Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1751/13.5TBACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
EXECUÇÃO
COMPENSAÇÃO
ARGUIÇÃO
EXECUTADO
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. EXECUÇÃO – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 195º, 662º E 729º NCPC; 313º E 314º DO C. CIVIL.
Sumário: I – As nulidades previstas no art. 195º, nº 1 do CPC para poderem ser conhecidas exigem a sua arguição, que deverá ser feita no prazo de dez dias a contar do momento em que a parte, depois de ela ter sido cometida, interveio em qualquer acto no processo e quando deva presumir-se que então tomou dela conhecimento ou dela pudesse ter tomado conhecimento agindo com a devida diligência.

II - A compensação é fundamento de oposição à execução, mas sendo esta baseada em sentença só é invocável a compensação cuja “situação de compensação” (cuja data da verificação dos respectivos pressupostos) seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e, ainda assim, tem que ser/estar provada por documento (art. 729º, als. g) e h) do CPC).

III - Quando a execução é baseada noutro título não subsiste a limitação imposta pelo art. 729º, al.g) do CPC.

IV - Nas prescrições presuntivas a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão - judicial ou extrajudicial - do devedor originário, só relevando esta última quando for realizada por escrito (artº 313º, nº 2, do C. Civil).

V - Nas prescrições presuntivas a alegação concomitante da prescrição com outros meios de defesa pode comportar incompatibilidades e contradições não permitidas pelo art. 314º do CCivil quando estas signifiquem directa ou indirectamente uma confissão da dívida.

VI - Constitui confissão tácita da dívida, nos termos da parte final do art. 314º do CCivil, a alegação de que a crédito reclamado está extinto em virtude de o reclamante, que é advogado, ter em seu poder dinheiro que lhe foi entregue por outrem para ser por sua vez entregue ao reclamado (cliente do embargante) em montante que satisfaz a dívida peticionada nos autos (de honorários não pagos).

VII - Exigindo-se que a alegação da prescrição presuntiva deva conter não só a afirmação da natureza do crédito e decurso do prazo (art. 317º do CC) mas também a de que o crédito que se diz prescrito foi pago, a alegação de que o credor tem em seu poder dinheiro que lhe foi entregue por terceiro para que, posteriormente, fosse entregue ao devedor, não constitui alegação de pagamento.

VIII - Só o pagamento e não qualquer outra causa de extinção das obrigações pode fundamentar a prescrição presuntiva, porque só o cumprimento tem previsão legal no art. 312º do CCivil e, também, porque em todas as outras causas de extinção existe um fundamento indirecto e lateral para que a obrigação se tenha extinguido, enquanto a única causa de extinção directa e que não sai do círculo dos direitos e deveres criados pela constituição da obrigação é o cumprimento.

IX - Constitui igualmente confissão tácita da dívida por defesa incompatível com a presunção de cumprimento, a circunstância de o embargado, enquanto alegado devedor do embargante por crédito de honorários, ter contestado o valor da dívida e requerido laudo da Ordem dos Advogados para se apurar quais os devidos, ainda que declare que esta defesa é apenas realizada por hipótese de mero dever de cautela de patrocínio e sem conceder.

X - A previsão do art. 662º, nº 2, al. b) do CPCivil cobre os casos em que, depois de avaliada toda a prova produzida em primeira instância, subsistem dúvidas sobre essa mesma prova que haja sido efectivamente realizada e quanto a factos que o tribunal a quo tenha considerado “provados” ou “não provados”.

XI - O art. 662º, nº 1, al. b) do CPCivil não enquadra questões de omissão de prova que tenha sido suscitada pelas partes e não tenha sido realizada porque indeferida; nem aquelas em que as partes não tenham apresentado prova; nem ainda aquelas em que o tribunal de primeira instância não se pronuncia sobre um facto controvertido, não o considerando “provado” nem “não provado”.

XII - Quando o tribunal a quo não se pronuncia sobre um facto (essencial) controvertido, não lhe dando resposta de provado ou não provado, o tribunal de recurso fica perante uma situação de falta absoluta de decisão sobre um facto essencial que conduz à aplicação do art. 662º, nº 1, al. c) do CPCivil, com a consequente anulação da decisão proferida, para que seja realizada ampliação da matéria de facto.

XIII - A solicitação à Ordem dos Advogados, não realizada em primeira instância, para obtenção de laudo de honorários que confirmasse a resposta à matéria de facto do tribunal a quo sobre esse montante apenas poderia caber na previsão do art. 662º, nº 1 al.b) do CPCivil se tivesse existido por parte do tribunal recorrido resposta sobre essa matéria de facto. Em caso de não existir pronúncia alguma sobre essa matéria colhe a previsão do art. 662º, nº 1, al. c) do CPCivil.

Decisão Texto Integral:


I – Relatório

L... veio, por apenso à execução comum intentada por S... deduzir oposição à execução.

Para o efeito alegou, e em síntese, que:

- O embargante é credor do embargado pelas quantias devidas a título de honorários e despesas por serviços prestados nos valores de €46.750,00, €8.500,00 e €400,00, respectivamente:

- As referidas notas de despesas e honorários foram remetidos ao embargado por correio registado;

- O embargante, para garantia do pagamento das despesas e honorários devidos pelos serviços prestados, goza do direito de retenção sobre os valores recebidos e a entregar ao cliente;

- O embargante invocou junto do embargado a compensação dos seus créditos;

- Em consequência, deve reconhecer-se o direito de retenção invocado e, em consequência, ser declarada, por compensação, a extinção do crédito do exequente até ao valor de €68.395,50.

Contestando, o exequente veio alegar que se encontram prescritas as quantias reclamadas a título de honorários e despesas, as quais, inclusive, foram pagas na sequência do acordo celebrado entre embargante e embargado.

- Mesmo que o crédito a título de honorários e despesas do embargante perante o embargado existisse, deve considerar-se que o valor dos mesmos excede os parâmetros gerais de fixação de honorários.

Realizada tentativa de conciliação, sem resultado, os autos prosseguiram tendo sido elaborado despacho saneador.

Após ter sido proferido despacho saneador, o embargado por requerimento de fls. 52 a 55 requereu a rectificação do seu art. 23 da contestação para que passasse a ter a seguinte redacção: “ 23 - Assim sendo:

a) embora se reconheça a existência do dito mandato conferido pelo Embargado;

b) considerando que o Embargado já havia efectuado o pagamento dos honorários do Embargante, pois, o Embargante informou o Embargado que:

i) o valor da indemnização recebida no processo do acidente de trabalho (Processo n.º ...) era de, aproximadamente, €71.000,00 – e não no valor real de €171.630,13, que o Embargante recebeu em nome do Embargado;

ii) que os honorários que eram devidos ao Embargante por todos os serviços prestados e que o Embargante conservaria para si do montante de €71.000,00 somente (alegadamente!) recebido correspondiam ao valor da diferença dos €71.000,00 para os €64.000,00 que foram transferidos pelo Embargante ao Embargado em 2008.03.07 (ou seja, os seus honorários seriam no valor de €7.000,00 e não de);

c) o Embargante, sem qualquer motivo ou critério válido, conservou para si quantia muito superior à quantia que havia combinado com o Embargado, tendo o Embargado só sabido do que lhe havia sido ocultado – ou seja, que o valor da indemnização resultante do acidente de trabalho era de €171.630,13 e não de €71.000,00 - após o seu divórcio, a propósito do qual foi feito um levantamento do património e dos créditos do mesmo em Portugal por parte do Exmo. Senhor Dr. ... (nomeadamente, dos créditos emergentes do acidente de trabalho em causa).

d) O Embargante não fixou os seus honorários conforme os critérios do n.º 3 do artigo 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, pois os serviços solicitados e efectivamente prestados, a dificuldade e urgência do assunto, o grau de criatividade intelectual da prestação, o resultado obtido, o tempo efectivamente despendido, as responsabilidades assumidas e os usos profissionais não legitimam o valor ainda peticionado a título de honorários.”

...

Tendo-se o embargante oposto à rectificação do art. 23 da contestação e ao aditamento de nova testemunha, o tribunal por despacho de fls. 61 decidiu nos seguintes termos: “a) Defere-se o requerido quanto à notificação da testemunha L...;

b) Admito o requerido aditamento ao rol de testemunhas, designadamente, da testemunha O..., ao abrigo do disposto no artigo 598.º, do CPC, a qual será a apresentar.”

Realizado o julgamento proferiu o tribunal de primeira instância sentença em que julgou “os presentes embargos de executado totalmente improcedentes, com o consequente prosseguimento da execução.”

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o embargante concluindo que:

...

Não houve contra alegações

Cumpre decidir.

Fundamentação

O tribunal deu como provada a seguinte matéria de facto:

Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

De acordo com o que deixamos dito, o objecto do presente recurso é o de decidir se se verifica ou não a prescrição presuntiva do crédito invocado pelo embargante e que o tribunal recorrido entendeu ocorrer, e com base na qual julgou improcedentes os embargos e, subsequentemente, conhecer o mérito do pedido do embargante.

Como advertência preliminar, observa-se que no recurso o apelante reclama, para interpretação da defesa do embargado/exequente, o teor do requerimento apresentado por este quando pretendia rectificar o art. 23 da contestação de embargos, protestando o recorrente que, segundo as próprias declarações do exequente vertidas nesse requerimento, o montante dos honorários por si em dívida ao executado seria apenas de 7.000,00 €. E acrescenta, justificando, que “embora sobre o pedido de rectificação apresentado (…) não tenha havido decisão da Mma. Juiz a quo, o comportamento por si evidenciado ao longo do processo é contraditório e incompatível com a presunção de cumprimento alegado.”

Tomando aqui esta questão exposta, exclusivamente na sua densidade processual, isto é, no sentido de decidir se é admissível às partes, neste caso o embargante, socorrer de matéria de facto alegada em requerimento apresentado pela parte contrária, sem que o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre a sua admissão, é um facto que sobre o aludido pedido de rectificação do art. 23 da contestação aos embargos o tribunal não se pronunciou e contra esta não pronúncia não houve arguição de nulidade.

Bastará confrontar o teor do art. 23 da contestação de embargos original e o teor do que se pretendia rectificado para se concluir que não se tratava de qualquer correcção de lapsos de escrita ou materiais mas sim de reescrever esse artigo com matéria de facto nova.

Nos termos do art. 195 nº1 do CPC, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de uma formalidade que a lei prescreva só produzem a nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa. E tais nulidades têm de ser reclamadas para que delas o juiz possa conhecer (art. 196 nº1 CPC), reclamação que deverá ser feita no prazo de dez dias a contar do momento em que a parte, depois de ela ter sido cometida, interveio em qualquer acto no processo e quando deva presumir-se que então tomou dela conhecimento ou dela pudesse ter tomado conhecimento agindo com a devida diligência (art. 199 e 149 nº1 do CPC).

Nesta conformidade, se entendia o recorrente que o tribunal de primeira instância havia cometido uma nulidade, traduzida na omissão de pronúncia sobre a admissão do requerimento de rectificação do art. 23 da contestação de embargos, deveria ter arguido essa nulidade no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado do despacho de 8 de maio de 2014, por ela não ser do conhecimento oficioso nem ter sido praticada na sua presença (art. 199 nº1 CPC). E não o tendo feito, ficou essa eventual nulidade sanada sendo de todo impertinente e legalmente inadmissível vir aludir agora, em recurso, ao que conste de requerimento que não foi admitido ou sobre o qual não tenha havido decisão de admissão, sem a consequente arguição de nulidade por omissão.

Nestes termos, a matéria que serve a presente decisão é apenas a que nos autos foi dada como provada e não provada e que não sofreu impugnação, sendo que a referência para o que possa ter sido alegado nos articulados das partes não comporta o teor do requerimento em que o embargado pretendeu alterar a redacção do art. 23 da sua contestação.

O embargante invoca como fundamento de oposição à execução a compensação nos termos dos arts. 847 e ss do CCivil.

Embora neste momento não se possa já questionar a admissibilidade legal de o embargante pretender exercer a compensação em execução[1] por rigor lógico e metodológico esta matéria merece pela sua importância e contexto uma breve referência.

De facto, já se entendeu, na vigência do anterior CPCivil, que por ser inadmissível a dedução de reconvenção em oposição à execução, a compensação não podia aqui ser invocada; ou, dito doutro modo, para a compensação poder ser invocada teria a existência do contra crédito e os requisitos substantivos da compensação que estar provados por documento com força executiva[2]. Não julgamos que assistisse razão a este entendimento uma vez que, quer o contracrédito invocado seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente, é “permitido deduzir a excepção de compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente ter declarado querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita na petição de embargos).”[3]

E hoje, no CPC saído da reforma de 2013 o art. 729.º/h admite expressamente a compensação como fundamento de oposição embora no art. 266.º/2/c), se estabeleça que a compensação passa a ter que ser sempre deduzida por reconvenção.

Assim, julgando que é inteiramente admissível a invocação de um contracrédito compensável na oposição à execução importa esclarecer que essa invocação não é livremente alegável e demonstrável, uma vez que a lei processual no citado art. 729, als. g) e h) dispõe que, sendo a execução fundada em sentença, os factos extintivos ou modificativos da obrigação têm que ser posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e que ser provados por documento, percebendo-se estas exigências uma vez que a superveniência decorre e é imposta pelo respeito pelo caso julgado[4].

Acabando a sentença por abranger todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, valendo a máxima segundo a qual o caso julgado “cobre o deduzido e o dedutível”, os factos extintivos ou modificativos da obrigação reconhecida na sentença só podem ser os posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração.

Porém a questão não fica definitivamente resolvida porque, afirmando o art. 848.º/1 do C. Civil que “a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”, suscita-se a dúvida sobre se a superveniência é aferida pela “declaração de compensação” ou pela “situação de compensação”.

Segundo um entendimento “(…) o que, no caso da compensação, extingue o crédito, não é a situação de compensação (compensabilidade dos créditos), mas a declaração de compensação, e, portanto, se esta for posterior ao encerramento da discussão do processo declarativo, tanto basta para poder ser oposto pelo devedor-executado ao credor-exequente” ou seja, o que releva é a declaração de compensação[5]. Mas não é esta a orientação dominante, segundo a qual o que releva e determina a superveniência é a “situação de compensação”.

As razões de mérito deste último entendimento, que também acolhemos, são as de que, se atendêssemos ao momento da “declaração de compensação”, o ónus da apresentação de toda a defesa na contestação perdia força, já que o demandado poderia sempre tornar a compensação superveniente, ao emitir a declaração compensatória posteriormente ao termo da contestação ou do encerramento da discussão e julgamento[6], estando ainda a sujeitar o credor (com base em sentença) à dedução tardia de excepções cuja existência pode ser duvidosa, razões pelas quais se entenda que para se aferir se o facto extintivo/modificativo da compensação é anterior ou posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, importa o momento em que se verificou a situação/condições de compensabilidade, a data da verificação dos pressupostos do direito[7]../../../../../Data/fa00140/Desktop/Jurisprudência/Cível/1ª Sec/Dr. Barateiro Martins/Apelação 556-08.doc - _ftn11.

Num segundo domínio, não já o da superveniência mas sim no da prova, refere-se na alínea g) do art. 729 do CPC que, sendo a execução fundada em sentença, os factos extintivos ou modificativos da obrigação (além de terem que ser posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração) têm que ser provados por documento[8]../../../../../Data/fa00140/Desktop/Jurisprudência/Cível/1ª Sec/Dr. Barateiro Martins/Apelação 556-08.doc - _ftn12.

Não se trata, como antes se referiu, que seja necessário que a existência do crédito e os requisitos substantivos da compensação se provem por documento com força executiva, mas é requisito que se prove por documento o facto constitutivo do contra crédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847.º do C. Civil, bem como a declaração de querer compensar (art. 848.º) no caso de esta ter sido feita fora do processo. Isto mesmo decidiu oi STJ ao dizer que “é, manifestamente, pouco. Seria necessário provar-se por este meio, antes de mais, a própria existência dos créditos contrapostos pela embargante. A compensação não se prova por documento se por documento não se provam os pressupostos materiais da declaração a que se refere o art. 848.º/1 do C. Civil, mas apenas que a declaração foi feita”[9].

Num resumo de todas estas considerações normativas, a compensação (ou o contracrédito compensável) é fundamento de oposição à execução mas, sendo esta baseada em sentença, só é invocável a compensação cuja “situação de compensação” (cuja data da verificação dos respectivos pressupostos) seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e, ainda assim, tem que ser/estar provada por documento[10].

Neste domínio o regime processual anterior mantém-se sem alteração no actual interpretando-se a alínea h) do art. 729.º do CPC, saído da reforma de 2013, no sentido de visar afastar o ressurgimento das dúvidas “sobre a admissibilidade da compensação como fundamento de oposição a uma execução na medida em que, estabelecendo o art. 266.º/2/c) do CPC que a compensação passa a ser sempre deduzida por reconvenção, poder-se-ia ser tentado a entender, em face da inadmissibilidade da dedução de reconvenção em oposição à execução, que a compensação deixava de poder aqui ser invocada.

Ou seja, em face do estabelecido no art. 266.º/2/c) do NCPC sentiu-se o legislador na necessidade de clarificar a admissibilidade da compensação como fundamento de oposição a uma execução, não querendo/pretendendo dizer que, caso a execução seja baseada em sentença, podem ser compensados todos e quaisquer créditos (mesmo os constituídos em data anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração) e que os mesmos podem ser provados por qualquer meio”[11].

Apreciando agora o caso em recurso, não estando perante uma execução baseada em sentença não podemos aceitar que, para efeitos de fundamentos de oposição, se deva considerar que lhe são aplicáveis as limitações do art. 729 al.g) e h) do CPC porquanto às execuções “baseadas noutro título” como é o caso dos autos, podem ser alegados quaisquer fundamentos que o possam ser em processo de execução (art. 731 CPC).

Não obstante na situação em apreço saibamos que por o título executivo apresentado na execução ser um documento particular elaborado em 20 de Dezembro de 2012, entre o exequente e o executado, a “situação de compensação” invocada seja muito anterior a essa data por se dizer como constituída entre 2005 e 2008 e a “declaração de compensação” datada de 3 de Janeiro de 2013, quando foi enviada a nota de honorários ao devedor, a verdade é que não existe aqui qualquer impedimento à dedução de compensação porque não estava obrigado a apresentá-la antes (como no caso de o título executivo ser uma sentença) por não haver aqui os constrangimentos apontados do caso julgado.

Note-se que, como se entendeu em caso recente neste Tribunal da Relação, se por ventura, ainda que não baseada em sentença, a obrigação exequenda estivesse totalmente consolidada na execução neste caso já teriam aplicação as regras do art. 729 al. g) e h), resultando a “consolidação” afirmada da circunstância de a execução se ter iniciado; nela não ter havido oposição de embargos; ter havido suspensão do processo em virtude de acordo de pagamento da quantia exequenda em prestações; por incumprimento destas ter voltado o processo a prosseguir, sendo só então que em embargos deduzidos o executado veio a opor a compensação[12].

Assim, confortados com a regularidade da dedução de embargos para fazer valer a compensação nesta execução, passamos de imediato ao conhecimento do mérito do recurso, tornando presente que o tribunal a quo julgou improcedente os embargos, sem conhecer o mérito da pretensão do embargante por entender que o crédito que este queria fazer valer, em compensação, para se opor à dívida exequenda se encontrava prescrito, pela verificação da prescrição presuntiva. 

Sabemos que por regra as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo ao direito prescrito (artigo 304º do Código Civil), isto é, ao devedor basta alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, não precisando alegar que nunca deveu ou já pagou.

Sem embargo, ao lado dessas prescrições extintivas há as chamadas prescrições presuntivas que se explicam pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, em via de regra, quitação, ou, pelo menos, não se conservar por muito tempo essa quitação, pelo que, decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efectuado[13].

É diferente a tutela visada com o instituto da prescrição presuntiva daquela outra que se concede através da prescrição ordinária. Enquanto nesta última se reage contra a inércia do credor, o qual, esgotado o prazo, não pode exigir que o devedor cumpra aquilo a que se obrigara, ainda que confesse estar em dívida, na primeira (prescrição presuntiva) promove-se o tráfico jurídico, não se visando coarctar em absoluto ao credor a prova do seu crédito, mau grado esta se limite à confissão expressa ou tácita do devedor[14]

Também o Prof. Manuel de Andrade dá nota de que a lei estabeleceu “prazos para a prescrição de créditos do merceeiro, do hoteleiro, do advogado, do procurador, etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim de um prazo relativamente curto o credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro lado, o devedor, em regra, paga as suas dívidas dentro de prazo curto, porque são dívidas que ele contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes. Mesmo quando o devedor é pessoa de más contas, prefere não pagar outras dívidas e ir pagando estas, até porque de outra maneira, acabaria por não ter quem o servisse. Finalmente, o devedor em regra não cobra recibo destas dívidas, quando paga e se exige recibo não o conserva muito tempo”[15].

Por sua vez, Rodrigues Bastos recomenda a leitura desta realidade na perspectiva da sua particular natureza dizendo que “as chamadas prescrições presuntivas são prescrições de curto prazo, que têm esta característica especial: o decurso do termo estabelecido por lei não produz, como nas outras prescrições (cfr. art. 304º) a extinção do direito, dando lugar apenas a uma presunção de cumprimento, que pode ser ilidida, embora só pelo meio previsto no art. 313”[16]. De facto, visando as prescrições presuntivas conferir protecção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, “não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Exige-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor”[17]

Numa síntese que resuma todos os aspectos enumerados “As alíneas a) e c) do artº 317º do C. Civil contemplam as chamadas presunções de curto prazo ou prescrições presuntivas (…) que se distinguem das chamadas prescrições verdadeiras, pois que enquanto nestas, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas outras, se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado na mesma maneira, não funcionado pois a prescrição mesmo que invocada.

A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão - judicial ou extrajudicial - do devedor originário - esta última só relevando quando for realizada por escrito (artº 313º, nº 2, do C. Civil).

Nas presunções deve distinguir-se entre o facto base da presunção e o facto presumido. A lei dispensa a parte que beneficia da presunção da prova do facto presumido - n° 1 do artº 350º do C. Civil. Mas não a dispensa da prova do facto que serve de base à presunção. O devedor só poderá beneficiar da prescrição presuntiva se alegar que pagou, ou que, por qualquer outro motivo, a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo”.[18]

Neste contexto explicativo deve levar-se em cuidado e aviso que a alegação concomitante da prescrição com outros meios de defesa pode comportar incompatibilidades e contradições não permitidas pelo art. 314 do CCivil, advertindo este que se toma por confissão a prática em juízo de qualquer acto (defesa) incompatível com a presunção de cumprimento, e disso mesmo nos dá conta Sousa Ribeiro ao mencionar que “Constituindo uma mera presunção de pagamento, ela não poderá aproveitar a quem tenha uma actuação em juízo que logicamente o exclua. Quando alega a prescrição e, simultaneamente, pratica um acto inconciliável com o seu pressuposto fundante, o devedor está a contradizer-se a si próprio, pois, ao mesmo tempo que pretende ver reconhecida a extinção do vínculo, com base num presumível cumprimento, não deixa de admitir que ele ainda não se efectuou”[19].

Como sublinhámos anteriormente, se é de exigir neste domínio que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor, deve acrescentar-se, ainda, que essa atitude confessória do devedor pode ser surpreendida não só judicialmente, como também extrajudicialmente, interessando de forma particular a chamada confissão judicial tácita, admitida na 2ª parte do citado art. 314º do CC (prática de actos em juízo incompatíveis com a presunção do cumprimento).

Porque é na apontada incongruência e incompatibilidade interna da defesa do embargado que o recorrente assenta a sua crítica à decisão recorrida, a resposta a dar neste recurso passa necessariamente pela análise do teor global da defesa do embargado e resultante da sua contestação, análise na qual observamos que o embargado alegou, apenas aceitar como verdadeira a matéria vertida sob os artigos 2.º, 5.º e 6, ou seja, que “as notas de despesas e honorários foram remetidas ao embargado por correio registado”; que “O embargante invocou junto do embargado a compensação dos seus créditos” e que essa compensação foi invocada como causa de extinção do crédito do embargado até ao montante de 68.395,50.”

No mais, e em impugnação, o embargado negou a existência da dívida reclamada pelo embargante, com a expressão textual de que “mesmo que o crédito a título de honorários e despesas do Embargante perante o Embargado existisse (hipótese que se coloca por mero dever de cautela de patrocínio, mas que não se concede), deve considerar-se que o valor dos mesmos excede os parâmetros gerais de fixação de honorários a que os Advogados devem atender, sendo esses que terão que ser observados, já que nenhum outro critério específico foi fixado pelas partes”. E isto porque, escreveu ainda “a) embora se reconheça a existência do dito mandato conferido pelo Embargado;

b) considerando que o Embargado já havia efectuado o pagamento dos honorários do Embargante, pois, este conservou para si a diferença entre o valor constante do acordo celebrado em 2012.11.26 entre o Embargante e o Exmo. Senhor Dr. ... e o valor constante do documento n.º 2 junto ao requerimento executivo (€ 171.630,13) que o Embargante conservou em sua posse e relativamente ao qual invocou compensação de créditos (ou seja, o Embargante conservou para si a quantia de € 71.630,13 e vem peticionar, ainda, a quantia de € 68.395,50, o que totaliza a quantia de € 140.025,63, sem qualquer critério);

c) o Embargante não fixou os seus honorários conforme os critérios do n.º 3 do artigo 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, pois, os serviços solicitados e efectivamente prestados, a dificuldade e urgência do assunto, o grau de criatividade intelectual da prestação, o resultado obtido, o tempo efectivamente despendido, as responsabilidades assumidas e os usos profissionais não legitimam o valor ainda peticionado a título de honorários”.

Ora, lendo este articulado nas suas partes significativas (e nas restantes, para lhe apreender o contexto) julgamos que aquilo que o embargado afirma em primeiro plano é que os honorários devidos pelos serviços que como advogado o executado/embargante lhe prestou, não estão em dívida, acrescentando que a hipótese de o crédito de honorários e despesas do embargante perante o embargado existir, a “coloca por mero dever de cautela de patrocínio, mas que não se concede”, o que tem de ler-se como significando que, em concreto, e não hipoteticamente, em seu entender o crédito não existe mas que a vir declara-se que existe seria excessivo e indevido por esse montante peticionado.

De facto, do que é dito/escrito no articulado, no âmbito da conjugação entre a invocação da prescrição presuntiva e alegação de pagamento, só é possível tirar a conclusão de que o embargado, reconhecendo a existência da dívida reclamada pelo embargante acaba por declarar que a mesma estava extinta por ter o embargante em seu poder dinheiro do exequente em montante que a satisfaz.

É certo que ao longo do articulado de resposta à oposição referiu que a sua situação estava contemplada pelo art. 317 do CC, mas isso em nada colide com a posição de defesa que assumiu, caso se entenda que essa defesa é a de que cumpriu através do pagamento e, portanto, de estar extinta a dívida invocada pelo credor.

Sendo desnecessário fazer aqui apelo às regras interpretativas, tal qual estão consagradas nos arts. 236º e ss. do CC, para certificar a verdadeira defesa do ora recorrido perante a proposição dos embargos pelo recorrente, sempre se dirá que qualquer declaratário normal, posto perante a peça contestatória, lendo o seu teor na globalidade, acabaria, necessariamente, por chegar à conclusão já referida: que ali se afirma, num primeiro momento de defesa, que a dívida existiu, que fosse qual fosse o seu montante se deve considerar não ser devido o seu pagamento; que, atentas as circunstâncias temporais em causa até beneficiava do regime do art. 317º, al. b) do CC; e num segundo momento de defesa se impugna o valor da dívida contra si peticionada.

Não se vê pois incongruência ou contradição e incompatibilidade numa defesa que incluísse ao mesmo tempo a alegação de prescrição presuntiva e a de cumprimento, certificando-se aqui o entendimento do STJ quando assim já decidiu de forma constante[20], considerando mesmo não só não haver incompatibilidade como, também, ser esta dupla alegação necessária.

Sublinhamos que até este momento nunca configurámos ou admitimos que o embargado tenha alegado ter pago a dívida, que é requisito que tem de estar presente na alegação da prescrição presuntiva, mas tão só que aquele sustentou e defendeu que o pagamento não é devido porque o embargante tem em seu poder dinheiro que pertence ao exequente em montante superior ao que é pedido.

Se afirmamos que o art. 312 do CCivil estabelece que as prescrições presuntivas se fundam na presunção de cumprimento e se aceitamos não existir contradição alguma em alegar-se a presunção presuntiva e, em simultâneo, o pagamento, teremos de indagar e decidir se o cumprimento/pagamento que aqui se prevê tem uma definição técnico-jurídica que o faz coincidir com realização da “prestação a que se está obrigado” (art. 766 nº1 do CCivil) ou se pode/deve ser lido de forma a abranger na previsão do art. 312 as outras causas de extinção da obrigação.

A jurisprudência não é pacífica neste domínio e, enquanto alguns propendem em que “O devedor só poderá beneficiar da prescrição presuntiva se alegar que pagou, ou que, por qualquer outro motivo, a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo.”[21] , ou ainda que “se a prescrição é apenas presuntiva o devedor só pode beneficiar dela desde que alegue que pagou, ou que por outro motivo a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo.”[22], outros há que consideram que “ as prescrições presuntivas baseiam-se numa presunção de cumprimento (ou pagamento) e por isso (…) é evidente, que não abrangem outras formas de extinção dos créditos a que se referem, senão a que decorre do pagamento desses créditos.

Dito por outras palavras, decorridos os prazos prescricionais, presume-se o pagamento dos créditos mencionados nos arts. 316º e 317º (C.C.), mas não se presume a extinção desses créditos por via da compensação, da novação, da remissão, etc…”[23]

É certo que o cumprimento é a realização da prestação, trate-se de prestação de coisa ou prestação de facto (art. 762º, nº 1 CCivil) e certo é também que cumpre, aquele que executa a sua obrigação, entregando a soma de dinheiro ou a coisa devida ou prestando os serviços que está adstrito (art. 766º, n.º 1 C.Civil).

Portanto, o cumprimento assim definido, nos termos do art. 766 do CCivil representa o meio normal de liberação do devedor, sendo, por conseguinte, uma das causas de extinção da obrigação. Mas, a par do cumprimento, existem outras causas de extinção que não se confundem com o cumprimento, sendo o caso da compensação, da dação em cumprimento, da consignação em depósito, da novação da remissão ou da confusão, todas figuras jurídicas que determinam a extinção da obrigação por meio diverso do cumprimento (art. 837 a 873 do CCivil), tendo sido com o intuito de realçar a função capital do cumprimento que o Código Civil o inseriu, a par da matéria afim do não-cumprimento, num capítulo autónomo, distinto daquele (capítulo VIII: arts 837 e seguintes) em que são reguladas as restantes causas de extinção das obrigações.[24]

A questão que se coloca é a de saber se os imperativos de finalidade e política legislativa que levaram a estabelecer a previsão normativa das prescrições presuntivas se reservam ao cumprimento/pagamento, ou se estão presentes nas restantes causas de extinção das obrigações.

Um argumento literal é o de que a lei alude ao fundamento destas prescrições situando-o na presunção de “cumprimento” mas, ao lado deste, um outro argumento é impressivo e retira-se da circunstância de, “se é normal na vida real de relação, que os créditos a que se referem os preceitos citados, sejam pagos em curto espaço de tempo, muitas vezes sem a exigência de recibos, ou sem a preocupação de os guardar por longos períodos, já nada tem de normal ou habitual que tal tipo de créditos se extingam por compensação ou por qualquer das outras formas reguladas no capítulo VIII (art. 837º e ss. do C.Civil”[25]. Ou seja, a situação naturalística e de facto que em geral e abstracto a previsão legal pretendeu abranger é aquela que se prende directa e imediatamente com o cumprimento daqueles créditos que estão expressamente enumerados nos arts. 316 e 317 e que suscitam as questões de conceder razoável protecção ao devedor que paga uma dessas dívidas e não exige ou guarda quitação[26]

Nesta explicação de motivos não revemos nas figuras de extinção das obrigações, distintas do cumprimento, os mesmos imperativos e razões de protecção enunciadas anteriormente.

Para ilustrar esta diferença de tomo, bastará pensar na situação que ocorre se o invocante da prescrição alega, para lá da natureza do crédito e do decurso do prazo dos arts. 316 e 317, que a obrigação se extinguiu porque tinha contra o credor um crédito autónomo que pretendia (ou podia) fazer valer através da compensação. É que, implicitamente, esta invocação de extinção declara que não houve cumprimento mas, também, que a obrigação não seria devida por estar extinta, defendendo nós que o mecanismo lógico de apreciação e decisão da prescrição presuntiva se reduz à problemática do cumprimento e não da extinção das obrigações[27].

Note-se que a existência de uma qualquer causa de extinção das obrigações que o devedor pretenda alegar, garante-lhe, a provar-se, que não seja condenado no cumprimento que lhe é exigido, mas a causa e fundamento dessa não condenação obedece a um percurso lógico inteiramente distinto daquele em que se baseia a prescrição presuntiva e que tem a particularidade sublinhada e bastante restrita de perante a natureza de um determinado crédito e o decurso de um determinado prazo, tal crédito só prevalecer, afinal, se o próprio devedor confessar a dívida.

De uma forma pouco canónica podemos dizer que a prescrição presuntiva está estabelecida sobre a ideia de que, independentemente de ter ou não pago, o devedor pode desonerar-se do cumprimento desde que o crédito seja de uma determinada natureza e tenha passado sobre a constituição da dívida um determinado tempo, bastando-lhe alegar estes requisitos e, de forma ficcional, apenas para efeitos de garantir a regularidade da alegação, que pagou.[28]          

No regresso à factualidade do caso em decisão, analisando uma vez mais os termos da defesa do embargado, o que este afirma no domínio do pagamento, é que o reclamante foi seu advogado e que, no exercício do mandato conferido, recebeu determinados montantes que lhe eram devidos a si, não a ele, e que por isso lhe deveriam ter sido entregues. Mas por não lhe terem sido entregues tais montantes e os ter conservado para si, se deve considerar que tais honorários reclamados se encontram pagos.

De forma breve sabemos que o mandato judicial oneroso e com representação obriga o mandatário a agir por conta e em nome do mandante arts. 1157, 1158 nº1 e 1178 do CCivil, sendo por seu turno, obrigação do mandante pagar a retribuição que competir (art. 1167 al. b).

Mais concretamente, o Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece no seu art. 101 nº2 que “ Quando cesse a representação, o advogado deve restituir ao cliente os valores, objectos ou documentos deste que se encontrem em seu poder”, acrescentando no entanto o nº3 do mesmo normativo que “O advogado, apresentada a nota de honorários e despesas, goza do direito de retenção sobre os valores, objectos ou documentos referidos no número anterior, para garantia do pagamento dos honorários e reembolso das despesas que lhe sejam devidos pelo cliente (…) “

Resulta desta brevíssima referência que as quantias que um advogado tenha em seu poder por lhe haverem sido em virtude da extensão e dos termos da procuração, sendo devidas ao seu cliente, não são sua propriedade mas sim do mandante, não podendo este pagar-se dos seus honorários com tal detenção, podendo apenas reter esses montantes como garantia desse pagamento ainda não realizado.

Ora, se entendemos que a circunstância de o embargante ter em seu poder determinados valores não lhe confere o direito de se considerar pago por eles, exigindo-se que reclame o pagamento junto do mandante, em boa verdade, recebida a nota de honorários o que o cliente poderá fazer é informar o advogado que se pode cobrar então pelo valor que tenha em seu poder (restituindo o remanescente) ou, em caso de os honorários serem superiores às quantias retidas, que ele se pague do que estiver em seu poder, entregando depois o que falta.

No entanto, este procedimento que por pragmatismo pode evitar o bizarro que é (ou seria) que alguém (o mandatário) tivesse de entregar determinada quantia em dinheiro depois de haver recebido o devido a título de honorários, no caso de não se ter feito esse “encontro de contas”, não significa que se passe a entender que o dinheiro que o mandatário tenha em seu poder da forma sobredita constitui já o pagamento do que lhe é devido de honorários.

Esta conclusão traz como como consequência que a alegação do embargado ao declarar que o embargante “conservou para si a diferença entre o valor constante do acordo celebrado em 2012.11.26 entre o Embargante e o Exmo. Senhor Dr. ... e o valor constante do documento n.º 2 junto ao requerimento executivo (€171.630,13) que o Embargante conservou em sua posse e relativamente ao qual invocou compensação de créditos (ou seja, o Embargante conservou para si a quantia de €71.630,13 e vem peticionar, ainda, a quantia de €68.395,50, o que totaliza a quantia de €140.025,63, sem qualquer critério) ”, não corresponde à alegação de pagamento, nem sequer à da existência de qualquer causa de extinção da obrigação, mas sim tão só da de que, por ter em seu poder quantia superior àquela que pede nos embargos se deveria considerar para todos os efeitos que “já estava pago”. Mas nem sequer isto se pode tomar como exacto, se recordarmos que esta pretensa alegação de pagamento nem sequer é incondicional, por protestar que o valor pedido não é o correcto devendo obter-se o valor legal segundo os critérios que regem a fixação dos honorários dos advogados.

Posto isto, porque o pagamento deveria ter sido alegado como requisito da procedência da prescrição presuntiva, por não se poder configurar a alegação do embargado como sendo de pagamento julgamos estar ilidida a presunção do cumprimento que justifica a invocada prescrição, razão pela qual deveria improceder.

Mas igualmente por outra razão se entende que a prescrição presuntiva deve julgar-se improcedente.

Para lá de não alegar o pagamento e sustentar que a situação de o embargante ter dinheiro seu (do embargado) em seu equivaleria ao pagamento, o que não aceitámos, na sua defesa alega ainda que o montante peticionado não é o devido por ser excessivo e que para obter o valor correcto da eventual dívida seria necessário o socorro dos critérios do Estatuto da Ordem dos Advogados e em valor superior ao devido.

Esta invocação aceita implicitamente não ter sido realizado o pagamento desde logo pela impugnação do montante da dívida.

Na análise da alegação concreta do embargado tornamos presente que ele articulou que “19.º - mesmo que o crédito a título de honorários e despesas do Embargante perante o Embargado existisse (hipótese que se coloca por mero dever de cautela de patrocínio, mas que não se concede), deve considerar-se que o valor dos mesmos excede os parâmetros gerais de fixação de honorários a que os Advogados devem atender, sendo esses que terão que ser observados, já que nenhum outro critério específico foi fixado pelas partes”.

Efectivamente, depois de alegar a prescrição presuntiva o exequente/embargado diz “impugnar expressamente os artigos 1.º, 3.º, 4.º, 7.º, 8.º e 9.º dos embargos” ou seja, que o embargante seja seu credor pelas quantias devidas a título de honorários e despesas por serviços prestados no valor respectivamente de €46.750,00, €8,500,00 e 400,00 aos quais deve acrescer o IVA à taxa de 23%, o que perfaz o total de €68.395,50.

Não obstante esta negação da dívida de honorários, ao mesmo tempo e mais à frente na contestação (no art. 22) o embargado reconhece terem-lhe sido prestados serviços pelo embargante em virtude de “um contrato de mandato forense que se considera oneroso” e que os honorários fixados pelo recorrente “excedem os parâmetros gerais de fixação de honorários a que os Advogados devem atender”.

Diga-se que na apreciação da defesa no seu conjunto, para se saber se existe a incompatibilidade enunciada no art. 314 do CCivil, não serve como fórmula de distrate, ou seja para valer só para o que interessa e para ser retirada para o que for inconveniente, declarar-se que a hipótese da dívida de honorários ao embragado existir apenas se coloca por mero dever de cautela de patrocínio, mas que não se concede.

 Se o embargado declara que a dívida não existe, e que só por hipótese académica, dever de patrocínio, rigor lógico e metodológico ou por outra razão qualquer que não concede é que aceita tomar a sua existência como pressuposto, o que isso significa é que declara como realidade da sua defesa que a divida contra si apresentada não existe, ou seja, não a confessa.

A impugnação do embargado enuncia-se em duas circunstâncias:

- a primeira, já analisada e decidida, na qual considerava que a dívida peticionada nos embargos em compensação com a exequenda se devia entender como paga porque o embargante “conservou para si a diferença entre o valor constante do acordo celebrado em 2012.11.26 entre o Embargante e o Exmo. Senhor Dr. ... e o valor constante do documento n.º 2 junto ao requerimento executivo (€171.630,13) que o Embargante conservou em sua posse e relativamente ao qual invocou compensação de créditos (ou seja, o Embargante conservou para si a quantia de €71.630,13 e vem peticionar, ainda, a quantia de € 68.395,50, o que totaliza a quantia de €140.025,63, sem qualquer critério) ”;

- a segunda, na consideração que o valor dos honorários, ou seja da dívida reclamada pelo embargante, não deve o tribunal reconhecer ser a pedida, por exceder os parâmetros gerais de fixação de honorários a que os Advogados devem atender, sendo esses que terão que ser observados, ou seja deve reconhecer-se que o montante devido a título de honorários não é o pedido pelo embargante e ser fixado outro menor.

Na compatibilização da alegação de que o montante se deve considerar pago com a de que o montante pedido é excessivo ao contrário do que ocorre quanto à dedução de pedidos subsidiários, que são aqueles que só são tomados em consideração quando não proceder o pedido anterior ou principal (art. 554 nº1do CPC) numa lógica de defesa, quando está em causa a invocação da prescrição presuntiva, não se pode argumentar que a negação da dívida, v.g. por o montante pedido não ser o devido por não estar bem fixado, vale apenas para o caso de a mencionada prescrição não ser julgada procedente.

Inquestionavelmente, o exequente/embargado quer em primeiro lugar que sejam julgados improcedentes os embargos (como o foram em primeira instância) por verificação da prescrição presuntiva, mas não prescindiu de impugnar o montante da dívida, querendo, caso aquela prescrição não fosse declarada pelo tribunal, que o tribunal a fixasse em montante inferior e através dos “parâmetros gerais de fixação de honorários a que os Advogados devem atender”, julgando assim improcedente aquele que constitui o pedido nos embargos.

Para qualificar ou desqualificar a compatibilidade ou a incompatibilidade da defesa deduzida com a invocação da prescrição presuntiva, basta que o invocante alegue alguma coisa que possa ser entendida como contraditória, mesmo que justificando ser apenas matéria de defesa subsidiária quanto ao mais.

Como já se decidiu, constitui a prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento, “negar o devedor a existência da dívida, discutir o seu montante, invocar contra ela compensação ou remissão, invocar a gratuitidade dos serviços”[29].

Pelo exposto julgamos, que o contido no artigo 19 da contestação é incompatível com a alegação da prescrição presuntiva invocada pelo embargado nos termos do art. 314 do CCivil, por este contestar inequivocamente o montante da dívida contra si invocada e, como tal, também por esta razão deverá ser julgada improcedente a prescrição presuntiva.

… …

Improcedendo a prescrição presuntiva, impõe-se agora conhecer o mérito do pedido do embargante, com referência a matéria de facto que foi considerada provada e que não sofreu qualquer impugnação.

O embargante pretende fazer valer a compensação nos termos do art. 847 e ss do CCivil.

Nos termos do disposto no artigo 847/1 do CC:

“Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória de direito material;

b)Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.”.

Acrescenta-se no artigo 848.º, n.º 1, que a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.

Constituindo a compensação um facto extintivo (total ou parcial) da obrigação, e sendo os seus pressupostos os acima enunciados observamos que o primeiro deles é o de que o crédito que se queira fazer valer contra outrem exista e, depois, que exista também reciprocidade entre esse crédito e o outro, isto é, a compensação apenas pode operar entre pessoas que sejam reciprocamente credor e devedor, que o devedor de determinada obrigação seja, por força da mesma ou de outra relação jurídica, credor do seu credor.

Numa formulação doutrinária pacífica “a reciprocidade surge como o primeiro requisito da compensação e implica que alguém tenha um crédito contra o seu credor, de tal modo que, frente a frente, fiquem créditos de sentido contrário, sendo o devedor compensante o titular do crédito activo, estando o credor compensado adstrito ao débito correspondente a esse crédito, sendo o credor compensado titular do crédito passivo e o devedor compensante está adstrito ao débito correspondente a esse crédito.”[30].

Apreciando em primeiro lugar se os factos provados na acção revelam a existência do crédito invocado pelo embargante, verificamos que ficou provado que “ O embargante emitiu as notas de despesas e honorários por serviços de advocacia prestados entre as datas de 27.10.2005 a 13.02.2008, no valor global de € 68.395,50”.

Lembramos ainda que a alegação desta matéria na petição de embargos era a seguinte “O embargante é credor do embargado pelas quantias devidas a título de honorários e despesas por serviços prestados no valor respectivamente de €46.750,00, €8,500,00 e 400,00 aos quais deve acrescer o IVA à taxa de 23%, o que perfaz o total de €68.395,50 (conforme notas discriminativas de despesas e honorários que se juntam como docs. n.º 1, 2 e 3 e 4).”.

Cabendo ao autor a alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito (art. 342 nº1 do CCivil) torna-se evidente que, no caso, o embargante deveria ter articulado que prestou serviços de advocacia ao embargado; que esses serviços totalizaram determinado montante; que os reclamou junto do devedor e que este não os pagou. E de facto, com alguma parcimónia, tudo isto se encontra inscrito na petição de embargos sendo que no resultado da prova se extrai que ele prestou ao embargado os apontados serviços a que este atribuiu o valor de 68.395,50 € e que os reclamou junto.

Acontece que cumpria a este último a alegação e prova de que pagou ou a existência de qualquer causa extintiva da obrigação (art. 342 nº2 CCivil) e, como já antes analisámos, aquilo que o embargado articulou foi que, fosse qual fosse o montante dos honorários, se deveria considerar que estes estavam já pagos por força da retenção, pelo embargante, de quantias que ao embargado pertencem e que aquele tem de devolver, acrescentando ainda de forma muito relevante que não aceitava o montante dos honorários apresentados e que os impugnava, requerendo desde logo que o tribunal solicitasse à ordem dos advogados o laudo respectivo.

De facto, o embargado veio de novo requerer a solicitação do laudo mencionado na sequência do despacho proferido em 10-12-2013 e em que o tribunal ordenou de novo a notificação das partes para apresentarem requerimentos probatórios. Porém, no despacho saneador determinou que “oportunamente e em sede de audiência de julgamento o Tribunal tomará posição sobre a pertinência de realização do Laudo de Honorários junto da O.A.”

Acontece que no final da audiência de julgamento e depois de produzida toda a prova admitida decidiu o tribunal de primeira instância que “em face da documentação que se encontra junta aos autos e as questões que se impõem decidir nos autos, entende o Tribunal pela desnecessidade da realização do mesmo. Assim, como tal, vai o mesmo indeferido.”

Julgamos que o teor deste despacho esclarece o que veio a ocorrer depois e que foi o terem sido os embargos julgados improcedentes em virtude da declaração de verificação de prescrição presuntiva, o que, obviamente, tornava desnecessária a solicitação de qualquer laudo. Porém, o que não se ponderou então foi a possibilidade de, por exemplo em recurso, vir a ser julgada improcedente a prescrição e ter o tribunal de recurso de vir a proferir decisão sobre o mérito do pedido do embargante e de pronunciar-se, consequentemente, sobre o valor do montante dos honorários.

Apreciando um pouco a figura, o designado laudo de honorários assenta num Regulamento, o Regulamento dos Laudos de Honorários (RLH)[31]../../../../../Documents and Settings/fa00140/Os meus documentos/Jurisprudência/Cível/3ª Sec/Descritores 114.doc - _ftn7, elaborado e editado pela Ordem dos Advogados ao abrigo do poder regulamentar (v. artigo 43º, nº 1, alínea i) do EOA, cfr. artigo 112º, nº 7 da Constituição) decorrente da descentralização horizontal de poderes públicos (paradigmática da ideia de autonomia) que preside à institucionalização das Ordens profissionais[32]../../../../../Documents and Settings/fa00140/Os meus documentos/Jurisprudência/Cível/3ª Sec/Descritores 114.doc - _ftn8.

Na caracterização (definição) da figura do laudo de honorários neste RLH, o seu art. 2º estabelece que “o laudo sobre honorários constitui parecer técnico e juízo sobre a qualificação e valorização dos serviços prestados pelos advogados, tendo em atenção as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, a demais legislação aplicável e o presente regulamento” tendo aqui presente que por honorários o EOA fixa que são a “ a retribuição dos serviços profissionais prestados por advogado na prática de actos próprios da profissão” (art. 3º).

Esta brevíssima alusão aos normativos regulamentares vale para tornar claro o que já é de si evidente e que reporta a ideia segundo a qual, a previsão da AO poder emitir laudo de honorários, as condições em que o pode fazer e a solicitação de quem pode ser requerido[33], recomenda que se tenha em atenção a especificidade de que se reveste esse parecer e a especial aptidão para que seja a AO a prestá-lo.

É neste sentido que o laudo seja um parecer técnico, isto é, um meio de prova pericial sujeito à livre apreciação do julgador, não tendo mais do que carácter orientador (artigos 389.º do Código Civil, 607 nº5 do CPC), não pode negar-se-lhe o valor informativo próprio de qualquer perícia, nem arredar-se o respeito e atenção que deve merecer, atenta a especial qualificação de quem o emite, relativamente ao juízo que profere sobre a qualificação e valoração dos serviços prestados pelos advogados[34].

Sendo esta a natureza do laudo julgamos que apresentando-se ele fundamentado com base nos critérios estabelecidos por lei, mormente na ponderação que faça dos valores dos interesses envolvidos na questão patrocinada; nos de cada interessado na execução dos vários actos que tenham sido realizados; na dificuldade e complexidade das tarefas e no tempo despendido, o laudo que cumpra estas prerrogativas apresenta-se ao julgador como um meio de prova incontornável, não existindo qualquer razão para não seja atendido.

Ora, com este enquadramento e importância, que fazer quando em recurso se é colocado perante a situação de ter fixar os honorários de advogado, sem que em primeira instância tenha sido solicitada à Ordem dos Advogados a elaboração do respectivo auto, sem que tenha sido fixado montante algum para tais honorários e perante uma defesa do demandado que, aceitando a existência da prestação dos serviços, impugna o seu valor por considerar excessivo e solicita para essa fixação o laudo referido?!

Uma resposta que se pretendesse com sentido de celeridade e pragmatismo poderia ser tentada a considerar que nos termos do art. 662 nº 2 al.b) do CPC este Tribunal da Relação deveria ordenar directamente, e de forma oficiosa, a realização do laudo e depois proferir decisão sobre o mérito do pedido do embargante.

Julgamos porém que uma solução nesses termos, com inquestionáveis méritos de pragmatismo com rebate na celeridade, sacrificaria no entanto a certeza e segurança jurídicas como valores maiores da administração da justiça e, mais que isso, sacrificaria uma interpretação mais esclarecida e adequada do preceito.

Sabemos que o art. 662 do CPC estabelece no seu nº 2 al. b) que o Tribunal da Relação deve, mesmo oficiosamente, “ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova” e na alínea subsequente, estipula ainda que se deve “anular a decisão proferida na 1ª instância quando (…) considere indispensável a ampliação” da matéria de facto.

Segundo o entendemos, a previsão do citado art. 662 nº2 al.b) cobre os casos em que depois de avaliada toda a prova produzida em primeira instância, subsistem dúvidas sobre essa mesma prova que tenha sido realizada. Não se está perante uma omissão de prova que tenha sido suscitada pelas partes e não tenha sido realizada porque indeferida, nem tão pouco ainda de forma mais gritante quando as partes não tenham apresentado prova, o que importaria uma actuação do tribunal em remediação de um ónus (de prova) que às partes competia[35].  

Em verdade, sendo o normativo em estudo (al. b do nº2 do art. 662) unanimemente reconhecido como uma evolução legislativa que visa que a “Relação se assuma como verdadeiro tribunal de instância, e tem por objecto uma situação de fundada dúvida, por parte da Relação, sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais, que se repute poder ser superada mediante a realização de diligências probatórias suplementares.”[36], teremos de observar com cuidado que, mesmo estendendo até “à falta de prova” a dúvida que o preceito consagra, não estamos a falar dos casos em que o tribunal de primeira instância não se pronuncia sobre um facto controvertido mas somente sobre a dúvida relativa à convicção que o tribunal a quo tenha formado sobre esse facto, considerando-o provado ou não provado, e que tenha motivado uma “dúvida fundada” que conduza o tribunal da Relação a ir à procura, ele mesmo, de prova nova para a convicção de tal facto.

Quer isto dizer que se o tribunal não se pronuncia sobre um facto (essencial) controvertido, não lhe dando resposta de provado ou não provado, este caso não cabe na previsão do art. 662 nº2 al. b) pois o que existirá não é dúvida sobre a prova ou falta de prova mas sim, falta absoluta de decisão sobre facto essencial.

Precisamente para os casos em que o tribunal de primeira instância não se pronuncia sobre matéria de facto essencial, não realizando sobre ela qualquer julgamento é que, em nosso entender colhe aplicação a al. c) do preceito citado que predita, nomeadamente e entre outras, a anulação da decisão proferida em primeira instância quando esta seja deficiente por não constarem dos autos elementos essenciais que tendo sido alegados e impugnados não vieram a ser objecto de julgamento pelo tribunal, importando, para que se possa proferir decisão, que seja ampliada a matéria de facto àquele ou àqueles factos omitidos.

No âmbito deste preceito, em face do deixado expresso, julgamos que cabem as situações em que há deficiência de julgamento quanto à matéria de facto, isto é, quando o tribunal a quo podendo, e devendo, considerar certos factos não os tomou em consideração. Se o tribunal a quo tomou em consideração todos os factos alegados e provados, mas esses factos são insuficientes para sobre eles assentar a decisão de direito, não há que mandar julgar novamente a causa, mas negar provimento ao recurso. Por outro lado se os factos não tiverem sido alegados não há base para a ampliação e a consequência só poderá ser a improcedência do recurso.

A norma só tem, por isso, aplicação quando a decisão recorrida, podendo fazê-lo, deixou de fornecer todos os elementos de facto que poderia fornecer para que a espécie concreta ficasse suficientemente iluminada.

Em face de todo o exposto, porque julgamos, sem prejuízo do respeito por diferente entendimento, que por se julgar improcedente a arguição da prescrição presuntiva, e por não ter tomado o tribunal recorrido posição sobre a questão alegada do montante dos honorários peticionados pelo embargante impede que este tribunal, em recurso, se possa pronunciar sobre o mérito do pedido, nos termos do disposto no art. 662 nº1 al.c) do CPC deve determinar-se a anulação da decisão proferida em primeira instância e o envio dos autos ao tribunal recorrido para que aí se proceda à ampliação da matéria de facto, a fim de que aí seja realizada a fixação dos honorários com recurso ao laudo da Ordem dos Advogados.

Sumário do acórdão nos termos do art. 663 nº7 do CPC:

- As nulidades previstas no art. 195 nº1 do CPC, para poderem ser conhecidas, exigem a sua arguição, que deverá ser feita no prazo de dez dias a contar do momento em que a parte, depois de ela ter sido cometida, interveio em qualquer acto no processo e quando deva presumir-se que então tomou dela conhecimento ou dela pudesse ter tomado conhecimento agindo com a devida diligência;

- A compensação é fundamento de oposição à execução mas, sendo esta baseada em sentença, só é invocável a compensação cuja “situação de compensação” (cuja data da verificação dos respectivos pressupostos) seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e, ainda assim, tem que ser/estar provada por documento (art. 729 als. g) e h) do CPC);

- Quando a execução é baseada noutro título não subsiste a limitação imposta pelo art. 729 al.g) do CPC; 

- Nas prescrições presuntivas a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão - judicial ou extrajudicial - do devedor originário – só relevando esta última quando for realizada por escrito (artº 313º, nº 2, do C. Civil);

- Nas prescrições presuntivas a alegação concomitante da prescrição com outros meios de defesa pode comportar incompatibilidades e contradições não permitidas pelo art. 314 do CCivil quando estas signifiquem directa ou indirectamente uma confissão da dívida;

- Constitui confissão tácita da dívida, nos termos da parte final do art. 314 do CCivil, a alegação de que a crédito reclamado está extinto em virtude de o reclamante, que é advogado, ter em seu poder dinheiro que lhe foi entregue por outrem para ser por sua vez entregue ao reclamado (cliente do embargante) em montante que satisfaz a dívida peticionada nos autos (de honorários não pagos).

- Exigindo-se que a alegação da prescrição presuntiva deva conter não só a afirmação da natureza do crédito e decurso do prazo (art. 317 do CC) mas também a de que o crédito que se diz prescrito foi pago, a alegação de que o credor tem em seu poder dinheiro que lhe foi entregue por terceiro para que, posteriormente, fosse entregue ao devedor, não constitui alegação de pagamento;

- Só o pagamento e não qualquer outra causa de extinção das obrigações pode fundamentar a prescrição presuntiva porque só o cumprimento tem previsão legal no art. 312 do CCivil e, também, porque em todas as outras causas de extinção existe um fundamento indirecto e lateral para que a obrigação se tenha extinguido, enquanto a única causa de extinção directa e que não sai do círculo dos direitos e deveres criados pela constituição da obrigação é o cumprimento;

- Constitui igualmente confissão tácita da dívida por defesa incompatível com a presunção de cumprimento, a circunstância de o embargado, enquanto alegado devedor do embargante por crédito de honorários, ter contestado o valor da dívida e requerido laudo da Ordem dos Advogados para se apurar quais os devidos, ainda que declare que esta defesa é apenas realizada por hipótese de mero dever de cautela de patrocínio e sem conceder;

- A previsão do  art. 662 nº2 al. b) d CPCivil  cobre os casos em que, depois de avaliada toda a prova produzida em primeira instância, subsistem dúvidas sobre essa mesma prova que haja sido efectivamente realizada e quanto a factos que o tribunal a quo tenha considerado “provados” ou “não provados”;

- O art. 662 nº1 a.b) do CPCivil não enquadra questões de omissão de prova que tenha sido suscitada pelas partes e não tenha sido realizada porque indeferida; nem aquelas em que as partes não tenham apresentado prova; nem ainda aquelas em que o tribunal de primeira instância não se pronuncia sobre um facto controvertido, não o considerando “provado” nem “não provado”;

- Quando o tribunal a quo não se pronuncia sobre um facto (essencial) controvertido, não lhe dando resposta de provado ou não provado, o tribunal de recurso fica perante uma situação de falta absoluta de decisão sobre um facto essencial que conduz à aplicação do art. 662 nº1 al. c) do CPCivil, com a consequente anulação da decisão proferida, para que seja realizada ampliação da matéria de facto;

- A solicitação à Ordem dos Advogados, não realizada em primeira instância, para obtenção de laudo de honorários que confirmasse a resposta à matéria de facto do tribunal a quo sobre esse montante apenas poderia caber na previsão do art. 662 nº1 al.b) do CPCivil se tivesse existido por parte do tribunal recorrido resposta sobre essa matéria de facto. Em caso de não existir pronúncia alguma sobre essa matéria colhe a previsão do art. 662 nº1 c) do CPCivil;

 Decisão:

Pelo exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente a Apelação quanto a considerar-se não verificada a prescrição presuntiva, revogando a sentença recorrida nessa parte e, anulando a decisão proferida em primeira instância, determina-se, por se julgar necessária determinar a envio dos autos ao tribunal recorrido para que, na solicitação à Ordem do Advogados do laudo sobre os honorários discutidos nos autos, venha a tomar posição sobre o valor desses mesmos honorários e a conhecer do pedido formulado pelo embargante.

Custas pelo Apelante e pelo Apelado na proporção do respectivo decaimento que se fixa, respectivamente, em 5/6 e 1/6.

Coimbra, 15 de Novembro de 2016.

  

Relator: Des. Manuel Capelo

J.A.: Sr. Des. Falcão de Magalhães

J.A.: Sr. Des. Pires Robalo


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[1] A consequência de se entender que não era admissível seria a de considerar a petição inicial inepta e o conhecimento de tal nulidade só pode ser realizado até ao despacho saneador ou se não houver tal despacho até à sentença final, considerando depois sanada. – art. 200 nº2 do CPC.
[2] Vd. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, p. 289.
[3] Vd. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 1993, p. 151.
[4] Não se permite “ao réu vencido (em acção de cumprimento) a alegação em nova acção, de quaisquer factos não invocados na acção anterior, mas verificados antes do encerramento da discussão, para contrariar a decisão contida na sentença. Parte-se fundamentalmente da ideia de que, tendo reconhecido no todo ou em parte, o direito do autor, a sentença preclude todos os meios de defesa do réu, no pleno desenvolvimento do pensamento esboçado no art. 489.º/1. É a consagração do ensinamento já condensado na velha máxima segundo a qual “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat” - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1ª ed., pág. 698.
[5] In Vaz Serra, “Algumas questões em matéria de compensação no processo”, in RLJ ano 105, pág. 52 e também em Lebre de Freitas in “A Acção Executiva”, 1993, p. 150.
[6] Cf. Teixeira de Sousa, in “ Observações críticas sobre algumas alterações ao Código de Processo Civil”, BMJ 328, pág.113.
[7] Cf. Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, 2009, pág.470 e segs., Rui Pinto, Manual de Execução, pág. 413/4; Ac STJ de 6/10/87, in BMJ 498/9, Ac. STJ de 02-12-2008 (Relator: Moreira Alves), Ac. desta Relação de Coimbra de 07-06-2005 (Relator: Artur Dias), Ac. desta Relação de Coimbra de 24-03-2009 (Relator: Távora Vítor) e Ac desta Relação de Coimbra de 25-01-2011 (Relator: Jorge Arcanjo), todos em www dgsi.pt ).
[8]  Lebre de Freitas, obra e local citados, dá nota de que a lei, ao exigir a prova documental destes factos (com excepção da prescrição) introduz um desfasamento entre o direito substantivo e o direito processual executivo (a presunção estabelecida pelo título só pode ser destruída, mesmo em embargos de executado, por prova documental), razão pela qual o executado que não deve e não tem documento tem que propor acção declarativa de restituição daquilo que indevidamente pague em consequência do processo executivo.
[9] Ac. STJ de 06-10-1987, in BMJ 498/9 e também o Ac do STJ de 14/12/2006, in ITIJ, que cita diversa jurisprudência concordante e conclui que “a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível”.

[10] Vd. ac. R.C. de 21-4-2015 no proc. 556/08.0TBPMS-A.C1, in dgsi, e cuja exposição seguimos em coincidência.
[11] ac. R.C. de21-4-2015 no proc. 556/08.0TBPMS-A.C1 e Rui Pinto, Manual da Execução, pág. 440/1
[12] É o caso decidido no citado acórdão da R.C. de21-4-2015 no proc. 556/08.0TBPMS-A.C1
[13] Almeida Costa, in Direito das Obrigações – 9ª edição –, págs. 1051 e 1052.
[14] Vd.  Ac do STJ de 12-6-1986, BMJ 358º, 558; Ac RL, de 16-6-1992, CJ de 1992, T.3, 206 e Ac RP de 28-11-1994, CJ de 1994, T.5, 215 e Sousa Ribeiro, In Revista de Direito e Economia, Ano V, nº 2, 385.
[15] in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 452.
[16] in Das Relações Jurídicas, IV, pág. 142.
[17] In Antunes Varela, Prescrição e caducidade, in BMJ nº 106 

[18] Ac. STJ de 18-12-2003, proferido no processo n.º 03B3894, in dgsi.pt

[19] In Revista de Direito e Economia, Ano V, Nº 2, pág. 393
[20] Vd. Entre outros, os acs. de 18-12-2007 no proc 07A4435; de 22-1-2009 no proc. 08B3032 e 8-5-2013 no proc. 199632/11.5YIPRT.L1.S1, todos publicados in dgsi.pt
[21] Ac. STJ  de 8-5 -2013 no proc.  199632/11.5YIPRT.L1.S1, in dgsi.pt.
[22] Ac. R. P. de 13-12-1993 , in CJ, 1993,V, 240
[23] Ac. STJ de 8-5 -2013 no proc.  199632/11.5YIPRT.L1.S1, in dgsi.pt.
[24] A. Varela Das Obrig. Em Geral v. II
[25] Vd. acórdão citado do STJ,  de 8-5 -2013 no proc. 199632/11.5YIPRT.L1.S1.
[26] Vs. Pires de Lima e Antunes Varela, in CCivil Anotado V. 1 p. 261 e Vaz Serra , Prescrição e Caducidade nº44 in BMJ nº 106
[27] À mesma conclusão se chega se se colocar na defesa qualquer causa de extinção das obrigações porquanto em todas elas existe um fundamento indirecto e lateral para que a obrigação se tenha extinguido enquanto a única causa de extinção directa e que não sai do círculo dos direitos e deveres criados pela constituição da obrigação é o cumprimento.
[28] Por isso a alegação de cumprimento /pagamento é de tal forma ficcional que nunca a prova do seu contrário, obviamente por confissão, poderia conduzir à condenação do devedor como litigante de má-fé.
[29]  Ac. R.P. de 18-10-2001, proferido no processo n.º 0131354, in dgsi . pt


[30] António Menezes Cordeiro, in Da Compensação No Direito Civil E No Direito Bancário, Almedina, 2003, a págs. 109 e 110,
[31] Regulamento nº 40/2005 AO (2ª série), de 29 de Abril de 2005/Ordem dos Advogados – Conselho Superior; está disponível no sítio da Ordem dos Advogados, directamente, no seguinte endereço:
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30819&idsc=25368&ida=27713.
[32] “No exercício das suas funções as ordens dispõem de diversos poderes públicos: poder regulamentar, poderes de decisão unilateral, poder sancionatório, poder disciplinar. As ordens profissionais, tal como os demais organismos de auto-administração profissional, reproduzem de certa maneira, e à sua escala, as funções típicas do Estado: a função normativa (autonomia regulamentar), a função executiva (autonomia administrativa) e a função jurisdicional (disciplina profissional) […].
No poder regulamentar cabem, entre outros, o regulamento organizativo, os regulamentos do acesso, dos estágios, deontológico, disciplinar, de honorários […], etc. […].” (Vital Moreira,
Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Coimbra, 1997, p. 271).
[33] Artigo 6.º nº1 do EAO: “O laudo sobre honorários pode ser solicitado pelos tribunais, por outros conselhos da Ordem e, em relação às respectivas contas, pelo advogado, ou seu representante ou sucessor, pelas sociedades de advogados, ou pelo constituinte ou consulente, ou seus representantes ou sucessores.
[34] Neste sentido, cfr., entre outros, Ac. STJ, de 02.10.2008, proc. 08B2337 e de 19.09.2002, proc. 02B1962, em dgsi.pt.
[35] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 232 e 233.
[36] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 231.