Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2903/20.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO ESPECÍFICA
DEVERES DE COOPERAÇÃO EM MATÉRIA PROBATÓRIA
RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO E DO DONO DA OBRA
PRESUNÇÃO DE CULPA DO DONO DA OBRA
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 573.º, 1; 5766.º, 1 E 3; 609.º, 1; 615.º E) E 4 E 762.º, 2, DO CPC
ARTIGOS 350.º, 1 E 2; 483.º, 1 E 2; 487.º, 1 E 2; 492.º, 1; 500.º, 1; 562.º; 563.º; 566.º, 1; 572.º; 762.º, 2; 1207.º E 1209.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A alegação do demandado, confrontado com um pedido de indemnização pecuniária, de que a indemnização deve ser específica, constitui uma excepção peremptória – dado que obsta aos efeitos pretendidos pelo autor – que, por força do princípio da concentração ou da exaustão da defesa, deve ser invocada na contestação; caso o não seja, a invocação dessa excepção deve considerar-se atingida pela preclusão, pelo que não é admissível a sua alegação na instância de recurso;
II- Quando a testemunha discorre sobre a interpretação ou valoração de um facto, quando transmite ao tribunal a sua opinião, o seu juízo de valor sobre o facto que presenciou, actua já não como verdadeira testemunha – mas como técnico ou perito, mas esta circunstância não impõe, como corolário irrecusável, a conclusão radical de que a declaração da testemunha não tem valor algum – mas apenas que no valor que, numa prudente convicção – i.e. numa convicção, racional, fundamental e mental – de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova, se lhe deve atribuir, essa circunstância deva ser levada em devida e boa conta;
III- A violação dos deveres de cooperação em matéria probatória não se resolve num erro de julgamento, por erro na aferição ou avaliação das provas, antes se traduz na nulidade da decisão, que deve ter-se por verificada sempre que o tribunal extraia alguma consequência de uma falta de prova que poderia ter sido suprida pela actuação do seu poder inquisitório - nulidade que decorre de um excesso de pronúncia, uma vez que o tribunal conhece de matéria de facto que, perante a omissão de utilização do poder inquisitório, não pode conhecer, o que sucede, por exemplo, quando declara não provado um facto, dando como argumento - a sua falta de prova;
IV- Relativamente a danos causados a terceiros, a responsabilidade do empreiteiro é, necessariamente delitual, dado que o interesse atingido – v.g. um direito absoluto de terceiro - é um interesse extracontratual;
- O dono da obra responde também, por danos causados a terceiros, com fundamento numa responsabilidade extracontratual subjectiva, competindo ao lesado a prova, nos termos gerais, dos elementos constitutivos do dever de indemnizar representados pela ilicitude e pela culpa;

V- A presunção de culpa com que o proprietário ou possuidor da obra ou do edifício é onerado só é aplicável se os danos forem provocados pela ruína, desmoronamento, destruição, descalabro ou decadência do edifício ou da obra, o que não sucede com quando os danos são causados, numa fracção autónoma de edifício, por empreiteiro, na execução de uma obra noutra fracção autónoma desse mesmo edifício, em consequência das vibrações da estrutura do edifício, causadas pela utilização instrumentos ou máquinas de percussão.

Decisão Texto Integral:
Relator: Henrique Antunes
1.º Adjunta: Cristina Neves
2ª Adjunta: Teresa Albuquerque



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
AA e cônjuge, BB, e R..., Unipessoal Lda., apelaram da sentença da Senhora Juíza de Direito do Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., que julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, que contra eles foi intentada por CC e cônjuge, DD, os condenou, solidariamente, a pagar aos últimos a quantia de € 5 103,67, acrescida de IVA, à taxa legal, e de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a citação até pagamento.
Os apelantes - que pedem, no recurso, a revogação desta sentença e a sua absolvição do pedido - remataram a sua alegação com estas conclusões:
1. A sentença recorrida padece de erro de julgamento, verificando-se um erro na qualificação dos factos, na interpretação e aplicação do direito e falta de fundamento.
2. As causas do aparecimento de fissuras não foram, concreta e devidamente, exploradas, inviabilizando uma decisão informada e fundamentada.
3. Os 1°s Réus, aqui Recorrentes, fizeram, em momento próprio, prova de ocorrência de atividade sísmica, sentida em ..., a título meramente exemplificativo.
4. Duas testemunhas, amigas dos Autores e por eles arroladas, relataram não ter conhecimento de atividade sísmica, bastando tal depoimento ao Tribunal a quo para considerar os factos 20.20 e 21.21 como não provados.
5. Não obstante o princípio da livre apreciação da prova, tal consideração parece afigurar-se desproporcional e desadequada, atendendo a que serviu de fundamento para a decisão recorrida.
6. De qualquer modo, se dúvidas persistissem quanto aos fenómenos naturais ocorridos, sempre que competiria ao Tribunal a quo realizar ou ordenar, mesmo que oficiosamente, as diligências necessárias, com vista ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, em observância do Princípio do Inquisitório (art. 411° do Cód. Processo Civil).
7. A omissão de tal poder-dever inibiu o apuramento da factualidade e da consideração de atividade sísmica ter tido impacto na origem ou agravamento dos danos relatados pelos Autores.
8. Pelo que a decisão recorrida incorre em erro de julgamento, pois que se baseia em argumentos e factos insuficientemente contextualizados, dotados de uma ambiguidade sem igual e sem plausível fundamento.
9. A depoimento da testemunha EE, arrolada pelos Autores, incidiu essencialmente sobre conhecimentos profundos e especializados de matérias que o Juiz não domina, e que versam sobre a sua atividade profissional.
10. A testemunha foi arrolada não pela factualidade material que conhece, em primeira pessoa, mas antes enquanto arquiteto de profissão e, portanto, especializado numa determinada área, cujos conhecimentos convinham particularmente à narrativa dos Autores.
11. Foi, portanto, formalmente, apresentado como testemunha, quando, substancial e materialmente, deveria ter sido considerado um perito, atendendo à natureza dos conhecimentos que veio acrescentar.
12. Arrolar uma testemunha como tal, para lhe questionar sobre matéria pericial, não é uma conduta processualmente válida, deixando, aliás, de observar os tramites exigidos pelos arts. 467° ss. do Código de Processo Civil.
13. Vêm os Recorrentes condenados no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, gerada, em concreto, por responsabilidade civil objetiva.
14. Todavia, a sentença recorrida erra ao aplicar o artigo 492°, n.° 1 do Código Civil à atuação dos Primeiros Réus, porquanto os danos relatados em nada se assemelham a edifício ou obra a ruir.
15. Nestes termos, não havendo lugar a inversão do ónus, não lograram os Autores provar a culpa dos Primeiros Réus, conforme lhes competia pela leitura conjugada dos artigos 483°, 342° e 487°, n.° 1, todos do Código Civil.
16. Face ao exposto, jamais por jamais se poderia ter por constituída a responsabilidade civil
extracontratual destes, por omissão da verificação de um dos pressupostos.
17. Pelo que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, por erro na determinação da norma aplicável.
18. O Tribunal a quo fixou a indemnização devida aos Autores em dinheiro.
19. No entanto, a lei é suficientemente clara ao determinar a preferência pela reconstituição natural
da situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, nos termos do art. 566°, n.° 1 do
Código Civil.
20. Aliás, a 2- Ré é uma sociedade por quotas, que exerce a sua atividade, entre outras, na área da construção civil e obras públicas;
21. Dispondo, assim, dos meios técnicos e humanos capazes de suprir integralmente as consequências
que, alegadamente, se verificaram com o facto lesivo.
22. Nestes termos, somos de entender que o aresto recorrido viola o principio da reconstituição natural, e, como tal, incorre, igualmente, em erro de julgamento.
23. Se tudo quanto exposto não for procedente, o que desde já não se concebe, deve a presente ação
ser julgada totalmente improcedente por violação do disposto no art. 566°, n.° 2 do Código Civil.
24. Com efeito, a fixação do valor da indemnização em dinheiro deve observar a “medida da
diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal,
e a que teria nessa data se não existissem danos”, nos termos do mencionado preceito legal.
25. Ora, o Tribunal a quo valorou o depoimento das testemunhas arroladas pelos Autores, dando
como provado o facto 29 da sentença, isto é, o bom estado de conservação da casa dos Autores antes de se
verificarem as obras na fração “E”.
26. Contudo, de nada consta, especificamente, que a garagem dos Autores, em específico, se encontrasse sem fissuras ou rachadelas.
27. Pelo que, uma vez mais, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento, ao qualificar,
erradamente, como provados factos que não o foram, e se revelaram fulcrais para o culminar da decisão.
28. A douta Sentença viola, entre outros, o preceituado nos artigos 342°, 483°, 487°, n.°1, 563° e 566°, n.° 1 e 2, todos do Código Civil, e os artigos 411° e 467° e ss. do Código de Processo Civil, bem como o princípio do inquisitório e o princípio da reconstituição natural.
Os apelados, na resposta - depois de observarem que a impugnação da matéria de facto deve ser liminarmente recusada por manifesta violação do disposto no art.° 640.°, n.°s 1 e 2, do CPC - concluíram, naturalmente, pela improcedência do recurso.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
O Tribunal de que provém decidiu a matéria de facto nestes termos:
2.1. Factos provados.
1. Encontra-se descrito na 1- Conservatória do Registo Predial ... sob o n° ...11, da freguesia ..., prédio urbano destinado a habitação, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n° ...06, constituído em propriedade horizontal, composto por seis frações autónomas e independentes destinadas a habitação, assim discriminadas:
- Fração designada pela letra A., correspondente ao primeiro andar direito;
- Fração designada pela letra B., correspondente ao primeiro andar esquerdo;
- Fração designada pela letra C., correspondente ao segundo andar direito;
- Fração designada pela letra D., correspondente ao segundo andar esquerdo;
- Fração designada pela letra E, correspondente ao terceiro andar direito;
- Fração designada pela letra F., correspondente ao terceiro andar esquerdo.
2. Tal prédio foi construído há mais de 50 anos.
3. Os autores são proprietários da fracção “E” do supra identificado prédio, onde habitam, encontrando-se a aquisição da mesma registada a seu favor pela Ap. ...1 de 2003/08/28.
4. A referida fracção “E”, correspondente ao terceiro andar direito para habitação, é composta por sótão com acesso por escada privativa interior, uma garagem no rés do chão, com zona de acesso com 10 m2, a 6- a contar do norte, e um logradouro com 37,50 m2, o 3° a contar do prédio do mesmo lado da fração.
5. Os réus AA e mulher, BB, adquiriram a fração “A” do supra identificado prédio, correspondente ao primeiro andar direito, no dia 19 de Maio de 2017.
6. Em 26 de Fevereiro de 2018, os réus AA e mulher, BB, venderam tal fracção “A”, a FF, casado com GG.
7. Quando adquiriram a referida fracção “A”, os réus AA e mulher, BB, decidiram proceder a obras de remodelação dessa fracção, que envolveram a alteração do desenho/planta da fração, alterando as suas divisórias, designadamente, no que respeita às assoalhadas e às casas de banho.
8. Em 21 de Maio de 2017, o réu AA enviou um email para o administrador do condomínio do prédio, informando que eram os novos proprietários da fracção “A”, e que a partir de 22 de Maio iriam iniciar obras de remodelação da referida fracção, e que já haviam afixado um aviso na entrada do prédio.
9. Os réus AA e mulher, BB, adjudicaram a realização das referidas obras à ré R..., Unipessoal Lda., com o NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ..., ....
10. A ré R..., Unipessoal Lda., sociedade por quotas unipessoal, tem o réu AA como seu único sócio, e seu gerente.
11. As obras de remodelação da fracção “A”, supra referidas, foram executadas no período compreendido entre o dia 22 de Maio de 2017 e meados do mês de Outubro de 2017.
12. A realização de tais obras causou ruídos, poeira e lixo.
13. Na execução dessas obras foram demolidas paredes interiores da fracção, abertos roços em paredes interiores, e houve perfuração/abertura de buracos no pavimento da mesma (laje/piso), nomeadamente para intervenções nos esgotos das casas de banho, o que foi feito, com recurso a martelos pneumáticos e ferramentas semelhantes.
14. Tal acção sobre a laje/piso da fracção, com perfuração/abertura de buracos, e sobre as paredes da fracção, abrindo roços e demolindo-as, através de martelos pneumáticos e outras ferramentas semelhantes, causou vibrações na estrutura do prédio.
15. As vibrações da acção dos martelos pneumáticos na laje, bem como a demolição de paredes, e abertura de roços, provocaram fissuras nas paredes de algumas divisões da fracção dos autores, designadamente na sala de jantar, nos espaços de lazer, escritório e sótão.
16. Com a perfuração/abertura de buracos na laje para intervenções nos esgotos das casas de banho, foi perfurado o teto da garagem dos autores, que se situa directamente por baixo da fracção “A”, tendo, consequentemente, o tecto dessa garagem ficado com buracos nos locais das perfurações.
17. Essas perfurações, provocaram duas fissuras/rachaduras no teto da garagem dos autores, uma delas com áreas de tijolo da laje à superfície, e desligamento do revestimento do teto.
18. Em 20 de Outubro de 2017, foi realizada assembleia geral extraordinária de condóminos do prédio supra identificado em 1., tendo sido exarada a acta n° 12, junta sob o doc. n° 5 com a p.i., cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, na qual se exarou ademais:
“Pelo Exmo. Sr. Dr. CC foi transmitido que as obras que estão a ser feitas no 1°Drt estão a ser demasiado invasivas havendo danos estruturais quer nas partes comuns quer na sua fracção. Ainda pela Exma. Sr.^ Dr.^ HH, em representação da fracção ..., informou que as obras também causaram além de danos morais, causaram danos estruturais também na fracção (...)
Pela representante da fracção 1° Drt., Exma. Sr.^ Dr.^ II, foi pedido o contacto das pessoas que têm danos provocados pelas obras para indicar à companhia de seguros, uma vez que foi accionado o seguro de responsabilidade civil da empresa responsável pela obra (.)”.
19. Os condóminos foram informados da identidade da referida Companhia de Seguros - Seguradoras Unidas SA com sede na Av. ..., ... ..., ora ré.
20. Em 09.10.2017, a ré R..., Unipessoal, Lda., e a ré Generali Seguros S.A. (então denominada Companhia de Seguros Tranquilidade S.A., que posteriormente alterou a firma para Companhia de Seguros - Seguradoras Unidas SA, e actualmente denominada Generali Seguros S.A.), respectivamente como tomadora e seguradora, celebraram um contrato de seguro “Produto RC Construção Civil”, titulado pela apólice n° ...70, com início em 10.01.2017, pelo período de um ano, renovável por um ano e seguintes, sujeito às condições particulares, gerais e especiais, dele constantes, sendo o capital seguro de € 250.000,00 por sinistro e anuidade ou vigência e tendo ficado prevista uma franquia de 10% do valor da indemnização no mínimo de € 5OO,00 (cfr. doc. junto com a contestação da ré seguradora sob o n° 1, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido).
21. Nos termos das condições particulares da apólice, as actividades seguras são: “instalação eléctrica, instalação de canalizações, construção de edifícios, instalação de climatização”, sendo aplicáveis as seguintes cláusulas particulares: “os danos a estruturas existentes, cabos, infraestruturas subterrâneas, edifícios e terrenos vizinhos ficam sujeitos a uma franquia de 10% do valor indemnizável, no mínimo de € 1.250,00”.
22. Nos termos da cláusula 2g, 1. e 2., das condições gerais desse contrato, sob a epígrafe “Objecto do Contrato e âmbito da Garantia”, o mesmo tem por objecto a garantia da responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da Lei civil, seja imputável ao Segurado exclusivamente na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas Condições Particulares, enquanto se encontrar devidamente habilitado para o exercício da mesma, ficando garantidos os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros, de acordo com o previsto nessas condições gerais, respectiva condição especial, cláusulas e condições particulares da apólice.
23. Nos termos da cláusula 3g, al. e) da “Condição Especial”, sob a epígrafe “Exclusões Absolutas”, “Para além das exclusões estabelecidas nas Condições Gerais, ficam ainda excluídos do presente contrato fendas ou fissuras”.
24. A ré R..., Unipessoal, Lda., participou à ré seguradora, os danos reportados nas fracções “E” e “C” como tendo sido originados pelas obras que executava na fracção “A”, que deu origem ao processo de averiguação de sinistro n° ...52.
25. Os autores enviaram à ré seguradora nota dos danos sofridos na sua fracção (habitação e garagem) como tendo sido originados pelas obras levadas a cabo na fracção “A”, juntamente com a proposta de orçamento para a sua reparação junta sob o doc. n° 7 com a p.i., no montante de € 6.003,47, com IVA incluído.
26. No âmbito desse processo de averiguação do sinistro, a ré seguradora solicitou uma peritagem a todo o prédio, que foi efectuada por Resp Peritagens de Responsabilidade Civil, Lda., na pessoa de JJ, que elaborou o respectivo relatório de peritagem.
27. Em 03 de Outubro de 2018, os autores enviaram à ré seguradora a carta junta por cópia sob o doc. n° 8 com a p.i., cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, solicitando-lhe para apreciação, a comunicação da decisão final tomada pela seguradora, relativamente aos danos que haviam denunciado na sua fracção.
28. Em 08 de Abril de 2019, a ré seguradora respondeu aos autores, nos termos do email junto sob o doc. n° 9 com a p.i., cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, na qual exarou: “De acordo com os elementos recolhidos após peritagem efetuada, cumpre-nos esclarecer que, não obstante os danos reclamados por V^ Ex^, os mesmos não têm enquadramento nas garantias da apólice contratada. Assim, pelo descrito não nos compete o pagamento da indemnização reclamada”.
29. À data em que se iniciaram supra referidas as obras na fracção “A”, a fração “E” pertença dos autores encontrava-se em bom estado de conservação, não exibindo em qualquer das suas divisões quaisquer evidências de fissuras ou outras anomalias.
30. A reparação dos estragos causados na fracção “E” pertença dos autores, em consequência das obras levadas a cabo na fracção “A”, supra referidos em 15., 16., e 17., importa na quantia de € 5.103,67, sem IVA incluído.
2.2. Factos não provados.
1. Durante a execução das obras na fracção “A”, supra referidas nos factos provados, a ré sociedade não respeitou os horários legalmente estabelecidos, nem o Regulamento Geral do Ruído.
2. Durante a execução de tais obras, foram invadidas as partes comuns do prédio, quer com utensílios, quer com o lixo próprio das demolições efetuadas sem que, previamente, os réus AA e mulher, BB, e a ré R..., Unipessoal Lda., tenham obtido as exigíveis autorizações da Administração do Condomínio e respeitado as regras de higiene e de ruído.
3. As referidas obras causaram estragos na fração “C”.
4. Os buracos e fissuras no tecto da garagem dos autores, supra referidos nos factos provados, tinham as seguintes dimensões e localização: um buraco com 15-20 cm de diâmetro, localizado a cerca de sete metros do portão de entrada, junto na parede externa do edifício contígua à vivenda (parede sul), sob as casas de banho da fração do 1° andar; um buraco com cerca de 3-5 cm de diâmetro, a 30 cm do buraco acima descrito, também junto da parede externa do edifício; as fissuras, situadas a cerca de 120 cm dos dois buracos, uma com cerca de 20-30 cm de maior diâmetro, outra com cerca de 15-20 cm.
5. As obras referidas originaram fissuras nas vigas e pilares nos andares superiores, que colocam sérias reservas sobre a estrutura do prédio.
6. Os réus foram por diversas vezes instados pelos condóminos prejudicados com a realização das obras, para resolução dos problemas que causaram, nunca tendo os mesmos abordado os condóminos para tanto.
7. Os réus através da sua mandatária que os representou na Assembleia de Condóminos realizada aos 22 de outubro de 2017 assumiram os estragos na fracção dos autores.
8. Os réus foram por várias vezes instados e avisados pelos condóminos para as consequências nas outras fracções, dos meios utilizados nas obras e forma como estavam a ser utilizados, causando-lhes fissuras e infiltrações, nada tendo feito, sempre desvalorizando os avisos persistindo na sua realização com tais meios.
9. Os autores enviaram à ré seguradora o orçamento junto com a p.i. sob os docs. n° 6 e 7, conforme acordado na reunião de condomínio ..., ....
10. Os autores adquiriram a sua habitação, fracção “E”, com esforço e muito carinho.
11. O aspecto desagradável da fracção dos autores por via das fissuras que apresenta, condiciona a vida social dos mesmos, que após o término das obras na fracção “A”, têm evitado convidar as pessoas com quem têm relações de amizade e convívio para sua casa, pois sentem-se inibidos face ao aspecto feio que a sua casa, nomeadamente a área social oferece.
12. O mesmo sucede com a filha dos autores, pré-adolescente, que se inibe de convidar os seus amigos, até nos festejos dos seus aniversários, por vergonha do aspecto que a sua casa oferece evitando assim o escárnio próprio daquelas idades.
13. Aquando da aquisição da fracção “A”, pelos réus AA e BB, em Maio de 2017, os mesmos tinham como objetivo a reabilitação da fração porque a mesma passaria a ser a sua habitação própria permanente, o que mais tarde não veio a ocorrer por uma oportunidade de negócio.
14. Os autores sempre manifestaram o propósito de prejudicar os réus KK e mulher, BB, apresentando queixas infundadas junto da ACT e da Câmara Municipal ..., onde alegaram que os mesmos estavam a dividir a fração de que eram proprietários em duas novas frações, alterando assim o que tinha sido licenciado pelo Município, ou que, não estavam a ser cumpridas as regras no que ao direito do trabalho diz respeito.
15. Todas essas queixas nunca resultaram em qualquer processo contraordenacional contra os réus.
16. Durante a execução das obras, os réus sempre cumpriram com todas as normais legais, designadamente com as regras relativas ao ruído, sempre respeitaram os períodos de descanso, nunca tendo sido efetuados trabalhos em violação do Regulamento Geral do Ruído.
17. Os réus nunca receberam qualquer queixa por parte da proprietária da fracção “C”, nunca a mesma lhes tendo reportado quaisquer estragos provocados na sua fracção pelas obras levadas a cabo na fracção “A”.
18. Perante as reclamações dos autores na Assembleia Geral de Condóminos realizada no dia 20.10.2017, os réus AA e BB, comunicaram tais reclamações à ré sociedade, com o intuito de esta acionar o seu seguro de responsabilidade civil, o que perante tal comunicação, veio a fazer.
19. Realizadas perícias por parte dos técnicos da ré seguradora, os mesmos não concluíram que as fissuras que a fracção “E” dos autores apresenta, seja no apartamento, seja na garagem, resultaram das obras efectuadas na fracção “A”.
20. O prédio no qual está localizada a fração dos autores, desde a sua edificação, tem vindo a ser sujeito a fenómenos naturais, como movimentação de terras, terramotos, etc., os quais, todos eles, originaram o aparecimento das fissuras na fracção dos autores.
21. Desde o termo das obras na fracção “A”, já ocorreram diversos sismos.
22. As fissuras existentes na fracção “E” propriedade dos autores, supra referidas em 15., 16 e 17. dos factos provados, já existiam antes do início das obras realizadas pela ré sociedade na fracção “A”.
2.3. A Sra. Juíza de Direito adiantou para justificar o julgamento referido em 2.2 e 2.2., designadamente a motivação seguinte:
O Tribunal fundou a sua convicção na conjugação crítica, sua livre valoração, e à luz das normais regras da experiência comum, da globalidade da prova documental, testemunhal, e por declarações de parte produzida na audiência final, tendo ainda em consideração a factualidade aceite pelos réus.
(...) Quanto aos factos provados elencados em 8,10,18,19,20,21, 22,23,24,27,28, fundou o Tribunal a sua convicção nos documentos juntos com a pi, sob os n°s. 2, 3, 5,8, 9,10, com a contestação dos primeiros réus sob o n° 1, e com a contestação da ré seguradora, sob o n° 1, de onde ressuma tal factuaiidade.
Quanto aos factos provados elencados em 25 e 26, fundou o Tribunal a sua convicção nos documentos juntos com a pi, sob os n°s. 7, 8, 9, 10, conjugados com o teor do depoimento da testemunha JJ, jurista, que na sequência da participação de sinistro pela segunda ré à ré seguradora, procedeu à averiguação do sinistro, pelo modo e forma que concretizou, e elaborou o respectivo relatório de peritagem no âmbito do processo de averiguação do sinistro, confirmado que os autores no âmbito desse processo enviaram o orçamento junto sob o doc. n° 7 da pi
Quanto às obras que os primeiros réus decidiram fazer na fracção “A” quando a adquiriram, em que consistiram as mesmas/sua caracterização, adjudicação da realização de tais obras pelos primeiros réus à segunda ré, forma como tais obras foram feitas/ferramentas utilizados na execução das mesmas pela segunda ré, período temporal em que decorreram tais obras, e consequências advenientes das mesmas e para a fracção autónoma dos autores, e estado em que esta se encontrava antes do inícios dessas obras, fundou o Tribunal a sua convicção, na conjugação crítica, sua livre valoração, e à luz das
normais regras da experiência comum, dos seguintes elementos de prova: declarações de parte do réu AA, que confirmou que quando ele e a ré sua mulher adquiriram a fracção “A”, decidiram proceder a “obras profundas” na mesma, que foram adjudicadas à segunda ré, tendo ele declarante, acompanhado a execução das obras; depoimentos das testemunhas LL, que foi empregada doméstica na fracção “C” do prédio em referência durante 48 anos até 2019, que presenciou a realização das obras na fracção “A”, pela forma que concretizou, e que se deslocava com alguma assiduidade a casa dos autores; MM; EE, arquitecto; NN; OO, engenheiro civil; amigos dos autores há largos anos, e frequentadores com regularidade da casa dos mesmos, antes e depois das obras em referência; PP, vizinha dos autores há cerca de 18/19 anos, moradora no mesmo prédio, no ..., que presenciou a realização das obras em referência, pela forma que concretizou, e visitou a casa dos autores após o termo das obras relatando as rachadelas que visualizou na habitação
destes; QQ, engenheiro civil, que realizou trabalhos na obra em referência; e JJ, que elaborou o relatório de peritagem no âmbito do processo de averiguação do sinistro pela ré seguradora; fotografias juntas com a p.i.
Da conjugação nos termos supra expostos, de tais elementos probatórios, adquiriu o Tribunal a firme convicção de que as obras que os primeiros réus decidiram fazer na fracção “A”, que adjudicaram à ré sociedade, foram obras profundas, que envolveram a alteração do desenho/planta da fracção, com alteração de divisórias, demolição de paredes interiores, abertura de roços em paredes interiores, perfuração do piso da fracção para intervenções nos esgotos das casas de banho, obras essas que foram levadas a cabo com recurso a martelos pneumático e ferramentas semelhantes, que causaram vibrações na estrutura do prédio, e originaram como consequência directa e necessária, atenta a forma como foram realizadas e ferramentas utilizadas (martelos pneumáticos e ferramentas semelhantes), fissuras/rachadelas, nas paredes da habitação dos autores e no teto da garagem dos mesmos.
Com efeito, o próprio réu se referiu a tais obras como “obras profundas”, e embora tenha dito crer que a estrutura da fracção não foi alterada, tal resultou infirmado à saciedade pelos depoimentos das testemunhas LL, que relatou sobre o barulho que as obras provocaram, e que visualizou, pela forma que concretizou, que foram deitadas abaixo paredes interiores da fracção, e utilizados marteles pneumáticos na execução das obras; da testemunha PP, que relatou sobre o barulho provocado pelas obras e trepidação que as mesmas causaram no prédio, sentindo-se essa trepidação (indiciador de obras de vulto, com demolições e com utilização de martelos pneumáticos e ferramentas semelhantes); pela testemunha QQ, que disse terem sido demolidas paredes e abertos roços em paredes interiores da fracção, para as finalidades que concretizou, tendo sido utilizados martelos eléctricos, marretas e berbequins, ocorrendo alteração da planta inicial da fracção com a demolição de paredes; e JJ, que para elaboração do relatório de peritagem se deslocou ao prédio em Outubro de 2017, estando então a obra já cerca de 75% concluída, referindo que foram realizados “trabalhos destrutivos” com recurso a martelos eléctricos/pneumáticos. Tais testemunhas revelaram razão de ciência sobre tais factos, e os seus depoimentos foram coerentes e consistentes.
Da conjugação de tais elementos probatórios, pela forma supra exposta, dúvidas não ficaram no Tribunal, de que essas obras que foram levadas a cabo na fracção “A”, com recurso a martelos pneumático e ferramentas semelhantes, causaram vibrações na estrutura do prédio, e originaram como consequência directa, necessária, e adequada, atenta a forma como foram realizadas e ferramentas utilizadas (martelos pneumáticos e ferramentas semelhantes), as fissuras/rachadelas, nas paredes da habitação dos autores e no teto da garagem dos mesmos.
Com efeito, denominador comum no depoimento das testemunhas arroladas pelos autores (com excepção da testemunha PP, de cujo depoimento ressumou à saciedade de que antes da realização das obras, quando ia a casa dos autores, a sua preocupação não eram ver como estavam as paredes), é que antes das obras na fracção “A”, a casa dos autores não tinha fissuras nas paredes, de depois das obras, passou a ter fissuras nas paredes, nos locais que concretizaram, factualidade de que revelaram razão de ciência, atentas as relações de proximidade, vizinhança e amizade com os autores, a casa de quem com assiduidade iam, quer antes quer depois de as obras terem terminado.
A testemunha EE, arquitecto, relatou sobre as causas que podem dar origem à fissuração de paredes (naturais ou humanas), e que a fissuração por causas humanas resulta necessariamente de obras de vulto, designadamente agressão à estrutura, com martelos pneumáticos e ferramentas semelhantes, e por via de demolições de paredes, que provocam trepidação, e originam a fissuração.
A testemunha OO, engenheiro civil, relatou que a fissuração que viu, nas paredes da casa dos autores, após as obras, tem características de terem sido provocadas por impactos violentos/fortes em paredes/estruturas. E mais disse, pela forma que concretizou, que há diversas formas fazer obras, mesmo de demolição, com mais ou menos cuidado por forma a obstar ou minorar eventuais danos.
Não obstante a relação de amizade com os autores, não se surpreendeu no depoimento destas duas referidas testemunhas, qualquer tentativa de vingamento da tese dos autores, tendo os seus depoimentos sido coerentes e consistentes, e valorados no que relataram sobre as causas de fissuração, face ao conhecimento que têm na matéria ante as profissões que desempenham.
Denominador praticamente comum nos depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores, designadamente das testemunhas EE, e OO, é de que não têm conhecimento de actividade sísmica em ... que possa ter originado as fissuras na fracção dos autores que ela apresenta após as obras na fracção “A”.
A testemunha QQ, não afastou a possibilidade de as obras em referência, terem provocado as fissuras que a fracção dos autores apresenta. E a testemunha JJ, que se deslocou em Outubro de 2017 ao prédio, bem como à fracção dos autores, e ainda à fracção “C”, cujo proprietário também denunciou danos causados pelas obras como referiu, afirmou que, pelo que constatou, não tem dúvidas que as fissuras existentes na fracção dos autores (concretizando o local da situação das mesmas) eram recentes (e que pelo que apurou a fracção dos autores tinha sido alvo de obras recentes); que os “trabalhos destrutivos”, executados com recurso a martelos eléctricos/pneumáticos, produz vibrações, tendo dito que no relatório pericial que elaborou no processo de averiguação do sinistro, foi admitido o nexo de causalidade entre os trabalhos executados com recurso a martelo eléctrico e o aparecimento de fissuras “ex novo” na fracção dos autores, desconhecendo os motivos pelos quais não pagou a ré seguradora a indemnização (exarada no relatório pericial) aos autores. Mais referiu esta testemunha que lhe foi transmitido, que os trabalhos destrutivos com recurso a martelo eléctrico levados a cabo na fracção “A”, foram executados pela segunda ré, segurada.
O depoimento da testemunha JJ, primou pela isenção, equidistância em relação às partes, e foi coerente e consistente, merecedor de total credibilidade.
Da prova que se vem assim analisando dúvidas não subsistiram no Tribunal, sobre o tipo de obras que os primeiros réus decidiram fazer na fracção “A”, que adjudicaram à ré sociedade (obras profundas, que envolveram a alteração do desenho/planta da fracção, com alteração de divisórias, demolição de paredes interiores, abertura de roços em paredes interiores, perfuração do piso da fracção para intervenções nos esgotos das casas de banho), que essas obras foram levadas a cabo com recurso a martelos pneumáticos e ferramentas semelhantes, que causaram vibrações na estrutura do prédio, e originaram como consequência directa, necessária, e adequada, atenta a forma como foram realizadas e ferramentas utilizadas (martelos pneumáticos e ferramentas semelhantes), fissuras/rachadelas, nas paredes da habitação dos autores e no teto da garagem dos mesmos.
Assim, considerou o Tribunal como provados os factos elencados em elencados em 7, 9, 11., 12, 13, 14, 15, 16, 17, e 29, e como não provados os factos elencados em 19.19., 20.20., 21.21., e 22.22.
Relativamente ao facto provado elencado em 30., fundou o Tribunal a sua convicção no teor do depoimento da testemunha JJ. Confirmou a testemunha que no âmbito da averiguação do processo de sinistro pela ré seguradora, os autores enviaram a proposta de orçamento junta com a p.i. sob o doc. n° 7. sendo que ele testemunha, enquanto averiguador do sinistro, e ante as diligências que efectou, no relatório pericial que elaborou, fixou a quantia indemnizatória aos autores no montante de € 5.103,67, sem IVA incluído, pelos motivos que explicitou e concretizou. Assim, na ausência de outra prova produzida quanto ao montante em que importa a reparação dos danos na fracção dos autores decorrentes das obras na fracção “A” (já que nenhuma das demais testemunhas revelou conhecimento de tal factualidade, ou sequer referenciou tal factualidade nos seus depoimentos), e tendo em consideração que o orçamento junto com a pi sob o doc. n° 7, não foi confirmado em audiência, valorou o depoimento da referida testemunha, que sobre tal factualidade revelou conhecimento directo e razão de ciência ante as diligências que como perito averiguador efectuou.
A falta de prova dos factos elencados em 1.1., 2.2., 3.3., 4.4., 7.7., 9.9., 16.16., 17.17., e 18.18., resultaram da insuficiência de prova produzida, conjugada e valorada ainda criticamente a globalidade da prova produzida.
Assim, se é certo que as testemunhas LL, e PP, relataram sobre os ruídos provocados pelas obras, que as mesmas provocaram lixo, e horários diários que que foram executadas, certo é que do depoimento das mesmas não se logrou inferir se foram ou não respeitadas as normas legais, designadamente relativas ao ruído, horários legalmente estabelecidos, ou se a ré sociedade não obteve autorização do condomínio na eventual ocupação das partes comuns, sendo certo que nenhuma outra prova foi produzida.
Nenhuma das testemunhas ouvidas, referenciou a localização e dimensões dos buracos e fissuras no tecto da garagem dos autores. Do depoimento da testemunha JJ resultou à saciedade que a dona da fracção “C”, denunciou estragos causados na sua fracção pelas obras. E que tal foi do conhecimento dos réus, até porque tal consta exarado na acta de assembleia de condóminos de 20.10.2017 (doc. n° 5 da pi). Mais resultou do teor da testemunha que não foi considerado no processo de averiguação do sinistro, que as fissuras existentes na fracção “C” tivessem origem nas obras realizadas na fracção “A”.
Do teor do doc. n° 5 junto com a pi, visto na sua objectividade e literalidade, não se extrai que os réus, através da sua mandatária assumiram os estragos na fracção dos autores, nem que nessa reunião de condóminos foi acordado que os autores enviariam à seguradora a proposta de orçamento junta sob os docs. 6 e 7 da pi Do doc. n° 5 junto com a pi, ressuma à saciedade que antes das reclamações dos autores nessa assembleia de condóminos já havia sido accionado pela segunda ré o seguro de responsabilidade civil da mesma.
A falta de prova dos factos elencados em 5.5., 6.6., 8.8., 10.10., 11.11., 12.12., 13.13., 14.14., 15.15., radicou na total ausência de prova sobre os mesmos.
Ademais refira-se (factos 1.1. e 12.12.), que ressumou à evidência dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos autores, que os mesmos nunca se inibiram de chamar a sua casa amigos e vizinhos, precisamente para lhes mostrar as fissuras que a mesma apresentava.
Relativamente ao depoimento da testemunha RR, mediador imobiliário, nenhum conhecimento relevante demostrou ter sobre os factos, tendo outrossim sido patente a sua parcialidade, em clara tentativa de vingamento da tese dos réus, não lhe conferindo o Tribunal crédito.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação do objectivo do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ainda ser restringido, expressa ou tacitamente, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (art.° 635.° n.°s 2, 1.9 parte, 3 e 5 do CPC).
A sentença impugnada, depois de assentar em que entre os apelantes AA e cônjuge, e R..., Unipessoal Lda., foi fechado um contrato de empreitada, para a remodelação da fracção autónoma de edifício, em execução do qual foram causados danos na fracção, no mesmo edifício, dos apelados e na respectiva garagem, concluiu, de um aspecto, pela verificação de todos os pressupostos da responsabilidade por facto ilícitos relativamente à apelante R... Lda. e, por outro, que os apelantes, AA e cônjuge,, ao mandarem fazer obras de remodelação na sua fracção, que importou a demolição de paredes interiores da fracção e abertura de roços em paredes interiores e perfuração e abertura no pavimento da mesma (lage/piso), nomeadamente para intervenção nos esgotos da casa de banho, causando, com isso, danos aos autores, respondem nos termos do art.° 492.°, n.° 1, do CC, pois eram eles que estavam obrigados a proceder à conservação e vigilância da sua fracção autónoma. Por último, assentou em que a responsabilidade dos apelantes é solidária.
Destas considerações a sentença impugnada fez derivar a constituição de todos os apelantes num dever, solidário, de reparar os danos patrimoniais sofridos pelos apelados, indemnização que fixou em dinheiro, embora não se trate de uma obrigação pecuniária em sentido estrito, i.e. de uma prestação através da qual o devedor visa assegurar um determinado valor patrimonial expresso num montante monetário nominal, mas de uma obrigação de valor, também conhecida como dívida de valor, que é aquela que têm por objecto prestações nas quais o dinheiro é utilizado como meio da respectiva quantificação e liquidação.
No ver dos apelantes, o sentido da decisão impugnada só se explica, por um lado, pelo error in iudicando da matéria de facto relevante - por erro na aferição ou valoração da prova testemunhal e por violação, por omissão, do princípio do inquisitório relativamente a factos que foram julgados não provados - e, por outro, pelo erro na qualificação, i.e., na escolha da norma jurídica para enquadrar o caso concreto, nos segmentos em que se serviu da norma reguladora da responsabilidade por danos causados por edifícios ou outras obras para vincular os apelantes AA e cônjuge ao dever de indemnizar e ao optar, para a reparação dos danos patrimoniais suportados pelos autores, pela indemnização em dinheiro, em detrimento da reconstituição natural (art.°s 492.°, n.° 1, 562,°, n.° 1 e 566.°, n.° 1, do Código Civil).
Crê-se que o problema do conteúdo da indemnização - específica ou pecuniária - não constitui objecto admissível do recurso.
A obrigação de indemnização visa a remoção do dano imputado ao respectivo sujeito (art.° 562.° do Código Civil). A indemnização pode ser específica ou pecuniária. A lei civil fundamental portuguesa revela uma nítida preferência pela indemnização específica, considerada mais perfeita do ponto de vista da reparação do dano. Este deve ser reparado mediante a reconstituição, restauração ou reposição natural, meio mais eficaz de obter o escopo visado com a obrigação de indemnização: a remoção do dano real (art.° 566.°, n.° 1, do Código Civil).
Na espécie do recurso, os apelados optaram, logo na petição inicial, para a reparação dos danos patrimoniais, pela indemnização pecuniária, i.e., pelo valor correspondente à lesão ou dano, através da entrega de uma soma em dinheiro. Nas contestações, os apelantes impugnaram a sua responsabilidade e os danos alegados pelos autores, mas guardaram sobre a questão da modalidade da indemnização o mais completo silêncio; só no recurso, em face da sua condenação, solidária, em indemnização pecuniária, é que suscitam a inadmissibilidade, no caso, dessa espécie de indemnização, sustentando que deve, injuntivamente, ser específica.
Se o autor pede uma indemnização pecuniária e o réu lhe opõe que a reparação deve ser específica, caso a objecção proceda, o pedido deve ser julgado improcedente, dado que à sentença não é admissível condenar em objecto diverso do pedido - condenação num aliud - no caso, em indemnização específica (art.°s 609.°, n.° 1, e 615.°, e) do CPC). O que significa que aquela objecção outra coisa não é que uma excepção peremptória, uma vez que obsta aos efeitos pretendidos pelo autor (art.° 576.°, n.°s 1 e 3, do CPC).
Ora, por força do princípio da concentração da defesa ou do ónus da fundamentação exaustiva da defesa, esta deve ser deduzida na contestação; caso o não seja, dá-se um inevitável efeito preclusivo: ao réu fica definitivamente vedada a possibilidade de arguição, v.g., da excepção peremptória, em momento ulterior (art.° 573.°, n.° 1 do CPC).
Considerados a partir da finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida. No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa acção foi correctamente decidida, ou seja é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[1].
No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, o que significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não hajam sido formulados: os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais - e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[2].
Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova - na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[3].
Serve isto para dizer que, no caso, está inteiramente excluída a possibilidade de considerar na decisão do recurso - como pretendem os recorrentes - a referida excepção peremptória, dado que só a invocaram na instância do recurso e não, como era seu ónus, nos articulados de contestação que apresentaram na instância de que aquele provém. Este recurso tem apenas por finalidade controlar a decisão impugnada, nas exactas condições que foi proferida, pelo que é inadmissível a invocação de excepções peremptórias que podiam e deviam - em cumprimento pontual do ónus de concentração da defesa - ter sido invocados na instância recorrida e nela sido julgadas.
De resto, não se tem por indiscutível que ao lesado não seja lícito optar pela indemnização pecuniária. Realmente, ao menos segundo certo entendimento do problema, o lesado pode optar entre a restauração natural e a indemnização em dinheiro, não tendo o devedor o direito de indemnizar mediante reposição natural. Se o lesado optar pela indemnização em dinheiro, poderá recusar a indemnização por reconstituição natural que o responsável queira prestar-lhe, a não ser que a recusa seja contrária á boa fé (art.° 762.°, n.° 2, do Código Civil). Optando o lesado pela reconstituição natural, a indemnização deverá ser fixada em dinheiro, sempre que, v.g., a restauração natural se mostrar excessivamente gravosa para o obrigado[4]. O que se julga, de todo, contrário á boa fé é o lesante - depois de negar terminantemente o direito de indemnização, pecuniária ou não, alegado pelo lesado - se propor indemnizar por reconstituição natural, apenas após a sua condenação na prestação da indemnização pecuniária (art.° 762.°, n.° 2, do CPC).
Como quer que seja, tal questão, pelas razoes já expostas, não constitui objecto admissível do recurso.
Na resposta ao recurso, os apelados são do parecer de que a impugnação da decisão da matéria de facto deve ser rejeitada, in limine, por não cumprimento, pelos apelantes, do ónus da impugnação dessa matéria que a lei de processo é terminante em vinculá-los.
Como importa estabilizar ou solidificar a base de facto sobre a qual deve ser reponderada a solução de direito encontrada pela sentença impugnada, importa começar a apreciação da bondade do recurso por este objecto. Conhecimento que vincula, naturalmente, à exposição do conteúdo do apontado ónus e à determinação das consequências do seu incumprimento.
3.2. Impugnação da decisão da matéria de facto.
Os factos que os apelantes reputam de mal julgados são, directamente, os que foram considerados não provados com os n.°s 20.20 e 20.21 que têm por objecto a movimentação de terrenos e a actividade sísmica enquanto causa dos estragos verificados na fracção autónoma e na respectiva garagem dos apelados - e, indirectamente, os que foram julgados provados com o n°s 14 a 17, no quais se descreve, como etiologia daqueles estragos uma causa inteiramente diversa: as obras realizadas na fracção autónoma identifica pela letra “A”, então pertença dos apelantes AA e cônjuge.
As provas que, no ver dos apelantes foram avaliadas em erro são dos depoimentos das testemunhas EE e OO. Provas que, segundo os apelantes, numa avaliação prudente, convencem da realidade ou veracidade dos referidos factos que foram declarados não provados e, inversamente, da inveracidade, dos que se julgou provados.
O recorrente que impugna a decisão da matéria de facto deve especificar, sob a pena grave de rejeição, nesse segmento, do recurso, quais os pontos concretos que considera incorrectamente julgados, quais os meios de prova, constantes do processo ou do registo ou da gravação nele realizada, que impõem uma decisão diversa sobre esses pontos e a decisão que, no seu ver, deve ser encontrada para os pontos factos impugnados (art.° 640.°, n.° 1, a) a c), do CPC). Neste último caso, quando os meios de prova invocados como fundamento no erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente proceder à indicação das passagens do registo fonográfico em que funda a impugnação, sem prejuízo da faculdade de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (art.° 640.°, n.° 2, a), do CPC). Porque se formulou a exigência da especificação, exacta, pelo recorrente dos factos e das provas, que no seu ver, foram mal avaliadas, e das passagens da gravação em que funda a impugnação? Para que o recorrido e o tribunal ad quem, que há-de julgar o recurso, fiquem habilitados a conhecer nitidamente, as provas e os troços ou os segmentos da prova pessoal registada susceptíveis de inculcar o error in iudicando que o recorrente assaca à decisão da questão de facto. A parte contrária necessita de o saber para exercer o seu direito ao contraditório e porque lhe incumbe, na resposta ao recurso, indicar as provas e os depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente; o tribunal ad quem carece de o saber para poder reapreciar, com segurança e reflexão, o julgamento cuja exactidão se impugna (art.° 640 n.° 2, b) do CPC).
E a exigência de que a indicação seja exacta, precisa, específica, visa, nitidamente - sobretudo nos casos de depoimentos particularmente extensos - permitir, tanto à parte contrária, como ao Tribunal ad quem - uma audição, fácil e célere, das passagens do registo sonoro em que se funda a impugnação, de modo a avaliar, de forma ágil, se os troços do registo apontados pelo recorrente são ou não adequados a inculcar o erro de julgamento que invoca, sem prejuízo, todavia, da actuação, pelo tribunal ad quem dos seus poderes de investigação oficiosa, portanto, da faculdade de proceder à audição de quaisquer outros segmentos do registo, do mesmo ou de outros depoimentos.
No entanto, para que este ónus da impugnação da decisão da questão de facto se tenha por satisfeito, é suficiente que a indicação das passagens do registo seja feita na alegação, não sendo necessária, para que se tenha por cumprido, que seja repetida nas conclusões com o que o recorrente deve rematar aquela a alegação[5].
Realmente, de harmonia com a jurisprudência constante - mas discutível - do Supremo Tribunal de Justiça, há que operar um distinguo, no ónus da impugnação da matéria de facto que vincula o apelante, entre um ónus primário ou fundamental - referido à indicação dos pontos que o recorrente reputa de mal julgados, aos meios de prova que impõem decisão diversa e à decisão que deve ser proferida sobre esse as questões de factos impugnadas - e um ónus secundário - que tem por objecto a indicação exacta das passagens do registo sonoro da prova. Distinção que, relacionada com o ónus de formular conclusões, determina esta solução: a falta nas conclusões, da referência à impugnação da matéria de facto, à menção dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e os meios de prova susceptíveis de inculcar decisão diversa daquela que foi encontrada, para aqueles pontos de facto, pela decisão da 1,g instância, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser proferida, é fundamento de rejeição, total ou parcial, do recurso no tocante à impugnação da decisão da questão de facto (art.°s 635.°, n.°s 2 e 4, 639.° e 641.°, n.° 2, b), do CPC); para que se tenham satisfeitas as restantes exigências dessa impugnação - designadamente a indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda - é suficiente que sejam levadas ao corpo da alegação (art.° 640.°, n.° 1, b) e c), do CPC)[6]
Ora, no caso é patente que os apelantes não procederam à indicação, tanto no corpo da alegação, como nas conclusões com que a encerraram, das passagens do registo fonográfico em que fundam a impugnação, nem procederam à transcrição dos segmentos dos depoimentos das testemunhas cuja força persuasiva foi, no seu ver, erroneamente aferida. Ergo, os apelantes não cumpriram, com a pontualidade devida, o ónus de impugnação da matéria de facto apontado e, consequentemente, ficaram incursos, na sanção, radical e enérgica, que a lei comina para a inobservância daquele ónus: a rejeição, nesse segmento, do recurso.
Segundo os impugnantes, a desvalorização ou depreciação do depoimento de uma das testemunhas em que a Sra. Juíza de Direito baseou a sua convicção - a testemunha EE, arquitecto - resulta da circunstância de, no fundo, ter deposto, não como testemunha, mas como perito. Realmente, tal como linearmente decorre da motivação com que a Sra. Juíza de Direito procurou justificar o seu julgamento, aquela testemunha relatou sobre as causas que podem dar origem à fissuração de paredes (naturais ou humanas), e que a fissuração por causas humanas resulta necessariamente de obras de vulto, designadamente agressão à estrutura, com martelos pneumáticos e ferramentas semelhantes, e por via de demolições de paredes, que provocam trepidação, e originam a fissuração.
Nalguns quadrantes jurídicos, v.g., nos sistemas jurídicos dos países anglo-saxónicos, não existem diferenças apreciáveis entre as declarações do perito e da testemunha, porque se parte, por um lado, de um método uniforme de interrogatório e, por outro, do reconhecimento de que toda a declaração pressupõe uma série de juízos e de valorações, radicando a possíveis diferenças apenas nos matizes do número e da qualidade dessas valorações, que são maiores no caso do perito. Diversamente, nos sistemas jurídicos continentais, como o português, parte-se, nitidamente, da diferença entre o perito e a testemunha, de tal modo que uma das maneiras de determinar o perito e a função que cumpre no processo, consiste precisamente em distingui-lo da testemunha. Controverso é, todavia, o critério que deve ser utilizado para esse distinguo. Encurtando razões, considera-se correcto, para estabelecer a diferença entre a testemunha e o perito - apesar da natureza acidental e formal do critério - o carácter casual ou propositado da aquisição de conhecimentos que são transmitidos ao tribunal: a testemunha dá noticia de factos ou circunstâncias casualmente observadas, i.e., que não o foram em função ou por causa da acção pendente; o perito, de factos ou circunstâncias que foi encarregado de averiguar ou de investigar pelo tribunal de uma causa. Portanto, a testemunha colhe os dados quando eles ainda não tinham carácter processual; o perito observa- os e aprecia-os quando já adquiram esse carácter.
O papel da testemunha é levar ao tribunal factos e - embora a realidade judiciária constranja a conclusão contrária - factos verdadeiros. A lei adjectiva portuguesa assenta nitidamente no pressuposto de que a função da testemunha é única e simplesmente narrar factos. A testemunha - declara terminantemente a lei - é interrogada sobre factos e é, por exemplo, a oposição directa acerca de determinado facto, entre os depoimentos das testemunhas, que autoriza a sua acareação (art°s 516.°, n.° 1, e 523.° do CPC). Portanto, a testemunha é chamada para narrar ao tribunal os factos de que tem conhecimento e para indicar a fonte desse conhecimento. Só isso.
A cada passo se vai além desta linha, sendo frequente formularem-se à testemunha perguntas tendentes a obter dela o juízo ou opinião que formulou sobre factos observados - e mesmo sobre factos que não observou. Porém, quando isso sucede, ultrapassa-se o limite da prova testemunhal e a testemunha tem o direito de não responder; se o fizer, o seu depoimento tem pouco valor. Quando a testemunha discorre sobre a interpretação ou valoração de um facto, quando transmite ao tribunal a sua opinião, o seu juízo de valor sobre o facto que presenciou, actua já não como verdadeira testemunha - mas como técnico ou perito. Mas esta circunstância não impõe, como corolário irrecusável, a conclusão radical de que a declaração da testemunha não tem valor algum - mas apenas que no valor que, numa prudente convicção - i.e. numa convicção, racional, fundamental e mental - de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova, se lhe deve atribuir, essa circunstância deva ser levada em boa conta (art.° 607.°, n.° 5, 1.9 parte, do CPC). A circunstância de às declarações da testemunha não poder ser atribuído o valor que, v.g., se associa à perícia, ainda que de opinião, não impede, em absoluto, a sua livre valoração, dado que se não for possível atribuir ao meio de prova qualquer dos valores que a lei lhe atribui em abstracto, é sempre possível atribuir-lhe um desses valores, o que é confirmado pela regra de que o reconhecimento de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão, sempre vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente (art.° 361.° do Código Civil).
Note-se que mesmo que se devesse concluir por uma avaliação imprudente pela Sra. Juíza de Direito dos depoimentos indicados pelos apelantes, ainda assim não haveria fundamento para declarar provados ou não provados, conforme o caso, os factos que aqueles reputam de erroneamente julgados. É que - como é claro e cristalino em face da fundamentação exteriorizada por aquela Magistrada para justificar o seu julgamento - a sua convicção para julgar provados os factos referidos nos n.°s 14 a 17 fundou-se também ou concorrentemente nos depoimentos das testemunhas QQ - prestador de serviços para a apelante R..., Lda. - e JJ - perito de responsabilidade civil - e, quanto á força persuasiva - ou à ausência dela - das declarações destes intervenientes acidentais e à prudência ou imprudência, da Sra. Juíza de Direito, na sua avaliação não foi gasta, pelos apelantes, uma só palavra.
Por último, o erro na fixação dos factos materiais da causa, radicaria, segundo os apelantes, na omissão, pela Sra. Juíza de Direito, do seu dever de inquisitório.
O objecto do processo é delimitado livremente pelas partes, à sombra do princípio do dispositivo (art.° 5.°. n.° 1, do CPC). Fixado, porem, o complexo de factos a provar, o juiz é livre quanto à determinação das diligências através das quais a prova será feita (art.°s 411.°, 433.°, 436.°, 490.°, n.° 1, e 526.°, n.° 1, do CPC). No plano restrito da prova, domina o princípio da cooperação, que aqui se traduz num dever de auxílio das partes pelo tribunal: o tribunal, que tem o dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades no exercício dos seus direitos ou no cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais, tem o poder-dever de determinar a prestação de informações sobre dados que se encontrem na posse de serviços administrativos (art.°s 7.°, n.° 1, e 418.°, n.° 1, do CPC). Todavia, uma coisa é o dever do tribunal de, no cumprimento do dever de colaboração, auxiliar as partes no cumprimento do ónus da prova que as vincula - outra, bem diversa, é substituir-se-lhes no cumprimento desses ónus. Assim, por exemplo, o poder-dever de requisição de documentos ou informações deve ser considerado como subsidiário e supletivo do direito das partes, pelo que mal avisado andará o juiz que se apresse a requisitar documentos ou informações que as partes estão em tempo de oferecer ou que podem, sem qualquer dificuldade, obter por si mesmas. Em qualquer caso, o juiz só deve actuar o dever de auxílio nos casos em que o seu exercício seja reclamado pela razão superior da boa instrução do processo, v.g. dada a relevância de um qualquer facto para a boa decisão da causa que pode ser adquirido para o processo, por exemplo, através da requisição de um documento ou de uma informação.
No caso, do recurso os apelantes queixam-se de que os factos julgados não provados sob os n.°s 20.20 e 21.21 poderiam - decerto só eventualmente - ter sido declarados provados se a Sra. Juíza de Direito, em actuação do princípio do inquisitório, tivesse requisitado ao organismo público detentor de informação sobre a actividade sísmica - o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, IP - a prestação dessa informação.
Note-se, em primeiro lugar, que a obtenção dessa informação apenas permitiria adquirir o facto da ocorrência dessa atividade sísmica - mas não que esse fenómeno é a causa, próxima ou remota, dos danos verificados na fracção autónoma de edifício dos autores: para estabelecer essa relação de causalidade sempre seria exigível a produção de outras provas, dado que aquele nexo causal não decorre, ipso facto, da ocorrência dos abalos sísmicos, visto que para aqueles danos é possível encontrar uma multiplicidade de outras causas, v.g., o assentamento da estrutura por cedência das fundações, a deformação qualquer outro elemento estrutural do edifício provocado por um qualquer movimento, de todo estranhas à oscilação sísmica - ou a execução, negligente, de obras numa parte desse mesmo edifício.
Depois, não vem - nem foi - alegada pelos apelantes qualquer dificuldade, por mínima que fosse, na obtenção, pelos seus próprios meios, dessa mesma informação: o dever de colaboração que, mesmo no domínio sensível da prova, vincula o tribunal, não há-de, decerto, servir para alijar no tribunal os ónus probatórios que as vinculam.
De seguida, é natural que a Sra. Juíza de Direito não tivesse sentido a necessidade de requisitar a apontada informação - como patentemente decorre da motivação que adiantou para justificar o seu julgamento da quaestio facti - por em face das provas produzidas, maxime, do conjunto da prova testemunhal, ter ficado convencida, para além de qualquer dúvida que se devesse ter por razoável, de que a causa próxima dos danos causados na fracção autónoma de edifício dos apelados foram as obras realizadas - e os instrumento utilizados na sua execução - na fracção então pertença dos recorrentes AA e cônjuge.
Por último, crê-se que a consequência jurídica que se deve associar á omissão de actuação do princípio do inquisitório, na área da prova, é bem diversa do error in iudicando da matéria de facto, por erro na aferição ou avaliação da prova, o que bem se compreende dado que o está em causa não é apreciação de uma prova - mas precisamente a omissão de produção de uma prova.
Realmente, a violação dos deveres de cooperação em matéria probatória - segundo a orientação que se tem por preferível - não se resolve num erro de julgamento, por erro na aferição ou avaliação das provas, antes se traduz na nulidade da decisão, que deve ter-se por verificada sempre que o tribunal extraia alguma consequência de uma falta de prova que poderia ter sido suprida pela actuação do seu poder inquisitório - nulidade que decorre de um excesso de pronúncia, uma vez que o tribunal conhece de matéria de facto que, perante a omissão de utilização do poder inquisitório, não pode conhecer, o que sucede, por exemplo, quando declara não provado um facto, dando como argumento - a sua falta de prova (art.° 615.°, n.° 1, d), do CPC).
Simplesmente, a nulidade da sentença só releva, em princípio, mediante arguição da parte, não sendo, por isso, de conhecimento oficioso, pelo que o tribunal ad quem só adquire a competência para dela conhecer se o recorrente a alegar como fundamento do recurso (art.° 615.°, n.° 4, do CPC).
Não é, comprovadamente, o nosso caso, visto que que os apelantes não arguiram a nulidade da decisão impugnada, por aquela causa e, portanto, não constituíram esta Relação no dever funcional de dela conhecer, pelo que a violação do dever de inquisitório que assacam à sentença impugnada se deve ter por irrelevante ou inconsequente.
Todas as contas feitas, no segmento relativo à impugnação da matéria de facto, a solução correcta é uma só: a da sua rejeição, no troço em que assenta no erro da valoração da prova produzida oralmente na audiência, e da sua improcedência, na parte em que assenta em fundamento diferenciado.
Como se notou, a sentença impugnada vinculou os apelantes ao dever de indemnizar os apelados com fundamento numa responsabilidade delitual, aquiliana ou extracontratual. Importa, por isso, tornar patentes os pressupostos de uma tal responsabilidade.
3.3. Pressupostos do dever de indemnizar fundado na responsabilidade extracontratual ou aquiliana.
Consabidamente, a generalidade da doutrina - e, correntemente, também a jurisprudência - individualiza como pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e a causalidade[7].
A ilicitude decorre, de harmonia com as duas cláusulas gerais dispostas na lei, da violação de direitos subjectivos, maxime de direitos subjectivos absolutos, ou de normas de protecção (art° 483.°, n.° 1, do Código Civil).
A primeira modalidade de ilicitude compreende a ofensa a qualquer direito subjectivo, proprio sensu, mesmo os relativos - e não meros interesses - apenas se excluindo os chamados danos puramente patrimoniais, i.e., os danos que não decorram da violação de um direito subjetivo.
A segunda cláusula de ilicitude - violação de normas de protecção - exige, uma norma de conduta aplicável, destinada a proteger determinados interesses alheios e a adopção, pelo autor do facto, de um comportamento contrário a essa norma de conduta, que atinja, precisamente, os interesses protegidos pela norma violada. Nesta cláusula, compreendem-se todas as normas que tenham em vista proteger determinadas pessoas ou categorias de pessoas de lesões nos seus bens. Neste sentido, a generalidade, por exemplo, das normas incriminadoras não constitui, ao menos em sentido estrito, disposições de protecção, desde logo porque os bens jurídicos protegidos pela lei penal são, em geral, coincidentes com os que, de acordo com o direito civil, têm carácter absoluto. Assim, se o dano causado atingir direitos subjectivos, dá-se a consunção da cláusula normas de protecção. A infracção destas normas não deixa, contudo, de ser relevante, mas como elemento indiciador da violação do cuidado objetivamente devido, o que sucederá - e sucede com frequência - quando as disposições legais de protecção representem tipificações legais de deveres de cuidado.
A violação de direitos subjectivos ou de normas de protecção requer uma conduta ilícita e culposa do infractor. Há acordo quanto aos elementos em que se analisa aquela violação, mas não uma concordância quanto ao conteúdo específico de cada um desses elementos, como mostra a controvérsia suscitada pela relação entre a ilicitude e o dolo e a negligência e, portanto, pela caracterização da culpa, dado que a eventual inclusão dos elementos subjectivos na ilicitude implica a deslocação do dolo e da negligência da culpa - onde tradicionalmente são incluídos - para a ilicitude.
Para a doutrina tradicional, que pode dizer-se dominante para que um comportamento seja qualificado como ilícito, basta que ele constitui uma causa adequada de um resultado antijurídico: a ilicitude é qualificada em função do resultado, pelo que a conduta é ilícita quando o seu resultado for contrário ao direito.
Todavia, para uma orientação mais moderna, baseada na teoria da acção final - que, por isso, parte da verificação de que toda a acção humana se orienta para atingir conscientemente uma finalidade pré-determinada - a ilicitude da conduta não é extraída exclusivamente do resultado que provoca - mas também de certas características intrínsecas dessa mesma conduta. Para que um comportamento seja ilícito exige-se, assim, não só a violação do dever jurídico - mas também a actuação dolosa ou negligente do agente: a ilicitude da conduta pressupõe um desvalor do resultado e um desvalor da própria conduta. Em consequência, a culpa não pode ser apreciada pela relação psicológica do agente com a sua conduta, porque essa relação é estabelecida pelo dolo e pela negligência - que são elementos da ilicitude - pelo que a apreciação da culpa depende de critérios estritamente normativos ou valorativos, referidos ao juízo de censurabilidade do comportamento do agente.
A culpa decorre, portanto, de um juízo de censurabilidade ou de reprovação do comportamento do agente, de um juízo de desvalor assente na constatação de que esse agente, nas circunstâncias específicas em que actuou poderia ter conformado a sua conduta - dolosa ou negligente e, portanto, ilícita - de modo a assegurar o dever cujo cumprimento, nessas mesmas condições, lhe era exigível. Como é claro, a censurabilidade do comportamento do agente é um juízo feito pelo tribunal sobre a sua atitude ou motivação, tal como pode deduzir-se dos factos provados; na formulação desse juízo de reprovação, o tribunal socorre-se, naturalmente, de regras de experiência e critérios sociais.
Como quer que seja, seguro é que a imputação delitual, quer dizer, o esquema pela qual é possível assacar a uma pessoa um dano para efeitos de indemnização, reclama uma conduta ilícita e culposa do infractor (art° 483.°, n.°s 1 e 2. do Código Civil).
Na imputação delitual, seja dolosa ou simplesmente negligente, o ónus da prova dos factos que fundamentam o juízo de censura ético-social do agente - e não do juízo de censurabilidade em si mesmo - onera o lesado; o não cumprimento desse ónus de prova comporta uma vantagem relevante para o lesante, uma vez que impõe ao tribunal que decida contra quem aquele ónus onera (art.°s 342.°. n.° 1, 346.°, in fine, e 487.°, n.° 1, do Código Civil e 414.° do CPC). A prova dos factos que fundamentam o juízo de reprovação da conduta do lesado, cabe ao lesante, mas este está dispensado de os invocar visto que incumbe ao tribunal conhecer deles oficiosamente (art.° 572.° do Código Civil).
A indagação da culpa do responsável revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Para facilitar o funcionamento da imputação delitual, a lei estabelece presunções, através das quais opera a distribuição do ónus da prova da culpa, i.e., o encargo de demonstrar os factos de que decorre a sua existência.
Existindo uma presunção de culpa, é ao autor do dano que fica onerado com encargo de demonstrar que não teve culpa na ocorrência (art° 350.°, n.°s 1 e 2. do Código Civil).
Uma presunção de culpa[8] extraordinariamente relevante, ainda que ilidível, é a que vulnera o proprietário ou o possuidor de edifício ou de outra obra que caia em ruína, no todo em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, que responde pelos danos causados, excepto se provar que não teve culpa ou que, mesmo com a diligência devida, os danos não teriam sido evitados (art.° 492.°, n.° 1, do Código Civil).
O fundamento material geral desta imputação subjetiva residirá aqui em que a comunidade tem de poder confiar em que quem exerce o poder de domínio sobre um edifício ou outra obra, deve também dominar os riscos que para terceiros decorrem da sua ruína, por vício de construção ou defeito de conservação. Compreende-se e aceita-se o fundamento em que esta ideia repousa: quem domina uma fonte de riscos determinável dentro de um âmbito de atuação objetivável deve actuar no sentido do afastamento ou da minimização dos perigos que daquela coisa resultam para terceiros.
Realmente, quem detém um edifício ou outra obra deve adoptar as medidas adequadas a evitar danos com a sua ruína e, por virtude da sua relação com essa mesma coisa, é, além disso, quem está em melhores condições, por comparação com o lesado, para fazer a prova da culpa, i.e., dos factos susceptíveis de a fundamentar[9]. A responsabilidade não assenta no perigo eminente ao edifício ou á obra, mas na violação do dever de construir um edifício ou outra obra sem vícios ou de conservar um e outra.
O vinculado ao dever de construção sem vícios de um edifício ou de outra obra ou ao dever de conservar uma e outra, pode alijar a sua responsabilidade em dois casos: se provar que nenhuma culpa houve da sua parte; se demonstrar que os danos sempre se produziriam, ainda que não houvesse culpa sua, hipótese em que pode prevalecer-se da relevância negativa de causas virtuais. Esta solução obedece, nitidamente, a este duplo pensamento: prevenir o perigo de desmoronamentos, seja evitando vícios de construção, através de uma adequada observância das regras técnicas aplicáveis, seja procedendo à conservação que, em cada momento se mostre necessária; fazer correr pelo proprietário ou pelo possuidor o risco da verificação de danos provocados pela ruína do edifício ou da obra. Em contrapartida, é-lhe conferida a possibilidade de demonstrar o cumprimento dos deveres de cuidado presentes no caso, i.e., de fazer a prova da ausência de culpa sua, e de se prevalecer da relevância negativa de causas virtuais.
Ao contrário do direito penal, o direito civil conhece um ilícito geral de negligência (art.° 483.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
O que confere especificidade e autonomia ao ilícito negligente é a violação, pelo agente, de um dever objectivo de cuidado a que, no caso, estava juridicamente vinculado. Sempre que se infrinjam regras de cuidado, de prudência, de atenção ou diligência - ocorre um delito negligente.
Contudo, a concepção da violação do cuidado objectivamente devido como elemento individualizador do delito negligente é apenas uma proposta de solução possível: o conceito de criação ou de incremento de um perigo não permitido, importado da dogmática penal[10], é também apto a densificar o conteúdo do ilícito negligente.
De harmonia com a teoria do risco permitido, a imputação do resultado à conduta do agente só ocorre quando o comportamento tenha criado, ou aumentado ou incrementado um risco proibido, desde que esse risco se tenha materializado no resultado danoso[11]. Sempre que o agente tenha criado um risco não permitido ou aumentado o risco já existente e esse risco conduza à produção do resultado concreto, este deve ser-lhe objectivamente imputado; inversamente, a imputação deve ter-se por excluída, por exemplo, quando a conduta que produziu o evento não tenha ultrapassado o limite do risco juridicamente permitido.
A diferença entre uma e outra proposta de solução é mais aparente do que real, dado que numa perspectiva prático-normativo, os dois conceitos acabam por se equivaler: a determinação do cuidado objectivamente devido corre paralelamente aos limites do risco permitido[12].
Seja como for, há sempre que proceder à concretização das normas de cuidado, à determinação do cuidado objectivamente devido no caso concreto, i.e., dos deveres que devem ser observados pelo agente para que se possa excluir a imputação por negligência.
A imputação negligente não se basta com a inobservância do cuidado geral com que toda a pessoa se deve comportar na interacção social; a sua comprovação exige, antes, a violação de normas de cuidado que servem concreta e especificamente o tipo de ilícito respectivo, ou, dito doutro modo: na aferição do preenchimento do ilícito negligente, assume importância nuclear a determinação do cuidado objectivamente devido no caso concreto.
Como é natural, o mais importante elemento concretizador do cuidado objectivamente devido no caso concreto é o que resulta normas jurídicas de comportamento, contidas em leis ou regulamentos. A violação dessas normas constituirá indício claro de uma contrariedade ao cuidado objectivamente devido.
Note-se, porém, que se o desacatamento de normas dessa natureza constitui um indício da infracção do cuidado objectivamente exigível, poderá não ser suficiente para fundamentar de forma definitiva essa violação: que o que é perigoso em abstracto pode deixar de o ser no caso concreto, é coisa que se compreende por si[13].
Assim, quando o perigo típico de comportamento pressuposto pela norma jurídica falte excepcionalmente, em virtude da especial configuração do caso concreto, não pode esse comportamento ser considerado como contrário ao cuidado objectivamente devido.
E o inverso também pode ser verdadeiro: apesar da observância da norma, legal ou regulamentar, poderá ainda assim, existir uma violação do cuidado objectivamente exigível, embora, em tal caso, se deva ser particularmente rigoroso na afirmação da existência de um delito negligente[14].
Negativamente, a imputação delitual negligente é delimitada pelo chamado princípio da confiança. A este princípio bem pode imprimir-se esta formulação: quem se comporta de harmonia com o cuidado objectivo deve poder confiar que o mesmo acontecerá com os outros, excepto se tiver motivo fundado para crer - ou dever crer - de outro modo.
A justificação substantiva deste princípio e, portanto, a determinação do seu âmbito de actuação, pode sintetizar-se nesta proposição: como regra geral não se responde pela falta de cuidado alheio, antes o direito autoriza que se confie que os outros cumprirão os seus deveres de cuidado. Encontrando o princípio da confiança o seu fundamento material no princípio da auto-responsabilidade, segue-se que não é juridicamente exigível, que se deva contar sempre com aquelas pessoas que violam as regras jurídicas de comportamento e, por essa via, as normas de cuidado.
Há uma tendência frequente para concluir sem mais que não pode socorrer-se do princípio da confiança aquele que se comporta em violação do dever objectivo de cuidado. Feita assim, a afirmação é inteiramente inexacta, dado que bem pode suceder que, v.g., o facto e o dano consequente não possam objectivamente ser imputados àquela violação do dever - logo de acordo, de resto, com o critério da imputação objectiva, de harmonia com o qual é necessário que seja o perigo típico criado ou potenciado pela conduta aquele que se concretiza, ele próprio e não outro, no resultado danoso.
Na lei civil fundamental portuguesa, o cuidado objectivamente devido e concretizado com apelo ao bom pai de família, portanto, ao cidadão normal, ao homem médio (art.° 487.°, n.° 2, do Código Civil). O critério definidor do esforço que é objectivamente exigível a cada pessoa é, assim, além de normativo, objectivo e generalizador, e, portanto, não entra em linha de conta com as capacidades pessoais do agente concreto, caso estas sejam inferiores às do homem médio. A concretização do bom pai de família deve, porém, fazer-se na específica área de interesses e de competência técnicas em que se insere o devedor.
Como as considerações anteriores deixam antever, uma coisa é a constatação da violação objectiva de um dever de cuidado outra bem diferente a imputação objectiva do dano à violação desse dever[15].
Para que o lesante se constitua no dever de reparar o dano, não é suficiente comprovação do elemento caracterizador do ilícito negligente, que o especializa e que lhe confere autonomia - a violação do cuidado objectivamente devido no caso concreto: é ainda necessário que aquele resultado possa imputar-se objectivamente à conduta.
De harmonia com o princípio que a responsabilidade civil só intervém relativamente a comportamentos humanos e se exige, para a constituição do dever de indemnizar, um resultado, há sempre que verificar não apenas se esse resultado se produziu, como também se ele pode ser atribuído - imputado - à conduta. É a exigência de um relacionamento ou de uma conexão dessa conduta com o evento a que se procura dar resposta com a causalidade.
Uma orientação que tem merecido um apoio generalizado é a da causalidade adequada ou da causalidade jurídica sob a forma de adequação, que, simplificadamente, pode formular-se assim: um facto é causa de um resultado, sempre que, em termos de normalidade social, seja adequado a produzir esse resultado (art.° 563.° do Código Civil)[16].
A finalidade evidente da teoria da causalidade adequada é a limitar a imputação do resultado às condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do resultado. Há, porém, domínios em que as soluções que resultam da aplicação da teoria da causa adequada não são inteiramente satisfatórias, o que sucede, sobretudo, em actividades que, comportando, em si mesmas, riscos consideráveis são, todavia, legalmente permitidas. Está nessas condições, por exemplo, a circulação rodoviária em que, na generalidade dos casos, a conduta se revela adequada à produção do resultado, sem que, sob pena de paralisação ou de retrocesso da vida económica e social, seja possível proibi-la.
A teoria da adequação depara-se, pois, com várias dificuldades. Uma delas resulta do facto de o critério de adequação dever ser geral e abstracto, enquanto, depois de o resultado verificado, dificilmente se poder negar a sua previsibilidade e normalidade. O que conduz à conclusão de que o nexo de adequação se tem de aferir segundo um juízo ex ante e não ex post, portanto segundo um juízo de prognose póstuma: com este oximoro quer-se significar que o juiz deve deslocar-se mentalmente para o passado, para o momento em que a conduta foi praticada e ponderar, enquanto observador objectivo, se, dadas as regras gerais de experiência e o normal acontecer dos factos - o id quod plerumque accidit - a acção praticada teria como consequência a produção do evento[17]. Caso conclua que a produção do evento era imprevisível ou que, sendo previsível, era improvável ou de verificação rara, a imputação objectiva não deverá ter lugar.
A adequação deve, naturalmente, referir-se a todo o processo causal e não só ao resultado, sob pena de um alargamento excessivo da imputação.
Na verdade, em face das dificuldades do critério da adequação não são de estranhar as propostas da sua correcção, por recurso aos conceitos de risco permitido e do fim de protecção da norma.
De harmonia com a teoria do risco permitido, a imputação do resultado à conduta do agente só ocorre quando o comportamento tenha criado, ou aumentado ou incrementado um risco proibido, desde que esse risco se tenha materializado no resultado danoso. Sempre que o agente tenha criado um risco não permitido ou aumentado o risco já existente e esse risco - e não outro - conduza à produção do resultado concreto, este deve ser-lhe objectivamente imputado.
Não oferece dúvida que os danos podem ser causados na execução da fundamental obrigação que para o empreiteiro decorre do contrato de empreitada: a de realizar a obra convencionada (art.° 1207.° do Código Civil).
Relativamente a danos causados a terceiros, a responsabilidade do empreiteiro é, necessariamente delitual, dado que o interesse atingido - v.g. um direito absoluto de terceiro - é também, necessariamente, um interesse extracontratual (art.° 483.°, n.° 1, do Código Civil)[18]. A constituição do empreiteiro no dever de indemnizar o terceiro lesado exige, pois, aqui, a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade aquiliana. O mesmo sucede, de resto, com o dono da obra: este também responde por danos causados a terceiros com fundamento numa responsabilidade extracontratual. Mas este ponto reclama alguns esclarecimentos adicionais.
O Código Civil é terminante em estatuir que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também o dever de indemnizar (art.° 500.°, n.° 1, do Código Civil).
O requisito primeiro da responsabilidade, puramente objectiva, do comitente é, assim, a existência de uma relação de comissão. A doutrina é acorde na afirmação de que o termo comissão é utilizado, no contexto daquela disposição legal, em sentido muito amplo, abrangendo toda e qualquer tarefa, de que uma pessoa - o comissário - tenha sido incumbida por outra - o comitente[19].
Embora se discuta se o comissário tem ou de ser escolhido pelo comitente, a doutrina já é, porém, unânime em considerar que entre aquele e este deve existir uma relação de subordinação ou dependência, que autorize o comitente, não apenas a dar ordens ou instruções sobre a finalidade e os meios de execução da comissão - mas também a fiscalizar directamente o seu desempenho.
A doutrina sustenta, também nemine discrepanti, com a concordância da jurisprudência, que essa relação de subordinação ou dependência falta no caso do contrato de empreitada, em que o direito de fiscalização reconhecido ao dono da obra não afecta a independência do empreiteiro e que, por isso, este último não pode considerar-se comissário do dono da obra (art.° 1209.° do Código Civil)[20].
Dado que o empreiteiro, no cumprimento da prestação, desenvolve um trabalho autónomo, no sentido de que não deve obediência ao dono da obra, e, portanto, do contrato de empreitada não resultar a relação de subordinação ou dependência exigida pela comissão o empreiteiro não pode considerar-se comissário do dono da obra. E faltando essa relação de comissão, é meramente consequencial a exclusão, relativamente ao dono da obra, da imputação de delitual objectiva, e correspondentemente, do dever de reparar os danos, com fundamento naquela modalidade de responsabilidade, suportados por terceiros, imputáveis, objectiva e subjectivamente, a acto ilícito do empreiteiro. Só assim não será nos casos em que se deva reconhecer ao dono da obra, em vista do seu poder-dever de fiscalização, um poder de direcção e os danos tenham sido causados pelo empreiteiro precisamente na execução de ordens ou instruções específicas do primeiro (art.° 1209.°, n.° 1, do Código Civil)[21]. Mas neste caso, competirá ao lesado fazer a prova dessa circunstância.
Maneira que o dono da obra só responde, como regra, com fundamento numa responsabilidade civil subjectiva, i.e., se houver culpa da sua parte na produção dos causados a terceiros, o que vincula o lesado à prova dessa culpa a menos que deva intervir aqui uma qualquer presunção de culpa, como a que se consagra a propósito dos danos causados por edifícios ou outras obras - embora aqui a responsabilidade assente, não tanto na posição jurídica contratual de dono da obra, mas de possuidor ou proprietário do edifício ou da obra cuja ruína cause danos. Porém, para que isso suceda, é necessária a verificação no caso dos demais pressupostos desta causa específica de responsabilidade - desde logo que os danos foram causados pela ruína, total ou parcial, do edifício ou da obra (art.°s 483.°. n.°s 1 e 2, e 492.°, n.° 1, do Código Civil).
Este viaticum habilita, com suficiência, à resolução do caso colocado à atenção desta Relação.
3.4. Concretização.
É incontroverso em face dos factos definitivamente adquiridos para o processo que entre os apelantes AA e cônjuge, por um lado, e R..., Unipessoal Lda., por outro, foi concluído um típico e nominado contra de empreitada que teve por objecto mediato a realização de obras de remodelação da fracção autónoma de edifício, então pertença dos primeiros. É igualmente indubitável, á luz dos mesmos factos, que na execução dessas obras, a apelante R..., Lda. procedeu à demolição de paredes interiores da fracção e à abertura de buracos na laje, utilizando martelos pneumáticos que provocaram vibrações na estrutura do edifício e fissuras nas paredes da fracção do mesmo edifício dos apelados e no tecto da respectiva garagem - fracção que, como se lê na matéria de facto, à data do início daquelas obras, se encontrava em bom estado de conservação, não exibindo em qualquer das suas divisões quaisquer evidências de fissuras ou outras anomalias.
Sendo isto assim, tem-se por correcta a sentença apelada no segmento em que concluiu pela verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos relativamente à segunda ré - a apelante R..., Lda. Realmente, a conduta desta recorrente é claramente ilícita dado que dela resultou a violação de direito absoluto dos apelados - o seu direito real de propriedade sobre a fracção autónoma de edifício - e aquela actuou com negligência, i.e., ou desrespeito dos deveres de cuidado e diligência a que estava vinculada e de cuja observância era capaz, dado que lhe era exigível que, na realização das obras e, sobretudo, na actividade de demolição, não utilizasse instrumentos ou máquinas que produzissem vibrações nos elementos estruturais do edifício que, por seu vez, causassem fissuras ou rachadelas na fracção e na garagem dos apelados. É, portanto, seguro que aquela apelante actuou em violação do dever de cuidado presente no caso e, portanto, com uma culpa negligente, causando aos apelados danos objectivamente imputáveis àquela ofensa do dever de diligência, ficando, por isso, vinculada ao dever de reparar aqueles mesmos danos (art.° 483.°, n.° 1, do Código Civil).
Mas, em contrapartida, a sentença impugnada considera-se incorrecta quando vinculou a esse mesmo dever de indemnizar os apelantes AA e cônjuge. É que não se divisa, em face dos factos incontroversamente adquiridos pelo processo, que aqueles tenham comportado de modo ilícito e juridicamente censurável. Como se observou, a culpa do agente pressupõe a ilicitude da sua conduta, pois que aquela culpa decorre da censurabilidade que pode ser dirigida àquele por não se ter comportado em conformidade com determinado dever-ser e de ter violado, com dolo ou negligência, direito ou interesse legalmente protegido de outrem - e, no caso, os factos provados não permitem imputar àqueles apelantes uma qualquer culpa, i.e., dirigir-lhes um juízo de censura, uma apreciação do desvalor que resulta do reconhecimento de que aqueles, nas circunstâncias em que actuaram, poderiam ter conformado a sua conduta de molde a assegurar o dever de não causar danos na fracção dos apelados, cujo cumprimento lhes era exigível nessas mesmas circunstâncias. Os únicos factos que os fundamentos desta espécie documentam relativamente aos apelantes AA e cônjuge, são a titularidade, ao tempo da verificação do facto danoso, do direito real de propriedade sobre a fracção de edifício na qual foram realizadas as obras e a conclusão, com a apelada R..., Lda., do contrato de empreitada que teve por objecto a execução daquelas obras. Destes factos não é possível extrair, tanto a ilicitude como a culpa daqueles apelantes na violação do direito real de propriedade dos autores sobre a fracção autónoma.
Julga-se, aliás, que foi por ter inteira consciência que os factos julgados provados não permitiam concluir pela ilicitude nem pela censurabilidade da conduta daqueles apelantes que a sentença convocou para enquadrar o caso concreto a norma relativa à responsabilidade por danos causados por edifícios ou outras obras, com a consequente aplicação, aos recorrentes AA e cônjuge, da presunção de culpa com que o proprietário ou possuidor da obra ou do edifício é onerado (art.° 492.°, n.° 1, do Código Civil). Porém, comprovadamente, esta norma não é a adequada para enquadrar o nosso caso: é que os danos não foram provocados pela ruína, desmoronamento, destruição, descalabro ou decadência da obra executada pelo empreiteiro - a apelante R..., Lda. - mas pela execução mesma da obra, mais precisamente, pela demolição de paredes da fracção e abertura de buracos na respectiva laje, por recurso a instrumentos que provocaram vibrações na estrutura do edifício que, por vez, causaram estragos na fracção autónoma dos apelados.
E faltando no tocante à conduta dos apelantes AA a prova dos elementos constitutivos da responsabilidade aquiliana - e do consequente dever de indemnizar - representados, quer pela ilicitude quer pela culpa, há que fazer intervir a regra de julgamento que decorre do ónus da prova e, portanto, resolver a dúvida contra a parte onerada com a prova daquela ilicitude e desta culpa: os apelados (art.°s 342, n.° 1, e 346.° do Código Civil, e 414.° do CPC). Os recorrentes têm, quanto a este ponto, razão: a sentença impugnada incorreu aqui num claro na qualificação dado que escolheu para enquadrar o caso sujeito a julgamento uma norma errada. Há, pois, que julgar procedente, neste segmento, o recurso, com a consequente absolvição dos apelados AA e cônjuge do pedido.
A motivação exposta condensa-se nas seguintes proposições conclusivas:
- A alegação do demandado, confrontado com um pedido de indemnização pecuniária, de que a indemnização deve ser específica, constitui uma excepção peremptória - dado que obsta aos efeitos pretendidos pelo autor - que, por força do princípio da concentração ou da exaustão da defesa, deve ser invocada na contestação; caso o não seja, a invocação dessa excepção deve considerar-se atingida pela preclusão, pelo que não é admissível a sua alegação na instância de recurso;
- Quando a testemunha discorre sobre a interpretação ou valoração de um facto, quando transmite ao tribunal a sua opinião, o seu juízo de valor sobre o facto que presenciou, actua já não como verdadeira testemunha - mas como técnico ou perito, mas esta circunstância não impõe, como corolário irrecusável, a conclusão radical de que a declaração da testemunha não tem valor algum - mas apenas que no valor que, numa prudente convicção - i.e. numa convicção, racional, fundamental e mental - de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova, se lhe deve atribuir, essa circunstância deva ser levada em devida e boa conta;
- A violação dos deveres de cooperação em matéria probatória não se resolve num erro de julgamento, por erro na aferição ou avaliação das provas, antes se traduz na nulidade da decisão, que deve ter-se por verificada sempre que o tribunal extraia alguma consequência de uma falta de prova que poderia ter sido suprida pela actuação do seu poder inquisitório - nulidade que decorre de um excesso de pronúncia, uma vez que o tribunal conhece de matéria de facto que, perante a omissão de utilização do poder inquisitório, não pode conhecer, o que sucede, por exemplo, quando declara não provado um facto, dando como argumento - a sua falta de prova;
- Relativamente a danos causados a terceiros, a responsabilidade do empreiteiro é, necessariamente delitual, dado que o interesse atingido - v.g. um direito absoluto de terceiro - é um interesse extracontratual;
- O dono da obra responde também, por danos causados a terceiros, com fundamento numa responsabilidade extracontratual subjectiva, competindo ao lesado a prova, nos termos gerais, dos elementos constitutivos do dever de indemnizar representados pela ilicitude e pela culpa;
- A presunção de culpa com que o proprietário ou possuidor da obra ou do edifício é onerado só é aplicável se os danos forem provocados pela ruína, desmoronamento, destruição, descalabro ou decadência do edifício ou da obra, o que não sucede com quando os danos são causados, numa fracção autónoma de edifício, por empreiteiro, na execução de uma obra noutra fracção autónoma desse mesmo edifício, em consequência das vibrações da estrutura do edifício, causadas pela utilização instrumentos ou máquinas de percussão.
Os apelados e os apelantes sucumbiram, recíproca e quantitativamente, na acção e, no recurso, devem também sucumbir recíproca - mas qualitativamente. Essa sucumbência torna uns e outros objectivamente responsáveis pelas custas, na proporção da respectiva sucumbência, considerando-se adequado, dado que o decaimento dos apelados é consideravelmente superior à dos apelantes, por aplicação de uma regra de proporcionalidade, fixar a responsabilidade recíproca dos recorridos e dos recorrentes, em 65% e 35%, respectivamente (art.° 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, julga-se o recurso parcialmente procedente e, consequentemente:
a) Revoga-se a decisão impugnada no segmento em condenou os apelantes AA e cônjuge, BB, e absolvem-se estes do pedido;
b) Mantém-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas - da acção e do recurso - pelos apelantes e pelos apelados, na proporção de 35% para os primeiros e de 65% para os segundos.
2023.05.02





[1] Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, págs. 138 e ss., e Freitas do Amaral, Conceito e natureza do recurso hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss.
[2] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 14.05.1993, CJ, STJ, 93, II, pág. 62, e da RL de 02.11.1995, CJ, 95, V, pág.
98.
[3] Ac. do STJ de 23.03.1996, CJ, 1996, II, pág. 86.
[4] Pereira Coelho, Direito das Obrigações, Sumários das Lições ao curso de 1966-1867, pág. 174. Aliás, não parece que as regras relativas às modalidades da indemnização se devam ter por injuntivas. Assim, sustentando, que o princípio da indemnização específica pode ser afastado por acordo das partes, Mário Júlio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 7.^ edição, Almedina, Coimbra, pág. 683. Acordo que nada obsta a que seja meramente tácito, como sucederá sempre que o autor opte pela indemnização pecuniária e o réu na contestação nada diga sobre essa opção (art.° 217.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
[5] António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.^ edição actualizada, Almedina, Coimbra, 2022, pág.
196.
[6] Assim, entre muitos, os Acs. de 16.12.2020 (8640/18.5YPRT.C1.S1), 09.06.2021 (10300/18.8/8SNT.L1.S1), 25.03.2021 (756/14-3TBPTM.L1.S1), 07.07.2021 (682/19.OT8GMR.G1.S1) e de 02.02.2022 (1786/17.9T8VZ.P1.S1).
[7]  Por último - reponderando, aliás, o seu pensamento, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil
Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 432.
[8]  Se se tiver presente que a culpa se resolve num juízo de censurabilidade ou de reprovação de um comportamento do agente que só existe se tiver ocorrido a prévia violação de normas - i.e. a ilicitude - esta presunção de culpa é, no fundo, uma presunção de ilicitude, dado que, havendo dano provocado pela ruína de um edifício ou de uma obra, se postula ter havido violação dos deveres de construir o edifício ou a obra sem vícios ou de assegurar a sua adequada conservação.
[9] Vaz Serra, BMJ n.° 85, pág. 365.
[10] Claus Roxin, Problemas Fundamentais de Direito Penal, Veja, Lisboa, págs. 256 e 267.
[11] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, págs. 313 a 321.
[12] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, cit., págs. 355 e 356.
[13] Ac. do STJ de 07.11.2000, CJ, III, pág. 104.
[14] Jorge de Figueiredo Dias, Velhos e Novos Problemas da Negligência em Direito Penal, Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, UCP, 2002, pág. 674.
[15] A fixação da conexão entre a conduta ou condutas e o evento danoso é uma questão de facto subtraída, portanto, á competência decisória do Supremo Tribunal de Justiça, embora este, muitas vezes, não resista a considerar a aplicação do art.° 563.° do Código Civil como questão jurídica com o argumento, pouco consistente, de que é necessário indagar a causa jurídica de certo evento. Cfr. Antunes Varela, RLJ, Ano 122, pág. 120.
[16]  Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 5.^ edição, Almedina, Coimbra, 1986, pág. 743 e ss., Pereira
Coelho, O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil, BGD, Suplemento, n.° IX, Coimbra, 1976, pág. 201 e Miguel Teixeira de Sousa, Da Responsabilidade Civil por Factos Lícitos, Lisboa, 1977, pág. 124 e ss. Menezes Cordeiro - Direito das Obrigações, 2.° Vol., AAFDL, 1980, págs. 338 e 339 - sugeria a integração da causalidade na própria conduta e, consequentemente, a sua sujeição ao juízo de ilicitude; nesta perspectiva, a averiguação da causalidade adequada limitar-se-ia à indagação da ilicitude de cero comportamento face a um concreto dano e à identificação da adequação com o fim visado pelo agente. Na jurisprudência nota-se, sobretudo nos casos de conculpabilidade, o recurso tendencial á doutrina da causa adequada, numa metódica que parte frequentemente do tratamento coincidente das questões da culpa e do nexo causal. Verifica-se, na verdade, uma preocupação maior pelos problemas da ilicitude e da culpa, secundarizando o aspecto central e decisivo da adequação entre as condutas e o dano, o que tem, decerto, a ver com a constatação de que uma resposta positiva à questão da culpa facilita a formulação do juízo causal. Cfr. José Carlos Brandão Proença, A Conduta do Lesado e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 457 e 458.
[17] Ac. do STJ de 13.01.2009, www.dgsi.pt
[18] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3.^ edição, Almedina, pág. 91, e António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil., XII, Contratos em Especial (2.^ parte), Almedina, 2020, pág. 966.
[19]  António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigação, vol. 2° AAFDL, 1980, pág. 371, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10^ edição, vol. I, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 640, Mário Júlio de Almeida Costa, Direitos das Obrigações, cit. pág. 534.
[20]  Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4^ edição, vol. II, 1987, Coimbra, pág. 508, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, cit., pág. 640, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, cit., pág. 536 e Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil Delitual por Facto de Terceiro, Coimbra, 2009, págs. 276 a 278; Acs. do STJ de 18.12.2002, 17.06.2003, 14.04.2005 e 21.03.2006, www.dgsi.pt.
[21] Ac. do STJ de 21.03.2006, CJ/Supremo, XIV (2006), págs. 143 a 145.