Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
15167/21.6YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: INJUNÇÃO
DÍVIDAS HOSPITALARES
COMPLEXIDADE DA QUESTÃO
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
Data do Acordão: 05/17/2022
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1.º, N.ºS 2 E 3, DO DECRETO-LEI N.º 218/99, DE 15 DE JUNHO, ARTIGO 1.º DO DECRETO-LEI N.º 269/98, DE 1 DE SETEMBRO, E ARTIGOS 39.º, 193.º, 549.º, N.º 1 E 554.º, TODOS DO CPC.
Sumário: I - Um Centro Hospitalar integrado no SNS pode recorrer a injunção apenas contra a Seguradora do veículo que provocou o acidente ou, em pluralidade subjectiva subsidiária, contra o FGA e lesante condutor desse veículo, para cobrar as despesas que suportou na assistência ao lesado, não havendo qualquer erro na forma de processo ao fazê-lo.

II - A complexidade das questões controvertidas não obsta ao procedimento especial de injunção.

II – Pode ser deduzido pedido subsidiário em procedimento especial de injunção.

Decisão Texto Integral:

1. C..., EPE, com sede em ..., apresentou requerimento de injunção, que dada a oposição se converteu em acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 €, regulado pelo DL 269/98, de 1.9., por aplicação do art. 1º, nº 2, do DL 218/99, de 15.6, contra G..., S.A., com sede em ..., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de 5.250,97 €, e juros vincendos, referente a cuidados de saúde que alegou ter prestado a favor de AA, por lesões por esta sofridas, enquanto peão, na sequência de um atropelamento ocorrido em 2016 em ..., envolvendo o motociclo de matrícula ..-..-IU, seguro na 1ª ré.

Subsidiariamente pediu a condenação do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede em ..., e de BB, residente em ..., pelo mesmo montante pecuniário, caso se venha a apurar que inexiste seguro válido e eficaz.

O réu FGA deduziu oposição, defendendo-se por excepção, concretamente invocou ocorrer erro na forma do processo, por não se discutir nos autos o cumprimento ou incumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, bem como a inconstitucionalidade do referido art. 1º, nº 2, do citado DL 218/99, de 15.6, e, ainda, ser parte ilegítima passiva, por existir seguro válido na ré seguradora G..., S.A., assim como se defendeu por impugnação.

O réu BB alegou que o crédito da requerente se encontra extinto por prescrição e impugnou sustentando que houve culpa da lesada.

A ré G..., S.A. alegou, também, verificar-se prescrição do crédito da Requerente e ser parte ilegítima, alegando que, à data do sinistro, não existia seguro válido, no demais impugnando por desconhecimento da forma como o acidente se objectivou.

A autora exerceu o contraditório relativamente à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência.

*

Foi proferida decisão que absolveu da instância os RR G..., S.A., FGA e BB, por verificação de erro na forma do processo.

*

2. A A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões (que são uma repetição do exposto no corpo das alegações, em desrespeito do art. 639º, nº 1, do NCPC, que só não mereceram despacho de aperfeiçoamento dada a aparente simplicidade da única questão objecto de recurso):

1. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida em 20 de janeiro de 2022, que julgou verificar-se uma exceção dilatória de erro na forma de processo por recurso indevido à Injunção, e, em consequência, absolveu os Réus da instância.

2. O Requerente instaurou procedimento injuntivo para obter título executivo com vista à cobrança da quantia de 5.250,97€, relativa a despesas hospitalares realizadas com a sinistrada, AA, por lesões por esta sofridas enquanto peão, na sequência de um atropelamento ocorrido em 2016, em ..., envolvendo um motociclo de matrícula ..-..-IU, seguro na Ré G..., S.A. e subsidiariamente no caso de não existir seguro válido, contra o FGA e segurado, condutor do veículo seguro.

3. Os réus deduziram oposição, o FGA alegou a inconstitucionalidade do artigo 1º, nº 2 do DL 218/99, de 15/06, por violação do princípio de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva. O Réu BB alegou o crédito do Autor se encontra extinto por prescrição e qua houve culpa do lesado. E a G..., S.A. alega também, prescrição do crédito do Autor e que é parte ilegítima.

4. A questão a decidir traduz-se em saber se o Requerente pode instaurar procedimento injuntivo para obter título executivo com vista à cobrança da quantia de 5.250,97€, relativa a despesas hospitalares realizadas com uma sinistrada de acidente de viação/atropelamento, deduzindo pedidos subsidiários, quando é alegado inexistência de seguro válido.

5. Entende o Recorrente que o Requerimento de injunção preenche todos os pressupostos, ab initio de natureza processual ou condições para a respetiva utilização.

6. Alega o Meritíssimo Juiz para fundamentar o erro na forma do processo que o pedido formulado não estar em consonância com o fim para o qual foi estabelecido ou criada a forma processual do processo de injunção.

7. Estamos na presença de uma Injunção intentada pelo C..., EPE que é um estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde e a dívida aqui em causa respeita exclusivamente ao custo dos cuidados de saúde prestados à utente AA na sequência de ferimentos sofridos na sequência de atropelamento.

8. Está, portanto, em causa a cobrança de um crédito abrangido pelo regime jurídico especial previsto no DL 218/99, de 15.06, conforme determina o seu art. 1º, nº 1, sendo que tal diploma vincula o aqui Autor, e determina a que é aplicável o procedimento de injunção, como aliás resulta de múltiplos Acórdãos citando-se a título meramente exemplificativo os seguintes, todos disponíveis em www. dgsi.pt, nomeadamente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12.01.2021, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17.09.2020, Acórdão do Tribunal Relação de Lisboa, de 01.04.2014, Acórdão do Tribunal Relação de Coimbra, de 14.01.2014.

9. O que determina a forma de processo a empregar é apenas o pedido, pelo que a correção ou incorreção do meio processual empregue pelo Autor afere-se em função da pretensão da tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir, e não da natureza da relação substantiva ou do direito

subjetivo que lhe serve de base e que o que decorre da apresentação dos subsequentes articulados, que determina apenas em sede de decisão da causa.

10. Alega, também, o Meritíssimo Juiz para fundamentar o erro na forma do processo que foram deduzidos pedidos subsidiários, o que não está previsto no procedimento de injunção e que o FGA e o Réu BB foram demandados com violação dos requisitos do disposto no artigo 1º, nº 3 do DL 218/99, de 15/06.

11. O Autor deduziu pedidos subsidiários, mas, fê-lo por imperativo legal, ou seja, porque o responsável pela produção do acidente não beneficia de seguro válido ou eficaz, ou pelo menos, a Ré Entidade Seguradora assim o alegou.

12. Nos termos do disposto no artigo 62º nº 1 do DL 291/2007, de 21 de agosto, deve a ação ser deduzida contra o FGA e o responsável pelo acidente, logo estamos perante uma coligação entre Réus, sendo os pedidos subsidiários entre a Ré Seguradora e o FGA e responsável civil, face à incerteza da existência ou validade do seguro.

13. Sendo a aplicação do procedimento especial de Injunção obrigatória para o Autor, enquanto entidade do SNS, sempre que pretenda cobrar prestações de saúde pelas quais seja responsável um terceiro.

14. E, também, não se descortinam razões que sustentem o afastamento, nas injunções, das regras processuais decorrentes da dedução de pedidos subsidiários, pedidos cumulativos ou mesmo alternativos e até a dedução de pedido reconvencional, com alteração do valor da causa, vide Acórdão de 16.06.2020 do Tribunal da Relação de Lisboa e Acórdão de 25.10.2016 do Tribunal da Relação de Coimbra.

15. O litígio em termos de discussão é o mesmo, quer responda pelo pedido a G..., S.A., o FGA, ou o Segurado, ou seja, é o mesmo acidente, as mesmas lesões, a mesma sinistrada, o mesmo responsável na produção do acidente, os mesmos cuidados de saúde prestados.

16. É desta relação contratual que resulta um complexo normativo, no caso o complexo processual, que determina para o Autor a dedução de pedidos subsidiários, ou seja, a não existência ou incerteza de seguro válido, como é o caso em apreço.

17. Deve, igualmente improceder o argumento que “não está prevista a possibilidade de demandar através de via injuntiva o FGA, que assume a posição de garante”, por relativamente a este não ser possível preencher os requisitos do artigo 1º, nº 3.

18. Dispõe a alínea c), que “no caso de acidentes que envolvam veículos automóveis, (e partindo do principio que um motociclo é considerado para estes efeitos um veículo automóvel), matricula ou número de apólice de seguro”, ou seja, basta alegar na exposição de factos em relação a cada requerido ou a matrícula ou o número da apólice de seguro.

19. O Autor ao demandar o FGA indicou a matrícula do veículo, pelo que se conclui que estão reunidos os requisitos previstos no identificado diploma.

20. Pelo que só por manifesto e grave lapso, que se lamenta, pode o Mmº juiz sustentar nos presentes autos a existência de falta de requisitos para que se possa fazer uso da injunção quanto ao FGA, decidindo contra legem e em sentido ostensivamente divergente do artigo 1º, nº 3 c) do DL 218/99, de 15 de junho.

21. No que respeita ao Réu BB, refere a douta sentença que, também, não estão preenchidos os requisitos do artigo 1º, nº 3 c) do DL 218/99, de 15 de junho, pelo que se dá por reproduzido o que se deixou alegado relativamente ao FGA a este respeito, devendo improceder o alegado por falta de fundamento legal, uma vez que o Autor indicou a matrícula do veículo por si conduzido, devendo por isso considerar-se preenchi o requisito da alínea c) do DL 218/99, de 15 de junho.

22. No que respeita ao Réu BB, refere a douta sentença que, também, não estão preenchidos os requisitos do artigo 1º, nº 3 c) do DL 218/99, de 15 de junho, pelo que se dá por reproduzido o que se deixou alegado relativamente ao FGA a este respeito.

23. Interpretando e aplicando o artigo 1º do DL 218/99, de 15.06 com o sentido de excluir a cobrança de créditos relativos a prestação de cuidados de saúde por entidade do SNS na sequência de acidente com veículo sem seguro válido ou eficaz contra o FGA e responsável nos termos do artigo 62º, nº 1 do DL 291/2007 de 21 de agosto, tal norma é inconstitucional por violar os princípios da universalidade e da igualdade, previstos nos artigos 12º e 13º da CRP, por regular de forma diferente situações idênticas.

24. A aplicação de tal norma com o sentido/interpretação acima exposto redundará diretamente numa violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º da C.R.P., impedindo o A. de se socorrer do meio processual estabelecido na lei, onerando a sua posição processual sem qualquer fundamento.

25. O Meritíssimo Juiz, alega, igualmente, para fundamentar o erro na forma do processo que estão em causa nos presentes autos o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente, nomeadamente, por terem sido invocadas várias exceções e inconstitucionalidade da norma que permite recorrerão procedimento de injunção.

26. Não se compreende, e muito menos se aceita que pelo facto de o tribunal ter de “analisar minuciosamente” as exceções alegadas, pelos Réus, nomeadamente, por o FGA ter invocado a inconstitucionalidade da norma que permite em abstrato o recurso à injunção; a exceção de erro na forma de processo; a exceção de culpa do lesado; a exceção de ilegitimidade passiva tanto da Ré FGA como pela Ré G..., S.A., porquanto a primeira alega a existência de um seguro válido e a segunda a sua inexistência, esta análise (produção de prova) não se coadunar com o procedimento de injunção.

27. Verifica-se que as alegadas questões complexas a decidir que alegadamente necessitam de “análise minuciosa”, existiram, igualmente, numa eventual, ação comum, e a sua decisão, porque questões de direito se tratam, não determina a análise de prova extensa e diferente de alguma a produzir na referida eventual ação comum, pelo que improcede o alegado pelo Meritíssimo Juiz.

28. A aplicação do DL 218/99, de 15/06 determinou para as Instituições integradas no SNS, como o Autor o recurso ao regime jurídico das injunções, porquanto, implicando tal instituto uma exposição sucinta dos factos, e tratando-se de acidentes de viação, uma alegação de todos os

pressupostos da responsabilidade civil tornaria tal desiderato quase impraticável.

29. No caso, estando decidida a responsabilidade na produção do acidente, em processo -crime, e estando apenas em causa a responsabilidade pelo pagamento dos cuidados de saúde, não se afigura a existência de exceções possam ser consideradas e questões de maior complexidade.

30. Caso se entenda que a decisão das exceções alegadas pelos Réus são questões de maior complexidade, entende o Autor que o seu surgimento no seguimento da Oposição à injunção, não leva a que se possa entender verificar-se erro na forma de processo, ou uma exceção dilatória inominada, que estribem uma absolvição dos Réus da Instância, vide Acórdão da Relação de Lisboa de 13/04/2021.

31. A decisão de absolvição da instância com fundamento na exceção de erro na forma do processo consubstancia a prática de um ato inútil, na medida em que, a extinção destes autos determinava obrigatoriamente, a instauração de outro, uma vez que não foi posta em causa, prestação dos cuidados de saúde, resta saber se os mesmos são devidos e por quem, ou seja, se o crédito está prescrito e/ou quem é o responsável pelo seu pagamento.

32. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, ao julgar procedente a exceção de erro na forma de processo, com a consequente absolvição dos Réus da instância, fazendo incorreta aplicação e/ou interpretação dos artigos 278º, n.º 1 - al e), 576º, nºs 1 e 2, 577º b) todos do CPC, tendo ainda violado o dever de gestão processual previsto no artigo 6º, n.º 1, do mesmo diploma legal e ainda artigos 1º, nº 3 do DL 218/2007, de 15/06, DL 269/98, de 01/09 e artigo 62º, nº 1 do DL 291/2007 de 21/08, na medida em que impõe às Entidades incluídas no SNS aplicação do procedimento de Injunção em caso de cobrança de cuidados de saúde, e não se verifica qualquer imposição e/ou restrição à dedução de pedidos subsidiários, nomeadamente quando tal imposição resulta da Lei.

Deve a presente sentença ser substituída por outra que julgue improcedente essa exceção dilatória inominada de erro na forma do processo, quer por a mesma não se verificar, quer por consubstanciar um ato inútil, e ordenar-se que os presentes autos prossigam os seus ulteriores termos. JUSTIÇA

3. O FGA contra-alegou, concluindo que:

1. Pretende o Autor que a injunção é a forma de processo adequada para fazer valer o direito que se arroga, decorrente de responsabilidade civil extracontratual…

2. A injunção tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações decorrente de contrato. (art.º 7.º do DL 268/98, de 01/09)

3. Nos presentes autos não se discute o (in)cumprimento de qualquer obrigação pecuniária emergente de contrato, muito menos qualquer obrigação emergente de transação comercial abrangida pelo DL 32/2003, de 17/02.

4. O DL 218/99, de 15/06, que estabelece o regime jurídico para a cobrança de dívidas hospitalares, viu o seu art.º 1.º alterado pelo art.º 192.º da Lei 64-B/2011, no sentido de que a prestação de cuidados de saúde se considera feita ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.

5. Donde resultou a aplicabilidade do regime jurídico da injunção à cobrança de dívidas hospitalares.

6. Admitindo que fosse intenção do legislador permitir o acesso à injunção pelas instituições de saúde, não pode olvidar-se que o regime jurídico da injunção se manteve alterado, sem ser adequado à especificidade da cobrança dos créditos hospitalares a que aparentemente passaria também a destinar-se.

7. A injunção, como processo simplificado de cobrança de obrigações pecuniárias, tem como pressuposto que entre as partes exista já um prévio vínculo contratual.

8. Em consequência, a injunção não é aplicável a obrigações pecuniárias de origem não contratual.

9. No regime de cobrança de dívidas hospitalares instituído pelo DL 218/99, verifica-se a inversão do ónus da prova, já que a instituição de saúde apenas tem de alegar e provar que prestou cuidados de saúde e o facto gerador da responsabilidade.

10. Impendendo sobre os réus a prova de que os condutores dos veículos não tiveram responsabilidade no acidente, no procedimento de injunção não estão garantidos os meios de defesa necessários à proteção dos direitos dos requeridos.

11. Nenhum dos réus nos presentes autos está ligado ao Autor por qualquer vínculo contratual prévio, como se impõe na injunção!

12. A alteração introduzida pela Lei 64-B/2011 ao art.º 1.º n.º 2 do DL n.º 218/99, de 15/06, viola o princípio de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (art.ºs 13.º e 20.º da C.R.P.), quando são demandadas pessoas/entidades que não tenham tido qualquer relação com a entidade hospitalar.

13. Basta atentar na causa de pedir alegada nos presentes autos para concluir que o Autor não lançou mão da adequada forma de processo, uma vez que não estamos perante incumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato.

14. Na injunção, o formulário/modelo/impresso de citação menciona: «Segundo o pedido de injunção apresentado contra si, não foram feitos pagamentos devidos por um contrato de Fornecimento de bens ou serviços feito em 03-02-2021».

15. Do próprio modelo do impresso resulta inequívoco que a injunção não é o meio adequado de que o Autor deveria socorrer-se para fazer valer o direito que se arroga.

16. Deveria o Autor ter recorrido à forma de processo comum, nos termos do art.º 546.º n.º 1 e 548.º do CPC, essa sim a forma processual adequada para exigir o cumprimento de obrigação pecuniária decorrente de facto ilícito, culposo e danoso.

17. Existindo erro na forma do processo, numa correta interpretação do Direito, o Tribunal a quo absolveu os Réus da instância.

18. A douta decisão de fls. não violou quaisquer preceitos legais, pelo que deverá manter-se na íntegra.

19. Bem andou o douto Tribunal a quo ao absolver os Réus da instância.

Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso. Assim se fará JUSTIÇA!

II – Factos Provados

A factualidade a considerar é a que dimana do relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Erro na forma do processo.

2. O tribunal recorrido declarou existir tal erro com base essencialmente em 4 argumentos: o pedido formulado não está em consonância com o fim para o qual foi estabelecido ou criada a forma processual do processo de injunção; que o FGA e o R. BB foram demandados com violação dos requisitos do disposto no art. 1º, nº 3, do DL 218/99, de 15.6; que foram deduzidos pedidos subsidiários, o que não está previsto no procedimento de injunção; que estão em causa nos presentes autos o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente, nomeadamente, por terem sido invocadas várias excepções e inconstitucionalidade de determinada norma.

A recorrente discorda (cfr. a totalidade das suas conclusões de recurso). E com razão. Nós também não subscrevemos tal decisão e sua fundamentação. Os normativos, pertinentes, a considerar são os seguintes.

O art. 1º do DL 269/98 que aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000 €.

O art. 1º do DL 218/19 (que estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde), onde se estatui que:

1 - O presente diploma estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados.

2 - Para efeitos do presente diploma, a realização das prestações de saúde consideram-se feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo aplicável o regime jurídico das injunções.

3 - Para efeitos do número anterior, o requerimento de injunção deve conter na exposição sucinta dos factos os seguintes elementos:

a) O nome do assistido;

b) Causa da assistência;

c) No caso de acidente que envolva veículos automóveis, matrícula ou número de apólice de seguro;

(…)

f) Nos restantes casos em que sejam responsáveis seguradoras, deve ser indicada a apólice de seguro.

O art. 193º, nº 1, do NCPC, que estatui que o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei,

Vejamos agora cada um dos 4 argumentos invocados na decisão recorrida.

A») o pedido formulado não está em consonância com o fim para o qual foi estabelecido ou criada a forma processual do processo de injunção.

Não acolhemos tal maneira de ver o litígio. O legislador no apontado art. 1º, nº 2, do DL 218/99, não só ficcionou que a realização das prestações de saúde se consideram feitas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, como mandou aplicar o regime jurídico das injunções.

De sorte que o pedido do recorrente se acoberta perfeitamente aos intentos legais e regime do transcrito art. 1º do DL 269/98. No mesmo sentido podem ver-se os Acds. da Relação do Porto, de 12.1.2021, Proc.400104/20.1YIPRT, da Relação de Guimarães, de 17.9.2020, Proc.117403/19.3YIPRT, e desta Relação de Coimbra, de 14.1.2014, Proc.13358/13.2YIPRT, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

O que determina a forma de processo a empregar é o pedido, pelo que a correção ou incorreção do meio processual empregue pelo A. afere-se em função da pretensão da tutela jurisdicional que o mesmo pretende atingir. Como é bom de ver, perante o pedido do A., e os citados artigos dos 2 mencionados DL, o pedido ajusta-se à forma do processo utilizado, pelo que inexiste o apontado erro na forma do processo. 

B») o FGA e o R. BB foram demandados com violação dos requisitos do disposto no art. 1º, nº 3, do DL 218/99. Não está certo.

Na verdade, embora o FGA e o BB não sejam seguradoras, podem ser demandados, como emana da acima referida e transcrita c), pois a lei contenta-se, em caso de acidente, com a indicação do número de apólice de seguro ou da matrícula. Ora, o A. ao demandar o FGA e BB indicou, no requerimento de injunção, a matrícula do veículo que este último conduzia. Estão reunidos, pois, os requisitos previstos no identificado diploma.

C») foram deduzidos pedidos subsidiários, o que não está previsto no procedimento de injunção. É verdade, mas não é por isso que haja barreira legal para tal dedução.

Efectivamente, o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000 € é um procedimento especial (epígrafe do art. 1º do DL 269/98).

No art. 549º, nº 1, do NCPC, que prevê as disposições sobre o processo especial, determina-se que o mesmo se regula pelas disposições próprias, depois pelas disposições gerais e comuns e seguidamente, na falta de umas e outras, pelo estabelecido no processo comum.  

Ora, no processo comum de declaração prevê-se a possibilidade de pedidos subsidiários (art. 554º do mesmo código). E nas disposições gerais e comuns prevê-se a dedução de pedido em litisconsórcio subsidiário (art. 39º, do mesmo diploma), como é o caso dos autos. Como assim, ao invés do sustentado na decisão apelada é possível deduzir pedidos subsidiários nesse tipo de procedimento especial de que é ilustrativo o nosso caso concreto.

Pode é verificarem-se circunstâncias impeditivas da subsidiariedade dos pedidos, como a lei prevê no nº 2 do mencionado art. 554º e por arrastamento na situação do art. 39º, mas essa circunstância apenas operará no estrito âmbito da procedência de uma excepção dilatória e consequente absolvição da instância (arts. 576º, nº 2, 577º, corpo e g) e 278º, nº 1, e), do NCPC). Circunstâncias eventuais essas que podem perfeitamente ser obviadas no processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias referido, já que remetida a injunção á distribuição se passa a seguir, por efeito do art. 17º do Regime Anexo, o disposto nomeadamente no art. 3º da acção declarativa, podendo o juiz ao abrigo do nº 1 deste preceito, julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa (total ou parcialmente).    

Nunca, contudo, se equiparando ou importando tais hipóteses a erro na forma do processo.

D») estão em causa nos presentes autos o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente, nomeadamente, por terem sido invocadas várias excepções e inconstitucionalidade de determinada norma. 

Não se aceita que pelo facto de o tribunal ter de analisar as exceções alegadas pelos RR, nomeadamente por o FGA ter invocado a inconstitucionalidade da norma que permite em abstrato o recurso à injunção, a ilegitimidade passiva das RR G..., S.A. e FGA, a culpa do lesado as mesmas não se coadunam com o procedimento de injunção.

Se a aplicação do DL 218/99 determinou para as instituições integradas no SNS, como o A., o recurso ao regime jurídico das injunções, e muitas vezes se trata de acidentes de viação, com alegação de todos os pressupostos da responsabilidade civil, o que não passa por uma sumária alegação de factos, é bom de ver que o desiderato do julgador seria contraditório ao remeter para a injunção essa discussão fáctico-jurídica e, ao mesmo tempo, concluir-se que não se pode recorrer ao uso da injunção. Seria uma interpretação absurda.

Aliás, em lado algum dos 2 diplomas avulsos atrás citados se prevê que a maior ou menor complexidade das questões a dirimir sejam critério legal ou interpretativo para concluir que conforme uma hipótese ou outra se possa ou não recorrer ao regime da injunção ou subsequente procedimento da acção declarativa prevista no Anexo ao apontado DL 268/98.

Em semelhante sentido podem ver-se os Acds. da Relação de Lisboa de 13.4.2021, Proc.95316/19.0YIPRT, e da Rel. Porto, de 12.7.2017, Proc.89602/16.9YIPRT, no mesmo sítio, e Paulo Duarte Teixeira, (em Os pressupostos objetivos e subjetivos do procedimento de injunção, Revista Themis, VII, n.º 13, pág. 207), ao afirmar que “o critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo consiste em determinar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para o qual foi estabelecida a forma processual empregue pelo autor. Nesta perspetiva, a determinação sobre se a forma de processo adequada à obrigação pecuniária escolhida pelo autor ou requerente se adequa, ou não, à sua pretensão diz respeito apenas com a análise da petição inicial no seu todo, e já não com a controvérsia que se venha a suscitar ao longo da tramitação do procedimento, quer com os factos trazidos pela defesa quer com outros que venham a ser adquiridos ao longo do processo por força da atividade das partes”.

Daqui concluímos que a aludida “complexidade”, invocada na decisão do tribunal a quo, não leva a que se possa entender verificar-se erro na forma de processo.

Não se concordando nem se seguindo, obviamente, o que o Ac. da RL de 24.04.2019, Proc. 73674/18.4YIPRT, em www.dgsi.pt, defende e que foi chamado à colação na decisão apelada. Nem o outro acórdão invocado na decisão recorrida a seu favor também lhe dá o pretendido conforto. Aí não se afirma que o eventual uso inadequado da providência de injunção gerará erro na forma do processo, por uso indevido do processo, o que impõe a absolvição da instância, conforme o tribunal a quo proclama, citando e seguindo o Ac. desta Rel. Coimbra de 20.05.2014, Proc.30092/13.6YIPRT, em www.dgsi.pt, pois nesse aresto o que se diz é que tal circunstância conduzirá a uma excepção dilatória inominada, mas não a um erro na forma do processo.

(…)

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida, ordenando-se a prossecução dos autos.

*

Custas pelo FGA.

*

                                                          Coimbra, 17.5.2022

                                                          Moreira do Carmo