Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3894
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
CONFISSÃO JUDICIAL
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
MATÉRIA DE FACTO
ESPECIFICAÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200312180038942
Data do Acordão: 12/18/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 10037
Data: 02/27/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. A Relação poderá sempre, mediante presunções judiciais, deduzir outros factos a partir dos factos apurados em 1ª instância, sendo tal conduta insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.
II. A especificação pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio.
III. O eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só poderá ser objecto do recurso de revista se verificada uma qualquer das excepções do nº 2 do artº 722º do CPC.
IV. O Supremo Tribunal pode censurar o apuramento dos factos com recurso à admissão por acordo e com base no estatuído do nº 2 do artº 490º do CPC.
V. As alíneas a) e c) do artº 312º do C. Civil contemplam as chamadas presunções de curto prazo ou prescrições presuntivas.
VI. Distinguem-se tais "prescrições presuntivas" das chamadas "prescrições verdadeiras", pois que enquanto nestas, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado na mesma maneira, não funcionado pois a prescrição mesmo que invocada.
VII. A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão - judicial ou extrajudicial - do devedor originário - esta última só relevando quando for realizada por escrito (artº 313º, nº 2, do C. Civil).
VIII. Nas presunções deve distinguir-se entre o facto base da presunção e o facto presumido. A lei dispensa a parte que beneficia da presunção da prova do facto presumido - n° 1 do artº 350º do C. Civil. Mas não a dispensa da prova do facto que serve de base à presunção.
IX. O devedor só poderá beneficiar da prescrição presuntiva se alegar que pagou, ou que, por qualquer outro motivo, a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo.
X. Devem ser considerados como admitidos por acordo, porque não especificadamente impugnados, os factos alegados pelo credor acerca da não satisfação atempada pelo Réu devedor dos créditos reclamados e das respectivas interpelações para cumprimento, sendo que a não impugnação especificada desses factos é, no fundo, tradutora da prática em juízo de "actos incompatíveis com a presunção de cumprimento" - ou seja a confissão tácita de que a dívida não foi paga (artº 490º, nº 2, do CPC).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. A "VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE ...... ", A, B, C, D e E propuseram, com data de 20-1-00, acção ordinária contra o "Clube de Futebol F", alegando resumidamente o seguinte:
- a primeira A. exerce a actividade de hospitalização privada, através do Hospital de Ordem Terceira e os demais AA. a actividade profissional liberal de médicos/técnicos naquele Hospital;
- os AA. prestaram serviços da sua especialidade a atletas acidentados ao serviço do R., enviados por este a coberto de um termo de responsabilidade por ele emitido;
- o R. deixou de pagar as contas dos serviços prestados, devendo aos AA. as quantias constantes das facturas que discriminam;
- assim, o R. deve aos AA.: o valor de 2.388.338$00 ao 1° A., de 2.545.705$00 ao 2° A., de 485.453$00 ao 3° A., de 587.479$00 ao 4° A., de 269.641$00 ao 5° A.; de 126.246$00 ao 6° A..
Solicitaram, assim, que o R. fosse condenado a pagar-lhes as quantias supra referidas, bem como os juros que se vencessem desde 1-1-2000 até efectivo pagamento.

2. Contestou o Réu, alegando, por seu turno, que:
- no exercício das suas actividades os AA, prestaram ao R. os serviços a que respeitam as facturas juntas;
- tais serviços foram prestados entre 5-12-96 e 6-11-97, encontrando-se por isso prescrito o eventual direito dos AA. relativamente àqueles serviços, atento o prazo de prescrição previsto na alínea a) do art. 317 do CC.

3. A R. replicou, reiterando a sua posição inicial.

4. Com data de 6-3-01, a Mma. Juíza da 13ª Vara Cível da Comarca de Lisboa proferiu saneador-sentença no qual julgou improcedente a excepção de prescrição e, em consequência, procedente a acção com condenação dos RR no pedido.
5. Inconformada com tal decisão, dela veio o Réu apelar, mas o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27-2-03, negou provimento ao recurso.
6. De novo irresignado, desta feita com tal aresto, dele veio o Réu "CLUB DE FUTEBOL F" recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1ª- A fls. 13 do douto Acórdão recorrido o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa aditou três novos factos à matéria de facto fixada em primeira instância:
a)- que os AA. submeteram ao R. as facturas em causa;
b)- que "com regularidade" se deslocaram à sede do Réu funcionários para obter a cobrança; e
c)- que mesmo assim o R. não tem pago as contas dos serviços prestados.
2ª- E, com fundamento naqueles três novos factos, considerou que a hipotética dívida reclamada nos autos teria sido confessada pelo ora recorrente, deliberando como improcedente a apelação em causa;
3ª- Os aqui recorridos conformaram-se quanto à decisão de facto proferida pela primeira instância, não a tendo impugnado;
4ª- Os recorridos não requereram sequer o aditamento daqueles três novos factos à matéria de facto oportunamente fixada pela primeira instância;
5ª- Mais, apenas o recorrente impugnou a decisão quanto à matéria de facto, circunscrevendo-a ao n° 5 da matéria assente no despacho saneador-sentença de fIs.66 e ss., nada mais;
6ª- O Venerando Tribunal «a quo», ao aditar três novos factos, foi para além do pedido formulado por qualquer uma das partes, deliberando sobre objecto diverso do recurso;
7ª- Pronunciou-se ainda sobre questões sobre as quais lhe estava vedado conhecer;
8ª- De onde resulta a nulidade do respectivo acórdão, a qual desde já se argui para os devidos e legais efeitos;
9ª- Na sentença proferida em primeira instância decidiu-se erradamente por considerar assente que o recorrente teria reconhecido o não pagamento dos serviços cujo pagamento se reclama nos autos;
10ª- Em momento algum o recorrente confessou a dívida «sub-judice», expressa ou tacitamente, judicial ou extrajudicialmente;
11ª- A não impugnação dos serviços prestados e enunciados nas facturas juntas pelos recorridos não pode ser confundida com a confissão da dívida dos mesmos;
12ª- Tanto mais que o recorrente invocou a inexistência da dívida relativamente a todas as facturas juntas e fá-lo mediante o recurso à excepção peremptória de prescrição presuntiva e ao decurso do prazo prescricional do artº 317° al. a) do C. Civil;
13ª- A prescrição do artº 317° a) do C. Civil tem carácter presuntivo, só podendo ser ilidida por confissão do devedor o ora recorrente, o que, conforme atrás se referiu, nunca aconteceu;
14ª- O despacho-saneador sentença proferido em primeira instância violou o disposto nos artºs 312°, 313°, 314°,, 317°, alínea a) todos do C. Civil;
15ª- O douto acórdão agora recorrido violou, para além das referidas disposições legais, o disposto nos artºs 661º, nº 1, 668°, nº 1°, alíneas d) e e) e 690º-A do CPC;
16ª- Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando-se a nulidade do acórdão recorrido e eliminando-se os três novos factos adiados, bem como revogar-se o acórdão recorrido e, julgando-se procedente a excepção de prescrição invocada, absolve-se o recorrente do pedido.
7. Os AA. contra-alegaram, sustentando a correcção do julgado pela Relação, bem como improcedência da arguição de nulidade do acórdão.

8. Colhidos os vistos legais e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

9. Em matéria de facto relevante deu a Relação como assentes os seguintes pontos (por remissão para o elenco factual já apurado em 1ª instância).
1º- A A., Venerável Ordem Terceira de São.... exerce a actividade de hospitalização privada, através do Hospital da Ordem Terceira;
2º- Os demais AA., A, B, C, D e E, exercem actividade profissional liberal de médicos/técnicos no Hospital da Ordem Terceira, nomeadamente na área da cirurgia;
3º- O R. tem mandado atletas acidentados ao seu serviço para o Hospital da primeira A., para efeitos de tratamentos e recuperação, onde, para além do internamento, lhes são prestados serviços de cirurgia, cuidados de assistência médica e medicamentosa, e outros, pelo Hospital da Ordem Terceira e pelos AA.;
4º- Os AA. reclamam aqui do R. o pagamento dos serviços referidos no facto anterior;
5º- O R. reconhece ter beneficiado da prestação de serviços referida no facto anterior e não ter procedido ao pagamento dos mesmos.

10. O Tribunal da Relação de Lisboa haver aditou três novos factos à matéria de facto fixada em primeira instância, a saber: a)- que os AA. submeteram ao R. as facturas em causa; b)- que "com regularidade" se deslocaram à sede do Réu funcionários para obter a cobrança; c)- que mesmo assim o R. não tem pago as contas dos serviços prestados.

Passemos agora ao direito aplicável.

11. Nulidade do acórdão por excesso de pronúncia. Poderes de cognição da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça.
Insurge-se o recorrente contra a circunstância de a fls. 13 do acórdão recorrido o Tribunal da Relação de Lisboa haver aditado três novos factos à matéria de facto fixada em primeira instância, a saber: a)- que os AA. submeteram ao R. as facturas em causa; b)- que "com regularidade" se deslocaram à sede do Réu funcionários para obter a cobrança; c)- que mesmo assim o R. não tem pago as contas dos serviços prestados.
E contra a circunstância de, com fundamento nesses três novos factos, haver considerado que a hipotética dívida reclamada nos autos teria sido confessada pelo ora recorrente, assim julgando improcedente a apelação.
Ora, - acrescenta - sucede que os agora recorridos (os AA) se haviam conformado com a decisão de facto proferida pela primeira instância, já que não requereram oportunamente o aditamento daqueles três novos factos ao elenco dos já assentes pela 1ª instância.
Só o ora recorrente impugnou a decisão quanto à matéria de facto, circunscrevendo-a ao n° 5 da matéria assente no despacho saneador-sentença de fIs. 66 e ss..
Assim, o tribunal «a quo», ao aditar três novos factos, foi para além do pedido formulado por qualquer uma das partes, deliberando sobre objecto diverso do recurso, pronunciou-se ainda sobre questões sobre as quais lhe estava vedado conhecer. E daí a nulidade do respectivo acórdão.
Sem qualquer razão, porém.
Constituem doutrina e jurisprudência correntes as de que a Relação poderá sempre, mediante presunções judiciais, deduzir outros factos a partir dos factos apurados em 1ª instância, sendo tal conduta insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça - conf. neste sentido Amâncio Ferreira, in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 4ª ed, pág 203.
Por outro lado, a especificação - e no fundo foi disso que se tratou - pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio - conf. Assento do STJ nº 14/94, de 26-5-94, in DR, 1ªA - Série, nº 230,de 4-10-94, pág 6072.
Ademais, o STJ, como tribunal de revista que é, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido - artºs 26º da LOFTJ 99 aprovada pela L 3/99 de 13/1 e 729º nº 1 do CPC; daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só poderá ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artºs 729, nº 2, e 722º, n.º 2 do CPC).
Excepção aquela primeira que claramente não ocorre no caso «sub-judice».
É certo que este Supremo Tribunal já entendeu como integrando o acervo dos seus poderes a crítica do apuramento dos factos com recurso à admissão por acordo e com base no estatuído do nº 2 do artº 490º do CPC - conf. Ac de 1-2-2000, in "Sumários", nº 38, pág 10.
Contudo, em casos como o presente, a exercitação de um tal poder, encontra-se-umbilicalmente ligado ao julgamento de mérito, sendo por tal relevante como eventual erro de julgamento, que não em sede meramente formal de vício (nulidade) da decisão impugnada.
De resto, a acção foi proposta com data de 20-1-00, sendo que a lei processual actual veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões das Relações atinentes a matéria de facto e tomadas ao abrigo dos nºs 1 a 5 do artº 712º do CPC 95 - conf. nº 6 do mesmo preceito aditado pelo DL 375-A/99 de 20/9.
Pelo que o eventual bom ou mau uso dos poderes de alteração/modificação da decisão de facto que à Relação são conferidos nas restritas hipóteses contempladas nas três alíneas do nº 1 do artº 712º do CPC sempre teria de permanecer agora como incontroverso.
A Relação actuou pois num domínio em que é soberana, sem que a exercitação desse seus poderes possa ser qualificado como excesso de pronúncia.
Daí que improceda a arguida nulidade do acórdão.

12. A Relação centrou a sua pronúncia de direito em duas questões: se foi indevidamente considerado que o R. tenha reconhecido o não pagamento dos serviços prestados pelos AA.; se, em decorrência desse reconhecimento, na decisão de 1ª instância se concluiu erradamente pela improcedência da prescrição invocada, uma vez que tendo esta carácter presuntivo só poderia ser ilidida por confissão do devedor, confissão essa não ocorrida.
13. Invocou assim o Réu a prescrição prevista na alínea a) do art.º 317 do CC, observando que os serviços relativos às facturas que os AA. apresentaram com a p.i., como documentos 1) a 18), foram prestados entre 5-12-96 e 6-11-97 e que o R. só veio a ser citado para a presente acção em 15-2-2000, pelo que, encontrando-se prescrito o eventual direito dos AA., deveria o R. ter sido absolvido do pedido.
Que dizer ?
Estatui-se naquela alínea a) que prescrevem no prazo de dois anos, entre outros, "os créditos dos estabelecimentos de tratamento, relativamente aos serviços prestados".
E acrescenta-se na alínea c) do mesmo preceito legal que prescrevem, igualmente naquele prazo, "os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais".
Trata-se de prescrições presuntivas, isto é, fundadas na presunção de
cumprimento, consoante decorre do artº º 312 do CC.
Movemo-nos, pois, no domínio das chamadas "presunções presuntivas" ou de "curto prazo", com reporte a créditos gerados pelo exercício de actividades profissionais, e/ou de prestação de serviços, cujos pagamentos são normal e correntemente reclamados pelos credores em prazos geralmente computados em dias ou meses, por se tratar de receitas reditícias necessárias à manutenção do regular giro ou mesmo à sobrevivência do prestador - conf. o Ac deste Supremo Tribunal datado de 14-10-99, in Proc 573/99 - 2ª Sec.
Por seu turno, também é prática corrente o devedor ou beneficiário do serviço solver essas dívidas a curto prazo, já que contraídas para prover às suas necessidades mais urgentes, assim conseguindo, com tal pagamento prioritário, manter o seu crédito na praça e assegurar a disponibilidade dos credores para prestações futuras de necessidade urgente.
Neste campo obrigacional, o devedor não cobra em regra do credor recibo ou quitação aquando da realização dos pagamentos ou, se os exige, não os conserva por muito tempo em seu poder. E assim, uma vez demandado, dificilmente poderia provar o pagamento, com o inerente risco de ter que pagar duas vezes.
Foi para obviar a tal situação que a lei instituiu a supra-aludida "prescrição presuntiva ", que mais não representa que uma "presunção de pagamento" a funcionar a curto prazo, "no intuito de evitar que o credor deixe acumular os seus créditos, a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar", sendo que "a lei presume que" decorridos esses prazos, o devedor teria pago" - conf., quanto a este ponto, o Prof. Manuel de Andrade, in "Teoria Geral da Relação Jurídica", vol. II, págs. 452 e 453.
Distinguem-se tais "prescrições presuntivas" das chamadas "prescrições verdadeiras", pois que enquanto nestas, "mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, "naquelas" se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado na mesma maneira", não funcionado pois a prescrição mesmo que invocada - conf. autor citado, in ob e loc cits.
Volvendo à hipótese vertente, depara-se-nos uma prestação traduzida na prestação de serviços médicos pelos AA. a solicitação do Réu e cuja retribuição (contra-prestação) alegadamente se encontraria ainda em dívida. Hipótese pois abstractamente enquadrável, seja na al a) seja na alínea c), do artº 317º do CCIV66, como tal sujeita ao curto prazo de prescrição de dois anos nesse preceito cominada.
A presunção de cumprimento resultante do decurso desse prazo de dois anos só pode ser ilidida por confissão expressa do não pagamento ou por confissão tácita traduzida na prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento - conf. artºs 313º e 314º do CCIV.
"Para que possa beneficiar da prescrição presuntiva, o réu não deve negar os factos constitutivos do direito do A, já que, fazendo-o, iria alegar em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento, na medida em que assim confessaria tacitamente o não cumprimento" - conf., neste sentido, o Ac. deste STJ de 19-6-97, in CJSTJ, Ano V, Tomo II, pág. 134.
Ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, a lei admite em certa medida, aliás limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante a prova da dívida. Na verdade, a «presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão do devedor originário...» confissão essa que pode ser judicial ou extrajudicial, sendo que esta última só releva quando for realizada por escrito» (artº 313º, nº 2), o que se impõe para defesa do devedor contra meios de prova menos seguros " - conf. Prof Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 9ª ed, pág. 1051/1052.
Deste modo, neste tipo de prescrições o decurso do prazo legal não extingue a obrigação. São chamadas de "prescrições presuntivas" porque nestes casos a lei presumiu que decorridos os prazos fixados o devedor teria pago, o que tem a sua importância no próprio regime destas prescrições: elas são tratadas, não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento, sendo afastadas pela provada existência da dívida nos limitados termos que a lei prevê.
Preceitua o citado art.º 313 do CC que «a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor, relevando a confissão extrajudicial apenas quando realizada por escrito».
Por outro lado, dispõe o art. 314 do mesmo Código, que «considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento».
A este propósito, observam Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», vol. I, 4ª ed. pág. 282, que "visando as prescrições presuntivas conferir protecção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova, exigindo-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento venham do devedor ".
Daí o admitir-se, para afastar a presunção de cumprimento, quer a confissão judicial quer a extrajudicial. No que àquela respeita, «nenhuma restrição é estabelecida na lei para prova do não cumprimento, devendo assim considerar-se a matéria abrangida no ónus da impugnação especificada a que se refere o art.º 490, n° 1, do CPC (com correspondência, actualmente, aos n° s 1 e 2 desse artº 490).
No que concerne à confissão judicial, há que atentar no disposto no art.º 356º do C.Civil, nos termos do qual a confissão judicial espontânea poderá ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro acto do processo, nos termos ali previstos, e a confissão judicial provocada que poderá ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal.
Reportando-nos à hipótese vertente, na decisão de 1ª instância foi considerado assente que o «R. reconhece ter beneficiado da prestação de serviços referida no facto anterior, e não ter procedido ao pagamento dos mesmos», sendo contra tal asserção que o R. desde logo se insurgiu em sede de apelação.
A este respeito, observa a Relação que tal asserção (do tribunal comarcão), " no contexto em que surge, corresponderá mais a uma conclusão do que, propriamente, a factos, passando a esclarecer o seguinte:
...«o R. não tem pago desde há considerável tempo as contas dos serviços prestados, pelos AA. aos seus atletas» (artº 5º); - apesar de as respectivas facturas lhe terem sido pontualmente submetidas e de, com regularidade, se deslocarem à sede do R. funcionários para obter a cobrança (artº 6º); - o R. deve, assim, aos AA. as importâncias que se discriminam, factura a factura, a seguir, no (artº 7º).
Naquele art. 10°, referem, efectivamente, os AA. as várias facturas que correspondem às contas dos serviços prestados pelos AA. e cujos valores são peticionados na presente acção, facturas essas juntas aos autos.
Na contestação, o R. limitou-se a alegar que no exercício das suas actividades os AA. prestaram ao R. os serviços a que respeitam as facturas juntas aos autos, que os serviços relativos às facturas juntas sob os docs nºs 1) a 18) foram prestados entre 5-2-96 e 6-11-97 e que nos termos do artº 317º, al. a), do C. Civil se encontra prescrito o eventual direito dos AA. relativamente àqueles serviços.
Nada referiu o Réu acerca das facturas juntas com os documentos nºs 19), 21), 23) e 25), de datas posteriores, não havendo, pois, o R. impugnado especificadamente o alegado pelos AA. nos supra transcritos artigos da p.i..
Sobre este tema invoca o acórdão recorrido a posição do Prof Sousa Ribeiro, in Revista de Direito e Economia, ano V, 1979, 2°, págs. 385 e segs., segundo a qual se o R., na contestação, prescinde de impugnar os créditos contra si invocados pelo credor, limitando-se a invocar um facto extintivo do direito contra si arguido, "o que transparece da sua atitude é a intenção de demonstrar que esse direito, tendo nascido, já cessou os seus efeitos".
E, mais adiante: «De facto, e na medida em que pretende prevalecer-se da prescrição, o réu não pode deixar de admitir, por forma explícita ou implícita, a veracidade das afirmações do autor respeitantes à constituição do vínculo creditício. Só assim poderá depois contrapor essa causa extintiva, a qual, e justamente por o ser, implica o prévio reconhecimento dos factos constitutivos. Para que a dívida se possa considerar extinta, é necessário, antes de mais, que dívida tenha existido.
No Ac do STJ de 17-11-98, in CJSTJ, ano VI, tomo 3, pág. 121, tirado sobre um caso algo similar ao dos presentes autos, salienta-se a dado passo, o seguinte:
"No caso sujeito, as instâncias inferem a confissão tácita da não impugnação do artº 5 da p.i., no qual a A. Alega: "tem procurado a A. junto da Ré que esta satisfaça as suas obrigações, mas sempre esta tem vindo a protelar, e mesmo a recusar o pagamento da dívida".
Não há dúvidas de que a falta de impugnação destes factos leva a que sejam admitidos por acordo - artº 490º do CPC (na anterior redacção)" (sic).
Nas presunções, em geral, deve distinguir-se entre o facto base da presunção e o facto presumido. A lei dispensa a parte que beneficia da presunção da prova do facto presumido - n° 1 do artº 350º do C. Civil. Mas não a dispensa da prova do facto que serve de base à presunção.
Por isso se chama a atenção no acórdão revidendo para o facto de, nas prescrições presuntivas, a distinção entre o facto-base da presunção e o facto presumido ser difícil de fazer, pois a lei, ao postular que as prescrições presuntivas se fundam na presunção de cumprimento, está, de alguma forma, a dar como provado o próprio facto base da presunção e simultaneamente o facto presumido.
Daí, o relevo dado à confissão tácita como forma de afastar a presunção de cumprimento e, designadamente a resultante de factos incompatíveis com a presunção de cumprimento contemplada no artº 314º do C. Civil.
Em princípio não terá o R. de impugnar o incumprimento (alegado pelo autor para evitar a sucumbência), na medida em que a invocação da prescrição presuntiva já contém implícita a alegação de cumprimento. Mas não falta quem entenda que a invocação da prescrição presuntiva, para ter êxito, tem de ser acompanhada da alegação expressa de qualquer facto extintivo da obrigação: o devedor só poderá beneficiar da prescrição presuntiva se alegar que pagou, ou que, por qualquer outro motivo, a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo.
Ora, devem ser considerados como admitidos por acordo, porque não especificadamente impugnados, os factos alegados pelo credor acerca da não satisfação atempada pelo Réu devedor dos créditos reclamados e das respectivas interpelações para cumprimento, sendo que a não impugnação especificada desses factos é, no fundo, tradutora da prática em juízo de "actos incompatíveis com a presunção de cumprimento" - ou seja a confissão tácita de que a dívida não foi paga.
E, com efeito, na hipótese «sub-specie», os AA., na sequência da enunciação dos factos integradores da causa de pedir ("origo petitionis"), não se limitaram a concluir que o R. não pagou e que, por isso, reclamavam os valores peticionados. Acrescentaram ainda que submeteram as facturas em causa ao pagamento do Réu, que "com regularidade" se deslocaram à sede do R. funcionários para obter tal cobrança e que, mesmo assim, o R, não tem pago nem pagou as contas dos serviços prestados.
Tais factos concretos não foram postos em crise pelo R. na sua contestação, uma vez que se manteve silente relativamente aos mesmos, porquanto se limitou, como vimos, a invocar o decurso do prazo prescricional plasmado no artº 317º do C. Civil.
Por isso se concorda com o entendimento do acórdão recorrido no sentido de que "os termos em que o R. invocou a seu favor tal prazo de prescrição não são de molde a presumir-se que discordou daquela factualidade alegada pelos AA., não se conseguindo - no contexto da contestação apresentada - interpretar o seu silêncio sobre os acima mencionados factos deduzidos pelos AA., embora com a invocação da prescrição presuntiva, como discordância daqueles factos.
No caso dos autos, a invocação (pelo Réu, ora recorrente) da prescrição do artº 317º do C. Civil, nos termos em que foi feita, só por si, não contraria o articulado pela A. nos arts. 5º, 6º e 7º da p.i..
Deste modo, considerando embora que o n° 5 dos factos dados como assentes, corresponde a uma conclusão extraída das posições equacionadas nos autos, atenta a factualidade supra referida (apresentada supra sob as alíneas a), b) e c)), - conf. supra nº 10 - e tendo em atenção o disposto nos arts. 313º e 314º do C. Civil, porque confessada a dívida, improcede a excepção deduzida, não sendo, por isso, de acolher as conclusões formuladas pelo R..
Mas ainda a este respeito há que atentar nos termos do Ac deste Supremo Tribunal datado de 24-6-03, in Proc 1840/03 - 6ª SEC, em cuja causa o mesmo ora recorrente invoca a excepção peremptória de prescrição presuntiva a propósito de créditos que lhe foram exigidos por serviços congéneres.
Aí, o ora recorrente sustentou, em suma, que a prescrição do artº 317º, al. a) do C. Civil, sendo de natureza presuntiva, só poderia ser ilidida por confissão do devedor, que essa elisão não ocorreu, já, que nunca confessou a dívida em discussão, não podendo confundir-se a não impugnação das facturas juntas e dos serviços prestados com a confissão da dívida dos respectivos valores, tanto mais que invocou a inexistência da dívida ao recorrer, como recorreu, à excepção peremptória da prescrição presuntiva.
Mas tal tese não obteve acolhimento por banda deste Supremo Tribunal.
E isto porque os factos não impugnados pelo réu se deveriam considerar como admitidos por acordo ao abrigo do disposto no artº 490º, nº 2, do CPC.
Hipótese em tudo similar à que se nos depara no seio da presente revista: o Réu admitiu de forma expressa que a A. lhe prestou os serviços hospitalares a que respeitam as facturas por esta última juntas, mas, para além disto, limitou-se a invocar, ao abrigo do artº 317º, al. a) do C. Civil, a prescrição do eventual direito da autora, para tanto pondo em confronto a data da prestação dos serviços em causa com a data da respectiva citação.
Na esteira desse citado aresto, "esta alegação foi feita como se se tratasse de uma vulgar prescrição, "verdadeira", sendo que - como já deixámos dito - a prescrição presuntiva assenta na existência (presumida) de um pagamento que o seu autor, ao contrário do que é regra geral, não terá de provar.
Encontrando por isso ilidida a presunção de cumprimento por banda do ora recorrente, não ocorre a invocada excepção de prescrição do direito dos AA.
E, por isso, sobre ele impende a obrigação de pagar à autora a retribuição dos serviços que esta lhe prestou - arts. 1154º, 1156º e 1167º, al. b), todos do C.Civil -, não merecendo censura o saneador/sentença que o condenou em conformidade.

14. Não se mostram, destarte, violadas quaisquer das disposições legais invocadas pelo recorrente, pelo que, havendo decidido neste pendor, não merece o acórdão recorrido qualquer censura.

15. Decisão:
Em face ao exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2003
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares