Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
63/11.3TBLMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
CREDOR
INSOLVENTE. NULIDADE DE SENTENÇA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
DECLARAÇÃO TÁCITA
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 02/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: AUJ 1/2014; ARTºS 47º, Nº 1, 90º, 146º, NºS 1 E 2, AL. B), ESTES DO CIRE. ARTºS 205º CRP; 605º, Nº 1, AL. B) DO NCPC. ARTº 442º, Nº 2 DO C. CIVIL.
Sumário: I – O crédito invocado pelos AA., sendo anterior à declaração de insolvência, confere-lhes a qualidade de credores da mesma, nos termos do art.º 47º, nº 1, havendo de ser satisfeito pela massa insolvente, integrada por todo o património do devedor existente à data em que a insolvência é declarada, conforme estatui o art.º 46º, nº 1, ambos os preceitos do CIRE.

II - E por assim ser, consoante imposto pelo art.º 90º do CIRE, os AA. apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do mesmo CIRE, a saber, durante a pendência do processo de insolvência, ou seja, mediante reclamação nos termos dos artºs 128º e seguintes, conforme terá ocorrido, ou posteriormente, através de acção a instaurar contra a massa insolvente, os credores e a devedora, ao abrigo do disposto no art.º 146º, n.ºs 1 e 2, alínea b).

III - Deste modo, tendo o crédito dos AA. sido reconhecido no âmbito do processo de insolvência, parece que nenhuma utilidade haveria no prosseguimento da presente acção declarativa, no que à sua pretensão diz respeito, uma vez que a existência, natureza e extensão do seu crédito teriam de ser debatidas e decididas naquele outro processo.

IV - Interpretação diversa, no sentido de que aos credores será permitido exercer os seus direitos nos termos gerais logo que o processo de insolvência se mostre encerrado, contraria abertamente a doutrina fixada no AUJ, porque nesse caso justificar-se-ia que as acções pendentes prosseguissem até à obtenção de título executivo, o qual poderia ser feito valer contra o devedor após o encerramento do procedimento insolvencial, assim mantendo a acção declarativa a sua utilidade.

V - Mas se tal linha argumentativa nos conduziria ao decretamento da extinção da instância, no que ao recurso interposto pelos AA diz respeito, a verdade é que o crédito por eles reclamado, acertadamente ou não, foi reconhecido como crédito sob condição, assim tendo ficado dependente do seu reconhecimento no âmbito desta acção.

VI - E por assim ser, sob pena de, por força da extinção da presente instância, nunca se verificar a condição, a presente acção declarativa, nesta específica e concreta situação, mantém a sua utilidade, pelo que prosseguirá também para apreciação do recurso interposto pelos AA.

VII - O dever de fundamentação das decisões corresponde a uma exigência constitucional (cf. art.º 205.º, n.º 1 da CRP) e, sendo um instrumento legitimador da própria decisão - quanto mais persuasivo for o seu discurso, mais facilmente será convencido o seu destinatário e acatado o seu conteúdo -, constitui ainda garantia da efectividade do direito ao recurso.

VIII - Todavia, conforme sem dissêndio vem sendo entendido - entendimento que mantém plena actualidade face à redacção da al. b) do art.º 615.º do nCPC agora em vigor, uma vez que reproduziu, sem alterações, a disposição cessante, antes contida na al. b) do nº 1 do art.º 668.º do CPC - só a absoluta, que não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão legal.

IX - Pese embora alguma divergência doutrinária e jurisprudencial, é nosso entendimento que só o incumprimento definitivo, que não a simples mora, é susceptível de desencadear o regime sancionatório do nº 2 do art.º 442.º do C. Civil, no domínio do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, posição que cremos largamente maioritária.

X - Sucede, porém, que o incumprimento definitivo do contrato, conforme vem sendo admitido, pode ainda decorrer da declaração, expressa ou tácita, do devedor, no sentido de que não vai cumprir, declaração que pode ter lugar mesmo antes do vencimento da obrigação.

XI - Na declaração resolutiva tácita, embora o declarante não afirme claramente a sua vontade de extinguir o contrato, ela deduz-se com segurança da sua actuação; no entanto, tal comportamento terá de ser de tal modo concludente que a declaração tácita de incumprimento dele resultante seja equiparável a uma declaração expressa de idêntico conteúdo e sentido negocial, evidenciando o seu propósito firme e definitivo de não cumprir, assim tornando dispensável a interpelação admonitória do art.º 808º.

XII - Vem sendo entendido que a declaração do devedor que resolve o contrato sem fundamento preenche os assinalados requisitos, atribuindo ao credor o direito potestativo de o resolver, apontando-se como exemplo precisamente o caso de, no contrato-promessa, ser pedida pelo promitente-comprador a restituição do sinal em dobro.

XIII - Não obstante, afigura-se que o princípio enunciado não deverá ser aceite sem reservas, devendo a conduta do devedor ser ponderada caso a caso, tendo em vista determinar se estamos perante um comportamento do qual se infira que aquele recusa o cumprimento do contrato “de forma categórica, clara e definitiva”.

XIV - Resulta do preceituado nos artigos 442º, nº 4 e 811º, nº 2, ambos do C. Civil, que em caso de incumprimento do contrato promessa de compra e venda ao promitente-vendedor está vedado exigir indemnização pelo incumprimento para além do dobro do sinal, excepto se outra coisa tiver sido convencionada.

XV - Todavia, a existência do sinal não obsta à fixação de indemnização ao credor, nos termos gerais, se está em causa uma obrigação secundária e autónoma da obrigação principal, sendo portanto outro o fundamento indemnizatório que não o incumprimento do contrato-promessa celebrado.

Decisão Texto Integral:


I. Relatório

A... e mulher, R..., casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes no Lugar da ..., instauraram contra

E... e mulher, M..., residentes na Urbanização do ..., acção declarativa de condenação, então a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final a condenação dos RR a reconhecerem  que a quantia por eles entregue a título de sinal e princípio de pagamento lhes é devida, a eles AA, e ainda no pagamento da quantia de € 29.630,00 (vinte e nove mil, seiscentos e trinta euros) a título de reembolso das despesas efectuadas e indemnização pelos prejuízos sofridos.

Em fundamento alegaram, em síntese, que o autor marido se dedica à actividade de construção de edifícios para terceiros e também para venda, em cujo exercício edificou um prédio urbano de habitação familiar em regime de propriedade horizontal no lugar do ...

Mais alegaram ter o autor marido celebrado com os RR em 17 de Agosto de 2006 contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual o primeiro declarou vender aos segundos que, por seu turno, declararam comprar, a fracção autónoma identificada pela letra S, correspondente ao 2.º andar direito do prédio antes identificado, pelo valor de €80.000,00, tendo permitido que os promitentes-compradores habitassem a fracção prometida comprar, uma vez que alegavam não ter onde residir.

Sucede, porém, que por causa exclusivamente imputável aos RR, sobre os quais recaía o ónus da marcação da escritura e que se furtaram sistematicamente à celebração do contrato definitivo, viu-se o autor forçado a proceder à resolução do contrato-promessa, o que lhe confere o direito a fazer sua a quantia recebida a título de sinal, a que acresce o direito a indemnização no valor de €2.000,00, correspondentes aos juros suportados em consequência do atraso na venda.

Acresce que, tendo os RR permanecido na fracção prometida vender durante 31 meses sem entregarem aos AA qualquer compensação, ficaram estes privados do rendimento que o arrendamento da mesma proporcionaria, em montante não inferior a €200,00 mensais, sendo certo que, a não ter sido celebrado este contrato, teriam certamente vendido a fracção a um terceiro por igual preço, obtendo um lucro líquido de €5.000,00, perda que alegaram corresponder ao dano contratual negativo cujo ressarcimento igualmente reclamaram.

Os RR levaram ainda a cabo no imóvel diversas alterações não autorizadas e provocaram estragos nas paredes e portas, cuja reparação e reposição implicaram um custo de €3.630,00, consumiram água e luz no valor de cerca de €2.800,00, a que acresce a depreciação do valor da fracção em montante não inferior a €10.000,00, prejuízos de que os demandantes pretendem também ser indemnizados conforme aqui reclamam.

Citados os RR, defenderam-se por impugnação, explicitando que aquando da celebração do contrato-promessa o prédio em que se integrava a fracção ainda se encontrava em construção, acabando o autor marido por lhes ceder o gozo do imóvel, ainda que inacabado, assegurando-lhes que poderiam utilizar água e luz da obra sem quaisquer encargos até porque, encontrando-se o prédio por concluir, não era possível celebrar com as entidades competentes o fornecimento de tais serviços.

Porque o autor marido não concluía o prédio, os RR interpelaram-no mediante missiva enviada no dia 30 de Outubro de 2009, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para efectivar a escritura de compra, sob pena de resolverem o contrato. Na sequência de tal notificação informaram os AA que a fracção se encontrava concluída, tendo a CM de Lamego emitido a competente licença de utilização. Confrontados com o alvará de utilização, e constatando que o edifício não se encontrava concluído, os contestantes requereram a realização de uma nova vistoria, mas porque haviam perdido o interesse na aquisição da fracção, dado o modo como havia sido atribuída a concessão da autorização, consideraram extinto o vínculo contratual e abandonaram o imóvel em finais de Novembro de 2009, vindo a ser-lhes comunicado em Maio de 2010 a decisão da CML no sentido de declarar a nulidade da autorização de utilização emitida e ordenar a respectiva cassação.

Mais alegaram que a pretensão indemnizatória dos AA, assentando numa conduta contra-ordenacional, não pode ser atendida, uma vez que foi ilícita a ocupação da fracção antes da emissão da licença de habitabilidade, faltando-lhe qualquer suporte legal.

Em via reconvencional, tendo imputado aos AA a culpa pelo incumprimento do contrato promessa, pediram a condenação destes na entrega do sinal em dobro, no montante de €31.000,00.

Replicaram os AA, alegando que os RR imploraram que os deixassem ocupar a fracção, uma vez que não tinham um lugar adequado para morar, isto apesar de alertados para o facto do imóvel se encontrar inacabado. Mais reiteraram terem sido os RR a incumprir o acordo celebrado, carecendo de fundamento o pedido reconvencional formulado.

Acusando os RR de litigarem de má-fé, pediram a condenação destes no pagamento de indemnização a seu favor de montante não inferior a €3.000,00, que disseram corresponder aproximadamente aos gastos com taxas e honorários.

Teve lugar audiência preliminar e nela, uma vez admitido o pedido reconvencional, foi tentada a conciliação das artes, que se frustrou, tendo sido de imediato proferido despacho saneador, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.

Realizou-se a audiência de discussão com observância do legal formalismo como da acta consta, após o que foi proferida sentença, por cujos termos foi a acção julgada parcialmente procedente, declarando-se que o contrato promessa celebrado entre os Autores e os Réus em 16 de Agosto de 2006 é formal e materialmente válido, absolvendo-se os RR dos demais pedidos formulados; também a reconvenção foi julgada parcialmente procedente, declarando-se definitivamente incumprido pelos AA o mesmo contrato-promessa, mas convocada pelo Mm.º juiz a excepção do abuso de direito foram os reconvindos absolvidos  do pedido de restituição do sinal em dobro.

Inconformados, apelaram os AA e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas as razões da sua discordância com o decidido, formularam a final as seguintes conclusões:

...

Indicando como violadas as disposições legais contidas nos art.ºs 615.º n.º 1 al. c) do CPC e 442.º do Código Civil, os AA requerem a final a revogação da decisão proferida e a sua substituição por outra que dê procedência integral às pretensões formuladas, mesmo que em relação aos danos a ressarcir pelos RR se remeta a sua fixação para posterior liquidação.

*

Igualmente inconformados, apelaram os RR reconvintes e, tendo apresentado, também eles, as pertinentes alegações, remataram-nas com as seguintes necessárias conclusões:

...

Com os aludidos fundamentos requereram fosse declarada a nulidade da sentença, por violação do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do C.P.C., e 442º do C.C., revogando-se a mesma e, sendo conhecidos os factos alegados pelos recorrentes essenciais à boa decisão da causa e espelhados nos artigos 48.º, 49.º, 51.º, 55.º e 73.º a 75.º da contestação e respectivos documentos, concluindo-se pela prova dos mesmos nos termos supra descritos, fosse declarado o incumprimento do contrato promessa por parte dos AA., ora apelados, e procedente o pedido reconvencional de restituição do sinal em dobro.

Questão prévia:

Constando dos autos que os aqui RR foram declarados insolventes por sentença proferida em 21 de Março de 2013, transitada em julgado em 8/4/2013, nos termos certificados de fls. 166 a 176 dos presentes autos, prevenindo a eventualidade de vir a ser aplicada a doutrina do AUJ 1/2014, com a consequente extinção da instância principal por inutilidade superveniente da lide -sem prejuízo do prosseguimento da lide recursiva no que respeita ao pedido reconvencional- foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem, querendo.

Na sequência da notificação efectuada vieram os AA deduzir oposição a eventual declaração de extinção da instância nos termos do invocado AUJ, estribando-se em três argumentos essenciais: foi ordenado o prosseguimento dos autos após terem estado suspensos fruto do decretamento da insolvência, decisão que formou caso julgado; os demandados não estão por si em juízo, tendo sido substituídos pelo Sr. Administrador da insolvência em representação da massa; o processo de insolvência foi entretanto declarado encerrado, com a consequente cessação da inibição dos credores da insolvência e da massa insolvente.

Também os RR insolventes, representados pelo Ex.mº Sr. Administrador Judiciário, se pronunciaram no sentido dos autos deverem prosseguir,  fundamentando a sua posição nos argumentos constantes dos votos de vencido apostos ao citado acórdão uniformizador, informando ainda que o crédito dos AA foi reconhecido como crédito sob condição em razão da pendência da presente acção declarativa.

Conforme se vê do enunciado, está em causa o prosseguimento de acção declarativa de condenação instaurada contra RR entretanto declarados insolventes, sendo certo que, conforme resulta das posições das partes, espelhadas nas respostas apresentadas, o crédito dos AA terá sido reclamado no âmbito do processo de insolvência e aí reconhecido como crédito condicional, funcionando aparentemente como condição a condenação dos RR na presente acção.

A questão suscitada vinha merecendo por banda dos nossos Tribunais respostas desencontradas, tendo culminado com a prolação do AUJ 1/2014, que fixou a seguinte doutrina: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do CPC”.

Ora, não sendo a jurisprudência uniformizada sequer vinculativa para os tribunais judiciais, não deixa de constituir um “precedente persuasivo”[1], revestindo natural e reforçada autoridade, considerando não só a sua proveniência, como o seu processo formativo. Deste modo, por imperativo do princípio da segurança e certeza jurídicas, o afastamento da doutrina assim fixada deverá assentar em razões ponderosas, alicerçando-se em fundamentação convincente e convocando novos argumentos, não debatidos nem rebatidos pelo acórdão uniformizador.

Os AA defendem o prosseguimento dos autos, dado que, tendo estado suspensos por via do decretamento da insolvência, foi depois determinado que retomassem a sua marcha.

A este propósito, oferece-nos dizer que se a descrita circunstância legitimou a expectativa de que os autos iriam prosseguir, a verdade é que não foi proferida decisão que apreciasse a questão nos termos em que a mesma foi agora colocada, donde não se ter formado caso julgado, quedando-se igualmente sem relevo a constatação de que os RR insolventes aqui foram substituídos pelo Sr. Administrador, o que ocorreu em cumprimento do determinado pelo art.º 85.º, n.º 3 do CIRE.

Outra valia, contudo, é seguramente de reconhecer ao facto agora trazido aos autos do encerramento do processo de insolvência. Vejamos:

O crédito invocado pelos AA, sendo anterior à declaração de insolvência, confere-lhes a qualidade de credores da mesma, nos termos do art.º 47.º, n.º 1, havendo de ser satisfeito pela massa insolvente, integrada por todo o património do devedor existente à data em que a insolvência é declarada, conforme estatui o art.º 46.º, n.º 1, ambos os preceitos do CIRE.

E por assim ser, consoante imposto pelo art.º 90.º, os AA apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do mesmo CIRE, a saber, durante a pendência do processo de insolvência, ou seja, mediante reclamação nos termos dos art.ºs 128.º e seguintes, conforme terá ocorrido, ou posteriormente, através de acção a instaurar contra a massa insolvente, os credores e a devedora, ao abrigo do disposto no art.º 146º, n.ºs 1 e 2, alínea b).

Deste modo, tendo o crédito dos AA sido reconhecido no âmbito do processo de insolvência, parece que nenhuma utilidade haveria no prosseguimento da presente acção declarativa, no que à sua pretensão diz respeito, uma vez que a existência, natureza e extensão do seu crédito teriam de ser debatidas e decididas naquele outro processo.

Sucede, porém, que conforme foi agora comunicado aos presentes autos, o processo de insolvência foi encerrado, com a consequência de cessarem todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios (sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência), e podendo os credores da insolvência exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos aprovados, consoante estabelece o n.º 1 do art.º 233.º. Interpretado tal preceito, pareceria assim que nenhum entrave se colocava aos prosseguimento dos autos. Não cremos, todavia, que esta seja a melhor interpretação a dar aos preceitos em causa.

Com efeito, sendo o crédito dos AA, como se viu, anterior à declaração de insolvência, em consequência do que adquiriram a qualidade de credores da mesma, só no respectivo processo poderiam fazer valer o seu direito e em conformidade com os preceitos do CIRE nos termos que deixámos descritos (cf. o convocado art.º 90.º ). Interpretação diversa, no sentido de que aos credores será permitido exercer os seus direitos nos termos gerais logo que o processo de insolvência se mostre encerrado, contraria abertamente a doutrina fixada no AUJ, porque nesse caso justificar-se-ia que as acções pendentes prosseguissem até à obtenção de título executivo, o qual poderia ser feito valer contra o devedor após o encerramento do procedimento insolvencial, assim mantendo a acção declarativa a sua utilidade[2].

Mas se tal linha argumentativa nos conduziria ao decretamento da extinção da instância, no que ao recurso interposto pelos AA diz respeito, a verdade é que o crédito por eles reclamado, acertadamente ou não, foi reconhecido como crédito sob condição, assim tendo ficado dependente do seu reconhecimento no âmbito desta acção[3]. E por assim ser, sob pena de, por força da extinção da presente instância, nunca se verificar a condição, a presente acção declarativa, nesta específica e concreta situação, mantém a sua utilidade, pelo que prosseguirá também para apreciação do recurso interposto pelos AA.

Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, foram submetidas à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
i. indagar se a sentença padece das nulidades previstas nas  als. b), c) e d) do art.º 615.º do CPC;
ii. determinar se o contrato promessa foi legitimamente resolvido com fundamento no incumprimento definitivo por banda dos RR, que devem ser condenados a indemnizar os demandantes ou, ao invés, se aos reconvintes assistia o direito à sua resolução dado o incumprimento definitivo imputável aos AA/reconvindos, com a consequente condenação destes na restituição em dobro da quantia recebida a título de sinal;
iii. decidir se há lugar a indemnização pelos demais danos reclamados.

i. das nulidades da sentença apelada

Considerando a sua precedência lógica, impõe-se que se inicie o conhecimento das questões elencadas pela invocação da nulidade da decisão apelada.

Os autores imputaram à sentença recorrida o vício extremo da nulidade, por oposição entre os factos provados e a decisão proferida, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º.

Já os RR reconvintes, afirmando, do mesmo passo, a nulidade da decisão, radicaram-na nos vícios previstos nas las. b), c) e d) do mesmo preceito legal, a saber, por falta de fundamentação (de facto e de direito), por oposição entre os fundamentos (também de facto) e a decisão, e ainda por não ter considerando factos pelos recorrentes alegados e documentalmente provados, omitindo qualquer apreciação sobre eles.

Analisemos, pois, cada uma das invocadas nulidades de “per se”.

No que concerne à nulidade decorrente da falta de fundamentação, impõe ao juiz o art.º 154.º do CPC que fundamente as decisões proferidas sobre qualquer dúvida suscitada no processo ou qualquer pedido controvertido (vide n.º 1). Em consonância com tal dever de fundamentação, as sentenças são nulas quando não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (vide al. b) do art.º 615.º do mesmo diploma legal).

O dever de fundamentação das decisões corresponde a uma exigência constitucional (cf. art.º 205.º, n.º 1 da CRP) e, sendo um instrumento legitimador da própria decisão -quanto mais persuasivo for o seu discurso, mais facilmente será convencido o seu destinatário e acatado o seu conteúdo-, constitui ainda garantia da efectividade do direito ao recurso. Todavia, conforme sem dissêndio vem sendo entendido -entendimento que mantém plena actualidade face à redacção da al. b) do art.º 615.º agora em vigor, uma vez que reproduziu, sem alterações, a disposição cessante, antes contida na al. b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC- só a absoluta, que não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão legal.

Assim, para que se verifique o vício da falta de fundamentação, exige a lei que tenham sido de todo omitidas as razões (de facto e/ou de direito) que conduziram à prolação daquela concreta decisão (v., por todos, aresto do STJ de 15/12/2011, processo n.º 2/09.9 TTLMG.P1S1 e desta mesma Relação de 17/4/2012, processo n.º 1483/09.9 TBTMR, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) os quais, pese embora tenham sido proferidos no domínio da vigência da lei cessante mantêm plena actualidade).

Do que vem de se expor resulta claro que a sentença proferida não padece do imputado vício, uma vez que o Mm.º juiz, independentemente do acerto da decisão, que para aqui não releva, enumerou e descreveu com clareza os factos considerados relevantes que julgou provados e não provados, fazendo indicação dos meios de prova que considerou e criticamente apreciou, explicitando de modo claro, com indicação das normas jurídicas pertinentes, as razões de direito que suportaram a solução a que chegou. Fê-lo, é certo, a descontento dos arguentes, mas não em violação dos preceitos invocados.

Cumpre ainda precisar que eventual insuficiência da matéria de facto ou deficiência na motivação da decisão a este propósito proferida não têm a virtualidade de afectar o valor formal da sentença, cuja nulidade é determinada pelos vícios taxativamente elencados nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 615.º. Sendo a decisão proferida sobre a matéria de facto deficiente, obscura ou contraditória, e não constando do processo todos os elementos em ordem a permitirem a sua alteração, deverá o Tribunal da Relação anular a decisão, solução consagrada na lei ainda para os casos em que se verifique a necessidade de proceder à sua ampliação (cf. al. c) do n.º 2 do art.º 662.º). Por último, consoante dispõe a al. d) deste mesmo preceito, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, a solução legal passa pela determinação ao tribunal de 1.ª instância para que a fundamente, sem que estejamos, ainda aqui, perante qualquer um dos vícios elencados no convocado n.º 1 do art.º 615.º.

Isto dito, e arredada como fundamento de nulidade da sentença a invocada violação dos preceitos legais que deixámos enunciados, pronunciemo-nos sobre a imputação do vício previsto na al. c) do n.º 1 do art.º 615.º.

No dizer dos AA recorrentes, a sentença seria nula, por contraditória, atendendo a que os factos provados conduziriam a decisão diversa da proferida; já os RR defendem que tendo o Mm.º juiz concluído pelo incumprimento definitivo do contrato imputável aos AA, consequência lógica desse entendimento seria a condenação na restituição do sinal em dobro, conforme peticionado.

A este respeito, cumpre esclarecer que a contradição de que se ocupa a convocada disposição legal ocorre quando os argumentos alinhados em suporte da decisão repelem o resultado que nela se expressou, enfermando a sentença de um vício lógico que a compromete[4], ou seja, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, vindo todavia a decidir em sentido oposto ou divergente. Todavia, com o assinalado vício não se confunde o erro de subsunção dos factos à norma jurídica ou ainda o erro na interpretação desta, o que consubstancia erro de julgamento. Deste modo, e ainda a verificar-se a pelos AA apontada contradição entre os factos apurados e a decisão, estaremos perante um “error in judicando”, sem virtualidade no entanto para afectar a validade formal da sentença.

Por outro lado, e no que respeita à alegação dos RR/reconvintes, se é facto que o Mm.º juiz considerou ter ocorrido incumprimento definitivo do contrato por banda dos AA, a verdade é que recusou reconhecer aos apelantes o direito de reclamarem a restituição do sinal em dobro por via do instituto do abuso de direito, pelo que, independentemente do acerto de tal construção, nenhuma contradição se vislumbra entre os fundamentos e a decisão.

Finalmente, a nulidade prevista na al. d) sanciona o incumprimento do preceituado no n.º 2 do art.º 608.º, preceito nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Embora os RR/reconvintes não tenham explicitado quais as questões que teriam ficado sem pronúncia por banda do Tribunal, afigura-se que se reportarão à circunstância de alguns dos factos por si alegados em sede de contestação não terem sido incluídos no elenco dos factos assentes, nem tão pouco na lista dos não provados, sendo certo que, segundo alegam, resultam demonstrados por força dos documentos que indicam, não impugnados.

A propósito dir-se-á que as questões a que se reporta o preceito e que ao juiz cabe conhecer são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções que pelo réu forem opostas à pretensão do autor ou de que oficiosamente cumpra conhecer[5], assim resultando excluída a ausência de pronúncia -por esquecimento ou formulação de juízo de impertinência- relativamente a factos alegados pelas partes[6].

Acresce que eventual desconsideração pelo juiz “a quo”, na sentença, de factos que se encontrem admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, em violação do disposto no n.º 4 do art.º 607.º, podendo traduzir-se em erro de julgamento, terá como consequência a sua consideração pelo Tribunal da Relação, por tal preceito lhe ser ainda aplicável “ex vi” do disposto no n.º 2 do art.º 663.º, valendo também nesta sede o princípio da aquisição processual consagrado no art.º 413.º, pertencendo todos os preceitos ao nCPC.

Atento o que vem de se expor, e considerando que o Mm.º juiz “a quo” se pronunciou sobre cada uma das questões suscitadas pelas partes, conhecendo ainda oficiosamente, como lhe competia, da excepção do abuso de direito, assim tendo dando cumprimento ao comando contido no n.º 2 do art.º 608.º citado, conclui-se que a sentença não padece de nenhum dos imputados vícios.

Fundamentação

De facto:

...

II. Fundamentação

De facto:

...

De Direito

Do incumprimento definitivo do contrato e culpa pelo incumprimento

Resulta dos autos terem o autor marido e os RR celebrado acordo, nos termos do qual o primeiro se obrigou a vender aos segundos, nas condições e prazo que ficaram a constar do escrito assinado pelas partes outorgantes, a fracção autónoma identificada pela letra S do prédio constituído em propriedade horizontal sito em ..., edificado pelo promitente vendedor.

O acordo celebrado, sendo de qualificar juridicamente como contrato promessa de compra e venda de coisa imóvel -no que as partes não dissentem-, tendo revestido a forma escrita, legalmente prescrita, é válido (cf. n.º 2 do art.º 410.º do Código Civil, diploma a que pertencerão as demais disposições citadas sem menção da sua origem). Com efeito, apesar da lei exigir o reconhecimento presencial das assinaturas, nos termos do n.º 3 do preceito, a preterição de tal formalidade dá origem a uma nulidade atípica, invocável, em princípio, apenas pelo promitente-comprador[7], o que não ocorreu.

Por outro lado, se é verdade que a exigência da certificação da existência da respectiva licença de utilização ou construção, quando está em causa contrato-promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, se destina a reprimir a construção clandestina, protegendo o promitente-comprador, trata-se de uma formalidade cuja omissão provoca nulidade sujeita ao mesmo regime híbrido, sendo ainda passível de sanação[8].

De acordo com o consagrado nos art.ºs 406.º e 762.º, n.º 2, os contratos devem ser pontualmente cumpridos e no cumprimento das obrigações, bem como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé.

Preceitua por seu turno o art.º 432.º, disciplina a que também os contratos-promessa se encontram subordinados, que é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.

Pretendem os AA que os RR incumpriram de forma definitiva o acordo celebrado, fazendo nascer na sua esfera jurídica o direito potestativo à resolução do mesmo, com a consequente perda do sinal a seu favor e indemnização pelos prejuízos sofridos, formulando os RR pretensão simétrica.

Atendendo a que, pese embora alguma divergência doutrinária e jurisprudencial, é nosso entendimento que só o incumprimento definitivo, que não a simples mora, é susceptível de desencadear o regime sancionatório do n.º 2 do art.º 442.º no domínio do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, posição que cremos largamente maioritária[9], cumpre indagar se ocorreu incumprimento definitivo e qual das partes nele incorreu.

A resolução fundada na lei encontra o seu fundamento, para o que ora releva, no incumprimento do devedor, o que ocorre quando a prestação, não executada no devido tempo, já não pode ser cumprida por se ter tornado impossível (art.ºs 801.º e 802.º) ou quando, ainda materialmente possível, perdeu interesse para o credor. Diversa é a situação de mora, a qual se verifica quando a prestação, ainda possível, não foi, por causa imputável ao devedor, executada no devido tempo, havendo que distinguir entre a obrigação sem prazo, cujo devedor só se constitui em mora após ter sido interpelado para cumprir, e a obrigação com prazo (certo), que prescinde da interpelação (art.ºs 804.º n.º 2 e 805.º).

A resolução do contrato, quando a obrigação do faltoso se integre num contrato bilateral, não é assim uma decorrência da mora; este direito nasce para o credor ou contraente fiel quando logre converter a mora em incumprimento definitivo por uma das vias abertas pelo art.º 808.º, ou seja, pela perda do interesse, a apreciar objectivamente -e que não está aqui em causa, uma vez que os AA mantêm interesse em vender a fracção, sendo certo que nada se apurou no sentido dos RR terem resolvido por outra via, equiparada, o seu problema habitacional- ou pela aposição de um prazo cominatório[10].

A este propósito, escreve o Prof. A. Varela  in RLJ, 128, pág. 137, “o prazo cuja fixação é facultada ao credor funciona como um segundo prazo ou um prazo suplementar, mas resulta da imposição da lei (...) que a ordena, aliás, não para satisfazer apenas o interesse do credor em esclarecer a situação e se poder libertar definitivamente, se quiser, de um contrato inconveniente, mas para conceder também ao devedor em mora uma derradeira chance de cumprir a obrigação a seu cargo e de manter o credor ainda vinculado ao contrato que lhe interesse conservar.

(...) A interpelação admonitória não surge neste art.º 808 como um simples pressuposto da resolução do contrato (...) mas antes uma ponte obrigatória de passagem da tal ocorrência transitória da mora para o cumprimento da obrigação ou para a situação mais firme e mais esclarecedora do não-cumprimento (definitivo) da obrigação”.

De volta ao caso dos autos, decorre do clausulado do contrato-promessa ajuizado que o contrato definitivo deveria ser celebrado até Agosto de 2007, ou seja, cerca de 1 ano depois do primeiro ter sido firmado, dilação que bem se compreende dado que o edifício se encontrava então em construção (cf. factos vertidos nos pontos 4. a 7. e 9). Resulta ainda dos termos do mesmo acordo que a marcação da escritura cabia, em primeira linha, aos promitentes-vendedores, logo se prevendo que, caso aqueles não o fizessem, recairia tal obrigação sobre os AA, os quais disporiam do prazo de 60 dias para o efeito, sendo, em qualquer dos casos, de 15 dias a antecedência com que a parte contrária teria de ser notificada para comparecer.

Impressionado pelo carácter “paradoxal” da cláusula em apreço, que onerava os RR com a marcação da escritura “quando o facto essencial de que dependia não estava ao seu alcance: que as obras estivessem finalizadas e emitida a competente licença ou alvará de utilização ou habitabilidade”, o Mm.º juiz fez dela uma interpretação abrogante, fazendo recair apenas sobre os AA a obrigação de proceder à marcação da escritura. Não cremos, porém, que tal interpretação seja consentida pelo n.º 1 do art.º 238.º, que dispõe para os negócios formais, proibindo que a declaração valha com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência na lei. Deste modo será de entender que, nos termos contratualmente fixados, a obrigação de proceder à marcação da escritura recaía em primeira linha sobre os RR; não obstante, reconhecendo que apenas os AA, promitentes-vendedores, o que não é questionado, poderiam obter os documentos necessários à sua realização, nomeadamente a licena de utilização, até tais elementos serem disponibilizados àqueles, eventual atraso nunca lhes poderia ser imputado. De todo o modo, não procedendo os RR à marcação da escritura, previa o contrato a sua substituição pelos AA, sem qualquer sanção.

Revela a factualidade apurada que, não obstante a aposição de um prazo, cuja natureza não essencial decorria dos próprios termos da estipulação -até ao final de Agosto de 2007-, foi o mesmo ultrapassado sem que qualquer das partes tivesse manifestado vontade de se desvincular, e tanto assim que, precisamente naquela altura, passaram os RR a ocupar a fracção, que lhes foi entregue pelos AA na sequência de solicitação que pelos promitentes-compradores lhes foi feita. E nesta situação decorreram dois anos mais, ao longo dos quais “as partes foram conversando informalmente acerca das obras e realização da escritura definitiva” (cf. ponto 17.).

Sendo o descrito o estado de coisas, em muito ultrapassado o prazo contratualmente previsto para a realização do contrato prometido, procederam os RR à interpelação dos AA nos termos da missiva que lhes enviaram em 30 de Outubro de 2009, concedendo-lhes o prazo de 15 dias para que as obras fossem concluídas e a escritura realizada, sob pena de terem o contrato por definitivamente incumprido, caso em que optariam “imediatamente pela resolução do contrato-promessa de compra e venda (…) e, simultaneamente, interpor uma acção judicial exigindo as indemnizações e compensações devidas”.

Atentos os termos da notificação efectuada parece não suscitar dúvidas que continha a fixação de um prazo admonitório ou fatal, cujo decurso teria como consequência considerar-se a prestação como definitivamente incumprida, nela tendo sido ainda incluída a declaração condicional de resolução do contrato: neste caso, transformada a mora em incumprimento definitivo pelo decurso do prazo suplementar, ficaria preenchida a condição suspensiva e, consequentemente, sem necessidade de outra declaração, o contrato ficaria resolvido[11].

Ora, tendo embora como certo que aos RR não era exigível que tolerassem indefinidamente uma situação necessariamente transitória, a primeira observação que aqui se impõe fazer é a de que a obrigação de celebração do contrato definitivo a que as partes se haviam vinculado não tinha agora prazo. Assim sendo, e não suscitando dúvida que, quer pela sua própria natureza (a celebração de um contrato, formal como é o caso, implica sempre um planeamento ou preparação prévios), quer pelos usos, a prestação em causa implica a fixação de um prazo para o seu cumprimento[12], na falta de acordo parece que não seria lícito a nenhum dos  contraentes interpelar o outro para cumprir, impondo-se o recurso ao tribunal para que procedesse à sua fixação (cf. n.º 2 do art.º 777.º). No entanto, o que se constata é que, face à interpelação recebida, os promitentes-vendedores, aqui AA, não questionaram o prazo assinado, nem tão pouco a sua razoabilidade, tendo antes informado em 6 de Novembro, através do seu Ilustre Advogado, que a fracção se encontrava concluída, tendo a Câmara Municipal emitido a pertinente licença de utilização -facto este verdadeiro, uma vez que a licença atinente à fracção S e a duas outras havia sido emitida com data de 23 de Outubro.

Aqui chegados, cabe relembrar que, segundo o clausulado pelas partes, a marcação da escritura era incumbência dos RR, cabendo-lhes, pois, face à informação de que a licença de utilização se encontrava emitida, colher a necessária documentação e proceder à marcação da escritura, avisando os AA com a antecedência de 15 dias contratualmente estipulada. Daí que, em nosso entender, a interpelação pelos primeiros feita não tenha tido a virtualidade de inverter tal obrigação e constituir os AA em mora.

Por outro lado, resulta do elenco factual apurado que, face à referida comunicação, os RR dirigiram-se à CML, aí tendo apresentado o requerimento datado de 18 de Novembro, no qual denunciaram irregularidades na execução do projecto, acusando a existência de desconformidades no que respeita à segurança, rede eléctrica e condições de habitabilidade do edifício, e requerendo a revogação do alvará de utilização, tendo deixado a fracção nesse mesmo mês, o que fizeram sem dar conhecimento aos AA.

Dir-se-á, a propósito, que residindo os RR no edifício há mais de 2 anos teriam conhecimento de eventuais irregularidades -as quais, no entanto, não concretizam no aludido requerimento- e natural interesse na sua eliminação. Parece até que lhes assistiria razão, dado que as desconformidades detectadas na vistoria seriam suficientes para fundamentar a anulação e cassação da licença emitida, daqui resultando que, afinal, os AA não se encontravam em condições de celebrar o contrato definitivo.

Não cremos, porém, que assim se possa entender. No conjunto de obrigações assumidas pelo promitente-vendedor não cabem, ainda que acessoriamente, as obrigações que respeitam ao contrato definitivo, quais sejam, a de construir e vender o bem com as qualidades e características asseguradas, as quais não integram o sinalagma específico do contrato-promessa[13]. Por outro lado, ainda a admitir que a existência de defeitos ou eventual inconclusão dos trabalhos pudessem legitimar os RR a recusar a celebração do contrato definitivo enquanto os defeitos não fossem eliminados ou os trabalhos concluídos -excepção do não cumprimento- ou, no limite, a resolver o contrato-promessa caso ocorresse incumprimento definitivo de tais obrigações, atendendo à intrínseca ligação entre os dois contratos, não vemos que, no caso em apreço, e à luz dos factos apurados, os promitentes-compradores tivessem, para tanto, fundamento.

Com efeito, efectuada a vistoria no início de Janeiro -sem que os RR tenham logrado provar que em Novembro a situação era diferente- eram de pouca monta os trabalhos por acabar e, com a excepção da instalação na garagem dos sistemas de segurança contra incêndios previstos no projecto aprovado, também de escassa relevância, não havendo notícia de que a mencionada incompletude dos trabalhos de electricidade e telecomunicações em áreas comuns prejudicasse a utilização das fracções objecto da licença emitida. Depois, a verdade é que, conforme se fez já notar, constando da informação prestada pelos serviços técnicos da CMLamego proposta de declaração de nulidade e subsequente cassação da licença emitida, não se sabe se a decisão a final proferida foi, ou não, nesse sentido.

Nestes termos, e à luz do descrito quadro factual, afigura-se que os RR, que ocupavam a fracção prometida vender há mais de 2 anos sem sequer suportarem o custo da água e electricidade que consumiam -para mais tendo passado a residir na fracção a solicitação sua, com necessário conhecimento de que o edifício se encontrava por concluir- e que ao longo desse tempo foram mantendo com os AA conversas meramente informais sobre o andamento dos trabalhos, actuando de boa-fé deveriam ter procedido à marcação da escritura e notificado os promitentes-vendedores nos termos e com a antecedência contratualmente estabelecidos, uma vez que nada permite duvidar que estes fossem capazes de, até lá, concluir os trabalhos ainda por executar. Assim não tendo feito, considerando que se tratava de obrigação que sobre os RR impendia, não só não lograram constituir os AA em mora, como permitiram que funcionasse o ponto 2 da transcrita cláusula 3.ª, podendo estes proceder à marcação da escritura, notificando aqueles para comparecer, tal como fizeram. Sucede, porém, que também esta interpelação, para mais admonitória, não pode considerar-se eficaz, uma vez que, conforme decorre dos factos apurados, não observou a antecedência de 15 dias contratualmente estipulada (cf. ponto 26.).

Deste modo, e concluindo este ponto, apesar das interpelações de carácter admonitório reciprocamente efectuadas, nenhuma das partes ficou constituída em mora quanto à obrigação fundamental decorrente do contrato-promessa de celebração do contrato prometido.

Sucede, porém, que o incumprimento definitivo do contrato, conforme vem sendo admitido, pode ainda decorrer da declaração, expressa ou tácita, do devedor, no sentido de que não vai cumprir, declaração que pode ter lugar mesmo antes do vencimento da obrigação.

Na declaração resolutiva tácita, embora o declarante não afirme claramente a sua vontade de extinguir o contrato, ela deduz-se com segurança da sua actuação; no entanto, tal comportamento terá de ser de tal modo concludente que a declaração tácita de incumprimento dele resultante seja equiparável a uma declaração expressa de idêntico conteúdo e sentido negocial, evidenciando o seu propósito firme e definitivo de não cumprir, assim tornando dispensável a interpelação admonitória do art.º 808.º[14].

Vem sendo entendido que a declaração do devedor que resolve o contrato sem fundamento preenche os assinalados requisitos, atribuindo ao credor o direito potestativo de o resolver[15], apontando-se como exemplo precisamente o caso de, no contrato-promessa, ser pedida pelo promitente-comprador a restituição do sinal em dobro. Não obstante, afigura-se que o princípio enunciado não deverá ser aceite sem reservas, devendo a conduta do devedor ser ponderada caso a caso, tendo em vista determinar se estamos perante um comportamento do qual se infira que aquele recusa o cumprimento do contrato “de forma categórica, clara e definitiva”[16].

No caso de que nos ocupamos, não só os RR tomaram a iniciativa de interpelar os AA por carta registada com a/r para concluírem as obras e celebrarem a escritura no prazo de 15 dias, sob cominação de optarem pela imediata resolução do contrato, como a ré mulher se recusou a assinar a notificação para comparecerem na escritura marcada, vindo posteriormente a reclamar a restituição do sinal em dobro (pretensão que mais uma vez aqui formularam em via reconvencional). Acresce que, ainda em Novembro, os RR deixaram a fracção prometida comprar, na qual, sublinha-se, residiam há mais de dois anos, sem nada comunicarem aos promitentes-vendedores, tendo adoptado um conjunto de comportamentos convincentes no sentido de que não queriam nem iriam cumprir o acordo celebrado, de tudo resultando a expressão da vontade de se desvincularem, sentido percebido por qualquer declaratário normal colocado na posição dos AA. E nestes casos, em que “o devedor adopta atitudes ou comportamentos que revelam inequivocamente a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o credor não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (se ainda não ocorreu), não tem de alegar e provar a perda de interesse na prestação do devedor, nem tem de o interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação”[17]. “Esta manifestação de vontade, se bem que tácita, não deixa, por isso, de ser concludente nesse sentido (cf. art.º 217.º, 2 do CC), constituindo-se como causa de incumprimento definitivo por parte dos RR, a conferir aos AA o direito de resolução do contrato e a fazerem sua a quantia entregue a título de sinal”[18].

Decorre do exposto que, face ao comportamento dos RR, concludente no sentido de não quererem cumprir o contrato, incorreram os mesmos em incumprimento definitivo sem necessidade de interpelação admonitória por banda dos AA, que podiam exercer o seu direito potestativo à resolução mediante mera comunicação à contraparte, como fizeram através da carta enviada em 4 de Janeiro, a qual produziu os seus efeitos tão logo chegou ao conhecimento dos destinatários, nos termos do art.ºs 432.º, n.º 1 e 436.º, n.º 1.

Tudo para concluir que não assiste razão aos RR quando questionam este segmento decisório, antes procedendo, nesta parte, o recurso dos AA, por terem sido aqueles a incorrer em incumprimento definitivo do contrato, mantendo-se a decisão de perdimento a favor dos promitentes vendedores da quantia entregue a título de sinal, nos termos dos art.ºs 441.º e 442.º, n.º2, 1.ª parte”.

Mas quando assim se não entendesse, sempre seria de lançar mão do instituto do abuso de direito, tal como considerado na sentença recorrida, com fundamentos que, em bom rigor, os RR apelantes não colocaram em causa.

Nos termos do art.º 344.º, o exercício de um direito é ilegítimo quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico destes. O abuso, sendo um instituto puramente objectivo, não dependente da culpa do agente nem da verificação de qualquer elemento específico subjectivo, surgindo como concretização da boa-fé, apresenta-se afinal como uma “constelação de situações típicas em que o Direito, por exigência do sistema, entende deter uma actuação que, em princípio, se apresentaria como legítima.”[19] “Dizer que, no exercício dos direitos, se deve respeitar a boa-fé, equivale a exprimir a ideia de que, nesse exercício, se devem observar os vectores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa”.[20]

Numa outra formulação, o abuso de direito visa obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que objectivamente, naquele caso concreto, conduz a um resultado que repugna ao sentimento de Justiça prevalecente na comunidade e que só na aparência corresponde ao seu exercício legítimo. E uma das modalidades em que se concretiza a figura é a do “venire contra factum proprium”,  por violação do princípio da confiança e que se pode basicamente delinear como sendo o caso de o direito ser exercido contra alguém que, com base em convincente conduta, positiva ou negativa de quem o podia exercer, confiou em que tal exercício não ocorresse e programou em conformidade a sua actividade. Dir-se-á, nessa hipótese, que o titular do direito opera o seu exercício no confronto de outrem depois de a este fazer crer, por palavras ou actos, que o não exerceria, ou seja, depois de gerar uma situação objectiva de confiança em que ele não seria exercido”[21].

Parte-se, pois, da noção básica de que os comportamentos (assertivos ou até omissivos) e as declarações  podem vincular, quer porque envolvem uma responsabilização  pela pretensão de verdade que lhes é imanente, quer pelos efeitos que podem ter sobre a conduta dos outros que acreditam em tais declarações e/ou comportamentos, conformado a sua conduta na base dessa radical confiança. E o direito confere relevância de facto a esta auto vinculação geradora de expectativas, através precisamente da tutela da confiança.

A esta luz pergunta-se: qual então a relevância jurídica da demonstrada situação decorrente do facto dos RR terem ocupado a fracção, estando inacabado o edifício em que se integrava, durante período superior a 2 anos, ao longo dos quais mantiveram apenas e tão-somente conversas informais com os AA sobre o andamento dos trabalhos e a realização da escritura atinente ao contrato definitivo?

Conforme se deixou já referido, não é pela circunstância dos RR terem aquiescido durante mais de dois anos a uma situação necessariamente transitória que lhes retirava o direito de interpelarem os AA para concluírem as obras tendo em vista a celebração do contrato prometido. No entanto, não há dúvida que durante um longo período de tempo os RR residiram na fracção -uma fracção em estado novo, e não uma barraca- sem que tenham por algum modo dado a conhecer aos AA a premência/urgência que subitamente os assolou em Outubro de 2009, altura em que, curiosamente, já estes tinham em seu poder a licença de utilização que lhes permitiria celebrar a escritura. E é atendendo a este contexto que a atitude contrastante dos RR com aquela que fora a sua conduta constante durante dois anos, sem questionar as condições de habitabilidade do imóvel, agora diligenciando junto da CM pela cassação da licença emitida e deixando a fracção às pressas e às ocultas dos AA, que permitem duvidar da legitimidade do exercício do eventual direito de resolução que lhes assistisse por via da conversão da mora em incumprimento definitivo.

*

Dos demais danos indemnizáveis

Os AA reclamam ainda a atribuição de indemnização no montante de €29.630,00, assim decomposto: €2.000,00 correspondentes aos juros suportados em consequência do atraso na venda; € 6.200,00 pela ocupação da fracção durante 31 meses; € 5.000,00 lucro obtido com a venda da fracção a terceiro, caso não tivessem celebrado o contrato com os RR; €2.800,00 custo da água e electricidade consumidas pelos RR; € 3.630,00 correspondente ao custo de reposição da fracção no estado anterior e €10.000,00, valor atribuído à depreciação.

Resulta do preceituado nos artigos 442.º, n.º 4 e 811.º, n.º 2, que em caso de incumprimento do contrato promessa de compra e venda, ao promitente-vendedor está vedado exigir indemnização pelo incumprimento para além do dobro do sinal, excepto se outra coisa tiver sido convencionada. Todavia, a existência do sinal não obsta à fixação de indemnização ao credor, nos termos gerais, se está em causa uma obrigação secundária e autónoma da obrigação principal, sendo portanto outro o fundamento indemnizatório que não o incumprimento do contrato-promessa celebrado.

No caso em análise, após a celebração do contrato-promessa, as partes acordaram na entrega da fracção aos RR, que nela passaram a residir.

A entrega da coisa prometida vender não é, conforme é sabido, um efeito típico do contrato-promessa de compra e venda, pelo que nos casos em que as partes acordam na sua entrega antecipada celebram na verdade um contrato atípico, diferente daquele, antecipatório dos efeitos do contrato definitivo, naturalmente  confiando que este irá ser celebrado.

“In casu”, conforme se vê da análise do pedido indemnizatório, ele assenta na ocupação da fracção e prejuízos que daí para os AA alegadamente resultaram. Atendendo a que,  conforme se referiu, a entrega da fracção não decorreu da celebração do contrato-promessa e sim de acordo autónomo, embora com aquele conexo, que antecipou este efeito do contrato prometido, é aqui inaplicável a proibição consagrada no n.º 3 do art.º 442.º citado.

Numa primeira abordagem, e independentemente do enquadramento que destas parcelas do petitório houvesse de ser feito, não lograram os AA fazer prova de quaisquer gastos acrescidos com juros, frustração de ganhos (assente na possibilidade de celebração de um negócio alternativo com terceiro), e custo da reposição da fracção no estado anterior. Deste modo, e porque os recorrentes não impugnaram a matéria de facto, na ausência de prova do dano nunca haveria lugar a indemnização, assim se confirmando o juízo absolutório formulado na decisão apelada.

No que se refere à depreciação da fracção pela ocupação durante o tempo de permanência dos RR, importa referir que o gozo do imóvel lhes foi facultado pelos AA, aos quais se deve o arrastamento da situação, uma vez que apenas em Outubro de 2009 se encontravam em condições de celebrar o contrato prometido, não podendo por isso ser tal dano imputado aos demandados. De resto, mantendo-se os AA vinculados ao contrato-promessa celebrado, estavam obviamente impedidos de alienar a fracção a terceiro, sob pena de incorrerem em imediato incumprimento definitivo do acordo em vigor.

Quanto à indemnização pelo gozo do imóvel, que os AA pretendem dever corresponder ao seu valor locativo, importa reter que, uma vez resolvido o contrato-promessa, torna-se impossível a celebração do contrato prometido, assim desaparecendo a causa que legitimava a detenção. No entanto, a  verdade é que à data em que o contrato foi resolvido já os RR não ocupavam a fracção, sendo certo que, enquanto vigorou, o uso e fruição que dele vinham fazendo estava legitimado por força do acordo tradiciário, no qual não foi prevista qualquer remuneração.

Extinto este acordo por força da resolução do contrato-promessa, rege o disposto no art.º 289.º ex vi do disposto no art.º 433.º, havendo lugar à restituição do que tiver sido prestado, o que justifica a restituição da fracção. No entanto, porque o promitente-comprador que obteve a entrega antecipada da coisa deve ser equiparado ao possuidor de boa-fé, é-lhe aplicável quanto dispõem os art.ºs 1269.º e seguintes, nos termos da remissão feita pelo n.º 3 daquele artigo 289.º, interessando aqui o art.º 1270.º, nos termos do qual pode o possuidor de boa-fé fazer seus os frutos civis percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem[22].

Finalmente, e no que se reporta ao custo dos consumos de água e electricidade, se é verdade que não se logrou provar ter ficado acordado que os RR teriam de proceder ao pagamento das quantias correspondentes, resultou igualmente indemonstrado que a disponibilização destes serviços correspondesse a uma liberalidade dos AA. Assim sendo, porque a disponibilização de tais bens tinha em vista a celebração do contrato definitivo, cuja concretização resultou impossibilitada pela resolução do contrato-promessa, a obrigação de restituir por banda dos RR encontra assento no instituto do enriquecimento sem causa, nos termos dos art.ºs 473.º, n.ºs 1 e 2, e 479.º, sendo por isso os RR devedores do montante que se vier a apurar corresponder à água e electricidade consumidas desde Agosto de 2007 a Novembro de 2009, inclusive, a liquidar até ao montante de €2.800,00. http://www.dgsi.pt/icons/ecblank.gif

III. Decisão

Acordam os juizes da 3.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em:

a) julgar parcialmente o recurso interposto pelos AA e, em consequência, declaram resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado com os RR por força do incumprimento definitivo a estes imputável, mantendo-se o perdimento do sinal a favor dos promitentes-vendedores; mais condenam os RR a pagar aos AA a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação corresponder ao custo da água e electricidade por aqueles consumida durante a permanência na fracção identificada em 2. desde Agosto de 2007 até Novembro de 2009, inclusive, até ao montante máximo de €2.800,00 (dois mil e oitocentos euros), mantendo quanto ao mais a sentença recorrida;

b) julgam improcedente o recurso interposto pelos RR, mantendo a decisão quanto ao juízo de improcedência do pedido reconvencional.

As custas da acção, nesta e na 1.ª instância, ficam a cargo de AA e RR na proporção dos decaimentos, com excepção das respeitantes ao valor de €2.800, que serão suportadas por igual, procedendo-se a rateio após a liquidação;

As custas da reconvenção, nesta e na 1.ª instância, são suportadas pelos RR.

Relatora:

Maria Domingas Simões

Adjuntos:

1º - Jaime Ferreira

2º - Jorge Arcanjo


***



[1] Ribeiro Mendes, “Os recursos no Código do Processo Civil revisto”, 1998, pág. 108.
[2] Neste sentido, contando embora com voto de vencido, acórdão do TRPorto de 28 de Abril de 2014, processo n.º 463/12.1 TTSTS.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] É certo que o crédito em causa parece não se enquadrar na previsão legal do artigo 50.º do CIRE, sendo certo ainda que a previsão do art.º 180.º do mesmo diploma legal nos remete para duas distintas situações, que nada têm a ver com a pendência de acções declarativas autónomas, a saber: pendência de recurso da sentença de verificação e graduação dos créditos e reclamação tardia dos créditos.
[4] Nas palavras de A. dos Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 141.
[5] “o que não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (…), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido (…)- cf. Prof. A. dos Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 143.
[6] Neste mesmo sentido, acórdão desta Relação de Coimbra de 17/12/2014, processo n.º 2352/12.0 TBFIG.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Estando vedado ao Tribunal o seu conhecimento oficioso e sendo ininvocável por terceiros, face à doutrina dos assentos n.ºs 15/94, in DR I Série de 12 de Outubro de 1994, e 3/95, DR I-Série de 22 de Abril de 1995, hoje com valor de AUJ, e que se mantêm aplicáveis.
[8] Assim decidiu esta mesma Relação de Coimbra de 24/4/2012, processo n.º 1482/09.0 TBGRD.C1, em acórdão de que se destaca o seguinte ponto do sumário: “A falta de reconhecimento presencial das assinaturas e da certificação notarial da licença de construção ou de utilização em contrato promessa de compra e venda de imóvel (art.º 410.º, n.º 3 do CC) configura nulidade atípica ou mista invocável a todo o tempo em regra pelo promitente-comprador, excepcionalmente pelo promitente vendedor, desde que a omissão seja causada culposamente por aquele, não podendo ser invocável por terceiro ou conhecida oficiosamente pelo tribunal, sendo, no entanto, passível de posterior sanação ou convalidação”. No mesmo sentido, aresto do TR do Porto de  24 de Maio de 2012, processo n.º 6/10.0 TBVFR.P1.

[9] Cf. neste sentido, arestos do STJ de 21/5/2009, processo n.º 09 B 0641, de 25/6/2009, no processo n.º 1219/2002.SI, de 15/3/2012, processo n.º 9818/09.8 TBVNG.P1.S1, 1/10/2012, processo n.º 25/09 TBVCT.G1.S1, de 15/1/2015, processo n.º 473/12.9 TVLSB.L1.S1, , da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 2009, processo n.º 709/07.8 TBOER, e desta Relação de Coimbra de 11/10/2015, processo 767/13.6 TBCBR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Defendendo posição que cremos isolada, no sentido de que a sanção da restituição do sinal em dobro é aplicável logo que o devedor incorre em mora, embora criticando tal solução, Prof. Antunes Varela, in RLJ, ano 121, pág. 8.

[10] Neste sentido ac. do STJ de 21/5/2009, processo n.º 09 B 0641, de que se destacam os seguintes pontos do sumário:

“6. O regime-regra da conversão da mora em incumprimento definitivo, previsto no art.º. 808º do CC, não sofre alteração na sua aplicação ao contrato-promessa, mesmo que haja sinal passado.

7. Por força deste regime, a mora converte-se em incumprimento definitivo se o credor, por força do retardamento da prestação, perde (objectivamente) todo o interesse que tinha nela: nestes casos, o retardamento equivale, desde logo, ao não cumprimento (definitivo) da prestação.

8. Fora destes casos, a mora só se converte em incumprimento definitivo da obrigação a partir do momento em que a prestação se não realize dentro do prazo suplementar ou peremptório que razoavelmente for fixado pelo credor ao devedor relapso (interpelação admonitória) (...)”.

[11] Pedro Martinez, “Da cessação do contrato”, 2.ª edição, pág. 142-
[12] Cf. Ana Prata, “O contrato-promessa e o seu regime civil”, pág. 633.
[13] Do acórdão do STJ de 12/2/2013, processo n.º 157/07.0 TBOER.L1.S1, em www.dgsi.pt
[14] Nuno Pinto de Oliveira aponta como requisito necessário que a declaração de recusa de cumprimento -que também admite poder ser tácita- seja categórica, clara e definitiva – “Princípios de direito dos contratos”, pág. 866.
[15] Neste sentido, Pedro Martinez, ob. cit., págs. 73-74 e 242, aqui referindo “A declaração do devedor é suficiente, por exemplo, no caso em que, sem fundamento, resolve o contrato ou afirma, de forma inequívoca, que não realizará a sua prestação” e na nota 286, citando Guichard/Sofia Pais, in “Contrato-promessa: recusa ilegítima e recusa terminante de cumprir; mora como fundamento de resolução”, para quem a resolução injustificada do contrato constitui uma declaração terminante e definitiva de não cumprimento. Na jurisprudência, o acórdão do STJ proferido no processo 25/09TBVCT.G1.S1, já citado.
[16] Neste sentido, Nuno Oliveira, ob. cit., pág. 867. Também Brandão Proença, “A resolução do contrato no direito civil”, pág. 153, adverte que “(…) a declaração de resolução, feita no pressuposto do incumprimento alheio infundado, também não pode [só por si] conduzir, sob pena de se identificar declaração de resolução com declaração de inadimplemento, a uma decisão judicial que coloque o declarante em estado de incumprimento (face a uma representação infundada e não culposa do incumprimento da contraparte) em vez de manter a eficácia do contrato entre as partes”.
No preciso sentido do texto, acórdão do STJ de 26/9/2013, processo n.º 564/11.3 TVLSB.L1.S1, assim sumariado “No caso de resolução ilícita de contrato-promessa só se deve falar em recusa de cumprimento definitivo quando de todo o circunstancialismo da declaração de resolução se puder concluir, de acordo com as regras da experiência comum, por uma recusa definitiva, firme, categórica de cumprimento por parte do promitente autor da declaração de resolução ilícita”.

[17]  Do acórdão do STJ de 20.05.2010, Processo n.º 8/03, citado no aresto identificado na nota 14., também disponível em www.dgsi.pt.
[18] Idem.
[19] Na síntese do Prof. Menezes Cordeiro, “Do abuso do direito: estado das questões e perspectiva”, ROA 2005, ano 65, vol. II, acessível on-line.
[20] Idem.
[21] cf. Ac. do S.T.J. de 20/10/2006, proc. n.º 06B2110, acessível no mesmo sítio.

[22] Neste sentido, reportando-se embora a contrato-promessa que veio a ser anulado, diversidade de situações que não obstará à unidade da solução, uma vez que, por força da remissão feita pelo art.º 433.º, é aplicável à resolução o regime da nulidade, o acórdão do STJ de 30-01-2013, Revista n.º 1681/07.0TBLSD.P1.S1 - 6.ª Secção, Conselheiros Fonseca Ramos (Relator) Salazar Casanova e Fernandes do Vale, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Secções Cíveis Boletim anual – 2013 Assessoria Cível, acessível on-line.