cumprir com as regras estipuladas em contexto de sala.

72 Presentemente ambas as crianças são acompanhadas em consulta de saúde infantil no Centro de Saúde ... com a Drª RR.

73 A BB conta com o apoio de uma terapeuta da fala na escola, pertencente à ... e costuma ter sessões de psicologia com uma psicóloga pertencente à mesma equipa.

74 A criança AA, foi recentemente encaminhada para consulta de pedopsiquiatria no Hospital ... devido a apresentar alguns comportamentos desajustados, tal como usufrui de sessões semanais de terapia da fala, uma vez que apresenta um atraso no desenvolvimento da linguagem com perturbação articulatória fonológica.

Nenhuma das crianças toma medicação diária.

75 Da perícia médico-legal, na área da psicologia, efectuada à criança BB, em 5 e 29 de Março passado, resulta entre o mais o seguinte, no que respeita à adopção:

"Ser adoptado é: «um menino que vai para os pais novos». Directamente questionada sobre essa possibilidade mostra-se ambivalente, pois gostaria, por um lado, de ser adoptada ("sim, gostava, referindo que se tal lhe fosse comunicado «ficava contente», mas por outro, manter a mesma família, reconhecendo que a sua família biológica ficaria triste com a decisão da adopção. Percebe que se for adoptada não irá voltar a falar com a família biológica: «estou sempre ao pé dos pais novos».

Quando lhe é pedido que descreva a mãe e o pai, diz não ser capaz, justificando «eu já não estou com eles há muito tempo ...»”.

76 Relativamente ao percurso escolar é descrita como tendo algumas dificuldades ("atingiu com dificuldade alguns dos objectivos programados. (. . .) Pouco concentrada e muito preguiçosa") sendo ainda mencionado o seu bom comportamento.

77 No tocante ao Questionário Comportamentos da Criança (CBCl)- cujo permite a avaliação de problemas de internalização e externalização –os dados recolhidos não sinalizam problemas em nenhuma das seguintes áreas/factores: "Oposição/Imaturidade"; "Agressividade"; "Hiperatividade/atenção"; "'Depressão"; "Problemas Sociais"; "Queixas Somáticas"; "Isolamento"; Ansiedade"; "Obsessivo/Esquizóide".

78 Em relação ao Questionário de Capacidades e de Dificuldades (SDQ-Por)- que pretende avaliar os comportamentos sociais adequados (capacidades) e não adequados (dificuldades) –assinala-se que “não há o registo de dificuldades significativas, sendo identificada como uma criança com características positivas de forma geral, simpática e sociável, que se relaciona adequadamente com as outras crianças. Gosta de ajudar os outros e manifesta comportamento pró-social (por exemplo «é sensível aos sentimentos dos outros», »É simpática e amável com crianças mais pequenas» e «Gosta de ajudar se alguém está magoado»)”.

79 No domínio dos resultados da avaliação “apresenta uma capacidade intelectual inferior à esperada para o seu grupo etário. Embora este resultado, a assinalar o desinteresse da BB pela tarefa o que prejudicou o seu desempenho. Inicialmente manifestou curiosidade, mas depois perdeu o interesse e manifestou o desejo de desistência”.

80 Por sua vez na parte relativa ao Questionário de Personalidade de Eysenck- Forma para Jovens (EPQ-FJ) consigna-se que se trata de “uma personalidade que, apesar de ainda estar em processo de desenvolvimento e estruturação (o que atendendo ao seu nível etário, não pode considerar-se como definitivo), começa a deixar transparecer traços de estabilidade emocionai, relaxamento e despreocupação, tendencialmente introvertida, reservada e controlada, com níveis normais de psicotisismo”.

81 Já na escala de Auto-conceito de Piers-Harrls (PHCSCS-2), ponderando 6 factores que determinam o autoconceito- aspecto Comportamental, Estatuto Intelectual, Aparência Física, Ansiedade, Popularidade e Satisfação-Felicidade –a criança em causa “obteve um resultado acima da média em todos os factores com excepção da Popularidade, que ainda assim se encontra dentro da média. Pode afirmar-se que apresenta um bom autoconceito, sendo de admitir que se sente feliz consigo própria”.

82 E em relação aos Estilos Educativos Parentais - Crianças 6-12 (EMBU-C), que “tem por objectivo avaliar a percepção da criança sobre a frequência com que sucedem determinadas práticas parentais, em relação ao pai e à mãe, separadamente. Este instrumento avalia as dimensões Suporte Emocional, Rejeição e Tentativa de Controlo. A dimensão Suporte Emocional é constituída por itens que traduzem a expressão verbal e física de suporte afectivo por parte dos pais, a aceitação parental e a sua disponibilidade física e psicológica para com a criança. A dimensão Rejeição é constituída por Itens que manifestam hostilidade/agressão verbal e física e não aceitação da criança; a dimensão Tentativa de Controlo é constituída por itens que descrevem tentativas dos pais em controlar O comportamento da criança e à manifestação de grande preocupação face ao seu bem estar (comportamentos que têm como objectivo o controlo da criança, comportamentos que visam a adesão do comportamento da criança às expectativas dos Cuidadores, à estratégia de indução de culpa e a comportamentos de sobreproteção)” resulta que “as três dimensões aparecem com resultados dentro dos valores normativos, quer os relativos à perceção da BB tem sobre o estilo parental do pai quer em relação ao estilo parental da mãe. Estes resultados, traduzem que a criança sente aceitação, suporte afectivo e disponibilidade por parte dos progenitores. Ainda assim a destacar uma análise qualitativa que mostra que ao item «Os teus pais fazem alguma coisa para que te divirtas e aprendas coisas» a criança responde de forma extremada: «não, nunca»".

83 Relativamente ao “Desenho da Família (Teste de Corman)” afirma-se que a “BB à instrução «Desenha uma famíllia» questionou se pretendia o desenho da sua família, ao que respondi: «desenha a família que tu quiseres» (conforme as Instruções do teste). O desenho realizado pela examinada evidencia um traço firme e personagens com algum detalhe. Representou em primeiro lugar, «a SS», de seguida o «TT, a mãe da SS e do pai do TT»". A propósito das questões colocadas refere que é uma família real, que se encontra em casa a jogar à bola. Descreve o TT como o mais simpático e a SS como sendo a menos simpática porque «bate nas crianças». O TT é seu amigo, sendo este o mais feliz. Questionada diz que escolheria o TT como o «mais feliz» e o «bom» como sendo o pai da SS e o «menos bom» a mãe da SS, sem reflectir motivos. Ao pedido para se posicionar na família refere que seria «a filha».

84 E concluiu-se que “no caso da BB, pode referir-se que desenhou uma família por si desejada e não a sua família real/biológica”.

85 Em relação à perícia médico-legal, na área da psicologia, efectuada à criança AA, ocorrida em 5 e 29 de Março passado, resulta entre o mais o seguinte, no que respeita à sua postura que “foi capaz de permanecer na sala sózinha, mas por multo pouco tempo, dizendo logo ter que Ir à casa de banho. A AA mostrou uma grande irrequietude (mexe em tudo ainda que lhe digam que não o pode fazer), é incapaz de permanecer sentada muito tempo, de atenção difícil de captar”.

86 Na parte relativa desenho da família e “à instrução «desenha uma família» a AA diz não saber o que é uma família, inviabilizando a execução deste teste, uma vez que o mesmo implica que o psicólogo não defina o conceito de «família». Tendo em conta a impossibilidade da aplicação deste desenho, é-lhe pedido que desenhe pessoas de quem gosta ao que desenha a BB e a UU. O seu desenho é grosseiro, sem detalhe, apenas traços radiais (pernas) e cabeça”.

87 Na aplicação da WPP51-R-Escala de inteligência de Wechsler para a Idade Pré-escolar e Primária - Edição Revista ”os resultados obtidos pela AA apontam para um QI de escala completa de 64 (nível Muito Inferior), QI verbal 68 (nível Multo Inferior) e QI de realização de 65 (nível Muito Inferior). Estes resultados encontram-se abalxo da média esperada para crianças da sua faixa etária. O seu comportamento também influiu negativamente no seu desempenho. A AA pontuou abaixo da média em todos os subtestes, possui fracas competências verbais que podem colocar em risco a capacidade de compreensão da leitura e escrita, traduzindo-se numa dificuldade de acompanhar os seus pares no processo de aprendizagem escolar. Os resultados obtidos na subescala de realização indicam dificuldades ao nível do planeamento e execução de tarefas não-verbais, consequentes também de uma baixa regulação emocional e uma baixa autoconfiança”.

88 Já no tocante ao Questionário de Comportamentos da Criança (CBCL) “os dados recolhidos sinalizam problemas significativos nas áreas de «Agressividade», «Oposição/Imaturidade» e «'Hiperactividade/atenção». Não há registo de dificuldades acima da média nas áreas/factores «Depressão»; »'Problemas sociais»; «Queixas Somáticas»; «isolamento»; «Ansiedade»; «Obsessivo/Esquizóide».

89 E como síntese conclusiva escreve-se que

“- AA, acabou de completar 5 anos de idade e vive em meio acolhimento residencial desde o seu primeiro ano de vida. Esta vivência em melo institucional, desde um momento tão precoce, toma difícil a construção de relações de vinculação com a família;

- ao longo da avaliação observou-se uma menina com linguagem pobre e por vezes imperceptlvel e com elevada agitação psicomotora;

- revelou possuir um funcionamento cognitivo global muito abaixo da média esperada para a sua faixa etária;

- ela apresenta dificuldades de comportamento, pontuando acima da média nas escalas que avaliam a agressividade, a hiperactividade e problemas de comportamento;

- é retratada como sendo uma criança simpática e amável com as crianças mais pequenas, com um bom relacionamento com o grupo de pares”.

90 Ainda e sempre como resultado da avaliação psicológica da AA consta que que se constata “a ausência de cuidador de referência, sociabilidade indiscriminada e incapacidade para manifestar vínculos selectivos adequados (a referir o facto de ficar com a perita após a primeira entrevista, demonstrando falta de selectividade com excessiva familiaridade com estranhos);

- … a AA necessita de viver um ambiente seguro, ajudando-a a uma construção positiva assente em modelos de identificação autênticos, base e encontro com afectos apaziguadores e contentores de sofrimento psicológico;

- … do ponto de vista cognitivo… necessita de um contexto estimulante em termos cognitivos, e que contribua para a superação destas dificuldades;

- … a AA não desenvolveu ainda capacidade de compreensão em relação ao objecto do presente processo, não antecipando, para si qualquer projecto de vida alternativo ao acolhimento, que aliás representa a realidade que conhece; desta forma, são ainda, por si, desconhecidas as consequências do encaminhamento com vista a futura adopção”.

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Factos não provados:

1 Aquando do regresso das crianças ao CAT, após períodos de convívio com os progenitores, as crianças iam vestidas de acordo com a época e sem quaisquer problemas de higiene.

2 (…)

2 Nas deslocações ao CAT os menores levavam-lhes roupa, brinquedos, géneros alimentícios e, no tempo de convívio, prestavam-lhes toda a sua atenção, afecto e carinho, fortalecendo dessa forma a autoestima e segurança das menores.

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III – Do Direito

 

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade processual da audição das menores.

- Alteração da matéria de facto.

- Aplicação de medida de protecção de apoio junto dos pais.

2. Os recorrentes vêm arguir a nulidade processual, do art. 195º nº 1 e 2 do NCPC, da audição das 2 menores por violação dos arts. 4º, i) e j) e 84º da Lei 174/99 de 1.9 (LPCJP), bem como dos arts. 4º e 5º da Lei 141/2015 de 8.9 (RGPTC), por a audição realizada se ter revelado ineficaz em termos de dinâmica relacional entre o Tribunal e as menores, o que pôs em causa o direito de estas expressarem a sua opinião e vontade, em virtude de as menores terem sido ouvidas numa sala de audiências comum, encontrando-se o Juiz, as Juízas Sociais, bem como o Procurador  sentados nas respectivas bancadas, enquanto as menores se sentaram no local habitualmente ocupado pelas partes/testemunhas, o que revelou uma escolha do local inadequada, dado que a “carga” que uma sala de audiência comum impõe é imprópria para a idade das menores, antes se exigindo-se que a audição das menores se tivesse realizado num espaço, adequado, neutro, informal, apetrechado com alguns elementos, garantindo-se nestas condições a descontração, espontaneidade e sinceridade das respostas. Que antes da audição das crianças, nenhuma informação sobre o significado e alcance da mesma lhes foi prestada, tendo o Tribunal passado, quase de imediato, à formulação de questões, o que face à lei devia ter acontecido, tendo-se as menores mostrado desconfortáveis, desconfiadas e deslocadas, não tendo havido um autêntico esforço para as confortar e ambientar. Também faltou na audição das menores a assistência por um técnico com conhecimento e habilitações para o efeito, pois a pessoa que acompanhou as menores na sua audição é mera Técnica Superior da Segurança Social, e não uma Técnica com formação especial na área da Psicologia, pelo que a sua intervenção não foi além da repetição das questões que iam sendo colocadas às menores (cfr. conclusões de recurso 2. a 13.).

As irregularidades procedimentais que os recorrentes destacam levam-nos a concluir que se verifica uma nulidade processual, a do art. 195º, nº 1, do NCPC. A ser verdade que tais irregularidades ocorreram, então estaremos perante uma nulidade processual, como os recorrentes apontam e bem.

Todavia, cabe relembrar o conhecido aforismo “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, pelo que o recorrente devia ter arguido a respectiva nulidade perante o juiz da causa, como resulta dos arts. 197º, nº 1, e 199º, nº 1, do indicado código, o que não fez. E não interpor recurso.

Não procede, pois, esta parte da apelação.

3. Os recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto relativamente aos factos provados 3., 5., 10., 16., 20., 21., 28., 29., 32., 36., 39., 52., aos factos não provados 1. e 2º nº 2., e ainda pretendem o aditamento de factualidade desconsiderada pelo tribunal, designadamente os factos que indicam sob I. a VI., tudo com base em depoimentos dos próprios apelantes e das menores, das testemunhas FF, GG, EE, HH, JJ, KK, LL, MM, em prova documental e prova por presunção, indicando as respostas que deviam ser dadas a tal matéria (cfr. conclusões de recurso 14. a 56.).

Na motivação da referida decisão de facto exarou-se que:

“Em sede de fundamentação deve dizer-se que os factos dados como provados se basearam no conjunto da prova documental junto aos autos e bem assim nos depoimentos testemunhais que adiante se referirão, tudo articulado entre si, buscando-se ponto de concludência entre eles, sem desprezar naturalmente as regras da experiência comum.

Comecemos pelos documentos, sendo que em relação a alguns deles, por ser indissociável, havemos de aludir a depoimentos testemunhais.

Em termos da prova documental e primeiramente em relação às fixadas datas de intervenção jurisdicional, em sede de medidas aplicadas, elas colhem-se obviamente dos autos e sua sequência.

No seu conjunto e como é bom de ver, a saliência especial vai para todo o processo pendente nas diversas Comissões de Promoção e Protecção, que retrata evidentemente um acompanhamento das crianças e dos progenitores há largos anos, desde ..., sempre acentuando a questão da falta de higiene, própria e de cuidados para com os filhos, sendo certo que eles acentuam, igualmente, a existência de alguma ligeira deficiência psíquica, por parte de ambos os progenitores, fortemente limitadora das suas capacidades parentais.

E para um diagnóstico acerca desta matéria, caucionado técnico-científicamente, dado que ambos os progenitores consentiram em se submeterem a uma avaliação psicológica e psiquiátrica, os respectivos relatórios constam dos autos, a fls 1073,- progenitora –e 1169- progenitor.

Nesta sede e ainda que, cremos, eles se mostrem concretos, objectivos e rigorosos- note-se que seja o Exmº Magistrado do Ministério Público como algum dos progenitores não viu necessidade de pedir qualquer esclarecimento, escrito ou a produzirem sede de debate judicial –a verdade é que não tempos por desapropriado transcrever as respectivas conclusões e respostas aos quesitos.

Assim, e no que respeita à mãe das crianças DD nele pode ler-se o seguinte:

“Os pais das crianças sofrem de alguma anomalia psíquica? Qual? A examinada, mãe das crianças, padece de uma Debilidade Mental Ligeira a Moderada enquadrável nosologicamente na rubrica F71 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde (CID-lO) da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Essa anomalia psíquica é de caracter temporário ou permanente?

A condição deficitária de que padece a examinada encontra-se presente desde o nascimento e tem carácter permanente.

Grave ou Ligeira?

A debilidade Mental de que a examinada é portadora é nosologicamente classificada em Grau Moderado.

Tem tratamento ou não?

A condição de que padece a examinada não possui, à luz dos conhecimentos médicos actuais, tratamento etiológico, isto é curativo, sendo permanente e irreversível. Existem tratamentos psicofarmacológicos que podem ser utilizados, de forma pontual, para controle sintomático (limitado).

Condiciona ou não o exercício das capacidades parentais?

Apesar de, por si só, o diagnóstico de Debilidade Mental Moderada não se constituir como um impedimento para o exercício de estilos e capacidades parentais adequados, no caso concreto em apreço identificam-se factores com forte impacto negativo na parentalidade como sejam: fracas competências parentais no que diz respeito à dificuldade em compreender as necessidades emocionais e físicas dos filhos, em função da sua idade e do seu estádio de desenvolvimento. Não demonstrou capacidade de manter consistência em relação à definição de limites. Por outro lado, a examinada foi capaz de evidenciar características de parentalidade calorosa e receptiva a qual se manifestou pela capacidade de estabelecer esse tipo de relação, particularmente com as menores mais novas.

Em que grau e de que forma?

A examinada apresenta factores de risco e factores de protecção para uma parentalidade positiva.

Factores de risco: ausência de uma situação de estabilidade económica, social e de habitação própria; rede de suporte familiar extensa, mas ineficaz na capacidade de suporte, com escassas vivências de práticas parentais adequadas; limitação das capacidades cognitivas e alguma restrição emocional decorrentes dos dois anteriores factores; dificuldades em elencar e implementar regras- e estratégias para lidar com os menores, consumo de álcool.

Factores de proteção: ausência de maus tratos físicos aos menores”.

Por sua vez no referente ao progenitor CC o correspondente trecho do relatório compreende o seguinte texto:

“Em conclusão:

1. O examinado possui um Atraso Mental Ligeiro e encontra-se inserido num meio sociofamiliar disfuncional, sem suporte para funcionar de forma apropriada no domínio prático, como por exemplo no suporte para cuidar de uma família.

2. Apesar de apresentar competências parentais positivas, o não possui capacidades para assegurar os cuidados parentais às menores.

Em resposta aos quesitos formulados:

- Sim. O examinado padece de um Atraso Mental Ligeiro.

- De carácter permanente, crónico, presente desde o nascimento.

- Trata-se de um Atraso Mental Ligeiro, mas o examina encontra-se inserido num meio sociofamiliar disfuncional.

- Não. No estado do conhecimento médico actual, a sua condição não tem tratamento etiológico [i.e.: causal), sendo permanente e irreversível.

- Sim, condiciona em grande medida o exercício das capacidades parentais.

- O examinado não possui capacidades para assegurar de forma autónoma os cuidados parentais às menores”.

Sem embargo existem alguns outros aspectos que constam de tais relatórios e que entendemos merecerem transcrição, exclusivamente centrados na matéria relativa à “avaliação clinica e parecer psiquiátrico-forense”.

*

Nesta parte e no respeitante à progenitora, note-se que ”de acordo com a Avaliação clínico-psiquiátrica efectuada (numa perspectiva psiquiátrico-forense) e reunidos os elementos indispensáveis à apreciação do presente caso, quer em termos de História Pregressa e Exame Documental, quer os apurados pelo Exame Mental propriamente dito, quer os obtidos pela entrevista complementar, podemos afirmar que a examinada possui um funcionamento intelectual global de nível muito inferior ao esperado para a sua faixa etária. Consideramos que a examinada apresenta um funcionamento mental caracterizado por uma pobreza generalizada, que dificulta o planeamento e execução de um projecto de vida organizado, coerente e harmónico.

Resulta ainda, relativamente às competências parentais, que a examinada possui recursos internos muito limitados, particularmente no que diz respeito à capacidade para captar e atender às necessidades de uma criança, e assim assegurar de forma plena a função parental, tanto mais que as menores aparentemente não são investidos de forma significativa, quer ao nível afectivo, quer ao nível educacional, com a aprendizagem de valores, regras e normas essenciais ao seu bom desenvolvimento psicoafectivo.

Mostra-se ainda relevante que, em virtude do seu estado deficitário cognitivo, a examinada manifesta importantes dificuldades na compreensão e/ou interpretação correcta de pistas sociais, sendo que a sua capacidade de julgamento/análise social e subsequente tomada de decisão estão limitadas.

Em virtude disto, a examinada não se mostra capaz de antecipar o risco potencial existente em situações de exposição de si própria ou das suas filhas, a contextos sociais e de interação com terceiros que possam ser considerados de risco”.

Por sua vez ressalta do relatório do progenitor que:

“Sem antecedentes patológicos significativos, negou estar medico medicação habitual Referiu, de forma congruente com o registado nos autos, consumir bebidas alcoólicas de forma não abusiva. Negou consumo de tabaco e de drogas de abuso, de que não existe suspeição.

Da anamnese percebe-se que que se trata de um Senhor que terá frequentado a escolaridade por um período de tempo curto, com dificuldades de aprendizagem, sendo analfabeto (disse não saber ler, nem escrever nem assinar o nome). …

De forma congruente com psicológica, disse ter tido relacionamentos afectivos anteriores ao actual, dos quais não teve filhos, não tendo cedido outros detalhes. Relativamente ao relacionamento com a progenitora das crianças, de quem se referiu de forma próxima e afectuosa, relatou que se conheceram no funeral do pai do examinado, pois esta seria a anterior companheira do pai…

Relativamente às filhas refere-se e à EE refere-se às crianças de forma afectuosa, mas pobre (não soube por exemplo referir a data de nascimento e a idade correcta da filha AA).

Ao Exame Mental, o examinado apresentou-se com mau estado de higiene, pouco cuidado, mesmo se ajustando para o estrato sociocultural.

Afetação de capacidades cognitivas como dificuldade no cálculo (mesmo simples), linguagem (p.e. analfabeto), pensamento abstracto (p.e, dificuldade nas semelhanças e na interpretação de provérbios de alguma complexidade), memória (p.e. dificuldades em situar situações cronologicamente). Aparente desvalorização dos défices, com insight significativo”.

*

*

Retornando aos documentos strictu sensu, para além do processo para-judicial, como se disse, que está junto aos autos de fls 7 a 107, e nas quais constam os acentos de nascimento das crianças e dos progenitores- ver fls 7, 9. 12 e 13 -importa atentar num outro conjunto de elementos documentais, especial e principalmente os relatórios sociais emanados da EMAT, dando conta da evolução das crianças, aos vários níveis, tal como retratam as relações e os vínculos existentes entre pais e filhos, seja de um ponto de vista qualitativo como quantitativo, todos denotando, inquestionavelmente que entre poais e filhas existe carinho e afecto.

Por outro lado outro tanto é transmitido nos relatórios ou informações intercalares remetidas ao processo pela casa de acolhimento, que também não apresenta nota de dissonante relativamente à relação existente entre pais e filhos.

Estes relatórios, todos devidamente datados e assinados, cujos serviram de suporte aos diversos momentos processuais, nos quais teve lugar a revisão das medidas, e como tal semrpe foram devidamente ponderados e valorados, estão juntos ao processo a fls 222 a 225, 298 a 307, 423 a 431, 442 a 449, 465 a 469, 525 a 528, 680 a 690, 698 a 710, 778 a 785, 789 a 799, 839 a 847, 864 a 865, 905 a 907, 972 a 975, 996 a 1003, 1073 a 1078, 1150 a 1154, 1169 a 1177, 1208 a 1225, 1241, 1247 a 1250, 1262 a 1270 e ainda 1296 a 1301.

Sem embargo existe um outro conjunto de documentos que foram ponderados, que ora e sintetizadamente passamos a analisar.

Neste contexto de fls 343 a 389 consta um vasto manancial de registos clínicos, respeitantes à avó materna das crianças- NN –e relativas a assistência hospitalar à mesma, no Hospital ..., ..., ou no Hospital ..., em ..., aludindo ou identificando quedas com lesões e menções regulares a hábitos etílicos ou até mesmo cirrose- cfr, quanto a esta, fls 363 vº ou ainda 365 vº, sendo que relativamente ao estado etílico, ver, por todos, 368 vº.

Por sua vez a fls 405 consta informação do Centro de Saúde ..., referindo dois episódios de assistência, ambos em 2009, e num deles referindo expressamente “alcoolizada”.

Também documentalmente refira-se 720 a 721, no caso um relatório escolar da BB, datado de Abril de 2918, no qual se menciona a sua admissão no pré-escolar no final do ano lectivo 2017-2018, com dificuldades na linguagem, na “orientação viso.motora” e na “motricidade fina”, anotando-se que se diz ser uma criança muito sociável e bem integrada no ambiente escolar.

De fls 910 a 919 consta certidão de um inquérito pendente nos Serviços do Ministério Público de ...- ... secção do DIAP –com despacho de arquivamento incidindo sobre uma denuncia segundo a qual a progenitora DD obrigaria uma outra sua filha mais velha- EE- a prostituir-se.

A fls 932 consta uma informação da instituição segundo a qual numa visita e data que identifica, as crianças foram transportadas numa viagam, na cidade de ... em excesso de lotação do veículo e sem que se fizessem transportar nas cadeiras de segurança que são impostas por lei.

No tocante ao documento de fls 1150 a 1154 ele respeita a uma participação policial, na sequência de pedido da progenitora, relativa a uma suposta ameaça que lhe havia sido dirigida por terceiros, estando presentes as crianças, agitadas e irrequietas.

Finalmente em sede de documentos menção para a informação social de fls 1334- também 1348 e 1357 -, que relata um incidente ocorrido no CAT, no qual intervieram a AA e uma colaborada da instituição de nome VV, traduzida em actos agressivos praticados por esta sobre a criança, objecto de processo disciplinar, sendo que a AA foi assistida médico-clinicamente, não apresentado lesões- cfr fls 1370..

A informação de fls 1345 dá notícia das visitas e contactos dos progenitores com as filhas.

No relatório de fls 1362, elaborado pela Drª WW- a qual, como se verá infra confirmou o seu teor -,e que descreve a circunstância da progenitora, nos seus contactos telefónicos, em nada proteger as filhas, serviu para ser abordada a questão da agressão, ou ainda para que esta comunicasse que tem uma oferta de trabalho para ... sendo certo que enfatiza que decorridos três anos desde a intervenção junto dos pais este em nada progrediram para ser possível admitir-se o regresso das crianças ao seio da família natural.

*

Na sequência ou após a avaliação da prova pericial e documental, vejamos da prova testemunhal, sendo certo que, tendo os progenitores estado presentes no debate judicial, e uma vez que prestaram declarações, também as abordaremos.

À excepção do último testemunho, que surgiu desgarrado, na chamada “contra corrente” em função de toda a outra prova produzida- inclusivamente acerca dos hábitos alcoólicos da avó materna das crianças, também reconhecido pelos progenitores mas essencialmente exuberantemente documentado pelos registo clínicos –os restantes foram objecticos e concretos, sem que o tribunal haja tido indícios mininos que se trava de depoimento afastado da realidade dos factos.

Já não assim no tocante ao referido depoimento- XX –o qual é absolutamente desprezado e melhor fora que não houvesse sido prestado.

Em todo o caso, afigurando-se desfazado da realidade, ainda assim não temos como presentes elementos objectivos e subjectivos de uma qualquer conduta com dimensão criminal, pelo que nenhuma iniciativa tomamos a tal respeito.

Sem embargo do escrito, no que toca às declarações da testemunha HH elas são de desvalorizar porquanto, seja do seu depoimento, como de restantes, inclusivamente da progenitora, é patente que entre ambas existe uma relação tensa, se não é, mesmo, a circunstância de, há algum tempo, elas estarem de relações cortadas.

Nessa medida é avisado pouca ou nenhuma relevância lhes atribuir, mesmo se vale igualmente o considerando acima exposto acerca da entorse à verdade dos factos.

Regressando aos restantes depoimentos diremos, em abono da verdade, que eles se assumiram essencialmente como a ratificação do que escrito estava, pouco acrescentando além do documentado, sendo certo que não é menos verdade que também não era suposto que assim acontecesse.

Nessa medida e adoptando procedimento uniforme passamos a analisá-los um a um, com a referência aos elementos factuais concretos, objectivos e escorreitos que deles resulta, no sentido de consignar, de cada um deles, os factos que retivemos para fixarmos a materialidade do modo como supra se constata.

*

EE: é irmã das crianças, está num lar em ... contactava com elas telefonicamente ou por videochamada, sendo que desde Janeiro que não está com as irmãs, que visitou cerca do Natal, juntamente com os pais.

Neste momento os pais vivem em ..., ..., o pai a trabalhar na ... e a mãe acabou um curso, não sabe de que natureza, ministrado em ....

Dá-se bem com a irmã PP- foi quem trouxe os pais a ... -mas não fala com a HH.

Aludiu a um telefonema da irmã que dizia cosias feias da mãe, chamava-a de nomes- “dizia coisas sem sentido” e desligou o telemóvel e bloqueou o número dela.

Fala com a mãe todos os dias.

Relativamente a um episódio da avó, disse que foi para casa da vizinha e veio alcoolizada, já há algum tempo, sem ser capaz de localizar mas nada disse da reacção da avó em casa mas sabe que a avó se mete com as pessoas, “começa a chamar nomes e isso, quando está com copos a mais” e a dizer que a mãe não quer saber dela, que a deixa de parte o que é mentira, seja mãe a contar seja por ver.

Houve problemas entre a PP e a mãe, pois que a PP assaltou a acsa da mãe mas não quer ouvir esses problemas, pois que está na “sua onda” e esquece, aludindo a “despacho a minha mãe só para não ouvir isso”.

Referiu um episódio de receio de contágio pelo Covid 19, relativamente à irmã e a uma vizinha.

Deu opinião para que a mãe coloque a avó no centro de dia pois que não aguenta mais, estando convencido que ainda o não fez por causa da pandemia mas não o fez antes “porque a minha mãe gosta muito da minha avó; é a única filha que gosta da minha avó, gosta mesmo”.

A mãe não leva vinho para casa, e só bebe numa refeição ou então nas duas refeições, em festas.

Viu a avó beber de mais, algumas vezes, mas com poucas memórias.

Admite terem ocorrido problemas com vizinhanças, por se dizer mal uns dos outros, mas sobretudo entre a mãe e a tia , por telemóvel a que chamou “peixarias virtuais”, no decurso das quais saíam palavras “feias”, eram “elogios virtuais maus”.

O pai não gostava e tirava o telemóvel à mãe, dava “semões” à mãe, que pareciam duas crianças, que “não tinham cabeça para aquilo”, dizendo que ela e as irmãs são próximas, às vezes- “são umas chatas”, mas “gosto muito delas, gosto não, amo”.

Admitiu que se portava “horrivelmente mal em casa, às vezes” mas às vezes dava umas palmadas nas irmãs, mas “não doía”.

Quando se portava muito mal os pais davam palmadas, ainda que admita que se portou mal e disse coisas que não devia ter dito.

O pai corrigia com palavras e uma vez ou outra batia, sem lambdas, mas devagar.

Não faziam nada às irmãs- “eram umas santinhas; elas são pequeninhas; tens de perceber”.

Quem lhe bateu uma vez foi a mãe do padrasto- o seu irmão –há naos, quando era pequena.

Relativamente a um episódio com um bolo, ocorrido em 2019, depôs no sentido do fixado em sede de materialidade, com ameaça com uma navalha e telefonemas à polícia, sendo que a mãe ameaçou que se tocasse na EE e nas irmãs “era um homem morto”.

Recorda-se de ter vivido em ..., ..., noutra casa, além daquela onde estão actualmente os pais, ..., e no ..., em ..., quando o pai era pastor.

Não se pronunciou acerca do problema com o “YY”.

A BB protege a AA do que quer que seja, quando estão mal corrige a AA, tendo confirmado o episódio do transporte em veículo automóvel, sem que as crianças fossem na cadeirinha, ao colo da mae e do seu próprio.

Estudou em ... e no ....

A mãe limpava a casa, mas a avó, quando estava embriagada, lambia-se com a língua, e na higiene havia cheiro, tem problemas, tem que usar cueca-fralda.

Quando se falava à avó para ela ir para a instituição, ela recusava e fazia chantagem, do género que se ia matar, tal como sucedeu quando a Drª LL sugeriu o internamento para desintoxicação.

Relatou um episódio relacionado co um vizinho ZZ, que disse à mãe para se separar do marido e para fugir com ele, sabendo porque foi na Páscoa e estava em casa da mãe na Páscoa de 2019, sendo que a resposta da mãe foi o não.

*

FF: trabalhou no CAT de ... de ..., no período de encerramento do ... de ....

A AA é sua aluna desde Setembro de 2019, tal como conhece a BB, que também conhece, profissionalmente porque também frequentou o Jardim de Infância e esteve a seu cargo alguns meses.

Com a BB conviveu em ano lectivo que não recorda, as irmãs têm uma relação bastantes próxima, a BB perguntava sobre como evoluía a irmã, e brincavam as duas, com proximidade.

No presente a AA apresenta alguma dificuldade na comunicação oral- já foi feita avaliação para fazer terapia de fala –é um bocadinho agitada, distraída, necessita de trabalho individual para cumprir a actividade do princpio ao fim, e ás vezes gosta de contrarias as regras, mas funciona como camada de atenção, porque é criança afectuosa e gosta de ser o centro de atenção e ainda na coordenação manual- por exemplo a desenhar não controla os movimentos e ultrapassa normalmente os limites do desenho.

No tocante às vinculações da AA, diz que algumas vezes falou na mãe mas não se recorda de alguma vez ter mencionado o pai, esclarecendo que, às vezes, em actividades de grupo, quando algum(a) menino(a) fala em coisas da casa, algumas vezes a AA, diz “a mão também tem, a mãe também faz”, sendo que não fala de episódios e vivências tidas em casa.

Quando fala no pai é por os colegas falarem na sequência de conversa desta, mas sempre enfatizando a mãe.

No desenho da família a AA ainda não consegue desenhar a figura humana, ainda que fosse expectável que já o fizesse, estando convencida que o não faz precisamente pela sua falta na coordenação manual.

Nunca lhe falou num ideal de família.

Relativamente à BB é uma criança muito calma, muito afectuosa, necessitava de algum apoio no sentido da percepção de alguns trabalhos que lhe eram pedidos, ainda que depois conseguisse alcançar os objectivos.

Nunca lhe falou em qualquer situação familiar que tenha vivenciado.

Gostava de colinho, pedia para pentear a educadora, etc.

*

HH: trabalha numa oficina e reside em ..., ... e é irmã da EE.

Há anos que não visita a mãe de EE e que sabe que troca de casa constantemente, através “das pessoas das aldeias não é, tudo se sabe”.

Estão de novo em ..., na casa que é da família do pai das crianças, e que estará penhorada às Finanças; sabe que estão lá, que vieram de ... mas não sabe há quanto tempo.

Relativamente às condições da casa sabe apenas que no “tempo do meu pai já não eram boas”, ou seja, não havia casa de banho com banheira ou polyban mas apenas sanita e lavatório, não havia portas nos quartos, não havia cozinha em condições “duvido que tenham feito obras”.

Não fala com a progenitora há muito tempo e que esta lhe “manda bocas” mas não lhe responde, com expressões como “puta”.

Falou com a EE pela rede social, nesta semana, e nada mais, de há três anos para cá.

Na relação entre a irmã PP e a progenitora, não sabe pormenores mas tem conhecimento que foi quem trouxe os pais ao tribunal, no dia da diligência.

Falou com a irmã EE acerca de abusos, sendo que foi esta quem lhe relatou que havia sempre homens em casa que davam dinheiro à mãe, em troca de estarem com a EE- “era o que ela dizia” –e que foi abusada e que o contou a chorar e com lágrimas nos olhos.

A progenitora nunca teve cuidado com a higiene dos filhos, como seja horários de sono, lavar os dentes, confirmando que viu as crianças com roupa e cara suja e com a casa com louça por lavar, espalhada por todo o lado, coisas partidas.

Aas crianças brincavam, mas não eram de fazer asneiras, nunca tendo visto agressividade física dos pais para com as filhas.

A EE andava na escola.

A avó materna sempre lá viveu, “andava sempre bêbada, andava sempre a cair”, aludindo a um episódio de chamada de ambulância.

Andava sempre com cheiro a urina.

A progenitora apresentava-se pouco arranjada e pouco limpa, frequentemente com a roupa com muitas nódoas e suja.

O pai costumava dormir com a roupa com que andava durante o dia e sabe porque se lembra disso, do convívio com o irmão e que este lhe disse- mais que uma vez -que “só era irmão dele da cintura para cima; que da cintura para baixo era mulher como as outras”.

*

JJ: é solteiro, é estafeta e actualmente reside em ..., esclarecendo que teve uma relação afectiva com a tia das crianças HH e por isso que conhece as crianças, relação afectiva iniciada em 2016 e teve contacto apenas quando as crianças viviam no seio do agregado familiar.

Frequentava a casa das crianças, com pouca periodicidade, sendo que a casa se apresentava suja, mau cheiro.

Pessoalmente as crianças com roupas não muito limpas, sendo que na interacção entre as crianças e filhas, e entre o casal não tem elementos concretos e objectivos.

Relativamente à avó materna das crianças de especial andava maioritáriamente embriagada, não saia da cama, ás vezes caia, não se aguentava de pé, notava-se na forma de falar e sentia-se o cheiro a álcool.

Não se recorda como era a apresentação física sendo que nesta parte, a mãe andava minimamente.

Nunca assistiu a discussão, berros, injúrias, ameaças, entre o casal mas com terceiros recorda-se vagamente, sem recordação de que as crianças ali estivessem.

Fizeram a denúncia por acharem que as crianças não estavam bem cuidadas, e que a EE teria sido abusada pelo Senhor CC, pelo pai, afirmação que radicava por a verem triste e quando lhe perguntavam “coisas” mais pessoais, ela fechava-se, até porque o pai tinha, às vezes, maneiras não muito próprias de falar com uma criança com a idade da EE.

Notava que havia falta de alimentos, porque a HH levava muitas vezes comida para as crianças, por se aperceber disso, mas nunca viu o frigorífico.

Quando as crianças faziam asneiras além das próprias da idade viu bater, uma vez, na EE, sem se recordar se palmada na cara ou no rabo.

Na ocasião que conheceu a casa ela era parte em terra, tinha uma cozinha normal, um dos quartos não tinha porta,

Nessa ocasião nunca fizeram obras.

Disse que iam lá a casa homens, para beber um “copo” com o pai.

Dos géneros alimentícios que levava falou de leite, bolachas.

Nunca se deslocou lá a casa e encontrou as crianças sózinhas.

*

MM: é técnica da ... e acompanhou o processo.

Fez a última visita domiciliária em ..., ..., anterior a uma reunião de 22 de Abril de 2020.

O casal já mudou entretanto e novamente para ....

Deslocou-se ao lar para avaliar a real situação das crianças, em função de problemas ali ocorridos, esclarecendo que entrou no processo desde Outubro de 2019.

As crianças são muito carinhosas, interagem muito bem com todos, são comunicativas- a AA mais que a BB, até pela idade –disse que “de forma espontânea elas não falam dos pais –mas questionadas directamente se falaram com os pais- o último contacto, por videoconferência, visava exactamente percepcionar ou como que fazer um balanço acerca dos meses do confinamento -elas disseram que tinham falado com a mãe e tinham falado dos animais da quinta, mas “nada mais que isso”.

Nunca nenhuma delas lhe perguntou “quando vamos para casa”.

No respeitante à reunião de 23 de Abril, com os pais- que surgiu na sequência da ocorrência que se passou com a criança BB, no CAT, visando explicar o sucedido, as providências tomadas e ainda securizar os progenitores –nunca revelaram uma preocupação muito directa com o acontecido, antes e preocupando maios com críticas aos serviços, do funcionamento dos serviços na ajuda a agregados, pois que “ajudam todos os agregados que estão, que vivem ali junto a eles mas não os ajudam a eles.

Na ocasião manifestaram intenção de irem viver para ... e precisavam de saber do projecto de vida das meninas, por via de uma proposta de trabalho, cujo projecto concreto não se recorda, mas também teriam uma outra proposta de vida para ....

Da usa parte e projecto de vida para as filhas não o definiram, mas sairiam sempre com as meninas.

A relação da mãe com a tia PP é muito conflituosa, fazem as pazes, segue-se outro conflito, etc, etc, inclusivamente com influências muito negativas para a EE, com a ultima quezília relativa a troca de insultos entre ambas, no qual a PP terá dito que a progenitora matou o marido com viagra, com publicação, por esta, na situação nas redes sociais, mas ultimamente estarão bem, com a progenitora a ligar à testemunha e a dizer que a PP estaria infectada com Covid e grávida e que andaria pela povoação a infectar todos e que terá roubado em casa da mãe, tudo do conhecimento da EE pelas redes sociais.

A EE tem um sentimento de protecção para com a ame que “não é suposto”.

Aludiu ao episódio do beijo da avó materna a um terceiro- na casa paroquial em ... –explicando que o padrão comportamental desta família é o seguinte: “vão para uma habitação, arranjam conflitos na comunidade e depois mudam de habitação”.

Disse que mudaram de ... para ..., sem o seu conhecimento e aqui a progenitora disse que tinham tido problemas na anterior, já que estariam a cozinhar a sopa, passou um casal, estranho, perguntou se não havia jantar para eles, mandaram-nos entrar, jantaram, a esposa do casal e os pais das crianças vieram cá para fora e a avó materna queixou-se que o homem tentou levantar-lhe o vestido, beijá-la, etc, ainda que o progenitor tenha dito que foi a sogra quem se “ofereceu”.

A avó materna cheira frequentemente a álcool e a urina, com aspecto desleixado.

Já abordaram várias vezes a ida da avó materna para um Lar ou centro de dia mas esta sempre resistiu e ameaça que se mata se o quiserem fazer.

Disse que fez várias visitas domiciliárias e que se empenhou em trabalhar competências várias da progenitora, juntamente com o CAFAP e a instituição, esclarecendo que têm sido acompanhados desde 2011, com a ... de ..., o ..., o ..., a ... e a Paróquia de ..., ademais da EMAT, o RSI, com 600 horas de formação na ..., na área das competências pessoais, sociais de gestão da vida doméstica, enquadramento profissional- mais de 200 horas de auxiliar de acção educativa –mas sem resultados, com a obstaculização da mudança constante de residência.

Nas visitas domiciliárias constatou que o espaço sempre esteve muito sujo, com roupa desarrumada, cozinha suja, por arrumar, com louça por lavar, sem rotina diária, tendo chegado a estabelecer um quadro diária para as tarefas semanais, tudo muito bem especificado, mas “foi inglório porque, na semana seguinte nós íamos fazer a avaliação de todas as orientações que nós dávamos e continuava tudo na mesma”.

A mãe apresentava-se sempre muito descuidada, o pai normalmente estava a trabalhar, tendo-o encontrado uma fez em ... e duas vezes em ..., vinha sempre com roupa de trabalho.

No respeitante a intenção suicida do pai esta confirmou-o.

No respeitante às competências sociais do pai elas são poucas, com pouca noção da realidade e é uma pessoa muito limitada.

Em ..., tiveram apoio da comunidade, mas tiveram de sair por causa de uma abordagem agressiva à EE além do episódio do casal e a avó materno das crianças.

No tocante a alterações na casa de ... houve melhorias: colocaram mosaicos nos quartos, com umas chapas de sandwich, usadas.

Mas entretanto a mãe informou que a casa era para ser vendida por causa de dívida às Finanças, com vários herdeiros e ele teriam uma ordem de despejo, e por isso foram para ....

Os pais não têm projecto de vida para as filhas salvo que “querem as meninas com eles” sendo questionado com a escola, o andar de “casa em casa”, explicando que a mãe não tem noção do “porquê deste processo, não tem noção porque é que as meninas estão em acolhimento residencial”, reiterando, em sede de projecto de vida que “ela simplesmente quer as meninas com ela…não fazem planos, não tem objectivos para …”.

Há uma certa naturalidade como elas percepcionam a realidade que vivem, designadamente dos contactos com terceiro.

Questionada sobre o projecto de vida das criança disse que na aludida relação de Abril falava acerca dele e da adopção, tanto mais que a DD conhecia o parecer da ENAT, ou seja, nunca escondeu que o parecer era a adopção.

Em relação à infância dos pais, ambos falaram do passado, a mãe que tinha 4 filhos para adopção, uma junto da madrinha, da relação com o pai do actual marido, o pai que teve um filho que faleceu. Referiu que também trabalhou as competências da mãe a lidar com a EE.

*

LL: é técnica da Segurança Social em ..., tendo acompanhado a família desde 20 de Maio a 20 de Julho de 2017.

Conhece a progenitora desde o acompanhamento da EE, sendo que detalhou elementos relativos ao acompanhamento da EE.

No que respeita às crianças BB e AA, relatou um episódio no qual os progenitores deixaram ficar a BB na companhia da avó materna, completamente alcoolizada, o que era frequente, após o que relata um conjunto de diligências para que as crianças ficassem juntas no CAT de ... e a EE no ..., pois que tinha 8 anos e era muito adulta e conversas muito sexualizadas.

A ideia foi potenciar os contactos entre pais e filhos, o que em ... era muito, muito difícil.

A BB era mais reservada, a AA muito mexida e a primeira visita, dos pais e, pensa, da avó materna- que se notava que havia bebido mas não cambaleava -correu muito bem, sendo que em termos de interacção, com a AA sempre mãe e algumas vezes aceitava ir para o colo do pai, a BB com a avó e o pai e a EE não interagia com nenhum.

Mas quando lhe tiravam a família chorava.

A mãe sabe dar colo mas “não sabe que a educação tem que ser correcta, responsável…os adultos é que têm que pensar no dia a dia dos filhos, não no presente mas no que isso significa para o futuro deles” mostrando incapacidade para executar ideias, práticas educativas.

Disse que não tendo mais nenhum relatório a acrescentar algo, que era a sua prática habitual, pelo que conclui que a situação habitacional não se alterou.

Retratou com muito pormenor a conduta e conversas sexualizadas da EE para concluir, pela sua experiência, que na sua meninice assistiu a muitos comportamentos sexuais ou sexualizados.

Referiu que a HH também denunciou condutas de risco da criança AAA, filho de uma cunhada da progenitora.

Existe um vinculo e afecto entre pais e filhas, mas os pais não conseguem moldar os seus comportamentos no sentido da assegurar as necessidades dos filhos, quotidianamente, no presente e numa perspectiva de futuro.

Interrogada sobre se existisse trabalhos/ensinamentos/ancoramento e exteriorização dos seus anseios, a incidir sobre eles, este domínio, não seria possível que eles viessem a ser capazes, de assegurar as necessidades, disse que a progenitora tem 5 irmãs, espalhadas, e perante o problema de alcoolismo da avó materna, melhorado mas a manter-se, “se até isso, enquanto adultos eles não se conseguem organizar no seio do agregado familiar, deviam ter tomado decisões…”.

Ora, diz, se as crianças estão no CAT há 3 anos e um mês, neste lapso temporal a avó já fez um tratamento, melhorou, e já piorou, “a casa não sei se está melhor, em termos educacionais…daquilo que eu conheço e do passado, assim ajuda externa, não…” a mãe não é ajuda de espécie alguma, em casa, não há vizinhança e a família alargada para apoiar não existe, “mesmo ajudando duvido que aprendesse”.

Referiu que a DD “tem noção que precisa da relação conjugal; ela gosta dos filhos, mas ela gosta mais de ter atenção para si; ela sente necessidade, seja porque tem dificuldades, seja porque tem um deficit…ela vai casar…o sonho dela é casar…ela nunca deixou nem nunca deixaria nenhum marido para começar a vida e cuidar dos filhos; os filhos estão em segundo plano, seja pela história de vida seja pela incapacidade- não sei se tem ou se não tem -acredito que a DD não faz melhor mãe porque não quer: é porque não tem mesmo capacidade para ser mãe”.

Referiu que espera que a mãe invista a sério na sua capacidade, e que “vá atempo da EE; sinceramente e que ”fazer uma mudança é fácil, mantê-la no tempo é que é difícil”. Mais disse que não viu a perícia dos pais, mas do que conhece existe incapacidade.

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KK: é técnico da Segurança Social, da EMAT em ..., tendo acompanhado as crianças desde Setembro de 2018 a Setembro de 2019, no qual conheceu dois domicílios: em ...- onde “normalmente regressam sempre, que é em ..., que ´é da família” -e a outra foi em ..., que foi tratada por si, com o Padre GG e a Paróquia de ..., na sequência do trabalho anterior da Drª BBB a qual, anteriormente, sempre enfatizou que era necessário resolver a questão da habitação e de dar oportunidade de reestruturação da família.

Nesse sentido contactou o Padre GG e a Paróquia de ..., conversaram, sobre as crianças, os pais, ele comprometeu-se a fazer alguma coisa, mostrou-lhe casas e ficaram com uma casa no centro da povoação, sendo que o Padre GG falou com o Município e fizeram uma cozinha, que faltava fazer.

Disse que “a casa era muito boa” mas não sabe quem a mobilou ainda que pense que a cozinha terá sido a Câmara, mas não teve intervenção com esta

No que respeita ao papel dos pais neste processo disse que, “se formos sintéticos, foi mudarem-se, instalaram-se lá”, ainda que com as orientações da SS, com apoio da comunidade e ficarem bem instalados “e seguirem com a vida deles”, ficando perto do lar que sempre prestaria o apoio necessário

Deixaram a casa já depois de ter saído do processo e por isso ignora a razão, mas a casa de ... não tem aquecimento, um dos quartos com muita humidade, fica no final da aldeia, isolada, gerando oportunidades para acontecerem coisas como os alegados abusos sexuais, com o YY

Nas visitas domiciliárias a apresentação foi melhorando, sem esquecer que são pessoas que vivem no campo, referindo que o curral do porco estava muito bem limpo e a casa, ao invés, muito sujo e desarrumada e foram melhorando

A mãe fez duas formações na ..., com o apoio à comunidade, na qual a mãe foi fazendo algumas aprendizagens, no campo pessoal e de lidar com criança, sendo que começou por dizer que a “avó materna é o maior problema desta família” ainda que depois tenha corrigido e dito que não é só ela o problema

A família tem algumas limitações conhecidas por todos, mas com a avó materna, diz que nunca a viu alcoolizada, mas o próprio genro lho disse, que se embebedou com os vizinhos

A ideia era passar o dia no Centro de Dia e voltar a casa, sendo que a vizinhança se juntava na casa da família, admite que para beberem uns copos mas nunca conseguiram demover a avó ou convencê-la para tal

A DD tem várias filhas mas não quer sair dali.

Fez visitas com as crianças- em férias -que se apresentavam asseadas e limpas

Na relação da mãe das meninas com a família alargada nada a dizer, mas tem relação muito conflituosa com a cunhada PP e com a HH, relatando o episódio do trabalho e viagem conjunto e a “zanga”

No tocante à relação entre a mãe e a EE, existia uma relação de “aconselhamento” da filha à mãe

Não sabe de intervenção do CAFAP e, nas visitas a ... os pais eram transportados inicialmente pelo Sr ZZ- um vizinho, com quem entretanto se desentenderam –e mais tarde a instituição e, crê, algumas vezes o Padre GG.

O pai foi pastor, vivia do negócio das cabras e da agricultura, é pessoa humilde e simples, “consegue ter algum discernimento sobre as coias, é mais calado, mas não ferve tanto em água quente como a D DD”.

Sabe que houve processo por alegados abusos sexuais á EE e que sabe ter sido arquivado. Falou com a avó materna da ida para o Centro de Dia, mas sempre se recusou, não se recordando se esta fez alguma manipulação, chantagem ou se ameaçava que se a levassem se suicidava, mas recorda que levaram-na para lá, para ela, era levarem-na para uma prisão.

*

BBB: é psicóloga, Técnica Superior de Serviço Social, actualmente no Núcleo de Infância e Juventude e acompanhou as crianças, antes do colega KK, quando as crianças já estavam acolhidas e como tal tinham de fazer o acompanhamento.

Era um processo no qual já tinha havido intervenção de outros técnicos, de outras áreas, e por isso já tinha conhecimento de algumas características desta família.

Fez várias diligências mas eles mudavam constantemente de casa, tendo visitado duas, com uma terceira pelo meio que nunca chegou a visita porquanto quando la foi já se tinham mudado.

A primeira era numa casa antiga, no centro histórico de ... e a de ... era tipo moradia, no final da aldeia.

Na ocasião tinham recebido ajuda do casal CCC e ZZ, com remendos- o chão era de cimento e tinham colocado um linóleo –estavam a arranjar o telhado, a casa muito desorganizada, sendo que “a limpeza sempre foi uma dificuldade” e na casa de ... havia muito lixo e comida cumulada ara darem aos animais, com mau cheiro, as sanitas mal limpas ou lavadas.

Aí as roupas apresentavam-se umas vezes melhor, outras pior, a avo estava sempre mal arranjada, cheirava a urina, nunca a viu beber, mas uma vez viu vi-la da tasca com a garrafa de vinho na mãe, e nunca fez visita com a presença das crianças. O casal CCC e ZZ queria ajudá-los, com pena das meninas, desconhecendo se houve afastamento da vida da família, mas a esposa, sim, essa afastou-se e deu muita informação, dando possibilidade de compreender a dinâmica da família.

Aliás a situação era muito negativa por via de instabilidade habitacional, alcoolismo da avó, deficit cognitivo do pai- por isso foi quem pediu as perícias –a suspeita do abuso, com conduta moral duvidosa, que podia por em perigo as crianças, que obteve da Dª CCC, de vizinhos e mais tarde da EE, que começou a verbalizar essa temática.

Nesta família há alguma dificuldades do que seja o padrão normal, para elas é padrão normal “os relacionamentos sexuais precoces…uma troca de serviços, são pessoas pobres”, afirmando que era normal deixar a EE com o outro senhor, “dar beijos em troca de um euro, depois de 5 euros e depois sei lá…”.

A avó já teria um passado de prostituição.

Mas está convencido que não têm capacidade de avaliar o padrão do bom e do mau.

Havia muitas festas com vários homens, na casa de ..., mas a comunidade de tal sabia, reiterando que a informação foi transmitida pela referida Dª CCC.

Questionada sobre se alguma vez falou com os pais sobre o seu passado disse que falou com a Junta de Freguesia, com o RSI e que a sua função era analisar as situações, dos deficits e disfunções habitacionais, de organização doméstica, para melhorar, e pediu as perícias para perceber a dinâmica familiar.

Os pais nunca tiveram psicoterapia, que saiba.

Relativamente aos alegados abusos sexuais, crê ter sido quem acompanhou a EE às declarações para memória futura, no âmbito do processo criminal, e por isso diz estar convencida que ocorreram factos graves.

Sabe que a certa altura a família CCC e ZZ afastou-se dado que ela achava que não era mais necessário, tendo ficado implícito que terá havido uma tentativa de sedução do ZZ à mãe.

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CC: é o progenitor das crianças BB e AA, residente na Rua do ... - ....

Vive actualmente em ... tendo descrito o seu percurso habitacional, tal como exarado em sede de materialidade.

Perguntado acerca da razão da saída de ... disse que “acho que qualquer coisa, por causa da renda; que eu não sei bem; a minha mulher é que está dentro desses assuntos”.

A casa era do Sr Padre, primeiro estiveram lá sem pagar nada- 3/ 4 meses -e depois foram exigidos 100 euros por mês, e estiveram meses a pagar e depois a senhora da secretaria disse que teria de pagar mais 50 euros e a mulher disse que não pagava porque tinha acordado com o Sr Padre.

Foi a mulher que foi pedir ao Sr Padre, era uma boa casa, levaram para lá os seus pertences e o Sr Padre arranjou outras coisas, era confortável.

Nessa ocasião já trabalhava na ..., ganhando o salário mínimo nacional e a mulher frequentava cursos, ao que julga saber- “não sei bem “ –um de contabilista e o outro ligado a crianças e que no fim do curso ia trabalhar para as escolas.

Foram para ... pois alguém da Segurança Social lhes disse que a casa de ... não tinha condições para as meninas.

A casa de ... era boa, com dois andares, quatro quartos e duas casas de banho, pagando 350 euros de renda.

Voltaram a ... porque a sua firma ficou em lay off, recebendo um terço do ordenado onde ainda estão.

A casa de ... foi pintada, portas novas, puseram chão “está boa”.

Relativamente à sogra diz que nada faz, está reforma e lá em casa - tem 73 ou 74 anos –e às vezes vai com a mulher para a horta.

Ela bebe- “não bebe mais porque gente não deixa, a gente esconde e a maior parte das vezes a gente não compra por causa dela” e nalgumas ocasiões bebe até “cair de caixão à cova”.

Quando bebe é violenta, ralha com todos, chama nomes- “puta” ou “manda a gente para o caraças...”.

Usa cueca/fralda e muitas vezes não muda- “ela só se vai mudar quando quer”, devia mudar duas ou três vezes ao dia mas não o faz.

Relativamente a ir para o Centro do Dia, disse que “e quem é que a leva, que ela bate o pé a dizer que não quer ir”, sendo que andam a tentar essa solução desde que foram para ..., só irá à força.

No respeitante a um episódio em ..., relatou o episódio relativo a um homem que pedia comida e que ficou consignado nos factos, afirmando que a sogra também bebeu- “já estava tratadinha” –cerca das 20/21.00 horas e já tinham jantado.

E quando lá chegou “já estavam engalfinhados”, querendo dizer que “estavam aos beijos”.

É a mulher quem trata da higiene da mãe.

No respeitante a troca de palavras entre a mãe e a PP disse nada saber.

Nada sabe de um incidente entre as crianças e uma acusação à EE, de se ter apropriado de um bolo.

Confirmou o episódio do excesso de lotação no carro, no ....

No apartamento de ... nega que guardassem a comida para os animais no apartamento.

Questionando acerca de uma alegada ameaça de suícidio a propósito das filhas não virem a casa no 1º de Novembro, disse que fez essa ameaça quando as meninas saíram, de casa para ....

Relativamente à estadia no ...- esteve lá 13 anos –sendo que a BB nasceu em ..., para arranjar trabalho,

O YY ia-o ajudar nas cabras, por exemplo a tirar estrume.

Ele gostava muito das meninas, nunca as tratou mal, davam-se bem, mas não andavam aos “beijinhos”.

Relativamente às crianças quer que elas vão para a escola, estudarem, que sejam alguém na vida, tem que as “puxar” para elas progredirem, se for preciso pagar a alguém para ajudar.

Se se portarem mal têm de ralhar e dizer para se portarem bem, para “não fizessem isto ou quilo, o pai ou a mãe não gosta”, sendo que se castigam não se dando o que elas querem e não se lhes fazer vontade, como seja fecharem-nas algum tempo, para aprenderem, num quarto.

Acha que as filhas não têm nenhum problema de fala, salvo alguma gaguez, não sabe se têm terapia da fala, não sabe se alguma delas tem problemas de concentração ou se é irrequieta.

Relativamente ao futuro diz que as filhas querem vir para casa, que o pai as vá buscar.

Não sabe quando a AA faz anos- “é a minha mulher que está dentro dessas datas”,

No seu trabalho começa às 7.30 e sai às 18.00 horas.

A EE tinha computador em casa e internet.

A mulher nunca foi ver a II, a sua filha e acha que não se falam.

Tem ideia de ir a casa o CAFAP mas nada fazia e não tinha ideia de lá ter ido alguém do RSI.

O Dr KK “era bom, falava com a gente; para fazer isto, fazer aquilo”.

Interrogado disse que após o acompanhamento não mudaram nada dos seus comportamentos, pois que, por exemplo, não passaram a ter a casa limpas pois isso “a minha mulher já tinha a casa limpa”.

Pensam ficar na casa de ..., mas têm que arranjar as condições.

Era muito frequente a sogra estar alcoolizada, quando estava em ... e por isso diz que saíram para ..., porque aí havia muito menos cafés onde ela pudesse beber.

Relatou a conversa com a Drª MM versou obter o consentimento para a adopção e que a EE ficaria na instituição até aos 18 anos mas também falaram do incidente com a filha ocorrido em Abril, referindo que a técnica nada saberia.

Na despedida das filhas ficam a chorar e a técnica tem de as animar.

*

DD: é a mãe das crianças actualmente residente na Rua do ..., estando aqui há cerca de 4 meses e confirmou todas as moradas em que viveram e disse que saíram de ..., porque iam trabalhar, e a sua mãe queria ficar no café, a beber álcool e era frequente estar embriagada, algumas vezes quase em coma alcoólico.

Em ... também havia cafés mas como a sua mãe não conhecia ninguém, não ia para lá, o que também sucede em ... dado que existe café mas e longe da casa onde vivem.

Explicou as sucessivas mudanças de casa com as sucessivas e regulares objecções e críticas da Segurança Social que, diz, colocavam defeitos em todas; em ... porque havia escadas e não estavam protegidas para as meninas.

No ... porque a casa apenas tinha dois quartos e não havia quarto para as meninas.

A casa da paróquia foi arranjada pelo Padre GG e pelo Dr KK, tendo levado para lá mobílias exclusivamente suas, sem auxílios de terceiros, reiterando que a saída da casa da paróquia se deveu à mãe e não ao custo da renda.

Pensaram na colocação da sua mãe num centro de dia mas ela nega sempre e, se insistirem, “diz que se mata”, o que sucede desde que as meninas saíram de casa, e que o marido já lhe disse “ou ela ou as meninas” mas reclama sempre e diz que “a gente a quer tirar lá de casa”.

Estando em casa a sua mãe apenas bebe com o marido e se este beber, mas quando compra vinho tem de o esconder, mas a mãe chegou a rebentar a fechadura do espaço onde estava a garrafa.

Também conformou o episódio em ..., relativo à sua mãe e a um terceiro- “o homem da ...”, este com 60 e poucos anos e ela com 72 anos, sendo pessoa que “se mete nos copos”.

Relatou um episódio da EE e do homem dos bolos, que queria dar dinheiro à miúda mas não sabe porque razão o queria fazer e que a ameaçou com uma navalha e então chamou a GNR.

Disse que a mãe ameaça que se suicida se a levarem para o centro de dia, nunca o fez na presença das meninas, e que ameaçou que se atirava a um poço quando levaram as meninas.

Tem mais 5 irmãs, uma delas disse que a levava com ela mas ela nunca quis ir.

Confirma a mensagem da PP à EE a dizer que a DD matou o marido.

Nunca contou à EE que a PP tinha Covid 19 e que estava fugida mas antes que esteve de quarentena.

Confirmou que a EE estava presente quando o ZZ a tentou convencer a deixar o marido para fugir com ele e chamou a GNR.

No presente anda em formações, para acompanhar os meninos nos autocarros na escola, e outra de jardinagem.

Teve outras formações, tendo trabalho nos A... e em ..., trabalhos que deixou por via de falta de transporte.

Teve também uma formação, em ..., para gestão doméstica e gestão familiar, tendo diploma desta acção.

Confirmou que a filha II lhe foi tirada para a madrinha, que era amiga no Facebook há ano e pouco, mas a madrinha nunca deixou falar consigo.

No respeitante ao CAFAP, que foram duas vezes a ... e nenhuma a ..., quando o Dr KK ainda estava no processo, mas, no seu dizer, nada iam lá fazer, pois que apenas ligavam a saber se estava tudo bem e como estava a mãe.

Disse que quando o marido tinha cabras havia lá muitos homens para fazer negócio, para comprar os cabritos.

No tocante ao incidente da EE e do YY, ela nunca contou nada, mas dizia que não gostava dele- “oh mãe manda-o embora que eu não gosto dele”.

No ... e a EE relatou que a EE que um menino lhe tinha metido um dedo na vagina, ocorrido há cerca de 5 anos.

Saiu da casa de ... dado que o senhorio, para aceder à sua casa, tinha de passar pela sua casa.

No episódio do carro, em ... foi o condutor quem assumiu a responsabilidade e insistiu para que fossem todos, apesar de lhe terem objectado.

No CAFAP e RSI nunca abordaram o seu passado.

Confirmou a reunião com a Drª MM e que abordaram a questão da ida para a adopção, dizendo que a técnica insistiu no sentido do pai prestar o consentimento para adopção.

Referiu que alguém em ... se queixou, dizendo que as crianças andavam na escola com piolhos, o Dr KK diligenciou e disse-lhe que não era verdade.

No tocante às visitas relatou a última e que a AA queria passar por baixo do acrílico para ir apara o colo dos pais.

Nega que alguma vez o pai lhe tenha dito que ia mudar de escola por si.

Nunca faltou comida em casa e o JJ apenas levou para lá guloseimas, esclarecendo que está de relações cortadas com a HH desde que as filhas foram para a instituição.

Referiu que havia uma postura diferente entre o Dr KK e a Drª MM, pois que aquele ajudava e esta sempre teve a perspectiva da adopção Nada sabe de terapia da fala ou que alguma das filhas esteja a receber apoio psicológico sendo que, em termos de projecto de vida para as filhas, disse que “estarem ao pé dos pais, acho eu…estudar, ter uma vida confortável, acho eu…eu quero o melhor para as minhas filhas…o melhor era estar ao pé da gente…e estudarem e serem umas mulheres”.

As crianças, no retrato, desenham a família, ainda não sabe dos resultados escolares das filhas.

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GG: é sacerdote ... e reside na Casa Paroquial de ..., disse conhecer as crianças e sua família há uns 10 anos e confirmou ter tido intervenção na ajuda à família, com a cedência de uma habitação para esta, no centro da povoação, esclarecendo que foi um grupo de amigos quem comprou o equipamento para a cozinha mas a adaptação do espaço também foi auxiliada pela autarquia.

Ignora problemas de alcoolismo na avó materna, tenso sido diligenciado para que fosse colocada no Centro de Dia, com o encaminhamento da Assistente Social da Câmara, mas não seguiu o processo. Foi levar os pais a visitar as filhas e foi buscá-las para passarem dias com a família, sendo recebidos com lágrimas, amor e alegria, havia afecto e na despedida havia custo na despedida, sendo que na deslocação de regresso ao CAT, uma vez, choraram parte da viagem, no inicio do ano.

Tinham carências económicas.

Notava-se as necessidades afectivas das crianças. Perguntado sobre se a situação passava pelo regresso das crianças aos pais, disse que não conhece a actual situação- nem sabe onde estão -mas pode afirmar que “o lugar das crianças é junto da família, óbviamente”.

Os pais estiveram na casa um ano, ano e pouco, não chegou a dois anos, e saíram por razões que desconhece, ainda que tenha escutado de terceiros que a razão radicava no aumento da renda mas esse facto não é verdadeiro, porque nunca sucedeu, já que não havia renda pois que apenas davam alguma coisa- pensa que seriam 40 euros, mensal ou de dois em dois meses, não pode precisar -para ajudar nas despesas de agua e luz.

Foi o Dr KK quem intercedeu para a atribuição desta casa com algum empenho pessoal dos pais.

Sabe de um desacato lá em casa quando ali foi chamada a GNR.

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XX: é doméstica e vive em ....

Conhece as crianças e a família e trabalhou juntamente com a progenitora.

Conhece-a há anos, hoje vivem em ..., nunca sentou que passassem necessidades, eram muito bem tratados, andavam sempre limpas Sente que há amor na família, com laços afectivos. Há boas relações de vizinhança dos progenitores e nunca percepcionou que fossem lá a casa homens, com obras na casa, com melhorias mas sem as descrever ou pormenorizar.

Conhece a avó materna das crianças, “até é boa de mais; gosta muito das meninas…anda sempre livre e arranjadinha”, sendo que bebe um copo à refeição, quando o tem- copos pequenos; a mãe também anda sempre limpa e arranjada, e ainda ao dia com a testemunha e o pai trabalha.

A PP vive a 3 Kms da mãe, mas não sabe se elas de vez em quando se pegam.

A última vez que viu as meninas foi quando elas foram para a instituição.

Conheceu a casa de ..., que era uma boa casa mas ignora porque a deixaram.

Era muito frequente a sogra estar alcoolizada, quando estava em ... e por isso diz que saíram para ...:

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Uma vez abordados os meios de prova, como que em síntese, importa dizer que da sua análise resulta, cremos, que o resultado da sua ponderação, consignado na materialidade ateve-se essencialmente, por um lado ao dado científico que constitui a prova pericial.

Por outro lado os documentos juntos, no essencial os relatórios sociais, seja da EMAT como do CAT são objectivos e concretos, em muitas das situações corroboradas pelos depoimentos testemunhais dos seus autores.

E ressalta à evidência, cremos, que, no que tange aos depoimentos dos progenitores, estes foram coincidentes em muitos aspectos, com verdade, alguns deles como constituindo uma “declaração confessória”- permita-se-nos a expressão, como seja o episódio entre a avó das crianças e um terceiro, no interior da habitação – a verdade é que também assumiram um conjunto de declarações contraditórias, seja entre ambos como em relação a terceiro: pensamos, neste caso, entre o mais, na alegação primeira de que deixaram a casa paroquial de ... por via da alegada ou suposta exigência de aumento de renda, que a testemunha Padre GG disse que nunca existiu, salvo compromisso de pagarem água, luz e gás.

Ou até entre ambos, já que o pai disse que saíram para ... pela exigência do aumento de renda mas a mãe justificou-a com a necessidade de retirar a sua própria mãe daquele “antro de destruição” da avó materna das crianças, leia-se a existência de um grande número de cafés- ou tascas na zonam, nas quais a sua mãe passava o tempo a ingerir álcool.

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FUNDAMENTAÇÃO SUBSEQUENTE

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Antes de mais e documentalmente anota-se a informação social emanada da EMAT e datada de 14 de Setembro informa da deslocação e da nova morada dos progenitores das crianças para e em ...- fls 1587.

Por sua vez em 9 de Outubro de 2020 o CAT de ... informa que os pais não mais as visitaram, mas esclarecendo que as visitas e contactos telefónicos estavam suspensas.

E ainda uma outra comunicação do CAT, com data de 20 de Maio de 2020, que informe da actual situação das crianças e dos contactos mantidos entre estas e os progenitores.

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Mais importa ponderar a prova pericial relativa à avaliação psicológica realizada às crianças, junta a fls 1672 e segs.

Nesta sede e tal como já havíamos procedido com a avaliação aos progenitores, sem embargo da sua fixação ou elencação em sede de materialidade, vejamos apenas das conclusões ali assentes.

Assim e no que respeita à BB são elas as seguintes:

“BB, de 8 anos de Idade, revelou na presente avaliação, ser uma criança autónoma que se encontra em plena fase de desenvolvimento físico, psicológico e social. Manteve ao longo do processo avaliativo uma postura adequada não sendo detectada qualquer dificuldade em estabelecer e manter contacto interpessoal, humor eutímico (normal). Expressa-se de forma clara, sem indícios de alterações ao nível da estrutura e conteúdo do pensamento. Apesar de na primeira entrevista mais resistente e defensiva quando abordadas as dinâmicas familiares e a adopção, foi de um modo geral, colaborante;

- Avaliada do ponto de vista cognitivo e intelectual, a BB revelou possuir um funcionamento cognitivo global abaixo da média esperada para a sua faixa etária, sendo no entanto, prejudicada pela falta de motivação para a tarefa (esta avaliação decorreu na primeira entrevista, na qual a BB se encontrava mais defensiva e menos predisposta para as tarefas que lhe foram colocadas);

- quanto ao seu funcionamento emocionaI, do ponto de vista psicométríco, destaca-se que apresenta um bom autoconceito, uma personalidade com níveis normais de psicoticismo e assente em traços de estabilidade emocionai, tendencialmente introvertida, controlada e reservada (ressalvando-se que se encontra em formação). Os dados apresentados são reforçados pela Dra. RF que não identifica sintomatologia clínica nem preocupações em relação ao seu comportamento, não identificando dificuldades de um modo geral e, representando a BB com comportamentos pró-sociais”.

Anote-se que o desenho da família, “segundo o autor ao realizar a interpretação ao nível do conteúdo devem ter-se em conta dois princípios: o do prazer (a criança tem dificuldades com a sua família real e transforma o real consoante as suas necessidades) e da realidade (a criança desenha a sua família, tal como ela é, pois está capaz de gerir as suas relações familiares)”.

No que respeita à AA, consignam-se as seguintes conclusões:

“AA, acabou de completar 5 anos de idade e vive em meio acolhimento residencial desde o seu primeiro ano de vida. Esta vivência em melo institucional, desde um momento tão precoce, toma difícil a construção de relações de vinculação com a família;

- ao longo da avaliação observou-se uma menina com linguagem pobre e por vezes imperceptlvel e com elevada agitação psicomotora;

- avaliada do ponto de vista cognitivo e intelectual, a AA revelou possuir um funcionamento cognitivo global muito abaixo da média esperada para a sua faixa etária;

- Quanto ao seu funcionamento emocional, do ponto de vista psícométrtco, e através da informação recolhida pela Dra. RF sobressaem dificuldades de comportamento, pontuando acima da média nas escalas que avaliam a agressividade, a hiperactividade e problemas de comportamento. Também é retratada como sendo uma criança simpática e amável com as crianças mais pequenas, com um bom relacionamento com o grupo de pares”.

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Aqui chegados é tempo de apreciar as declarações prestadas em sede de debate judicial, por parte das duas crianças, a BB e a AA, ambas acolhidas no CAT de ....

Sem embargo e previamente a uma sua abordagem, importa deixar consignadas duas notas, no que tange às concretas condições em que ocorreu a sua audição, na sala de audiências.

A primeira nota serve para consignar que neste edifício, no seu terceiro piso- aquele no qual está sediado o Juízo de Família e Menores –e junto à secção de processos, existe um espaço, de origem, que se destina exclusivamente à realização de diligências, com crianças, seja para observação exterior da sua conduta, com brinquedos e material didáctico à sua disposição, tal como presuntivamente permitirá a audição de crianças, em contexto absolutamente informal.

E dizemos permitiria porquanto até ao momento a sala está absolutamente… despida, isto é, até ou presente não foi fornecido para o espaço um único objecto, elemento físico como mobiliário, ou material didáctico, menos ainda equipamento para gravação áudio e vídeo.

Segue-se um segundo apontamento, que igualmente contende com a efectivação da diligência na dita sala de audiências, com distanciamento e que tem a ver, como é óbvio ou facilmente compreensível, com a ainda vigente crise de Saúde Pública, emergente do coronavírus SARS-CoV-2.

Efectivamente até à sua eclosão realizávamos estas diligências no gabinete.

Porém, a partir do momento da eclosão da pandemia COVID-19 esse procedimento não mais foi possível, por força da exiguidade e ausência de circulação de ar em tal espaço.

Na verdade nos Tribunais Portugueses desde 6 de Maio de 2020 está vigente um conjunto de “Medidas para Reduzir o Risco de Transmissão do Vírus nos Tribunais”, “fixadas em resultado da articulação estabelecida entre o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, a Procuradoria Geral da República e a Direção Geral da Administração da Justiça e validadas pela Direção Geral da Saúde”- ver em https://dgaj.justica.gov.pt/Portals/26/COVID19/Medidas%20para%20Reduzir%20o%20Risco%20de%20Transmiss%C3%A3o%20do%20V%C3%ADrus%20nos%20Tribunais%20COVID19.pdf?ver=2020-05-06-222236-000.

Nestas avulta, entre outras, a indicação de que “todos os cidadãos, magistrados e funcionários nos seus locais de trabalho devem preocupar-se em manter o distanciamento social, sobretudo nos locais potenciadores de concentração de pessoas”, sabido que o distanciamento entre pessoas não inferior a 2 metros deve ser implementado para todos os cidadãos, magistrados e funcionários que trabalham no Tribunal”.

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Uma vez ultrapassada esta questão prévia, segue-se a ponderação das respectivas declarações.

Ora destas, gravadas que estão, sobressai- infelizmente -o elemento contemplado nas conclusões acima transcritas, relativamente a ambas as crianças, no que tange ao seu aspecto cognitivo: “funcionamento cognitivo global abaixo da média esperada para a sua faixa etária”.

Nesta sede e com a devida vénia transcrevemos o voto de vencido lavrado no Acórdão dos autos.

Nele pode ler-se que “Os menores têm actualmente 4 e 8 anos e tinham cerca de 1 ano e 4 anos quando saíram de casa dos pais. E estão institucionalizados há 3 anos e meio sem contactos permanentes com os progenitores. Sendo certo que o essencialmente relevante seria o que verbalizariam sobre a sua vivência no período em que estiveram com os pais, pois que o que se passa na instituição a eles atinente é directamente sindicável. Quando muito poderiam opinar conclusivamente que gostam, ou não gostam, dos progenitores e/ou que com eles queriam, ou não queriam, permanecer. Note-se, porém, que se dos pontos 7 e 9 dos factos provados se indicia alguma aproximação à família por parte da mais velha, dos pontos 14 e 16 já resulta o contrário; do que emerge contradição e imaturidade.

Por conseguinte, não vislumbro, atenta a tenra idade dos menores, máxime a tenra idade em saíram de casa dos progenitores, o largo lapso de tempo em que deles estão separados, e os demais factos provados em síntese supra plasmados, o que de relevante poderiam verbalizar para a boa decisão da causa”.

Tal o que sucedeu, como bem se colhe das gravações das crianças, retratando silêncios constantes, uma retracção em falar- especialmente por parte da AA –zero memórias da vida com os progenitores- mais uma vez do lado da AA –ou muito esbatido, uma enorme dificuldade em verbalizarem o que gostariam na sua vida futura, salvo a menção esparsa, e desgarrada da BB de que “quer ir para a Mãe”- nem sequer é para os Pais!

Por exemplo a BB não sabe quais os 3 desejos que queria para a sua vida, no desenho da sua casa colocava-se lá dentro apenas ela, não sabe os 3 melhores momentos da sua vida, tal como não sabe descrever a Mãe- aqui recorde-se que tinha 4 anos quando foi institucionalizada.

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E é tudo quanto à prova suplementar produzida”.

Ouvimos os depoimentos referidos que estão gravados em CD, relativamente à matéria impugnada.

3.1. Vejamos os factos provados.

- Relativamente ao 3., os recorrentes têm razão pois do assento de nascimento (a fls. 7) consta que a menor nasceu no ano de 2015. Há que corrigir, pois, tal data, passando a anterior a ficar em letra minúscula.

- Relativamente ao 5., dizem os recorrentes que a testemunha FF não faz qualquer referência a especiais dificuldades a nível da motricidade fina, no seu depoimento, o que sendo certo, não é suficiente. Na verdade, na aludida motivação (acima transcrita) o julgador remete para o relatório escolar de fls. 720/721, e aí está claramente afirmado tal facto. Não se vendo motivo algum para o desvalorizar. Indefere-se, pois, a impugnação a tal facto.

- Em relação ao 10., a impugnação restringe-se a um identificado segmento, que os recorrentes dizem não existir prova, quer documental ou outra, pois os pais CC e DD negaram tal facto. Todavia em informação de fls. 1300, estando a criança integrada numa escola, é referido que a criança disse que iria para uma escola nova, o que lhe foi transmitido pelo pai. A BB, como emana dos autos, mantém uma relação de maior proximidade com o pai do que com a mãe. Daí que a simples negação dos factos pelos pais não tenha a virtualidade de fazer desabar a declaração espontânea e aparentemente sincera da menor. O facto 10. não nos merece, por conseguinte, qualquer crítica. Indefere-se, assim, a impugnação deduzida.

- Em relação ao 16., entendem os apelantes que da prova produzida em audiência de julgamento, v.g., pais das crianças e testemunha GG, o padre, resulta o contrário, todos reportando que as crianças choravam nas despedidas. Na verdade, os pais das crianças transmitiram esse registo e mais enfaticamente, até, o Sr. Padre. A fls. 1209, por outro lado, consta que as crianças depois desses momentos normalizam. Há que coadunar essas realidades, fazendo-as reflectir, concomitantemente, na resposta a tal facto, que passará a ter uma nova redacção, nos seguintes termos (a negrito, ficando a anterior redacção em letra minúscula).

16. As despedidas são vivenciadas pelas crianças com choro e sofrimento. Após, ambas regressam à rotina com normalidade.

- No respeitante ao 20., pugna-se para que passe a não provado, tendo em conta as declarações do pai, da irmã das crianças EE e de HH, irmã desta EE. Contudo, da avaliação psicológica a fls. 784 e v. e avaliação psiquiátrica a fls. 1174 – prova pericial a merecer a nossa adesão – é isso mesmo que resulta, não tendo as declarações do pai, subjectivas e interessadas, e as da HH, que são inócuas, valor suficiente para abalar tais avaliações. Mais, essa permissividade do pai e mesmo essa passividade resulta mesmo do depoimento da EE. Indefere-se, por isso, a impugnação apresentada a tal facto.

- No respeitante ao 21., pretende-se uma resposta restritiva, com eliminação da 2ª parte do mesmo, atendendo às declarações do pai. Contudo, também aqui, da avaliação psicológica a fls. 784 e v. e avaliação psiquiátrica a fls. 1174 – prova pericial a merecer a nossa adesão – é isso mesmo que resulta, não tendo as declarações do pai, subjectivas e interessadas, valor suficiente para abalar tais avaliações. Indefere-se a impugnação apresentada a tal facto.

- Quanto ao 28., pretende-se uma resposta restritiva, que vem sugerida, considerando as declarações da mãe. Sendo certo, que a recorrente declarou que desde que a sua filha II foi confiada à madrinha a visitou por duas vezes, o que é verdade é que não é isso que bate com a informação plasmada a fls. 1299 dos autos, transmitida pela aludida madrinha e com as próprias declarações do pai das crianças, reproduzidas a fls. 1765. Daí que a matéria de facto dada como provada no ponto 28. não mereça critica, indeferindo-se a impugnação apresentada.

- Quanto aos 29./32., os recorrentes impugnam a 1ª parte daquele e o último, de acordo com as declarações da mãe, eliminando-se aquela 1ª parte e dando como não provado o último. No entanto, a avaliação psicológica a fls. 797/798 – prova pericial a merecer a nossa adesão – é isso mesmo que transmite, não tendo as declarações da mãe, subjectivas e interessadas, valor suficiente para abalar aquela avaliação. Indefere-se, pois, a impugnação apresentada a tais factos.

- Relativamente ao 36., os apelantes pretendem a modificação da resposta – que sugerem – ao segmento atinente à data de 20.7.2017., com base nas suas próprias declarações. E, com base nelas, efectivamente têm razão, inexistindo outros elementos probatórios que os desmintam. Assim, defere-se a impugnação, passando tal facto a ter a redacção proposta pelos apelantes (ficando a anterior redacção em letra miudinha).  

- Relativamente ao 39., dizem os recorrentes que inexiste qualquer prova documental ou testemunhal que permita dar tal facto por provado. Mas não é bem assim, pois, como assinala justamente o Mº Pº (na sua contra-alegação), a 15 de Janeiro de 2019 o Dr. KK, técnico da EMAT, era do parecer que a medida de acolhimento residencial deveria ser prorrogada por mais um ano (fls. 987), porque a família continuava a apresentar muitas dificuldades, do ponto de vista da organização das roupas, higienização habitacional e da gestão doméstica  (fls. 985), embora a ausência ou incapacidade plena de cuidar estejam a ser trabalhadas, tendo a progenitora apresentado alguns resultados, ainda que incipientes. E a fls. 1269 (com data de 30.12.2019) a EMAT informa que os técnicos do CAFAP revelaram que a família tem revelado resistência à sua intervenção, não apresentando melhorias. Indefere-se, por isso, a impugnação deduzida.

- Em relação ao 52., a discordância dos apelantes limita-se ao segmento de manterem entre si um relacionamento algo conflituoso. Isto com base no depoimento da testemunha JJ e relatório de avaliação psiquiátrica do progenitor (a fls. 1169 e segs.) no qual se refere que o pai tem com a mãe um relacionamento próximo e afectuoso. Esses elementos probatórios confirmam isso mesmo. O Mº Pº retorquiu com as divergências entre o casal quanto à permanência da avó materna das crianças na casa de família (cfr. declarações da mãe das crianças, reproduzidas a fls. 1766), com o grave problema de alcoolismo da referida avó (cfr. declarações do pai das crianças, reproduzidas a fls. 1763), bem como as sucessivas diatribes entre a mãe das crianças e elementos da sua família materna, bem como o olhar crítico que sobre essas mesmas diatribes tem o pai das crianças – cfr. fls. 1298 e 1745, as declarações da criança EE (“O pai não gostava a tirava o telemóvel à mãe , dava “sermões” à mãe, que pareciam que pareciam duas crianças”), e que – cfr. fls. 1173 («Sobre a relação do casal, o examinado alega que é “boa”, no entanto afirma desvalorizando que por vezes “ há uma coisita pelo meio e discutimos … nada de especial ”; sendo que um vizinho do casal, o senhor ZZ, chegou a propor à mãe das crianças que fugissem juntos (cfr. as declarações da criança EE, reproduzidas a fls. 1746). Não se compreende e não se acompanha o Mº Pº, pois a sua contra-argumentação diz respeito não a conflitos entre os pais mas sim a divergências entre eles relativamente à avó, normais, a diatribes da mãe com elementos terceiros da sua própria família e o olhar crítico que o pai tem, o que é compreensível, não se alcançando qual é a negatividade de dar sermões, quando são merecidos, e que haja às vezes uma coisita pelo meio, com discussão. Isso acontece em centenas de milhares/milhões de casas no nosso país, sem que se possa concluir que os casais chegam ao nível do conflito, uma situação, em termos gradativos, já mais séria. Procede, pois, a impugnação, modificando-se a redacção do facto 52. nos termos propostos pelos apelantes (ficando a parte eliminada em letra minúscula). 

3.2. Vejamos os factos não provados.

- Em relação ao 1., os apelantes discordam de tal resposta, defendendo que deve passar a provado, pois constam dos autos vários relatórios e várias informações veiculadas pelo CAT de ... nesse sentido. O que até o Mº Pº reconhece (na sua contra-alegação). Além do mais, por prova por presunção judicial, não é minimamente crível que os progenitores, após convívios com as crianças em sua casa, apresentassem as crianças vestidas com roupas não adequadas à época em questão ou com problemas de higiene sem que tal situação fosse reportada pelo CAT ao presente processo. Defere-se, por isso, a dita impugnação passando tal facto a provado sob o nº 91. (a negrito, ficando o não provado em letra minúscula).

91. Aquando do regresso das crianças ao CAT, após períodos de convívio com os progenitores, as crianças iam vestidas de acordo com a época e sem quaisquer problemas de higiene.

- No respeitante ao 2º nº 2., da matéria de facto não provada, os apelantes não aceitam que não seja integrada na matéria de facto provada que, aquando das suas visitas às crianças no CAT, sempre lhes levaram lembranças. Como também defendem que nessas ocasiões prestavam às crianças toda a sua atenção, afecto e carinho, fortalecendo dessa forma a sua autoestima e segurança, segundo o depoimento da testemunha GG, o padre que os ajudava. Ora, realmente, é o que resulta do referido depoimento.

Isso mesmo resulta das informações a fls. 830 e 1209, como o próprio Mº Pº acaba por aceitar (nas contra-alegações). Defere-se, pois, tal impugnação. Assi, tem de passar tal facto, com resposta restritiva, a provado, como segue, sob nº 92. (a negrito, ficando em letra minúscula o anterior facto não provado).

92. Nas deslocações ao CAT os progenitores levavam lembranças às menores, prestavam-lhes toda a sua atenção, afecto e carinho, fortalecendo dessa forma a autoestima e segurança das menores. 

3.3. Vejamos os factos pretendidos aditar.

- No respeitante ao I., entendem os apelantes que resultou provado que nos períodos em que as menores foram autorizadas a conviver com os pais na casa destes, as menores sentiam-se felizes, conforme decorre dos depoimentos das testemunhas Dr. KK, EE, irmã mais velha das crianças, e declarações da mãe delas DD. Efectivamente é o que resulta de tais depoimentos/declarações (o que merece até a concordância do Mº Pº na sua contra-alegação), pelo que por se revelar relevante à discussão da causa, deve ser aditada à matéria de facto provada o seguinte facto (com a redacção sugerida pelos apelantes), sob o nº 92. (a negrito).

93. Nos períodos em que as menores foram autorizadas a conviver com os pais na casa destes, as menores sentiam-se felizes.

- Quanto ao II., pugnam os recorrentes que da prova produzida em audiência de julgamento, foi possível concluir que nas visitas efetuadas pelo Dr. KK à casa de habitação dos progenitores, no período entre Setembro de 2018 e Setembro de 2019, as crianças apresentava-se bem, facto relevante para a boa decisão da causa pelo que deverá ser aditado à matéria de facto provada. O Mº Pº contrapõe que numa visita domiciliária do CAT, entre 24/27 de Dezembro de 2018, as crianças mostravam-se descuidadas, com o cabelo e nariz sujo (cfr. fls.998). Verifica-se, todavia, que esse registo documental corresponde a uma visita feita por outras 2 técnicas, pelo que tal informação não descredibiliza o testemunho oral da pessoa directamente envolvida nas visitas, o mencionado KK. Procede, por isso, a impugnação, aditando-se novo facto provado, sob o nº 94. (a negrito).   

94. Nas visitas efetuadas pelo Dr. KK à casa de habitação dos progenitores, no período entre Setembro de 2018 e Setembro de 2019, as crianças apresentavam-se bem.

- Quanto ao III., defendem os apelantes que foi possível comprovar, através dos relatórios sociais emanados da EMAT, dos depoimentos das testemunhas Dra. LL e Dr. KK e das declarações das menores BB e AA, na audiência de julgamento, que existe entre os progenitores e as crianças um forte vínculo, carinho e afecto, pelo que sendo tal facto relevante para a discussão da causa deverá se aditado à matéria de facto provada.

É inegável que os diversos relatórios sociais emanados da EMAT que retratam as relações e os vínculos existentes entre pais e filhos, seja de um ponto de vista qualitativo como quantitativo, denotam inquestionavelmente que entre pais e filhas existe carinho e afecto. Veja-se, por ex: fls. 830, 843, 974, 999, 1209. O mesmo resulta das avaliações psicológicas a fls. 784 v. e 798. A testemunha LL, técnica da Segurança Social de ..., que acompanhou o agregado familiar em 2017, confirmou que existe vínculo entre as crianças e os progenitores. A testemunha Dr. KK declarou que a relação que as miúdas têm com os pais são bastante afectuosas e dos pais com elas é igual. Por exemplo via uma das miúdas agarrada à perna da mãe. A criança BB à pergunta se pudesse mudar alguma coisa na sua vida o que é que mudava, respondeu, prefiro a minha mãe, quero ir para a minha mãe. E a criança AA depois de desenhar uma casa, perguntada disse que punha lá dentro a mãe, o pai, a avó e a irmã BB. Até o Mº Pº reconhece isso nas suas contra-alegações, embora depois levante algumas objecções, mas sem ousar defender que tal ponto não se provou.

Assim, adita-se à matéria de facto provada o seguinte facto, sob o nº 95. (a negrito):

95. Existe entre os progenitores e as crianças um forte vínculo, carinho e afecto.

- Relativamente ao IV., entendem os recorrentes que da prova produzida em audiência resulta provado que entre Setembro de 2018 e Setembro de 2019, período durante o qual o agregado familiar das crianças foi acompanhada pelo Dr. KK, técnico da EMAT, os progenitores apresentaram inegáveis melhorias ao nível da apresentação pessoal, do trabalho e da organização da casa, sendo tal facto relevante para a discussão da causa e deve ser aditado à matéria de facto provada. O Dr. KK transmitiu tal realidade, e que está igualmente registada pelo mesmo a fls. 1199.

Adita-se, então, aos factos provados, sob nº 96 (a negrito) tal realidade.

96.  Entre Setembro de 2018 e Setembro de 2019, período durante o qual o agregado familiar das crianças foi acompanhada pelo Dr. KK, técnico da EMAT, os progenitores apresentaram melhorias ao nível da apresentação pessoal, do trabalho e da organização da casa.

- Relativamente ao V., alegam os apelantes que a prova produzida em julgamento, através da testemunha Dra. MM, foi possível comprovar que os progenitores fizerem algumas alterações na casa sita na Rua..., ..., ..., ... o que resultou na melhoria das condições de habitabilidade, pelo que tal facto, porque relevante para a discussão da causa, deve ser aditado à matéria de facto provada. E assim foi de facto transmitido pela testemunha. O que se confirma nas informações de fls. 1241 e 1249, esta última lavrada pela dita testemunha. Assim, há que acrescentar o correspondente facto, sob o nº 97. (a negrito).

97. Os progenitores fizerem algumas alterações na casa sita na Rua..., ..., ..., ... o que resultou na melhoria das condições de habitabilidade.

- Em relação ao VI., invocam os recorrentes que da discussão da causa foi também possível comprovar que os progenitores quando deixaram de ser acompanhados pelo Dr. KK e passaram a ser acompanhados pela Dra. MM, sentiram falta de apoio e orientação, o que determinou um retrocesso na sua evolução, pelo que tal facto é relevante para a discussão da causa e deverá ser aditado à matéria de facto provada.

A mãe declarou que, a Dra. MM quando veio lá foi dizendo que as meninas era para irem para a adopção. Agora o Dr. KK não, o Dr. KK mandava-nos fazer as coisas e a gente fazia. O Dr. KK dizia, oh DD faz isto, oh DD faz aquilo, como ao CC, ela não, ela só pensava em nelas irem para a adopção, é, é as palavras dela. O pai declarou que iam a casa uns senhores do CAFAP, e nada faziam lá em casa. Iam lá só para ver a gente, se estava tudo bem, se a casa estava limpa, não diziam mais nada. Algumas vezes nem sequer iam lá a casa, só falavam com a gente ali da rua e iam-se embora. Não tinham conversas com eles. Em relação a esta nova técnica, só dizia que as nossas filhas iam para a adopção, não dizia mais nada. E eu disse, não isso está fora de questão, isso não vale a pena. A testemunha Dr. KK disse que eles, no início, eram um bocado desleixados e depois fomos trabalhando tudo isto até que um dia eles vieram aqui ao Tribunal e já, já não os estavam a conhecer porque eles apresentavam-se de outra forma. Apresentaram-se aqui e lá, lá em casa também eles começaram a reaprender coisas. Também se colocou a mãe, teve apoio do SAAS e do RSI, mas no RSI não foram tão diligentes. O serviço de atendimento e acompanhamento social colocou-a pelo menos em duas formações na ..., tendo uma delas a ver com o apoio à comunidade, penso eu, em que ela fez algumas, aprendizagens no âmbito das competências pessoais e das competências de trabalhar com crianças. Com a minha intervenção com esta família houve uma evolução que depois, eu saí do processo e não sei, aquilo deu ali uma volta e não sei mais. Fui eu que sugeri o CAFAP, a intervenção do CAFAP, a ideia seria eles trabalharem a família, para ver da possibilidade, portanto, tinha havido esta evolução, eles tiveram uma casa nova, eles até já estavam com hábitos de algum trabalho, tinham outra apresentação, até, até tomar banho, vestir roupas, ter a casa organizada, estávamos a fazer este caminho e a intervenção do CAFAP seria para depois, as crianças já vinham a casa e se isto continuasse tudo a correr bem seria para o regresso das crianças à família. A testemunha Dra. MM, nesta parte, não disse nada de relevante. É inegável que os progenitores sentiram uma diferença entre o acompanhamento levado a cabo pelo Dr. KK e o acompanhamento da Dra. MM, sentiram falta de apoio e orientação – a referida técnica ao que parece estatuiu previamente que as crianças iam para a adopção !!, pelo que parece que o Tribunal servirá para dar carta branca a tal intenção e chancelar a decisão da Seg. Social, o que é inadmíssível –, tendo-se verificado, depois, um retrocesso na evolução do casal. O Mº Pº contrapõe com as declarações do Sr. Padre (a fls. 1769/1770) mas nada directamente diz respeito a este ponto particular. Assim, defere-se a impugnação da matéria de facto, aditando-se aos factos provados o seguinte facto, sob o nº 98 (a negrito).

98. Após terem deixado de ser acompanhados pelo Dr. KK e passarem a ser acompanhados pela Dra. MM, os progenitores sentiram falta de apoio e orientação e verificou-se um retrocesso na sua evolução.

4. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“Estamos no domínio de um processo de promoção e protecção de menor que tem o seu âmbito de aplicação definido na já referida Lei 147/99.

Vejamos o seu preâmbulo, que normalmente é um elemento deveras relevante no sentido da busca do “leit-motiv” do legislador. E o caso vertente não constituiu excepção.

Consta da exposição de motivos- Proposta de Lei 265/VII, in DR, I Série A, de 17 de Abril de 1999 –e na sequência da crescente tendência para a intervenção do Estado em defesa do interesse do menor que o “epicentro da justiça de menores desloca-se da mera protecção da infância para a promoção e protecção dos direitos das crianças e dos jovens. Esta concepção resulta nomeadamente, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que adopta uma abordagem integrada dos direitos da criança, ao reconhecer que o seu desenvolvimento pleno implica realização de direitos sociais, culturais, económicos e civis, e ao estabelecer um equilíbrio entre os direitos das crianças e dos seus responsáveis legais, concedendo àquelas o direito de participar nas decisões que lhe dizem respeito, de acordo com uma perspectiva global responsabilidade e solidariedade social. Configura-se, assim, um novo modelo de justiça de menores que, superando os anteriores, assenta no princípio de que as crianças e jovens são actores sociais, cuja protecção deve ser sinónimo de promoção dos seus direitos individuais, económicos, sociais e culturais”.

E acrescenta-se que “na formulação da proposta, adopta-se, desde logo, o conceito jurídico «crianças e jovens em perigo» inspirado no artigo 1918º do Código Civil, em detrimento do conceito mais amplo de «criança em risco»”. Limita-se, assim, a intervenção às situações de risco que ponham em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou do jovem”.

Ora a “intervenção junto de crianças e jovens que se encontram nestas situações funda-se, desde logo, no artigo 69º da Constituição que confere à sociedade e ao Estado o dever de os proteger contra todas as formas de abandono, de discriminação e opressão e contra o exercício abusivo da autoridade, com vista ao seu desenvolvimento integral, sendo tarefa dos pais, família e da sociedade, que o estado deve apoiar e enquadrar, a cooperação de todas as entidades e o seu envolvimento nas situações susceptíveis de pôr em perigo a segurança, a saúde, a formação moral e a educação das crianças e dos jovens constituem formas de promover os seus direitos”.

Assim sendo elas comportam restrições a direitos fundamentais dos pais, incluindo o direito à educação e à manutenção dos filhos, mas sempre com carácter excepcional e “em conformidade com o disposto no artº 18º nº 2 da Constituição, subordina-se rigorosamente aos princípios da necessidade e da proporcionalidade”,

Esta enunciação de princípios foi plasmada no artigo uma vez que o “presente diploma tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral”.

E nos termos do nº 1 do artº “a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo ocorre quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.

Assim a lei considera que a criança ou jovem está em perigo quando se encontra numa das situações previstas no nº 2 do citado artigo , ou seja

“Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;

e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;

g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.

h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional”.

Nessa medida terá de se considerar em perigo toda a criança em quem se note falta de atenção e afecto por parte dos pais/cuidadores formais, rejeitando a criança ou não assumindo a sua função parental, condutas essas que podem traduzir culpa (actuação dolosa ou negligente) dos progenitores ou então simples impotência ou incapacidade destes.

As responsabilidades são o conjunto dos poderes e deveres destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho, designadamente tomando conta da pessoa deste, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação, o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens.

O menor/criança/jovem terá de ser visto como um ser humano em formação, com autonomia, aspirações e personalidade próprias, que importa orientar e preparar para a vida, tendo em vista um crescimento e um sadio e normal desenvolvimento, sempre por forma a poder vir a ser um cidadão válido e capaz de viver por si só.

Tão só na perspectiva dos direitos da criança/jovem- porque apenas deles trata esta decisão -estes preceitos inculcam, naturalmente, a ideia de que a criança/jovem é um ser humano com um conglomerado de direitos- uns de natureza física, outros emocional-afectivos -mas sempre no pressuposto que ela/ele tem direito a que lhe sejam criadas todas as condições, seja em termos físicos- cuidados alimentares, com a saúde própriamente dita, higiene, repouso e lazer –seja de um ponto de vista emocional e afectivo- no qual se compreende a atenção, o carinho e o amor -tudo em ordem a potenciar um sadio e harmonioso crescimento e uma evolução física e emocional gradativa na qual a ESTABILIDADE E SENTIMENTO DE SEGURANÇA são dois aspectos de primordial importância.

Como assim as medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e jovens em perigo, previstas na lei, visam afastar o perigo em que estes se encontram ou o perigo a que estes poderiam estar sujeitos e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, justificando a intervenção do Estatal e da comunidade fundada no propósito de assegurar e viabilizar o direito fundamental de toda a criança a desenvolver-se numa família, preferencialmente a sua e na medida em que esta é considerada como elemento fundamental da sociedade, tendo direito à protecção do próprio Estado.

Resta dizer que, ainda em termos legais, o artigo estabelece os princípios orientadores da intervenção no âmbito da promoção e protecção da criança, à cabeça dos quais surge o “INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA E DO JOVEM- a intervenção deve atender prioritáriamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto “-al) a) e ainda artº 3º nº 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança e os escritos da Drª Catarina de Albuquerque in “Direitos das Crianças”, Coimbra Editora, 2004.

Mas o preceito consagra outros, tais como a proporcionalidade e actualidade –“a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo...e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade”- e a prevalência da familia –“na promoção de direitos e na protecção da criança...deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção”- als) e) e g).

Os citados critérios de proporcionalidade e actualidade resultam, directamente de preceitos constitucionais, como seja o artº 36º nºs 5 e 6- o direito dos pais a cuidar e educar os filhos –e da igualdade, consagrado no seu nº 2.

No que tange à prevalência da família ela tem igualmente tutela constitucional, uma vez que um dos direitos fundamentais da criança é a sua possibilidade de crescer/desenvolver-se numa família, instituição que tem direito à protecção do Estado nos termos do artº 67º da CRP.

Na prática ele há-de traduzir-se na adopção de medidas nas quais prevaleça a colocação da criança junto dos pais ou da sua família, em detrimento das medidas de colocação familiar ou institucional, assente na ideia que a pertinência da criança na família natural ou então na substitutiva, quando seja caso de adopção, é a solução mais adequada para o processo de socialização e desenvolvimento da criança.

A intervenção, nos termos do artigo 34º, é efectivada no óbvio pressuposto que “as medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e protecção, visam:

a) Afastar o perigo em que estes se encontram;

b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;

c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso”.

Este princípio, tal como os restantes, encontra natural tradução no artº 35º que estabelece gradativamente ou por ordem de preferência quais as medidas de promoção e protecção que se podem aplicar, a saber:

a) Apoio junto dos pais;

b) Apoio junto de outro familiar;

c) Confiança a pessoa idónea;

d) Apoio para a autonomia de vida;

e) Acolhimento familiar;

f) Acolhimento residencial;

g) Confiança a pessoa seleccionada para a adopção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adopção.

2 - As medidas de promoção e de protecção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar, com excepção da medida prevista na alínea g) do número anterior.

3 - Consideram-se medidas a executar no meio natural de vida as previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 e medidas de colocação as previstas nas alíneas e) e f); a medida prevista na alínea g) é considerada a executar no meio natural de vida no primeiro caso e de colocação, no segundo e terceiro casos.

4 - …”.

Este o elenco a considerar em sede abstracta de medidas aplicáveis às crianças, sendo certo que “in casu” o Exmº Magistrado do Ministério Público defende a medida de confiança a instituição com vista à adopção, de resto delineado igualmente pela Exmª Técnica gestora do processo, relativamente à qual discordam os progenitores e o seu Exmº Defensor, este em sede de alegações orais.

Feito este interlúdio e ainda na sede anterior e da interpretação conjugada dos citados artigos 4º e 35º resulta que se a criança/jovem, ainda que sem pais em condições de assumirem plenamente a qualidade de progenitores, tiver uma família que quer assumir as funções parentais, de forma qualitativamente positiva, naturalmente que apoiada pela comunidade, a opção jurisdicional deve ser nesse sentido, evidentemente que ainda em plano abstracto.

E mais: se a criança possuir uma família disfuncional, só depois de abortada a possibilidade da sua “recuperação” enquanto tal é que se deve caminhar para outras soluções- não centradas na família -seja a institucional seja essencialmente a adopção, como meio privilegiado da criança adquirir uma família.

Daqui resulta consequentemente que a anteriormente denominada institucionalização ou a colocação familiar são as hipóteses mais remotas e que se devem tentar descartar “ab initio” e ela faz vincar claramente a ideia que a prevalência há-de ser conferidas às medidas a concretizar no meio natural de vida, ou seja, as das alíneas a), b), c), d) e g), contrapostas às restantes que são medidas executadas fora do meio natural, ou seja, em regime de colocação, sendo que a aplicação da medida seguinte implica a rejeição da anterior- cfr título da secção II-Medidas no meio natural de vida-e secção III—Medidas de colocação.

Acontece que o ponto de partida do regime legal “strictu sensu” das responsabilidades parentais e meios de o suprir sofre a compressão e redução da intervenção legítima e legitimada do Estado, ou melhor da comunidade, sempre que se detecte uma situação de risco para a criança avaliada nos apontados parâmetros de intervenção, balizada permanentemente pela consideração do SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, consagrado nos termos expostos e ainda nos nºs 2 e 6 da Declaração dos Direitos da Criança (Assembleia Geral das Nações Unidas, 29 de Novembro de 1959).

Este conceito do interesse da criança “varia necessariamente com as perspectivas pessoais e os pressupostos teóricos, mas desta Declaração, que “continua a ser um ponto de referência importante” –Dr. João Seabra Diniz, “ESTE MEU FILHO QUE EU NÃO TIVE”, A adopção e os seus problemas, Edições Afrontamento, 1993, pags 17 -devem reter-se, no essencial os seus princípios 2- condições para facultar o seu desenvolvimento físico, intelectual, moral e espiritual, de forma saudável e normal e num ambiente de liberdade e dignidade – 6 -obrigações do Estado e dos poderes públicos –e o seu número 7– o interesse superior da criança como guia dos responsáveis pela sua educação.

Perante estes enunciados jurídicos é legítimo colocar a questão: qual é, como se caracteriza ou em que é que se traduz este superior interesse da criança?

Trata-se naturalmente de um conceito indeterminado, bastante fluído, que a maior parte das vezes não é de fácil concretização sendo certo que o relevante é encontrá-lo para o caso em apreço: na hipótese em causa duas crianças, uma com 5 anos de idade e outra com quase 9 anos, com uma forte ligação afectiva entre ambas, mas com uma relação, na actualidade, de pouca proximidade e afecto com os pais, com progressivo afastamento, anotando-se que a criança AA deixou a companhia dos Pais quando tinha completado o primeiro ano de vida, cerca de dois meses antes.

Neste contexto importa, infra, ponderar as capacidades parentais dos Requeridos.

Sucede que tal conceito deve ser preenchido por aferição aos apontados princípios, constitucionais como legais, com o auxílio de uma análise interdisciplinar da criança/jovem, enquanto ser individual mas também elemento de uma comunidade e nessa medida sujeito a uma envolvência exterior a ela própria.

A ideia ou ponto de partida situa-se no princípio de que, em face do quadro comportamental ou de conduta dos pais e filhos, é imperioso e urgente definir-lhes um quadro de vida, para lhes ser proporcionado um normal e sadio crescimento, em segurança afectiva como jurídica, uma vez que apenas com a definição destes dois elementos em articulação se pode concluir pelo sucesso da intervenção jurisdicional, tudo na perspectiva ou óptica da consideração de que o jovem e a criança são seres humanos em formação, com autonomia, aspirações e personalidade próprias, que importa orientar e preparar para a vida, tendo em vista um crescimento e um sadio e normal desenvolvimento, sempre por forma a poder virem a ser cidadãos válidos e capazes de viverem por si só.

Aqui sufragamos com a devida vénia os ensinamentos da Drª Maria Clara Sottomayor (“REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL NOS CASO DE DIVÓRCIO”, Almedina, 2ª edição, pags 31 e segs e “EXERCÍCIO DO PODER PATERNAL, Publicações Universidade Católica, Porto 2003, pags 65 e 150) -ainda que referenciados à questão da atribuição da guarda do menor, num processo de regulação de responsabilidades parentais -quando diz que o critério “só adquire eficácia quando referido ao interesse da criança, pois há tantos interesses da criança como crianças”, o que a leva a concluir que em muitos casos extremos o Juiz tem de recorrer a uma valoração pessoal dos factos, ou seja, terá que inevitavelmente acontecer um “subjectivismo judiciário” dado que “a lei não teria sentido se o trabalho do legislador não fosse complementado pelo do juiz”.

Ainda a mesma Autora (2ª obra citada, pags 91) diz que “a dimensão interdisciplinar do conceito de interesse da criança postula, portanto, a assistência da psicologia e em geral de todas as ciências humanas para o preenchimento do seu conteúdo, atenuando a dificuldade da decisão do juiz”.

Nessa medida o interesse da criança não é uma noção indecifrável. O legislador não o definiu para permitir que a norma se pudesse adaptar à variabilidade e imprevisibilidade das situações da vida, maxime da situação de cada família ou mais exactamente de cada criança”, com consideração pelo bem estar físico e psíquico da criança, o grau qualitativo e quantitativo da ligação da criança aos seus pares mais directos, etc.

Finalmente menção para o estudo/texto dos Drs Helena Bolieiro e Paulo Guerra (in “A Criança e a Família–Uma Questão de Direito(s)”, Coimbra Editora, 2009, página 157) para quem o interesse da criança deve ser entendido como “o estabelecimento dos ideais ou das possíveis condições sociais, materiais e psicológicas da vida de um filho, geradas pela participação responsável, motivada e coordenada de ambos os progenitores, acção essa que garanta a inserção daquele num optimizante e gratificante núcleo de vida, claramente propiciador do seu desenvolvimento emocional, físico e cívico e da obtenção da sua cidadania social”.

*

Em face de tudo o que dito fica importa referir que a solução que se encontrará no quadro fáctico, que enunciaremos de seguida, será realizada pela ponderação da tríplice físico, psíquico e afectivo balizados, reitera-se, pela consideração que o apontado interesse tem de ser ponderado caso a caso, em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes, por consideração para diversos parâmetros.

Nesta sede em razão do primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio; mas quando tal não é possível, por absoluta impossibilidade ou por esse facto vir a postergar o tempo útil da criança, é necessário o recurso à família alternativa ou substitutiva.

Aqui e agora no regresso à tutela jurídica da filiação cabe dizer que o artº 36º da Constituição da República Portuguesa estabelece que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”- nº 5 -e que “os filhos não podem ser separados dos pais salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”- cfr nº 6.

Já a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a que Portugal aderiu- aprovada, para ratificação, pela Lei 65/75 de 13 de Outubro -no seu artº 8º nº 1 consagra o direito ao respeito pela vida privada e familiar, acrescentando, no seu nº 2 que “não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para (…) a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros”.

Ou ainda a Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 de 12 de Setembro, cuja estabelece que todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança- artigo 3º nº 1.

E nos termos do artigo 9º nº 1 desta Convenção, a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se mostre necessária “no interesse superior da criança” sendo que tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de “por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança”- artº 9º nº 2ª parte.

Por outro lado o artigo 20º desta Convenção prevê a situação de crianças que, “no seu interesse superior”, não possam ser deixadas no seu ambiente familiar, reconhecendo-lhes o direito a protecção alternativa, que pode incluir a adopção nele se consagrando expressamente que a criança privada do seu ambiente familiar tem direito à protecção e assistência especiais do Estado.

Também na Declaração dos Direitos da Criança, adoptada em 20 de Novembro de 1959, mas no seu Principio II proclama-se a necessidade de a criança beneficiar de protecção especial, de modo a desenvolver-se física, intelectual, moral e socialmente de forma saudável e normal, em condições de dignidade e liberdade.

Na ordem jurídica interna o Código Civil estabelece que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação (…)”- artº 1978º n 1.

Na sequência estatui o artigo 1885º que “cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos” e, nos termos do artigo 1915º nº 1 deste diploma “quando qualquer dos pais infringir culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões se não mostre em condições de cumprir aqueles deveres”, pode o tribunal decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais.

Finalmente diga-se que o artº 1918º do Código Civil estipula que “quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de inibição do exercício do poder paternal”, o tribunal pode “decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência”.

Que dizer no caso vertente?

Como devido respeito por melhor e mais fundada opinião, os factos elencados na materialidade são deveras elucidativos acerca da realidade que dispensam a sua enunciação exaustiva.

Ainda assim anote-se no essencial, em síntese da materialidade que as crianças AA e BB, com 5 e 9 anos de idade, respectivamente, foram acolhidas residencialmente no dia ... de 2017 desde então permanecendo no ... de ... isto é, há mais de 4 anos.

E sintetizadamente importa assinalar a frequente errância dos seus pais, entre o ... e .../..., com nova deslocação para o ..., a partir de Setembro de 2020, seja para ...- entre Setembro e Dezembro de 2002 –ou ainda para ..., a partir de finais do anos transacto, a última morada conhecida aos progenitores- reconheça-se, em abono da sua atitude, que foram eles próprios que a comunicaram ao Tribunal, em 30 de Dezembro passado.

Na verdade colhe-se factualmente que entre ... de 2017 e finais de Setembro de 2019 foram-lhes conhecidas 8 residências, algumas sem condições, que há poucos hábitos de higiene, pessoal e familiar, pouca organização e gestão familiares, com frequente desarrumação, pese embora a comunidade lhe tenha proporcionado diversos apoios.

E nestes apoios conta-se a cedência de uma casa de habitação, com boas condições, no centro da povoação de ... (...), mobilada em parte substancial por terceiros, com o pagamento apenas de despesas com água, luz e gás- evidentemente que o depoimento sereno do Padre GG e a dessintonia entre o casal, acerca da razão da saída, naturalmente que nos fizeram crer que não lhes foi exigida qualquer renda –que, com a maior facilidade, como se diz em bom português, “deitaram pela borda fora”.

Por outro lado decorridos três anos continuava por resolver um dos grandes problemas do agregado: a presença diária, nele, da avó materna das crianças, com hábitos alcoólicos enraizados e senhora de hábitos de pouca higiene pessoal, quando não intima.

E o abuso do álcool, como se relata, frequentemente degenera em actos da agressividade, física e verbal, não poupando as crianças se elas lá estiverem.

Anote-se ainda contactos frequentes com passantes de ocasião por casa dos seus pais, havendo suspeitas de que uma sua irmã mais velha, a criança EE, teria sido sujeita a abusos sexuais, quando era deixada com um adulto, sem qualquer supervisão parental, com indícios de que esses abusos sexuais teriam sido camuflados pela mãe na medida em que esse adulto contribuía com alimentos para a família, sem esquecer que a jovem revelava ter sido violada – o que chegou a dizer na escola e na instituição onde foi acolhida –e que submetida a exame pericial, o eu depoimento foi validado cientificamente.

Por outro lado até há cerca de um ano os seus pais apenas trabalhavam intermitentemente, subsistindo graças ao apoio de comunidade e do RSI, ainda que desde então o progenitor tenha um trabalho certo.

Porém, se essa é a situação conhecida, aquando da realização do debate passado, ignoram-se as causas da sua ida/retorno para ..., como se desconhece, de todo, a sua eventual situação laboral- ainda que, aquando da deslocação em Setembro de 2020, ela ocorreria para uma exploração de gado –pois que nada se comprovou acerca da razão da mudança para ....

Da parte da progenitora ela foi fazendo múltiplas formações, é desempregada de longa duração, que encontrou trabalho mas pouco tempo se quedou nele, dada a sua frequente tendência para criar conflitos com terceiros.

Sucede que, apesar deste investimento na formação dos progenitores, na expectativa da aquisição, por estes de capacidades parentais, a verdade é que o não conseguiram.

Porém este insucesso encontra fácil explicação nos respectivos relatórios de avaliação psicológica e psiquiátrica os quais, por se afigurarem de tal modo cristalinos não resistimos a transcrever, de novo.

Assim, relativamente ao pai das crianças, ele tem um funcionamento cognitivo global muito abaixo da média, enquadrável na deficiência mental ligeira, com autonomia mínima, não possuindo as capacidades para assegurar de forma autónoma os cuidados parentais às crianças e por isso, sem a presença de apoio extra e de orientação, nomeadamente acompanhamento e orientação institucional, uma rede social de apoio no meio onde está inserido, a sua capacidade para o desempenho das responsabilidades parentais encontra-se comprometida.

Como assim ele apresenta factores de risco para uma parentalidade positiva, uma vez que revela pouca capacidade de percepcionar, antecipar e satisfazer as necessidades básicas das crianças, particularmente nas áreas da saúde, educação, segurança, representação e administração dos bens das crianças.

Já em relação à progenitora extrai-se do exame em causa que ela tem um funcionamento cognitivo global abaixo da média, enquadrável na deficiência mental ligeira, com autonomia mínima, não possuindo as capacidades para assegurar de forma autónoma os cuidados parentais às crianças e por isso mesmo, também ela, sem a presença de apoio extra e de orientação, nomeadamente acompanhamento e orientação institucional, uma rede social de apoio no meio onde está inserido, a sua capacidade para o desempenho das responsabilidades parentais encontra-se comprometida.

Ora como podem eles contar com rede de apoio se sempre a foram desbaratando?

Toas estas limitações estão desdobradas em factos, concretizadas em elementos factuais, no que tange às suas capacidades e traduzem, no fundo, que estes pais não têm um projecto de vida sério, sedimentado, concreto, consciente, realista, para as crianças, salvo aquele que é normalmente inato à filiação biológica: terem as filhas em casa, na sua companhia!

Do lado das crianças, como se disse institucionalizadas há mais de 4 anos, veja-se que a 18 de Abril de 2018 a criança BB continuava a apresentar dificuldades não só a nível da linguagem como a nível cognitivo e especiais dificuldades a nível da motricidade fina.

Ainda esta criança, no primeiro semestre do ano lectivo finalizado em junho de 2020 revelou um decréscimo no seu aproveitamento e o seu comportamento modificou-se, passando a ter alguns comportamentos de furto e mentira.

Em contexto escolar, nas reuniões de grupo, a BB idealiza vivencias em família e oculta o facto de residir em contexto de acolhimento residencial.

Ela comporta-se como se residisse com a sua família, fala dos fins de semana em contexto familiar, designadamente que passeia com os seus pais e inclusive partilhou com os colegas e professora que o Natal foi passado em família, atribuindo características de perfeição ao momento.

Mais: esta criança transmitiu que ia para uma escola nova, tendo sido o seu pai que lhe passou essa informação.

No presente a criança AA- que frequenta o Jardim de Infância da instituição -apresenta alguma dificuldade na comunicação oral- já foi feita avaliação para fazer terapia de fala -é algo agitada, distraída e necessita de trabalho individual para cumprir a actividade do princípio ao fim e, na coordenação manual- por exemplo a desenhar -não controla os movimentos e ultrapassa normalmente os limites do desenho.

Finalmente as crianças BB e AA encontram bem-adaptadas na instituição, estabelecendo uma relação positiva com os pares e cuidadoras da instituição e mantêm muito bom relacionamento entre si, com a mais velha a apresentar algum instinto protector em relação à irmã mais nova.

E no seu dia a dia não costumam perguntar pelos progenitores, apenas o fazem em situações muito especificas, como por exemplo se outra criança estiver a falar da família ou se quiserem partilhar alguma conversa que tiveram com a mesma.

Resta dizer que a relação parental foi sendo assegurada através de contactos telefónicos dos progenitores e visitas com periodicidade mensal à instituição, sendo que as visitas decorriam com normalidade sendo as despedidas vivenciadas pelas crianças com tranquilidade, ambas regressando à rotina com normalidade, não questionando no seu dia a dia, a ausência dos pais.

Acresce, nesta parte, que nos últimos tempos os contactos telefónicos e videochamada têm sido pouco proveitosos, essencialmente assumindo-se como rotineiros, despidos de conteúdo substantivo.

Em todo o caso e no domínio dos contactos pessoais não podemos deixar de consignar a restrição ao contacto pessoal entre pais e filhas e bem assim a ficarem todos sozinhos, por força da situação da pandemia.

Menção para o percurso escolar e ainda para os cuidados médicos, como sejam a terapia da fala e acompanhamento pedo e psicológico que é proporcionado às crianças.

Importa ainda deixar consignada a situação relacionada com outros filhos da progenitora, e seu encaminhamento para adopção, obviamente que uma decisão seguramente amadurecida e que surgiu como a única solução alternativa a uma manifesta inabilidade da progenitora.

Uma vez analisados estes dados recentes ou actuais, centremo-nos no meio de prova que verdadeiramente justifica a prolação deste Acórdão: a avaliação psicológica realizada a estas duas crianças, uma vez que, como escrevemos supra, as suas declarações não assumiram relevo para a fixação da materialidade, de resto confirmando a parte final da declaração do voto de vencido do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra segundo a qual “destarte, este é um caso em que a audição dos menores é meridianamente inútil e até, desaconselhável, porque eventualmente traumatizante para as crianças, ainda na primeira infância”.

Ora nesta sede e relativamente à criança BB, menção para a sua ambivalência no que respeita à adopção, já que “gostaria, por um lado, de ser adoptada (sim, gostava, referindo que se tal lhe fosse comunicado «ficava contente», mas por outro, manter a mesma família, reconhecendo que a sua família biológica ficaria triste com a decisão da adopção. Percebe que se for adoptada não irá voltar a falar com a família biológica: «estou sempre ao pé dos pais novos»”.

Por outro lado quando lhe é pedido que descreva a mãe e o pai, diz não ser capaz, justificando «eu já não estou com eles há muito tempo ...»”.

É uma criança que não apresenta problemas sensíveis nas áreas/factores de "Oposição/Imaturidade"; "Agressividade"; "Hiperatividade/atenção"; "'Depressão"; "Problemas Sociais"; "Queixas Somáticas"; "Isolamento"; Ansiedade"; "Obsessivo/Esquizóide".

Ainda a BB “não há o registo de dificuldades significativas, sendo identificada como uma criança com características positivas de forma geral, simpática e sociável, que se relaciona adequadamente com as outras crianças. Gosta de ajudar os outros e manifesta comportamento pró-social (por exemplo «é sensível aos sentimentos dos outros», »É simpática e amável com crianças mais pequenas» e «Gosta de ajudar se alguém está magoado»)”.

No domínio da cognição “apresenta uma capacidade intelectual inferior à esperada para o seu grupo etário. Embora este resultado, a assinalar o desinteresse da BB pela tarefa o que prejudicou o seu desempenho. Inicialmente manifestou curiosidade, mas depois perdeu o interesse e manifestou o desejo de desistência”, sendo que ela começa a deixar transparecer traços de estabilidade emocionai, relaxamento e despreocupação, tendencialmente introvertida, reservada e controlada, com níveis normais de psicotisismo, apresenta um bom autoconceito, sendo de admitir que se sente feliz consigo própria.

Na relação com os pais, sente aceitação, suporte afectivo e disponibilidade por parte dos progenitores mas destaca-se uma análise qualitativa que mostra que ao item “os teus pais fazem alguma coisa para que te divirtas e aprendas coisas” a criança responde de forma extremada “não, nunca".

Na perspectiva da família a BB desenhou uma família por si desejada e não a sua família real/biológica.

E quais os dados relativos à criança AA?

Na parte relativa ao seu desenvolvimento e à inteligência e comportamento conclui-se que se trata de uma criança com linguagem pobre e por vezes imperceptlvel, com elevada agitação psicomotora, com um funcionamento cognitivo global muito abaixo da média esperada para a sua faixa etária, apresentando dificuldades de comportamento, pontuando acima da média nas escalas que avaliam a agressividade, a hiperactividade e problemas de comportamento.

Por outro lado ela apresenta uma baixa regulação emocional e uma baixa autoconfiança.

Sem embargo assinale-se que a criança, com 5 anos de idade vive em meio acolhimento residencial desde o seu primeiro ano de vida, circunstância esta- vivência em melo institucional, desde um momento tão precoce –que “toma difícil a construção de relações de vinculação com a família”.

Mas mais: menciona-se que a AA não sabe o que é uma família.

Ora neste particular domínio e com a devida vénia transcrevemos a parte do relatório de avaliação psicológica que aborda esta temática.

Nele pode ler-se- a respeito de interrogações tais como “qual a relação de vinculação afectiva com os progenitores e quais os sentimentos manifestados relativamente a cada um” a “sua capacidade de compreensão do objecto do presente processa” e ainda “qual o projecto de vida que perspectivam” ou se “admitem ou não o seu encaminhamento com vista à futura adopção” e finalmente “se têm ou não consciência de que tal representaria um corte com a sua família biológica” e “como vivenciam tal corte" –que de acordo com a literatura científica “a maioria das crianças em idade pré-escolar experimenta stress quando a separação de qualquer um dos pais dura mais de três ou quatro dias. Mesmo quando o período de separação não exceda este intervalo, considera-se que as visitas com a duração de uma hora apenas servem para que a criança recorde que o visitante existe, mas não permitem actividades que mantenham as relações na memória da criança. Desta forma, o vínculo afectivo entre pais e filha poderá ser mantido e fortalecido se ocorrerem contactos frequentes e extensos, envolvendo diversos contextos funcionais que se constituem como uma oportunidade para interacções sociais e actividades emocionais (por exemplo, alimentar a criança, dar-lhe banho, deitá-Ia, contar-lhe uma história para adormecer, acalmá-Ia durante a noite, levantá-Ia, vesti-Ia). Este tipo de actividades quotidianas promove e mantém a confiança nos pais, para além de fortalecer a relação de apego pais/filha”.

E acrescenta, relativamente à criança sub judice “que as actividades referidas não aconteceram entre a AA e a sua família. Esta sabe identificar o nome dos seus pais, mas não foi capaz de descrevê-los, associar-lhe sentimentos e referir actividades que faziam em conjunto”.

Prosseguindo diz que “a literatura científica sobre esta matéria é consensual ao afirmar que a partir dos cinco/seis anos, de um modo geral, as crianças já conseguem falar sobre as suas experiências, embora continuem a pensar e a compreender o mundo que as rodeia de uma forma muito diferente dos adultos. Ora a AA acabou de fazer 5 anos, viveu 4 desses anos em acolhimento residencial, pelo que não adquiriu o conceito de família nem adopção”.

E finalmente afirma-se que “esta avaliação é corroborada com os dados obtidos na entrevista à Técnica da Casa de Acolhimento, que considerou que a ausência de contactos com a família e a sua posterior retoma não conduziram a qualquer alteração emocional ou comportamental na criança”.

Por tudo isto concluiu que “a AA não desenvolveu ainda capacidade de compreensão em relação ao objecto do presente processo, não antecipando, para si qualquer projecto de vida alternativo ao acolhimento, que aliás representa a realidade que conhece. Desta forma, são ainda, por si, desconhecidas as consequências do encaminhamento com vista a futura adopção”.

E ainda mais relevante nesta questão é a circunstância de se constatar que “a ausência de cuidador de referência, sociabilidade indiscriminada e incapacidade para manifestar vínculos selectivos adequados (a referir o facto de ficar com a perita após a primeira entrevista, demonstrando falta de selectividade com excessiva familiaridade com estranhos);

- … a AA necessita de viver um ambiente seguro, ajudando-a a uma construção positiva assente em modelos de identificação autênticos, base e encontro com afectos apaziguadores e contentores de sofrimento psicológico;

- … do ponto de vista cognitivo… necessita de um contexto estimulante em termos cognitivos, e que contribua para a superação destas dificuldades;

- … a AA não desenvolveu ainda capacidade de compreensão em relação ao objecto do presente processo, não antecipando, para si qualquer projecto de vida alternativo ao acolhimento, que aliás representa a realidade que conhece; desta forma, são ainda, por si, desconhecidas as consequências do encaminhamento com vista a futura adopção”.

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Uma vez ponderada esta matéria, não se pode descurar a relação de “igual para igual” que a mãe mantem com a sua filha EE.

Ora aqui chegados a ideia ou ponto de partida situa-se no princípio de que em face da idade das crianças e das vicissitudes pelas quais passaram, em todos estes seus quatro anos de vida, é imperioso e urgente definir-lhe um quadro de vida, para lhe ser proporcionado um normal e sadio crescimento, em segurança afectiva como jurídica: só com a definição destes dois elementos em articulação se pode concluir pelo sucesso da intervenção jurisdicional. Urge criar um quadro de vida estável e seguro e bem definido para que as crianças possam fazer, rápidamente, mas de modo capaz e eficaz, a sua VINCULAÇÃO AFECTIVA com vista a um crescimento futuro que se pretende sadio e saudável, física como emocionalmente, mas em termos definitivos, para evitar consecutivas rupturas.

Para a sua concretização a AA e a BB hão-de ser vistas como seres humanos em formação, com autonomia, aspirações e personalidade próprias, que importa orientar e preparar para a vida, tendo em vista um crescimento e um sadio e normal desenvolvimento, sempre por forma a poderem vir a serem cidadãs válidas e capazes de viverem por si só.

Mas deve assegurar-se-lhes rapidamente a oportunidade de serem membros de uma família em que se sintam queridas e possam conhecer um desenvolvimento saudável, para que se fixe definitivamente um quadro de relações afectivas, no seio das quais cresçam saudável e harmoniosamente, repete-se.

Nesta sede não resistimos a citar o Dr. Eduardo Sá- em transcrição livre de uma entrevista -para quem a criança que cresce para ninguém, cresce no vazio, ou seja, “todos precisamos de sentir que crescemos para alguém, para sentirmos que ao mesmo tempo que alguém é importante para nós, nós somos importantes para essa pessoa”.

E acrescenta-se que “crescer neste contexto de pertença e de amor é a base para qualquer pessoa, sobretudo em idade precoce, poder crescer saudavelmente e vir a sentir-se seguro (por ter uma base emocional de segurança desde tenra idade) para enfrentar as dificuldades inerentes ao processo de crescimento”.

Sucede que a personalidade da criança traça-se desde os primeiros tempos de vida, desde a infância e acentua-se na adolescência, ambas estádios fulcrais no desenvolvimento do ser humano, revelando-se fundamental que a criança seja feliz e saudável para que venha a ser, na idade adulta, um ser equilibrado e feliz.

E na ordem natural das coisas e ainda legal, são os pais que têm em primeiro lugar uma influência decisiva na organização do EU da criança, ou seja, é a eles que o exercício das responsabilidades parentais incumbe a prestação dos adequados cuidados e afectos.

Porém, quando e sempre que a família biológica, estritamente considerada ou alargada, como é o caso, é ausente ou apresenta disfuncionalidades ou incapacidades que comprometem a satisfação de todas as necessidades da criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o seu interesse, através de um projecto de vida alternativo

Agora, sim, é chegado o momento de subsumir estes factos ao desenho legal que acima gizámos, mas com uma nota de realismo, permita-se-nos a expressão: é preciso nunca olvidar que as leis são elaboradas para regular situações da vida, ainda que muitas delas se mostrem algo refractárias à sua regulamentação. Mas a segurança e certezas, particularmente na vida afectiva, só se alcançam, solidificam e potenciam o saudável e harmonioso crescimento de uma criança, se estiverem dotadas ou igualmente suportadas na segurança e certeza jurídicas, situação que até ao momento não vem acontecendo com as crianças AA e BB.

O quadro aferidor da decisão tem de compreender nos seus diversos elementos os múltiplos parâmetros acima enunciados, desde o quadro legal que ficou traçado até à factualidade que fixada ficou, sempre tomando como referencial o SUPERIOR INTERESSE DA BB e da AA que ficou caracterizado, reportado obviamente à idade destas, 5 anos e 9 anos, a primeira idade mais que ajustada e própria para a AA passar a ter num quadro de vida definido, organizado e estável, de uma vez por todas, isto é, em função da sua idade urge proporcionar-lho em ordem a potenciar o seu crescimento com a presença dos apontados elementos.

Relativamente à BB a idade é bem superior, não torna a situação tão líquida mas ainda assim, vistas as limitações dos pais, sem quadro de vida minimamente projectado para as filhas, não olvidando evidentemente que existem laços afectivos entre pais e filhas, mas esbatidos e considerando a forte ligação afectiva que existe entre ambas, socorrendo-nos de expresão comum, “a sorte de uma gera o destino da outra”, ou seja, as irmãs NÃO DEVEM SER SEPARADAS.

A actual situação de manutenção no CAT, por um período que já dura há mais de quatro (4) anos, não é solução minimamente aceitável em termos de futuro, não só porque vai retardando a efectiva criação de um quadro de vinculação afectiva estável e permanente, sólida e qualitativa, como ainda acarreta o risco de lhes permitir a progressiva criação de uma maior ligação afectiva àqueles que o rodeiam no dia a dia a qual, quanto mais tardia mais nefasta se pode revelar na vida de uma criança com o seu passado.

Para além da BB já o ter feito, a AA está já na fase de reconhecer bem os seus mais próximos e a “marcar” claramente os papeis de cada um com quem lida diariamente, na sua própria vida: ele está já numa nova fase da sua vida com a socialização, para a qual apontam obras como por exemplo T. Berry Brazelton, em “O grande Livro da Criança”, Editorial Presença, não sendo alheio a tal facto a circunstância da frequência do Jardim de infância se iniciar aos 3 anos.

Até há pouco ela entendeu a vida de modo egocêntrico, porque tudo girava- ou devia girar - em torno dela (ela ri, ela chora, ela sente dor, fome, frio) mas agora já se dá conta de que existem outras pessoas a quem também acontecem coisas.

Com a relação social estabelecida a criança sabe que necessita de ajuda e pede-a, mas este processo não acontece de um dia para o outro: ele resulta antes de uma aprendizagem vivenciada quotidianamente e aos poucos vai deixando o seu mundo egocêntrico e vai começando a aprender a partilhar, percebendo gradualmente que no novo mundo que descobre existem dois conceitos que caminham lado a lado: dar e receber.

É uma mudança muito profunda que exige um “apport” bastante solidificado, certo e seguro. É a fase da birra, quando contrariada, mas é também a da euforia, com muitos beijnhos e carinhos: esta instabilidade emocional é normal e a forma de a ultrapassar é transmitir-lhe serenidade e compreensão.

Ela constitui por isso e em certo sentido uma ruptura com um mundo no qual, por força das circunstâncias da sua vida e vicissitudes diversas, não têm lugar presente os elementos de segurança e estabilidade, o que ainda mais justifica ou torna premente a invocada necessidade de criação, em definitivo, de uma relação afectiva sólida e duradoura, transmitindo-lhe a segurança própria de quem se sente pertença de uma família.

E sendo inquestionável que são sempre más e tendencialmente evitáveis as rupturas, o certo é que uma nova fase de aprendizagem numa situação de ruptura total pode- e deve -minimizar os seus efeitos maléficos.

Aqui regressados a busca da melhor solução para a AA e a BB, uma vez que a ideal não existe, terá que ter em atenção os factores postuladores de ponderação que ficaram enunciados.

Por isso e perante o caso concreto, agora na perspectiva do enquadramento jurídico e sua sintonia com o SUPERIOR INTERESSE DA AA e da BB: qual é este?

Em face dos factos provados, no caso vertente, não cabe dúvida que as menores AA e BB, ressalvada a colocação no CAT, estão numa situação de perigo que legitima a intervenção em ordem à sua protecção e ainda à promoção do seu bem-estar e desenvolvimento são e harmonioso, tão sózinhas, abandonadas, inseguras e em risco elas estariam, não fora a intervenção comunitária, em boa hora acontecida e que pelo menos minimizou esse risco- removeu-o, naturalmente, na perspectiva do físico –mas ainda não lhes permite viver o seu quotidiano em paz, segurança, certeza e afecto família, que são evidentemente essenciais para que no futuro tenhamos umas crianças, umas jovens e duas mulheres adaptadas à sociedade, que se sinta útil e bem integrado nesta, a quem a sociedade reconheça o seu lugar e capacidade para construir o mundo melhor, que todos nós ambicionamos.

Resulta de todo este quadro, com singeleza e de forma cristalina que os progenitores não reunem – e ainda que queiram não têm condições pessoais e mentais para reunir -quaisquer condições materiais, de organização e gestão familiar, afectiva e emocionais para terem as filhas consigo nem se mostram capazes de darem garantias de lhes conseguirem assegurar os cuidados básicos de saúde, alimentação, vestuário, acompanhamento diário, etc. Eles, por si só, são totalmente incapazes de exercerem as suas competências parentais- pese embora um vasto conjunto de ferramentas que lhes foram facultadas -e por isso as crianças não lhes podem ser entregues, pois que, enfatizando, não têm condições de espécie alguma para serem os pais afectivos presentes, responsáveis e seguros de que a AA e a BB não só muito necessitam mas, mais que isso, a que têm direito.

Na verdade, como diz o Exmo Magistrado do Ministério Público, o agregado familiar teve o “apoio de diversas entidades, possui sérias limitações, pautando-se por um percurso padrão, caracterizado por curtos períodos de organização, seguidos por períodos de desorganização profunda, não se registando alterações significativas, desde 18/05/2017, não se mostrando permeáveis à mudança, apesar da longa intervenção de que beneficiaram, mantendo fragilidades graves, não se encontram asseguradas as necessidades e segurança das crianças que possibilitem o seu regresso ao seu meio natural de vida, sendo que, decorridos todos estes anos após o acolhimento das crianças, e com intervenção de sucessivas entidades, não é expectável já que os pais das crianças consigam suprir as suas graves fragilidades”.

Em interlúdio diremos que, como bem se vê da argumentação, jamais em lado algum ou em tempo algum a situação económica serve ou pode servir- de fundamento a uma decisão desta natureza.

Não, no caso vertente, para desdita dos pais e das filhas os seus fundamentos são bem diversos e ficaram expostos, cremos, de modo cristalino.

Resta dizer que inexiste uma qualquer família alargada que sirva de família substitutivo.

Tão pouco se pode ponderar o acompanhamento permanente por entidades externas de apoio pois que, como é bom de ver, ele é inviável como, a ocorrer, ele desvirtuaria por completo o sentido do exercício das responsabilidades parentais, equivalendo a uma verdadeira delegação de tais responsabilidades, a que acresce, naturalmente, que não permitiria o compromisso e empenho afectivo dos pais, para além de que a assunção e cumprimento dos cuidados parentais é em si mesmo uma forma de compromisso e de empenho afectivos: os pais como que teriam as filhas na sua companhia sem qualquer espécie de empenho, de assunção de responsabilidades, enfim , sem SEREM PAIS.

E a medida deve ser tomada de imediata pois que se ela peca é por ser algo tardia.

Na verdade existe neste domino das crianças um problema essencial: o TEMPO.

Na verdade o TEMPO ÚTIL DA CRIANÇA é muito mais voraz e não permite “esperar”; pode dizer-se que para a criança o “amanhã foi ontem”, com tudo o que esta expressão comporta de actualidade e futuro próximo.

Nesta parte vale a pena fazer apelo às sensatas palavras do Dr João Seabra Diniz (obra citada, pags 56 e segs) quando diz que “considero que é a intervenção da autoridade judicial que, criando um vínculo jurídico praticamente irreversível, vem dar à relação psicológica a possibilidade de se organizar à semelhança da paternidade natural”.

E acrescenta que “poderá talvez surpreender à primeira vista, mas a minha experiência foi-me levando a pensar que não se organiza um vínculo de adopção psicológica- salvo, talvez, algumas situações excepcionais –se este não é acompanhado pelo vínculo jurídico estabelecido por uma sentença de um magistrado”.

E no seguimento escreve que “…por uma razão que é tipicamente psicológica e que consiste no facto de não haver autênticas relações parentais se são provisórias ou condicionais. Faltaria neste caso a vivência da irreversibilidade, ou seja, da solidez e estabilidade da relação, que me parece ser constitutiva de uma autêntica relação pais-filhos”, ou seja, “dito por outras palavras, a paternidade-filiação natural tem uma vertente externa ou física que é a concepção e o nascimento, e uma vertente interna ou psíquica que é o afecto e a fantasia. Destas duas resulta a vivência familiar em comum”.

Com estas sábias e experientes palavras de um conceituado Psicanalista temos que concluir, extrapolando para o nosso caso e reiterando-o: a solidez e estabilidade da relação assumem-se como elementos decisivos para o sadio e harmonioso crescimento das pessoas que são a AA e a BB.

E estes dois elementos são precisamente aquilo que as crianças não vivenciaram até ao presente, ou seja, é todo este quadro de segurança e harmonização entre os dois elementos que a perduração da institucionalização, à espera de um dia muito longínquo, nem sequer preciso ou exacto, nesta data, não são capazes de lhe proporcionar e potenciar, a que acresce naturalmente tudo aquilo porque elas já passaram nos seus anos de vida- naturalmente que esta expressão considera uma putativa aquisição de competências parentais que, como corresponde ao sentido etimológico da expressão, nunca vai acontecer.

Aliás ressalta do acervo fáctico que as crianças BB e AA apresentam um grau de conhecimento, cognitivo e, nalgumas partes, comportamental, que exigem muito, mas mesmo muito acompanhamento, cuidados e acompanhamento médico- veja-se a terapia da fala e a necessidade de consultas de pedo –uma presença no dia a dia, a acompanhar o crescimento, as angústias e inquietações quotidianas, mas igualmente partilhar os sucessos, as conquistas, os momentos de doença, etc, etc.

Porém, como concluímos, os progenitores não têm condições, só por si, para assumirem a parentalidade na sua plenitude, nem sequer possuem rectaguarda familiar estando entregues a si próprios, com mais duas mudanças de residência e de área geográfica, em 4 escassos meses, longe da sua zona de origem.

Transcrevendo de novo o voto de vencido, no Acórdão dos autos, pro bem sintetizar os dados do processo, “efectivamente, provou-se, para além do mais, que os progenitores têm problemas mentais, são analfabetos, não têm condições profissionais e habitacionais, não têm hábitos de vida nem qualificações para incutir hábitos aos filhos, negligenciaram estes, etc, etc”.

O quadro fáctico é, assim, extremamente impressivo, por banda de ambos os progenitores e por isso dispensa a enumeração de mais quaisquer outros elementos.

Em razão do escrito/concluído é lícito afirmar-se que os pais não têm qualquer possibilidade de terem as filhas consigo nem proporcionar-lhes, quer a curto quer a médio prazo, todas as condições indispensáveis a um são desenvolvimento e que estas crianças merecem, atenta as suas idades e, no seu superior interesse, uma família que lhes garanta e assegure um crescimento e uma vida saudáveis, que lhes dê a atenção e o carinho que necessitam/merecem, enfim, que se interesse pelo seu crescimento e bem-estar.

A acima descrita situação de perigo impõe assim que se aplique a estas duas crianças uma medida de promoção e protecção com vista a proporcionar-lhe um desenvolvimento harmonioso, afastando o perigo em que se encontram, e que permita proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral.

E este desiderato só se conseguirá com uma definição rápida da sua situação, para lhes permita irem crescendo com equilíbrio e estabilidade e não ficarem sujeitas a uma indefinição do seu quadro de vida, por forma a irem começando a conhecer a realidade exterior com uma situação de estabilidade, com referências seguras e duradouras do mundo e daqueles que as rodeiam e que lhes darão amor, carinho, afecto e cuidados.

E a medida adequada, adiantamos desde já, é a de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção- al) g) do artº 35º.

Segundo o artigo 38º-A, na redacção introduzida pela Lei 142/2015 de 8 de Setembro “a medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, consiste:

a) Na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de candidato selecionado para a adoção pelo competente organismo de segurança social;

b) Ou na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de família de acolhimento ou de instituição com vista a futura adoção”.

Sucede que o artigo 1978.º do Código Civil, na redacção dada pela Lei 143/2015, de 08 de Setembro estabelece no seu n.º 1, na parte que ora nos interessa, que “o tribunal, no âmbito de um processo de promoção e protecção, pode confiar a criança com vista a futura adopção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:

a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;

b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção;

c) Se os pais tiverem abandonado a criança;

d) Se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;

e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.

3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos das crianças.

4 - A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela”.

Perante os factos provados e vista a anterior elencação cabe agora apreciar qual a medida aplicável em concreto e em favor do menor, tendo em mente que, nos termos do artigo 4º al) g) na promoção de direitos e na protecção de crianças e jovens deve-se dar prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção, assim se evitando a institucionalização de menores, como já escrevemos.

Ora, no caso em apreço, entende-se que o interesse daquelas exige que se obvie à colocação na família de origem, fonte de perigos para a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento, de resto facto totalmente impossível.

Aqui e sempre, reafirma-se, a decisão não pode ser nem é a favor dos pais ou contra eles, mas sempre a favor das crianças.

E a decisão que neste caso prossegue o interesse das crianças, alterando para muito melhor a sua situação, preservando ou criando condições para a curto prazo iniciar o seu crescimento e desenvolvimento no quadro de uma família é precisamente a sua confiança a terceiros, com, vista a futura adopção.

A BB e a AA necessitam de uma família estável que lhes dê o carinho e amor que os pais não lhe deram e lhes proporcione de forma duradoura condições para o seu desenvolvimento harmonioso, salvaguardando-se a necessidade das crianças terem continuidade nas relações, não podendo estarem, contínua e aleatóriamente sujeitas a provas e relatórios sobre a eventual e improvável aquisição de competências e interesse dos seus pais biológicos, ou sua disponibilidade, nem devendo ser deslocado com cada decisão tentada.

E as crianças estão em perigo como dito, dado que a noção em causa, plasmada no artº 4º “traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efectiva lesão da segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento”- Tomé D’ Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, pág 26).

A escolha ou opção acima expressa respeita a orientação legal de dar prevalência às “medidas que integrem a criança ou jovem na sua família, de forma a manter e desenvolver os laços afectivos originais, promovendo e auxiliando, se necessário, os progenitores a assumir e cumprir devidamente os seus deveres parentais, desde que essas medidas se mostrem adequadas a remover a situação de perigo”.

Porém, como diz o Exmº Magistrado do Ministério Público “não sendo isso possível e desde que verificados os demais requisitos legalmente exigíveis, deverá ser dada prevalência às medidas que, promovendo a adopção, visam a integração da criança ou jovem numa nova família que possa assegurar-lhe a satisfação e protecção das suas necessidades e direitos.

O pressuposto do decretamento desta medida que promove a adopção é, pois, a inexistência ou o comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação, estando enumeradas as situações que, independentemente da culpa dos pais, manifestam a inexistência ou a quebra dos vínculos afectivos.

No fundo «(…)não basta que haja relação afectiva entre pais e filhos, é necessário que esta assuma a natureza de verdadeira relação pai/mãe – filho, com a inerente autorresponsabilização do progenitor pelo cuidar do filho, por lhe dar orientação, estimulá-lo, valorizá-lo, amá-lo e demonstrar esse amor de forma objectiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas características.

Pais são aqueles que cuidam dos filhos no dia-a-dia, são aqueles que cuidam da segurança, da saúde física e do bem-estar emocional das crianças, assumindo na íntegra essa responsabilidade»”- cfr Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 05-11-2015, processo 6368/13.1TBALM.L1-2, Relator Jorge Leal in www.dgsi.pt

Flui de todo o exposto, em função do acervo fáctico acima fixado que as crianças estão numa situação de perigo, legitimando a intervenção judicial conforme o prescrito nos artigos 1978º nº 1 alínea d) e 4 do Código Civil e 3º nºs 1 e 2 alíneas c) e f) da LPCJP.

Efectivamente o período de convívio das crianças com os progenitores, até ao acolhimento institucional, foi sempre marcada por momentos de sensível instabilidade emocional, de discussões, barulhos, ausência de um sentimento de pertinência a um local, a uma comunidade, por força da permanente mudança de residência, incluindo de localidade- e em nenhum caso está demonstrado que tal sucedeu por razões atendíveis, como seja uma proposta de trabalho –a ausência de cuidados básicos por parte dos pais, deficiente percepção dos cuidados básicos a prestar às crianças, sujeição destas a modelos comportamentais e ausência de centro de vida que colocaram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento das crianças.

Deflui deste enunciado que o comportamento dos progenitores das crianças preenche os requisitos legais dos pertinentes normativos, antes de mais os artigos 3° n°s 1 e 2 alíneas c) e f) da LPCJP- “…os pais…ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento” e porquanto as crianças estão em perigo porquanto as crianças não recebem os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal e estão sujeitos, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectam gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional.

Mas também estão preenchidos os requisitos plasmados na alínea d) do n° 1 do artigo 1978° do Código Civil isto é, no âmbito deste processo de promoção e protecção, as crianças AA e BB podem ser confiadas com vista a futura adopção uma vez que, extrai-se e concluiu-se do factos, que não existem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, uma vez que se verifica, objectivamente, que os progenitores das duas crianças, por acção e omissão, “mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental”, puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento das duas crianças.

Efectivamente a actuação dos pais das crianças, na perspectiva da satisfação das necessidades emocionais e de segurança das crianças, indispensáveis ao seu desenvolvimento, formação, saúde e educação, por via da sua prova incapacidade, não só colocaram em perigo grave a segurança e o desenvolvimento das crianças como continuam a revelar-se incapazes de assegurar a sua segurança, saúde, desenvolvimento, formação e educação.

Por isso que caucionamos a afirmação do Exmº Magistrado do Ministério Público quando diz que “permanecendo com os pais as crianças AA… e BB…estaria…«o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objetiva da situação enunciada na acima transcrita alínea d) do n° 1 do art. 1978° do C. Civil»”.

E tal afirmação estriba-se ainda no facto da verificação desta previsão normativa não exigir que os progenitores tenham, em concreto, colocado em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor, bastando-se com a consideração de que a sua situação pessoal, económica e social faça, fundadamente, recear o perigo iminente de uma lesão dessa natureza vir a ocorrer. O perigo potencial da lesão é bastante para o efeito- cfr Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Dezembro de 2016, processo n° 268/ 11.7TBPTS-A.L1, in www.dgsi.pt.

A terminar a abordagem técnico-jurídica diremos, com o Magistrado do Ministério Público, que “tudo isto nos leva a concluir que, entregues aos pais, as crianças estariam em grave perigo, pois não receberia deles os cuidados adequados à sua tenra idade e situação, ficando em grave perigo a sua saúde, formação, segurança, educação e desenvolvimento, além que estariam sujeitas a comportamentos que afectariam gravemente a sua segurança, educação, formação, desenvolvimento e equilíbrio emocional.

E a finalizar não deixamos de transcrever as assertivas palavras de Beatriz Marques Borges- em “Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Comentários e Anotações à Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, Edições Almedina, SA, Março de 2007, páginas 37 e 38) -para quem verifica-se perigo para a criança “quanto à sua segurança, quando esta é colocada numa situação de incerteza física ou psicológica sobre o seu bem-estar, não se sentido garantida nas suas necessidades e desejos”.

E desdobrando estes diversos elementos da noção ou conceito de perigo note-se que, quando ele é criado, no que respeita à saúde, ele coloca em risco o equilíbrio físico/psíquico da criança/jovem, a sua capacidade de resistência e o seu próprio equilíbrio mental e social, “diminuindo, por exemplo, o seu sentido de auto-estima, o sentimento do seu valor e da sua utilidade como membro da comunidade em que se insere”.

Na formação da criança/jovem elas ocorrem quando fazem distorcer o desenvolvimento integral da personalidade da criança, a sua equilibrada maturação afectiva, emocional e social impedindo um pleno aprofundamento de cada ser e o seu potencial, tendo em conta a sua possibilidade de auto–realização.

No tocante à educação ele concretiza-se quando existe uma educação incompleta e carente, gerando a inelutável incapacidade da criança se poder afirmar com todo o seu potencial, sendo fonte de incapacidade para a criança/jovem se poder afirmar com todo o seu potencia, quer no plano espiritual, quer no plano material, bem como na afirmação pessoal e social que advém duma educação que facilita (alimenta) e fecunda todos esses objectivos.

Resta transcrever mais um ensinamento doutrinal, que quadra na situação destes autos.

Assim ensina a mesma Autora- obra citada, a pags 167 a 168 -que “sintomáticos da falta de interesse dos pais pelos filhos são todas as situações em que os progenitores revelam um completo afastamento quanto ao quotidiano das crianças ou jovens, não lhes proporcionando os cuidados necessários para o seu desenvolvimento físico e mental indiciando factores da sua irresponsabilização quanto a esse desenvolvimento.

...

Não será a circunstância do pai ou da mãe efectuarem visitas ao filho, acolhido por um particular ou por uma instituição que, por si só, poderá justificar que não estejam seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação.

As visitas efectuadas pelos pais constituem, muitas vezes, apenas uma forma de pretenderem afastar a criança do seu encaminhamento para uma futura adopção, dado que nessas visitas não se desenvolvem laços afectivos tendentes a sedimentar a relação parental.

Efectivamente, alguns pais limitam–se a estabelecer um contacto periódico com os filhos nas instituições, maquinal e rotineiramente, não se interessando pelo desenvolvimento da criança ou jovem nem cuidando das suas necessidades e aspirações, vendo fisicamente a criança, mas sem se preocuparem com o restabelecimento das condições que permitiriam o seu regresso ao lar”.

Em conclusão: tendo presente o acervo fáctico estamos à face de uma situação de sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, para cuja ultrapassagem- leia-se resolução -qualquer medida de promoção e protecção, a executar no meio da família natural, seria desadequada e insuficiente para afastar o perigo e proporcionar às crianças as condições que lhes permitam proteger-se e verem ser promovido o seu harmonioso e completo desenvolvimento físico, intelectual, afectivo e emocional.

E por exclusão se é certo que na aplicação das medidas em regime de colocação o artigo 46º nº 4 da LPCJP prevê para crianças com idade inferior a 6 anos (actualmente uma das crianças tem menos de 6 anos de idade), a prevalência da medida de acolhimento familiar sobre o residencial, a verdade é que não se vislumbra minimamente que a medida de acolhimento familiar- com previsão nos artigos 35º nº 1 e), 46º, 57º, 58º, 61º a 63º da LPCJP -seja proporcionada e adequada ao caso, na medida em que não é perspectivável e expectável que, no curto ou mesmo longo prazo, o retorno das crianças à sua família natural se mostre adequado ao seu desenvolvimento, educação, segurança e formação, não só porque se constata o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, como também porque nada permite considerar que seja meramente temporária e conjuntural a inabilidade dos progenitores para gerir as suas responsabilidades parentais- infelizmente trata-se de inabilidade congénita.

Afasta-se igualmente a medida de acolhimento residencial- artigos 35º nº 1 f), 49º a 54º, 57º, 58º, 61º a 63º da LPCJP) –já que não é minimamente expectável o regresso das crianças para junto dos progenitores.

Por todo o escrito e para fundar jurisprudencialmente esta decisão, citamos, com a devida vénia o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 2017/04/20- in www.dgsi.pt –o qual, com o recurso a expressão comum corresponde a “um fato feito à medida”:

“I -Na aplicação de medidas de promoção e protecção deve ter-se em atenção como princípio orientador o interesse superior da criança, entendido este como direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

II -A institucionalização deve ocorrer durante o menor tempo possível, de modo a evitar tudo o que de prejudicial acarreta para o desenvolvimento das crianças e deverá manter-se apenas quando se perspective um regresso rápido à família natural e caso isso não seja possível, o superior interesse da criança reconhece-lhes o direito a protecção alternativa, que pode sempre incluir a sua adopção.

III -A aplicação da medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção é adequada e necessária, no caso de duas irmãs gémeas, hoje com cinco anos de idade, institucionalizadas há mais de quatro anos, cuja mãe e avó materna apesar do cumprimento pontual do regime de visitas definido pela instituição, não se esforçaram durante todo esse tempo, para obter condições reais, efectivas e actuais de vida que possibilitem o regresso das crianças à família natural e permitam o seu integral crescimento e desenvolvimento”.

Ou ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/10/2011- mesmo sitio –em cujo sumário se pode ler:

“1. o Critério para decidir se se deve ordenar a confiança do menor a uma instituição com vista a futura adopção consiste, pois, em apurar se ocorre uma situação em que se verifica a inexistência de vínculos afectivos próprios da filiação entre pais e filhos ou uma situação em que tais vínculos estejam «seriamente comprometIdos».

2. Os «vínculos afectivos próprios da fílíação», a que alude o n.º 1 do artigo 1978.° do Código Civil, são o resultado de um processo que se prolonga no tempo, sujeito inclusive, a retrocessos e que, por isso, exige para se formarem e manterem que os pais se dediquem aos filhos de forma permanente, verificando e satisfazendo as suas necessidades físicas e emocionais, corrigindo-lhes as suas acções desadequadas e mostrando-lhes por palavras e acções o afecto que sentem por eles e fazendo-lhes sentir que eles têm valor para os pais e que aquela relação tem existido assim, existe e existirá para sempre.

3. As acções dos pais e dos filhos, na sua mútua convivência, são factos que expressam os seus estados mentais, cognitivos e afectivos, e revelam se esses «vínculos próprios da filiação» existem, não existem, estão em processo de construção, de consolidação ou desagregação e permitem, ainda, efectuar um juízo de prognose sobre se no futuro tais vínculos serão ou não algo de existente, de real, de efectivo.

4. Se os pais não conseguem cumprir os deveres de pais e com isso impedem no presente a formação dos «vínculos próprios da filiação» e idêntico prognóstico é feito para o futuro, o interesse dos filhos indica que o caminho a seguir é o da adopção”.

E também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8/7/2010- mesmo local –para quem

“I - Ser progenitor, de corpo inteiro, implica dar carinho, atenção, protecção, segurança e ter capacidade para formar, tratar e cuidar dos filhos. Se o(s) mesmo(s), apesar dos apoios que lhe(s) fo(ram) dado(s) por terceiros continua(m) a ser incapaz (es) de desempenhar tais tarefas e funções, terá necessariamente de se arranjar um substituto, capaz de, com vantagens evidentes para o menor, as exercer.

II - A incapacidade de exercer uma paternidade ou maternidade responsável pode configurar uma situação de maus tratos. Na verdade, por maus tratos não se entende só a agressão tisica ou psicológica, mas também "o insucesso na garantia do bem-estar material e psicológico da criança, necessário ao seu desenvolvimento saudável e harmonioso",

III - Nestes casos justifica-se e impõe-se a tomada de medidas protectoras, designadamente, a do afastamento ou ruptura com a família biológica, com vista a integração noutra família que ame e proteja a criança»”.

*

Em síntese conclusiva: os progenitores da AA e da BB, na acepção legal, pelo seu modo de vida, sem actividade profissional definida e estável por parte da progenitora, com regular instabilidade habitacional, atendendo às limitações cognitivas de que padecem, um progressivo esbatimento da relação com as filhas, a recusa/incapacidade própria em adquirirem boas capacidades e condições para o frutuoso exercício da parentalidade, revelaram desinteresse e insensibilidade pelas filhas, sem preocupação por buscarem um quadro de vida pessoal, familiar, económico-social estável ou estabilizado, pelo que objectiva e necessariamente colocaram em perigo a segurança, a saúde, a formação moral e a educação das duas crianças, comprometendo seriamente a “qualidade e continuidade daqueles vínculos”, com o que se mostram preenchidos os pressupostos elencados na alínea d) e e) do citado artº 1978º do CC –devendo dizer-se que as suas condutas são essencialmente omissivas.

Por outro lado, não se verifica aqui o obstáculo apontado no nº 4 desse artigo, nem existe oposição expressa e fundamentada do organismo da segurança social, antes é esta a posição assumida nos autos por ele.

E vista esta incapacidade dos pais biológicos estarem em condições de criar devidamente as crianças AA e BB, impõe-se a sua integração numa família que de forma duradoura e incondicional, possa transmitir-lhes e proporcionar-lhes o afecto, a segurança e atenção de que carecem desde há muito tempo, bem como assegurar o seu são desenvolvimento físico e intelectual, a sua confiança com vista a futura adopção surge como a resposta adequada a tais necessidades, por possibilitar a inserção das crianças numa família substitutiva de modo estável e seguro.

Resta dizer que o seu superior interesse não contemporiza com situações de instabilidade: nesta fase da sua vida elas necessitam de amor, carinho e atenção, que só lhes podem ser assegurados pela medida de confiança com vista a adopção, que por sua vez se mostra proporcional, actual e adequada aos interesses, presentes e futuros e necessidades e carências das crianças AA e BB.”.

Os recorrentes discordam, como se vê das razões que expressam nas suas conclusões de recurso (57. a 79.).   

No que diz respeito à interrogação que os pais lançam sobre a situação de perigo das menores (conclusões 57. e 58.), lidas as conclusões de recurso dos mesmos, verifica-se que eles aceitam a aplicação de uma medida de promoção e protecção, o que torna redutor e escusado o seu exercício argumentativo em redor da verificação dos requisitos do art. 3º da LPCJP e do princípio da actualidade do perigo, previsto no art. 4º, e), da mesma Lei. É óbvio que se os recorrentes reconhecem que às suas filhas deve ser aplicada uma medida de protecção – que já dura há quase 5 anos -, no caso propondo a prevista no art. 35º, nº 1, a), da mesma Lei, também reconhecem, implicitamente, que as suas filhas estavam e estão em situação de perigo e carecem de uma medida de protecção (art. 34º da mesma LPCJP).

No respeitante à não verificação dos requisitos objectivos do art. 1978º, nº 1, e respectivas alíneas, do CC, por a medida aplicada pelo tribunal a pressupor, conforme decorre do art. 38º-A, da LPCJP (conclusões 59. a 79.), importa analisar se, de facto, assim é, conforme defendem os apelantes.

O tribunal recorrido considerou que se verificava apenas o requisito da d), acima transcrito. Embora a expressão aí prevista de perigo “grave” nos deixe algumas dúvidas sobre a sua verificação, certo é que não basta a ocorrência de tal requisito objectivo, sendo necessário, ainda, a verificação de um macro requisito, digamos assim, previsto no corpo do nº 1 de tal normativo, que é a constatação de que “não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação”.   

Prosseguindo. São princípios estruturantes do sistema jurídico que permite as decisões que decretam a adopção ou das medidas que autorizam a confiança para futura adopção, aqueles plasmados na Constituição da República Portuguesa, no seu art. 36º, que preceitua que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos (seu nº 5) e que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (seu nº 6), e art. 69º, que estabelece que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral (seu nº 1), e têm direito a especial protecção do Estado as crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (seu nº 2).

E igualmente, do que decorre da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26.1.1990, ratificada por Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12.9, que consagra, nos seus artigos 3º, nº 1 (o primacial interesse superior da criança), 9º, nº1 (a não separação da criança de seus pais contra a vontade destes, salvo decisão necessária nesse sentido), 20º (a protecção e assistência do Estado, em caso de privação da criança do seu ambiente familiar) e 21º (a previsão da adopção para salvaguarda do interesse superior da criança).

Na verdade, a família é o meio privilegiado para a concretização do direito fundamental das crianças a um desenvolvimento harmonioso, num ambiente de afeição e responsabilidade, sem descontinuidades graves na educação e no afecto.

De modo que, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica).

É de salientar, porém, como já assinalámos, que é requisito autónomo - de que há que fazer prova - de todas as situações tipificadas no nº 1 do art. 1978º, a não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, pois de outro modo seria inútil a exigência de que os vínculos afectivos próprios da filiação não existissem ou estivessem seriamente comprometidos, tendo assim a confiança judicial uma causa de pedir complexa. Vistos tanto na perspectiva dos pais para com os filhos como na dos filhos para com os pais, não bastando a verificação e prova de qualquer das circunstâncias tipificadas, sendo, pois, condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrarem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, não bastando, igualmente, que o estejam os vínculos, por assim dizer, económico-sociais próprios dela (vide Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, D. Família, Vol. 2, T. 1, pág. 278, e Jorge Duarte Pinheiro, em O Direito da Família Contemporâneo, 5ª Ed. (2016), pág. 155).

Igualmente o STJ no seu Acórdão de 14.7.2016 (Proc.8605/13.3TBCSC, consultável em www.dgsi.pt) defende que só quando tivermos a certeza de que a relação parental se esvaziou de forma absoluta é que se poderá encetar o caminho destinado à procura de saber se a adopção é a melhor medida para a criança, assim desmerecida pelos seus pais.

Também o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos salienta que, sendo do interesse da criança a manutenção dos seus laços familiares, que constituem as suas raízes, só circunstâncias excepcionais, em que a família se mostrou particularmente indigna, podem conduzir à ruptura dos laços familiares (vide Ac. de 16.2.2016, em que se exarou que “é importante sublinhar que o interesse superior da criança é - salvo caso excecional - o de estar junto dos pais. A Convenção de 1989, relativa aos direitos da criança prevê, no seu artigo 3. o § 1, que em quaisquer decisões relativas às crianças o interesse superior da criança deve ser uma consideração primordial. Do mesmo modo, o Tribunal reconheceu que está tanto no interesse da criança quanto no interesse dos seus pais que os laços entre ela e a sua família sejam mantidos, exceto nos casos em que esta se tenha mostrado particularmente indigna: quebrar estes laços é cortar a criança das suas raízes”).

Descendo ao caso concreto, e face aos factos provados 7. a 9., 15, 16., 67., 92., 93. e 95., concluímos que entre as menores e os pais existem fortes vínculos afectivos próprios da filiação. O que inviabiliza, por conseguinte, a medida de sua confiança para adopção.

Também são de rejeitar medidas proteção em regime de colocação (art. 35º, nº 2 e 3, da LPCJP), pois as menores há quase 5 anos que estão institucionalizadas, havendo, portanto, que dar preferências às medidas a executar em meio natural de vida.

Como se refere no Ac. do STJ, de 30.11.2004, in CJ, T. 3, pág. 130, “Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidade que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante com a criança, impõe a Constituição que se salvaguarde o superior interesse da criança, particularmente através da adopção” mas ainda que “atento o primado da família biológica, há efectivamente que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vislumbre a possibilidade destas reencontrarem o equilíbrio”.

Julgamos que esse equilíbrio pode ser alcançado, com uma reintegração familiar das menores, pois as crianças que vivem em instituição, de acordo com dados da psicologia, sofrem de depressão, sentimentos de solidão e falta de afecto, o que atrasa, irreversivelmente, o seu desenvolvimento físico e intelectual.

No nosso caso, sabemos da matéria apurada que os pais das menores são pessoas simples, de pobre instrução, de nível social baixo, de fracos rendimentos económicos, e não muito exigentes a nível pessoal (uma nota à parte, se este tipo de pessoas e agregados familiares fosse de excluir para manter os seus filhos menores, então, em bairros urbanos das grandes cidades e aldeias do nosso país onde abunda a pobreza desse tipo, nesses diversos níveis, então haveria milhares e milhares de crianças para adopção !!). 

Mas são pessoas que nunca mostraram desinteresse pelas menores, bem pelo contrário, sempre foram perseverantes, mantendo regular e continuamente, ao longos de todos estes anos, apesar de várias vicissitudes, visitas e contactos regulares com as mesmas. O que demonstra devidamente o interesse e afecto que devotam às filhas. E a verdade é que a fratria e os pais gostam uns dos outros e têm forte vínculo afectivo.

Desta sorte, e particularizando, constata-se que a decisão recorrida assenta em 3 premissas para decretar a medida que determinou, penalizante para a grande generalidade dos normais progenitores, que é o afastamento total dos filhos. As premissas são: A personalidade dos recorrentes - vulnerabilidade; adoptam um estilo parental permissivo, não manifestando capacidade de se impor aos filhos.

Serão tais motivos tão pesados e determinantes para se tomar a opção pela medida decretada, a mais radical, em detrimento de outras possíveis medidas?

Será que eles justificam o corte letal dos laços afectivos das menores com os pais ?

Achamos que não.

A personalidade de cada pessoa …. é a personalidade de cada pessoa. Não há formatação de personalidades. Desde que cada um desempenhe o papel que familiar e socialmente lhe incumbe não pode dizer-se que há modelo standard, de pais e mães. Os recorrentes são pessoas vulneráveis. Certo. Mas quantos de nós, independentemente das profissões que exercemos, preparação intelectual e cultural, e experiência de vida não manifestamos tais vulnerabilidades, como angústias e dificuldades ! Uma mão-cheia ou muitos, mas mesmo muitos de nós.

Quanto ao estilo parental permissivo e dificuldades de imposição o que se pode admitir é que haverá imperfeições dos apelantes quanto ao modo educacional dos seus filhos, que é, aliás, uma característica transversal à actual geração de pais – permitem e aceitam muitas liberdades, vontades, ou até caprichos aos filhos, não são impositivos, contrariamente ao que se vivia nos tempos dos nossos pais – mas não faz deles piores progenitores, nem os respectivos filhos se sentem mais infelizes. O que ressalta é que os apelantes nunca manifestaram rejeitar estarem abertos a aceitar e seguir as orientações das técnicas quanto á forma educacional de se relacionar com os seus filhos, o que é um dado manifestamente positivo.

Desta maneira, as considerações de que os apelantes adoptam um estilo parental permissivo, não apresentando, assim, características de liderança, não são suficientes, para fundamentar a decisão de aplicar aos menores a medida de confiança judicial com vista à futura adopção, pois não permitem asseverar que os apelantes não possam vir mediante o convívio diário com as suas filhas – ainda que com eventual apoio – a perfilhar tais características de não permissividade e liderança.

Apelando agora ao preâmbulo do DL 185/93, de 22.5 - diploma que introduziu alterações ao Código Civil e à OTM - entretanto, alvo de alterações posteriores -, e que normativizou pela 1ª vez o actual art. 1978º do CC, vê-se que a intenção do legislador foi a de que “A confiança judicial do menor tem, como primeira finalidade, a defesa deste, evitando que se prolonguem situações em que este sofre as carências derivadas da ausência de uma relação familiar com um mínimo de qualidade e em que os seus pais ou não existem ou, não se mostrando dispostos a dar o consentimento para uma adopção, mantêm, de facto, uma ausência, um desinteresse e uma distância que não permitem prever a viabilidade de proporcionarem ao filho em tempo útil a relação de que ele precisa para se desenvolver harmoniosamente”- o sublinhado é nosso.

Ora, no quadro factual apurado não se detecta essa ausência, esse desinteresse, essa distância dos apelantes em relação aos seus filhos, pelo que não vemos que, como se afirma na sentença recorrida, que os pais das menores constituam um perigo grave para a segurança, saúde, formação e educação das suas filhas, e que, por isso, se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação”.   

Diremos, ainda, que a família é o meio privilegiado para a concretização do direito fundamental das crianças a um desenvolvimento harmonioso, num ambiente de afeição e responsabilidade, sem descontinuidades graves na educação e no afecto. De modo que, a medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção só deverá ser adoptada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica, expresso no art. 4º, g), da LPCJP) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afectivas. Nesta linha de pensamento pode ver-se o Ac. da Rel. Lisboa, de 23.4.2009, Proc.11.162/03TMSNT, de que se extracta o seguinte sumário “2. O interesse da criança ou jovem, deve ser realizado na medida do possível no seio do seu grupo familiar. Porém, em caso de colisão, sempre sobrelevará o interesse em se alcançar a plena maturidade física e intelectual da criança/jovem, ainda que, o interesse de manter a criança/jovem no agregado familiar seja postergado. 3. Do reconhecimento de que é direito fundamental da criança «poder desenvolver-se numa família (art. 67 CRP) deriva que se a criança ou o jovem tem uma família que quer assumir as funções parentais, de forma satisfatória, ainda que com o apoio da comunidade, haverá que a respeitar e aplicar a medida de apoio junto dos pais ou de outro familiar. 4. A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família e consequente institucionalização ou colocação familiar é, assim, o último recurso (…) sendo subsidiárias daquelas que promovam a sua adopção”; da Rel. Évora, de 8.9.2010, Proc.155/09.9TFFAR, com o seguinte sumário (parte): “3. Só perante a impossibilidade de integração da criança na sua família se pode decretar medida dirigida à adopção da criança. 4 - Se é certo que quando a lei afirma o princípio da prevalência dos superiores interesses da criança está a admitir implicitamente a secundarização, perante ele, do princípio da prevalência da família, o corte radical dos laços entre os progenitores e a criança, há-de porém, assentar num quadro factual de tal gravidade que seja forçoso concluir que se esgotaram todas as possibilidades de a mesma se conservar no meio natural sem correr riscos definitivamente comprometedores de um são e equilibrado desenvolvimento físico e psíquico”; e da Rel. Guimarães, de 11.11.2009, Proc.286/09.5TBPTL, com o seguinte (parte) sumário: “A consciência da importância da primazia da família biológica impõe dar apoio às famílias que, não obstante apresentarem disfuncionalidades, não comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante para a criança e manifestam a possibilidade de encontrarem o respectivo equilíbrio em tempo útil; II – Só tal não ocorrendo deveremos partir para soluções fora do âmbito familiar, tanto mais que hoje é pacificamente adquirida a menor valia destas alternativas; III – Não são infelizmente raros os casos de adopção que redundam em insucesso, apesar de todo o empenho dos adoptantes, que nos revelam jovens ansiosos pelo conhecimento e regresso à sua verdade biológica. IV – É por isso acertada a decisão de colocar a criança a viver com os seus tios, mantendo as ligações afectivas à sua família biológica, ainda que com apertado controlo por parte dos serviços públicos competentes (…)”.

Ora, face à matéria apurada existem sinais claros de que pais e filhas querem manter os laços afectivos e que os pais estão disponíveis para proporcionar os cuidados de que as filhas necessitam.

No nosso caso, pode não vir a ser uma família “perfeita”, como não serão “perfeitas” muitas outras famílias que, no entanto, não deixam de amar e cuidar dos seus filhos.

Por outro lado, o facto de algumas famílias viverem com dificuldades, não significa isso que estejam impedidas de ter consigo os filhos menores e de os educar, amar e sustentar. É evidente que estas famílias de recursos económicos e outros mais fracos terão sempre necessidade de uma ajuda social maior ou mais abrangente, não significando isso, porém, que estejam desprovidas de capacidade para criar os filhos, ou vontade para a sua auto-melhoria, e não é pelo facto de os pais das menores não serem ricos, nem possuírem inúmeros bens patrimoniais, que não podem cuidar das filhas (Não é por isso que não SE pode cuidar dos filhos, tão bem ou até melhor do que muitas famílias ditas ricas que apenas incutem nas crianças o sentimento de superioridade em relação aos outros e em que a única coisa que realmente tem valor é o dinheiro, ou que este tudo pode comprar, esquecendo-se tantas vezes, de valores e sentimentos muito mais importantes do que o dinheiro ou os bens materiais).  

Entendemos, deste modo, face aos factos provados, que atrás realçámos, que não se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação entre as menores e os pais, requisitos que a lei exige para a medida decretada.

Nem temos por seguro que seja arriscado entregá-las aos pais, cuja capacidade parental se afigura ter sido muito desvalorizada na sentença recorrida.

Ora, sendo consabido que as menores se encontram numa idade e estádio de desenvolvimento em que o estabelecimento de vínculos afectivos estáveis e seguros são cruciais para um futuro desenvolvimento psico-afectivo equilibrado, considera este Tribunal ser de proporcionar às menores o reencontro com os pais, para prover a estabilidade da família.

Mas importa não perder de vista que deverá haver uma necessidade de ajuda na adaptação da vida das menores junto dos pais, face às dificuldades sentidas por estes.

Deverão, assim, as menores ser entregue aos pais, mas será necessário haver um acompanhamento, consubstanciado na medida de apoio junto dos pais, a que se refere o art. 35º, nº 1, a), da Lei 147/99, e a que se referem, ainda, por legalmente conexionados, os arts. 39º (este normativo prevê apoio à criança de natureza psicopedagógica, social e económica), 41º (este normativo prevê programa de formação visando o melhor exercício das funções parentais) e 42º (este normativo prevê apoio ao agregado familiar da criança), da dita Lei. Aliás, diga-se, nas avaliações psicológicas dos pais relembrou-se essa possibilidade e fez-se o devido alerta (vide factos provados 24. e 35. e relatórios a fls. 785 e 798), o mesmo resultando do próprio processo, segundo indicações das entidades sociais envolvidas no mesmo (vide a ... de ... a fls. 974 e a EMAT a fls. 1199).       

Esta medida do art. 35º, nº 1, a), afigura-se ajustada e suficiente, assegurando, por um lado, a protecção das menores mediante um acompanhamento e, por outro lado, preservando os direitos fundamentais dos pais à sua educação e manutenção (art. 36º, nº 5 e 6 da CRP), de acordo com os princípios da proporcionalidade, primado da continuidade das relações psicológicas profundas e prevalência da família, contemplados no art. 4º e), g) e e h), da mesma Lei. Uma vez que, como expõe Jorge Duarte Pinheiro (ob. cit., pág. 286), a intervenção para protecção assume um carácter de excepção, devendo ocorrer só em caso de necessidade e na medida adequada, tendo em atenção a restrição que acarreta aos referidos direitos fundamentais e ao disposto no artigo 18º nº 2 da CRP, por força do qual os direitos fundamentais só poderão ser restringidos na medida necessária à salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos, no caso o direito da infância à protecção previsto no artigo 69º (consulte-se nesta linha de pensamento o Ac. desta Relação,  de 2.10.2012, em www.dgsi.pt, relatado pelo actual relator e tendo como 1º adjunto o actual 2º adjunto).

Procede, por isso, o recurso interposto pelos recorrentes.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

(…).

IV - Decisão

 

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e revoga-se a decisão recorrida, substituindo-a pela aplicação às menores BB e AA da medida tutelar de apoio junto dos pais, prevista nos artigos 35º, nº 1, a), 39º, 41º e 42º, da Lei 147/99 de 1/9, mediante o necessário Projecto de Promoção e Protecção e Plano de Intervenção, a definir na 1ª instância, medida que terá a duração de 1 ano (art. 60º, nº 1 e 2, da referida Lei). 

*

Sem custas.

*

                                                                    Coimbra, 15.2.2022

                                                                    Moreira do Carmo

                                                                    Fonte Ramos

                                                                    Alberto Ruço