Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3037/20.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL DE EMPREGADOR
OPOSIÇÃO DO TRABALHADOR À TRANSMISSÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
PREJUÍZO SÉRIO
Data do Acordão: 09/16/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 285.º, 286.º-A E 381.º, AL.ª C), DO CÓDIGO DO TRABALHO E PORTARIAS N.º 307/2019 E N.º 308/2019, AMBAS DE 13-9
Sumário: I – Para se verificar transmissão de estabelecimento à luz do regime jurídico do art. 285.º do Código do Trabalho, importa verificar se a transmissão tem por objecto uma unidade económica que mantenha a sua identidade e de autonomia, com vista à prossecução de uma actividade económica.

II – Nessa verificação, para apurar da identidade económica deve o intérprete recorrer-se a um método indiciário fazendo-se, caso a caso, a comparação, tendencial e não absoluta, dos vários elementos em que se decompõe a unidade económica, antes e depois da transmissão, envolvendo a ponderação de factores como o tipo de actividade, a transmissão ou não de elementos do activo (bens corpóreos e incorpóreos), o valor dos elementos incorpóreos à data da transmissão, a continuidade da clientela, a permanência do pessoal e o grau de semelhança entre a actividade prosseguida antes e depois da duração de eventual interrupção.

III – No caso das empresas de segurança, com actividade assente essencialmente na mão de obra, quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços a outra empresa, é determinante para se concluir pela existência de unidade transmitida a verificação que a nova prestadora integrou na organização do seu trabalho de prestação o essencial dos efectivos humanos antes ao serviço da anterior prestadora Securitas e que ocorreu mesmo a execução de um protocolo de transmissão muito apropriado à transmissão de uma unidade organizativa dotada de identidade operacional.

IV – No âmbito da aplicação das portarias n.º 307/2019 e n.º 308/2019, que procederam à extensão, respectivamente, das alterações do contrato colectivo entre a AES e o STAD e às alterações do contrato colectivo entre a mesma AES e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e outro, ambas publicadas no BTE n.º 48 de 29.12.2018, estendido que foi o regime inovador da cláusula 14.ª de ambos os CCT, no caso de sucessão de empregadores na prestação de serviços de segurança privada que tenha expressão em perda total ou parcial da prestação de serviço,  transmitem-se para o novo prestador a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores antes afectos à prestação transmitida, ainda que não seja verificável uma transmissão de uma unidade económica autónoma à luz do artigo 285.º do CT.

V – O artigo 286.º-A do Código do Trabalho consagra o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em termos mais amplos do que os n.ºs 13 das cláusulas 14.ª daqueles CCT estendidos, pelo que no caso da verificação de concorrência de fundamentos para a transmissão – sucessão em caso de transmissão de unidade económica e sucessão por perda de cliente – é o regime do art. 286.º-A aquele que é o aplicável, uma vez que o artigo 3.º do CT só permite que as normas legais reguladoras da transmissão de empresa ou estabelecimento sejam afastadas por IRCT quando este disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores.

VI – O artigo 286.º-A do CT contém um fundamento geral para o exercício da oposição, o do “prejuízo sério” e dois exemplos – situações de “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente” e “a política de organização do trabalho deste não […] merecer confiança” – que não excluem outros, mas que auxiliam a tarefa do intérprete, designadamente na adopção de critérios mais ou menos abertos para o que é o relevante “prejuízo sério”.

VII – É suficiente para fundamentar validamente a oposição, a alegação comprovada que o transmissário da unidade de serviço de vigilância recusou ao trabalhador garantir os direitos emergentes do contrato com a transmitente, só o aceitando ao trabalho se subscrevesse um novo contrato.

VIII – Nessa situação, o trabalhador tem todas as razões para se confrontar com uma real possibilidade de prejuízo sério, de perda da estabilidade laboral, dos direitos e garantias que até então lhe eram proporcionados, o que é mais do que suficiente para razoavelmente não ter confiança na política de organização da transmissária.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral:

Apelação 3037/20.0T8CBR.C1

(secção social)

Relator: Azevedo Mendes

Adjuntos:

Felizardo Paiva

Paula Maria Roberto

Autor: AA

Rés: S..., S.A.

        C..., Lda

 

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor instaurou contra as rés a presente acção declarativa de condenação pedindo, nomeadamente, que: (a) seja a 1.ª ré condenada a reconhecer que a ela se manteve vinculado por contrato de trabalho apesar do resultado do concurso público que descreve em 17.º da petição inicial; (b) seja declarada a ilicitude do seu despedimento pela 1.ª ré, condenando-a a reintegrá-lo nas suas funções, sem prejuízo da categoria e antiguidade, bem como condenando-a a pagar as retribuições que deixou e deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude, sem prejuízo da possibilidade de optar, entretanto, pela indemnização de substituição; (c) seja a 1.ª ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais. Subsidiariamente, relativamente aos pedidos formulados em a), b) e c), que  (d) seja a 2.ª ré condenada a reconhecer que ele passou a estar vinculado a ela ré por contrato de trabalho a partir do dia 1 de Maio de 2020, mantendo-se os direitos contratuais decorrentes do contrato que vigorava com a 1.ª ré e adquiridos, nomeadamente no que toca a retribuição, antiguidade, categoria profissional, conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos; (e) seja declarada a ilicitude do despedimento pela 2.ª ré, condenando-a a reintegrá-lo nas suas funções, sem prejuízo da categoria e antiguidade, bem como condenando-a a pagar as retribuições que deixou e deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude, sem prejuízo da possibilidade de optar entretanto pela indemnização de substituição; (f) seja a 2.ª ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais; (g) e,  em qualquer caso, a pagar-lhe juros de mora sobre os montantes referidos em a) a f) desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A ré S..., S.A. deduziu contestação alegando, para além do mais e em síntese, que o autor deixou de pertencer aos seus quadros em 30.04.2020, sendo que todos os seus direitos passaram a ter que ser assumidos pela transmissária C..., Lda, entidade a quem o serviço de vigilância que prosseguia - e ao qual o autor estava afecto - foi adjudicado com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2020 pelo cliente Município ..., tendo transmitido validamente o vínculo laboral para aquela C..., Lda, que deverá assumir, nos termos da lei, a antiguidade, categoria e demais características do mesmo. Com a adjudicação à C..., Lda, alegou que o contrato de prestação de serviço de segurança privada no espaço, locais e instalações do Município ..., norte, iniciou-se em 1 de Maio de 2020, quando aquela começou a prestar a sua atividade no âmbito da aludida adjudicação, assumindo o serviço de vigilância adjudicado até então à S..., S.A e manteve, integralmente, as mesmas caraterísticas em relação àquele que anteriormente vinha a ser prestado. Manifestou o entendimento que o serviço prestado por si, e que foi adjudicado à sua congénere C..., Lda, se assume como uma verdadeira unidade económica na acepção do artigo 285.º do Código do Trabalho, pelo que a transmissão operada do autor é lícita e a existência ou não de justa causa para rescisão do vínculo do autor não lhe diz respeito, visto que desde a data referida já transmitira o estabelecimento para a 2ª ré, bem como os trabalhadores.  Alegou ainda, por outro lado, que a C..., Lda não demonstra nem indicia qualquer problema de solvabilidade ou financeiro que justifique oposição à transmissão da posição de empregador manifestada pelo autor. Concluiu pela improcedência da ação.

Por sua vez, a ré C..., Lda contestou, deduzindo oposição à reintegração do autor e arguindo a sua ilegitimidade passiva.  Por impugnação, alegou para além do mais e em síntese, que o autor não se apresentou para lhe prestar serviço, nem o poderia fazer uma vez que a partir do dia 1 de Maio de 2020 foi a ré contestante quem assumiu a segurança e vigilância das instalações do Município ... com os seus próprios trabalhadores, considerando não se estar perante qualquer conceito de unidade económica no serviço de segurança que passou a prestar para o Município ..., pelo que não ocorreu transmissão de posto e, nunca tendo o autor sido seu trabalhador, não se encontrava obrigada a atribuir-lhe trabalho. Defendeu, por conseguinte, que não procedeu a despedimento, muito menos ilicitamente. Mais alegou que o serviço desempenhado nos postos de ..., como não constituía, nem constitui, um “estabelecimento” ou uma unidade económica, não determinou transferência do contrato de trabalho do autor, o qual não sofreu descontinuidade, mantendo-se contratualmente ligado à 1ª ré, continuando a ser seu trabalhador, não obstante ela ter perdido o concurso público e, por conseguinte, a concessão dos serviços de vigilância e segurança nas instalações indicadas pela Câmara Municipal .... Defendeu que o autor poderá ter sido objeto de um despedimento ilícito por facto imputável ao empregador, por não ter sido precedido do respetivo procedimento, cometido pela 1ª ré, devendo ser esta a única e exclusiva responsável pelo petitório da acção, ficando assim prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário contra si formulado.  Concluiu pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo o autor manifestado a sua opção pela indemnização em substituição da reintegração.

Prosseguindo o processo, veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou que o contrato de trabalho do autor, a partir de 1 de Maio de 2020, se transmitiu para a ré C..., Lda, e declarou ilícito o despedimento do autor promovido pela mesma ré e condenou-a a pagar ao autor: a) as retribuições que deixou de auferir desde 01.05.20 até ao trânsito em julgado da sentença, deduzidas dos rendimentos ou subsídios de desemprego que tenha auferido e não auferiria se não fosse o despedimento, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social, bem como das retribuições relativas ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, a determinar em liquidação de sentença, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, quanto às importâncias já vencidas até essa altura e desde o final de cada um dos meses subsequentes até integral pagamento, em relação às demais que se foram vencendo; b) uma indemnização, em substituição da reintegração, fixada em 30 dias de retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade, desde a data de celebração do contrato, até ao trânsito em julgado da sentença e respetivos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, desde a data do trânsito em julgado da decisão até integral pagamento.

Absolveu a ré C..., Lda do demais peticionado pelo autor e absolveu também a ré S..., S.A de todos os pedidos formulados.

É desta sentença que, inconformada, a ré C..., Lda veio apelar.

Alegando, concluiu:

«I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. proferida pela Meritíssima Juiz do Juiz ... do Juízo do Trabalho ... que decidiu pela transmissão do contrato do Autor para a Ré C..., Lda, e ao pagamento ao Autor das: a) retribuições que deixou de auferir desde 01/05/20, até ao trânsito em julgado da presente sentença, deduzidas dos rendimentos ou subsídios de desemprego que tenha auferido e não auferiria, se não fosse o despedimento, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social, bem como das retribuições relativa ao período decorrido, desde o despedimento, até 30 dias antes da propositura da ação, a determinar em liquidação de sentença, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, quanto às importâncias já vencidas até essa altura, e desde o final de cada um dos meses subsequentes, até efetivo e integral pagamento, em relação às demais que se foram vencendo; b) Uma indemnização, em substituição da reintegração, que fixo em 30 (trinta) dias de retribuição por cada ano ou fração de antiguidade, desde a data de celebração do contrato, até ao trânsito em julgado desta sentença, que nesta data perfaz a quantia de € 15.439,00 – quinze mil, quatrocentos e trinta e nove euros - e respetivos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão, até efetivo e integral pagamento.

II. A Recorrente apresentou a sua contestação, em que em suma, alegou, para tanto: a) a sua ilegitimidade passiva pelo facto de considerar válida a oposição realizada pelo trabalhador; b) a inexistência de conceito de unidade económica, o que impedia a verificação da transmissão de posto; c) inexistência de despedimento ilícito pelo vínculo contratual do Autor não se ter transmitido da Ré S..., S.A para si; d) inexistência de qualquer indemnização ou compensação a liquidar ao Autor.

III. Considerou o Tribunal a quo, que o Autor não demonstrou a existência de prejuízo sério ou razões que o fizessem suspeitar da sustentabilidade da nova empresa, i.e., falta de confiança na política de organização do trabalho do adquirente, não se verificando como válida a oposição à transmissão por si feita operar.

IV. A referida posição do Tribunal a quo não encontra suporte legal, nem factual, porquanto, a legislação laboral não prevê a existência de um prejuízo sério, mas sim um juízo de prognose – a possibilidade de se vir a verificar um prejuízo sério que se deva à transmissão da posição do empregador.

V. Prejuízo sério esse que deve consubstanciar um dano relevante, que não se reconduza a simples transtornos ou incómodos, não sendo necessário já estar concretizado, podendo ser apenas conjetural, desde que seja objetivamente comprovável.

VI. A falta de confiança na política de organização do trabalho do adquirente, ainda que envolva um juízo de prognose do trabalhador, de conteúdo subjetivo e indeterminado, isto é, essa não confiabilidade, pode ser sindicada pela análise dos factos invocados, tendo em conta a perspetiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa.

VII. Enquadra-se nesse requisito para exercício do direito de oposição do trabalhador à transmissão, a preocupação com o não respeito pela antiguidade contratual e demais direitos e garantias contratuais, suportada pelo contacto pessoal que o trabalhador manteve com os representantes da Recorrente, bem como junto dos seus anteriores colegas.

VIII. O Autor tinha antiguidade de 20 anos reconhecida contratualmente, e perante os factos que lhe foram trazidos, avaliou, em termos de um homem médio os concretos prejuízos que iria sofrer.

IX. Os factos invocados pelo Autor configuraram suficientemente a existência de um prejuízo e de falta de confiança na política organizativa, ainda que tal não se venha a concretizar, somente impondo a lei um juízo de prognose, para se efectivar a oposição à transmissão do vínculo contratual para a nova entidade patronal, nos termos da Cláusula 14ª do CCT e do artigo 286.º-A do CT.

X. Doutro passo, veio o Tribunal a quo concluir pela existência de uma transmissão de unidade económica, logo uma transmissão de estabelecimento nos termos e para os efeitos do artigo 285.º do CT e da Cláusula 14ª do CCT.

XI. Novamente, a interpretação do Tribunal a quo não encontre suporte legal nem factual atentos os factos que resultaram provados.

XII. O legislador nacional introduziu no n.º 5, do art.º 285.º, do CT - trazido pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, uma nova definição legal de «unidade económica», que passou a ser entendida como “conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.

XIII. A Diretiva n.º 2001/23/CE, no seu n.º 1, al. b), do art.º 1, definia unidade económica como um “conjunto de meios organizados, com um objetivo de prosseguir uma atividade económica, principal ou acessória”.

XIV. A legislação nacional exige que o conjunto dos meios (bens corpóreos) da unidade económica sejam dotados de «autonomia técnico-organizativa» e de «identidade própria» ao invés de toda a unidade em si mesmo considerada.

XV. Para que se verifique a transmissão, importa verificar se esta tem por objecto uma unidade económica, organizada de modo estável, que mantenha a sua identidade e seja dotada de autonomia, com vista à prossecução de uma actividade económica, ou individualizada, na empresa transmissária.

XVI. Com efeito, os postos adjudicados à Recorrente não se configuram como unidades económicas, não dispondo de suficiente autonomia funcional, correspondendo somente a um mero posto de trabalho, não podendo ser entendidos como “estabelecimento” ou unidade económica na acepção do artigo 285º do Código do Trabalho, por não disporem de qualquer autonomia técnico-organizativa própria.

XVII. Os trabalhadores, e no caso o Autor, estavam impedidos de organizar, de maneira relativamente livre e independente, o trabalho sem que houvesse intervenção direta por parte de outras estruturas da organização da entidade patronal.

XVIII. Ora, o conjunto de trabalhadores afectos à prestação de determinados serviços de uma empresa de vigilância e segurança não reúnem os requisitos que lhe permitam ser considerados como uma unidade económica entendida como um conjunto de meios organizados.

XIX. Ademais, a Ré S..., S.A não transmitiu para a Recorrente os instrumentos de trabalho que fornecia aos seus trabalhadores nem o know-how – o conjunto de conhecimentos práticos e os meios materiais e técnicos – indissociáveis à prossecução de uma actividade económica de segurança privada, tendo a cargo os referidos serviços de vigilância e segurança dos equipamentos, instalações e espaços indicados no respectivo concurso público.

XX. Bem como não transmitiu para a Recorrente, além de 5 trabalhadores, quaisquer supervisores e rondistas, elementos contratualmente necessários e indispensáveis ao desenvolvimento da actividade – al. j) e n) do ponto 2 das condições técnicas do caderno de encargos - que, ao não serem “transmitidos” implicam que não se esteja perante uma unidade económica, tendo a Recorrente de recrutar pessoal para o efeito.

XXI. Não transmitiu igualmente uma qualquer peça de uniforme, equipamento (telemóveis e lanternas), não forneceu qualquer informação sobre o modo de prestação dos serviços de vigilância e segurança humana nas instalações do Município ..., no âmbito do referido concurso público, ou sobre o modo de organizar a prestação de tais serviços, nem transmitiu qualquer informação sobre as características próprias das instalações do Município ....

XXII. O Tribunal a quo, falhou grosseiramente para com a interpretação dos conceitos que exaustivamente se preocupou em expor na douta sentença proferida, e também de que forma estes se subsumem individualmente a cada um dos elementos organizativos, técnicos e humanos, e que importam para a correcta interpretação e aplicação do artigo 285.º do CT.

XXIII. Por conseguinte, não se encontram verificados os pressupostos do artigo 285.º do CT para que o Tribunal a quo considerasse verificada uma transmissão de empresa ou estabelecimento da Ré S..., S.A para a Recorrente.

NESTES TERMOS, e nos demais de direito, e sempre com o mui douto suprimento e V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso de apelação, devendo a douta sentença recorrida ser revogada nos termos supra expostos, e substituída por outra que absolva a Ré C..., Lda, de todos os pedidos e condene a Ré S..., S.A nos exactos termos peticionados pelo Autor.»

A esta apelação, o autor apresentou contra-alegações e, ao mesmo tempo recurso subordinado. Terminou com as seguintes conclusões:

«I. O recurso, que é subordinado, tem por objeto a douta decisão que absolveu a 1.ª ré S..., SA dos pedidos principais formulados pelo autor.

II. O autor manteve o vínculo laboral com a 1.ª ré S..., S.A (i) se se considerar que não houve transmissão de estabelecimento ou (ii) se se considerar que houve transmissão, mas que a oposição à transmissão da posição do empregador é procedente.

III. Caso seja concedido provimento ao recurso da 2.ª ré C..., Lda no que toca à qualificação da sucessão dos prestadores de serviços ao Município ... como sendo uma verdadeira e própria transmissão de estabelecimento, então será de considerar que não houve transmissão e o autor manteve-se vinculado à 1.ª ré S..., S.A tendo sido ilicitamente despedido por esta.

IV. Nessa medida, os pedidos formulados contra a S..., S.A devem ser julgados procedentes, mediante provimento do presente recurso.

Quanto à oposição à transmissão da posição do empregador,

V. Nos termos do art. 286.º-A, nos 1 e 2 do CT (na versão anterior à resultante da Lei n.º 18/2021, de 08 de abril), o trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão de empresa ou estabelecimento, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.

VI. O fundamento legal para a oposição é a (i) possibilidade de vir a ser causado prejuízo sério ao trabalhador (sendo a manifesta falta de solvabilidade ou a situação financeira difícil do adquirente constituem meros exemplos de circunstâncias que permitem antecipar a possibilidade de vir a ser causado prejuízo sério) ou a (ii) falta de confiança na política de organização do trabalho da adquirente.

VII. O autor transmitiu a sua oposição à transmissão invocando a recusa do adquirente em assumir a sua antiguidade ou, dito de outro modo, a pretensão do adquirente em fazer assinar novos contratos aos trabalhadores que pretendessem transitar para a C..., Lda.

VIII. A não assunção dos contratos que já vigoravam (designadamente no que se refere à antiguidade, a circunstância de serem contratos por tempo indeterminado, à remuneração auferida) permite ao trabalhador antecipar um prejuízo sério decorrente da transmissão (ainda que esse fundamento não se prenda concretamente com a manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente), e permite-lhe também não confiar na política de organização do trabalho do adquirente.

IX. A comunicação de oposição do trabalhador é totalmente concretizada, não podendo subsistir qualquer dúvida quanto ao respetivo fundamento (nela se lê, entre o mais, o seguinte: “Perante estes factos, foi meu entendimento que a eventual mudança de entidade empregadora, nestes termos, ou seja, a continuidade do desempenho das minhas funções de vigilante, mas ao serviço da empresa C..., Lda, não apenas seria suscetível de, mas causar-me-ia DE FACTO, um prejuízo sério, na medida em que os actos desta empresa, e seus representantes, indicavam que os meus direitos, enquanto trabalhador/funcionário, não seriam respeitados, porque, NO PRESENTE, não o estavam a ser (entre outros, o respeito pela minha antiguidade), não tendo eu qualquer garantia, antes pelo contrária, de que os meus direitos viessem a ser respeitados, numa eventual relação laboral futura.”)

X. Contra o entendimento propugnado pelo trabalhador, não vale dizer (como diz a 1.ª ré S..., S.A) que estaria em causa uma atitude de “premiar quem não cumpre se os Tribunais admitissem a oposição do trabalhador decorrente da intenção da entidade transmissária de não cumprir a lei, recusando assegurar direitos adquiridos mas propondo novos contratos, o que demonstra bem a má-fé com que se apresenta no mercado, já que ao pretender contratar trabalhadores para aqueles postos com novos contratos assume que precisa da mesma mão-de-obra para os mesmos locais, mas quer fugir a quaisquer responsabilidades, em prejuízo da parte mais fraca, que é o trabalhador.”

XI. É que os valores aqui em disputa prendem-se com o respeito pela dignidade da pessoa humana do trabalhador e com a necessidade de proteção do direito à livre escolha do empregador por parte do trabalhador, reconhecendo que «o trabalho não é uma mercadoria (“Labour is not a commodity”)» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27 de maio de 2021, disponível em dgsi.pt com o n.º de proc 3951 18.2T8FAR.E1 onde se conclui o seguinte: “O que está em causa é o reconhecimento que o trabalho não é uma mercadoria (labour is not a commodity), e que o princípio geral da liberdade contratual envolve também a liberdade de escolha do parceiro da relação negocial, não devendo assim ser imposto ao trabalhador um empregador por ele não escolhido.”).

XII. Ou seja, não é tão relevante a censura que se possa dirigir ao compliance do transmitente ou do adquirente quando comparada com a necessidade de garantir a tutela do trabalhador perante a transmissão (representando esta tutela o verdadeiro âmago da ratio legis), proporcionando-lhe a liberdade de evitar o empregador que lhe é imposto caso possa ver nele a perspetiva de um prejuízo que seja sério.

XIII. Também não vale aqui invocar (como igualmente invoca a 1.ª ré em sede de douto articulado de contestação) o teor do art. 14.º, n.º 13 do CCT celebrado entre a AES e a FETESE, publicado no BTE n.º 38, de 15 de outubro de 2017, revista pela alteração publicada no BTE n.º 22, de 15 de junho de 2020 (art. 496.º, n.ºs 1 e 2 do CT), objeto da Portaria de Extensão n.º 308/2019, de 13 de setembro de 2019.

XIV. É certo que nos termos daquele normativo o trabalhador que se oponha deve demonstrar que a transmissão lhe pode causar prejuízo sério, por razões ligadas à sustentabilidade da nova prestadora de serviços.

XV. Contudo, em matéria de transmissão de estabelecimento, o instrumento de regulamentação coletiva não pode contrariar a solução resultante da lei salvo se dispuser em sentido mais favorável ao trabalhador (art. 3.º, n.º 3, al. m) do CT), sendo aquele art. 14.º, n.º 13 da convenção manifestamente nulo, invalidade que impede a sua aplicação.

XVI. Em suma, o direito potestativo de oposição foi válida e tempestivamente exercido pelo trabalhador, devendo considerar-se que o mesmo se manteve vinculado à ré S..., S.A, tendo esta procedido ao seu despedimento ilícito.

XVII. Decidindo de outro modo, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 286.º-A do CT.

Nos termos do exposto e nos melhores de direito, deverão V. Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, conceder provimento ao recurso, revogando a douta decisão do Tribunal a quo que será substituída por outra que condene a ré S..., S.A a reconhecer que o autor se manteve vinculado por contrato de trabalho à 1.ª ré e que declare a ilicitude do despedimento, com as devidas e legais consequências, com o que será feita Justiça!»

A ré S..., S.A apresentou contra-alegações ao recurso da co-ré C..., Lda. Concluiu do seguinte modo:

(…).

Recebidos os recursos, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto pela improcedência da apelação da ré C..., Lda e consequente inoperância do recurso subordinado.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

A. Factos considerados provados pela 1.ª instância.

Da decisão de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

1. O autor exerce a profissão de vigilante;

2. As rés são sociedades comerciais cujo objeto consiste na prestação de serviços de segurança privada;

3. Por documento escrito com data de 23 de Fevereiro de 2000, o autor e a 1.ª ré celebraram o contrato de trabalho a termo certo, com início a 01 de Março de 2000, obrigando-se o autor a desempenhar, sob sua autoridade e direção, as funções inerentes à categoria profissional de vigilante, mediante o pagamento de remuneração mensal, que até junho de 2020, estava fixada em € 765,57, acrescida de subsídio de refeição de €6,06 e que a partir de 01 de julho de 2020, passou a € 796,19;

4. O autor encontrava-se inscrito na Segurança Social, como trabalhador por conta de outrem, tendo como empregadora a 1.ª ré e estava coberto por seguro de acidentes de trabalho celebrado e pago pela mesma;

5. Ao abrigo do contrato de trabalho a que se alude em 3., o autor desempenhou as funções para a quais foi contratado, ininterruptamente até 30 de Abril de 2020;

6. A 1.ª ré - S..., S.A - é associada da associação de empregadores AES - Associação de Empresas de Segurança e a 2ª ré iniciou o processo de adesão à associação de empregadores AESIRF, no início do ano de 2020, cuja, até 09.12.20 não foi aprovada pela direcção que se encontrava demissionária;

7.  O autor, a partir de data não concretamente apurada, mas que se situará em Janeiro de 2016 e até ao dia 30 de Abril de 2020, desempenhou as suas funções, junto do cliente da ré S..., S.A, o Município ..., no ...” (também denominado “... ou “...”);

8. Desde data não concretamente apurada, a 1.ª ré - S..., S.A - tinha afetos ao Município ..., 20 trabalhadores, vigilantes, distribuídos por 7 postos de vigilância, sendo esses postos o mercado municipal, o estaleiro municipal, o horto municipal, o cemitério da ..., o ..., o Algar e o aeródromo municipal;

9. Mediante o concurso público internacional n.º 1/2020 com vista à aquisição de serviços de vigilância e segurança humana de instalações municipais, o Município ... adjudicou à 2.ª ré, C..., Lda, os serviços que vinham sendo prestados pela 1.ª ré, com efeitos a partir do dia 1 de Maio de 2020;

10. Por comunicação escrita remetida pela 1.ª ré, S..., S.A, ao autor com data de 23 de Abril de 2020, aquela comunicou-lhe que ele cessava a prestação de serviços nas instalações municipais de ..., serviços esses que tinham sido adjudicados à 2.ª ré com efeitos reportados ao dia 1 de Maio de 2020 e que a posição do autor, como trabalhador, era transmitida à 2.ª ré, mantendo-se os direitos, deveres, regalias, antiguidade e categoria profissional, também com efeitos reportados ao dia 1 de Maio de 2020, fundamentando a respectiva posição na cláusula 14.ª, nºs 1 e 4 do Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.º 48 de 29 de dezembro de 2018 (com portarias de Extensão [PE] 307/2019 ou 308/2019, de 13 de setembro de 2019) ou no teor dos artigos 285.º e 286.º do Código do Trabalho (CT);

11. Em data não concretamente apurada, o autor e outros trabalhadores da ré S..., S.A, que desempenhavam funções no cliente desta, Município ..., foram contactados pela 2.ª ré - C..., Lda - que, dando-lhes nota de que tinha ganho o «concurso do cliente “...”», com início em 1 de Maio de 2020, solicitava a sua presença e dos demais, no dia 27 de Abril de 2020 para reunião no Aeródromo ..., bem como que se fizessem acompanhar dos documentos necessários para o processo de recrutamento;

12. No âmbito da reunião a que se alude em 11. aquela ré - C..., Lda - transmitiu aos trabalhadores que tinham contrato de trabalho com a S..., S.A que não haveria qualquer transmissão de contratos e que a permanência nos respetivos postos dependia da assinatura de novos contratos, sem salvaguarda da posição decorrente dos contratos que já estavam em vigor, apresentando-lhes, para assinatura, minutas de contratos de trabalho a termo incerto, sendo que alguns trabalhadores, não concretamente identificados (cerca de 16/17), aceitaram tais condições e passaram a prestar funções na Ré C..., Lda;

13. No dia 5 de Maio de 2020, o autor remeteu à 2.ª ré - C..., Lda - a comunicação escrita, junta como doc. nº 9, pretendendo obter informações sobre o posicionamento daquela em relação aos contratos dos trabalhadores que desempenham funções em instalações do Município ..., a que a aludida ré respondeu em 08.05.20, informando que não aceitava a transmissão do posto e que a ré S..., S.A ainda era a responsável pelos trabalhadores;

14. Em face da informação a que se alude em 13., o autor por comunicação escrita junta como doc. n.º 11, manifestou junto da 1.ª ré - S..., S.A - a sua oposição à transmissão da posição do empregador, invocando, para além do mais, prejuízo sério, tendo merecido a resposta junta como doc. nº12, junto com a p.i.;

15. A partir de 01/05/20 nenhuma das rés deu trabalho ao autor;

16. O autor foi sempre um trabalhador cumpridor;

17. Com a adjudicação a que supra se alude a ré C..., Lda assumiu o serviço de vigilância que até então estava adjudicado à ré S..., S.A, mantendo integralmente as mesmas caraterísticas em relação àquele que anteriormente vinha a ser prestado, alocando o mesmo número de vigilantes, com o modo de exercício de actividade assente na hierarquização, no mesmo local e com o mesmo equipamento destinado a controlar o acesso, permanência e saída das instalações de pessoas e bens;

18. Não foram transmitidos da 1.ª ré para a 2.ª ré quaisquer instrumentos de trabalho que aquela fornecia aos seus trabalhadores - fardamento/uniformes, impressos e equipamento necessário à monitorização das rondas -, sendo que secretária, cadeira, computador, telefone, cacifo, w.c., copa, micro-ondas etc. eram do cliente Município ... e mantiveram-se no local;

19. Na data em que cessou a prestação de serviços no Município ... - 30.04.20 -, a ré S..., S.A, retirou os instrumentos de trabalho que fornecia aos seus trabalhadores;

20. A ré S..., S.A notificou à ré C..., Lda que 5 trabalhadores da lista inicialmente enviada com a identificação dos seus trabalhadores a exercerem funções no Município ... deveriam ser retirados da mesma;

21. A ré S..., S.A não cedeu à ré C..., Lda nenhum trabalhador com a categoria de supervisor, sendo que o supervisor da mesma, - BB – é supervisor da Zona Centro – Delegação ... e não estava afecto ao Município ..., tendo sido o mesmo quem, em 30.04.20, fez a “passagem de testemunho”, com 1 graduado da C..., Lda, tendo a transferência sido feita com a “check list” do cliente que passava na íntegra para a C..., Lda;

22. Acerca da matéria aqui em causa - transmissão dos trabalhadores, vigilantes da S..., S.A que prestavam funções no cliente Município ..., para a C..., Lda - correu termos, neste tribunal e juízo, o processo de contraordenação nº ...1..., no âmbito do qual foi a arguida condenada no pagamento da coima de € 2.652,00, pela prática da contraordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 285.º, 521.º, 550.º, 551.º, n.ºs 1 e 3, 554.º, n.º 1, alínea a), do Código de Trabalho, cláusulas 14.ª, n.ºs 1 e 4 do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AES, o STAD e outro, publicado no BTE n.º 48, de 29.12.2018, com portaria de Extensão n.º 307/2019 de 13/09, por decisão proferida em 08.06.21, já transitada em julgado.


*

B.  É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Não tendo sido questionada a admissibilidade dos recursos, decorre do exposto que as questões essenciais que importa resolver se traduzem em saber:

- no recurso da ré C..., Lda:

a) se ocorreu transmissão, da primeira para a segunda ré, de estabelecimento e/ou da posição contratual de empregador na relação laboral com o autor;

b) sendo reconhecida a transmissão, se foi ou não válido o exercício da oposição do autor à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho e se, por isso, deve ser antes condenada a ré S..., S.A nos termos peticionados pelo autor na acção;

- no recurso do autor:

- no caso de se entender que não ocorreu transmissão de estabelecimento da primeira para a segunda ré, se deve ser condenada a primeira ré S..., S.A nos mesmos termos em que o tribunal recorrido condenou a ré C..., Lda;

- no caso de se entender que foi válida a sua oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, como sustenta a recorrente C..., Lda, se deve também ser condenada a ré S..., S.A nos termos em que a ré C..., Lda foi antes condenada.

Abordaremos em primeiro lugar a questão relativa à transmissão do estabelecimento, uma vez que ela se revela particularmente importante no tratamento da segunda questão, ou seja, a da oposição à transmissão de empregador, como veremos adiante.

B1. A questão da transmissão de estabelecimento

A este respeito escreveu-se na sentença recorrida, depois de alguma descrição do pertinente quadro legal e teórico:

«Tais considerações, quando confrontadas com a matéria dada como provada, permitem-nos, desde já, concluir, com o devido respeito por opinião contrária, ter havido transmissão de estabelecimento – da Ré S..., S.A para a Ré C..., Lda - para efeitos de manutenção de contratos de trabalho, porquanto se verificou a continuidade da atividade anteriormente prestada.

Por força da transmissão o adquirente fica investido na posição da entidade empregadora, relativamente aos contratos de trabalho dos trabalhadores afectos ao estabelecimento transmitido, na data da transmissão, o que implica a subsistência dos contratos de trabalho com o conteúdo que os mesmos tenham, ou seja, a continuidade dos mesmos como se não tivesse ocorrido qualquer alteração do lado da entidade empregadora.»

Importa dizer, antes de mais, que esta apreciação não dá conta, como seria preferível, dos concretos pressupostos ou índices reveladores da “transmissão de estabelecimento” que se podem encontrar em causa na situação dos autos, já que o critério legal para a transmissão em lugar algum se basta com a verificação da mera “continuidade da atividade anteriormente prestada”, nem essa singular posição é justificada na sentença.

Na actividade das empresas de segurança ou de vigilância, a transmissão de estabelecimento tem conduzido a especiais evoluções jurisprudenciais e legislativas nos últimos anos. No campo das alterações legislativas, a recente Lei n.º 18/2021, de 08/04, introduziu mesmo uma última alteração ao artigo 285.º do Código do Trabalho (alteração, contudo, que não é aplicável no tempo à “transmissão” que é questionada nestes autos) nos termos da qual as suas estipulações passam a ser expressamente aplicáveis “a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de seleção, no setor público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação” (n.º 10 do artigo e com sublinhado nosso).

Como se sabe, no âmbito do artigo 285.º do CT/2009 o que está em causa é a transmissão de unidade económica, abrangendo ela qualquer passagem do complexo jurídico-económico onde o trabalhador exerce a sua actividade, da esfera jurídica do empregador para outrem, seja a que título for (n.º 1: “em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores…”).

O n.º 5 do artigo caracteriza “unidade económica” como o “conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória(alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 14/2018, de 19/3, e com sublinhado nosso).

O artigo 285.º faz parte do trabalho de transposição para a nossa ordem jurídica interna da Directiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de Março, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos.

Como tem sido jurisprudência constantemente reafirmada, embora também constantemente em evolução por grande impulso do Tribunal de Justiça da União Europeia, na tarefa de interpretação do quadro desenhado pela Directiva n.º 2001/23/CE deve entender-se que naquela disposição normativa o legislador consagrou uma noção muito alargada do conceito de unidade económica dotada de identidade passível de transmissão.

Mas em qualquer caso, como se tem reafirmado e ainda que se acrescentando cada vez menos exigência nos índices relevantes, para apurar da identidade económica deve recorrer-se a um método indiciário fazendo-se, caso a caso, a comparação, tendencial e não absoluta, dos vários elementos em que se decompõe a unidade económica, antes e depois da transmissão. Em resumo, podemos dizer que o critério seguido tem envolvido, na tarefa de reconhecimento da manutenção, ou não, daquela identidade, a ponderação de uma série de factores como o tipo de estabelecimento, a transmissão ou não de elementos do activo (bens corpóreos e incorpóreos), o valor dos elementos incorpóreos à data da transmissão, a continuidade da clientela, a permanência do pessoal e o grau de semelhança entre a actividade prosseguida antes e depois da duração de eventual interrupção.

No caso das empresas de segurança, com actividade assente essencialmente na mão de obra, tem ocorrido um particular debate e uma subsequente evolução no tratamento jurisprudencial respeitante à matéria.

Na realidade, desde há muito se admite que nos sectores que dependem essencialmente da mão de obra, como é o caso dos serviços de segurança, é possível que um conjunto organizado de trabalhadores, especial e duradouramente afectos a uma tarefa comum, constitua, na ausência de outros elementos organizacionais relevantes, uma unidade económica em si mesma (acórdão do TJUE, processo C-173/96, Dezembro de 1998, disponível em www.curia.europa.eu: “Assim, na medida em que, em certos sectores nos quais a actividade assenta essencialmente na mão-de-obra, um conjunto de trabalhadores que executa de forma durável uma actividade comum pode corresponder a uma entidade económica, é forçoso admitir que essa entidade é susceptível de manter a sua identidade para além da sua transferência, quando o novo empresário não se limita a prosseguir a actividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectava especialmente a essa missão. Nessa hipótese, a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitem a prossecução, de modo estável, das actividades ou de parte das actividades da empresa cedente”). Por outro lado, também desde há muito, o TJUE vem salientando que “não é necessário que existam relações contratuais directas entre o cedente e o cessionário, já que a cedência pode também efectuar-se em duas fases por intermédio de um terceiro, como o proprietário ou o locador” (acórdãos de Março de 1996, processos C-171/94 e C-172/94).

No Supremo Tribunal de Justiça o debate ganhou uma especial evolução a partir do acórdão do STJ de 06.12.2017, proferido no processo n.º 357/13.3TTPDL.L1.S1 (relatora: Ana Luísa Geraldes), no âmbito do qual ao TJUE  foi submetido um pedido de decisão em reenvio prejudicial relativamente à interpretação do conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento contido nos artigos 1º, n.º 1, alínea a) e 2º, n.º 1, alíneas a) e b), da Directiva n.º 2001/23/CE, no qual as questões prejudiciais suscitadas foram as seguintes:

«1ª Se a situação que envolva a perda de cliente por parte da empresa responsável pela concessão de serviços de vigilância e segurança, na sequência da realização de um concurso público em que a prestação daqueles serviços de vigilância e segurança, junto do referido cliente, é adjudicada a uma outra empresa, concorrente daquela, e em que não ocorreu a transferência, acompanhada da mudança de titular, de bens corpóreos ou incorpóreos ou de quaisquer equipamentos, nem a readmissão dos trabalhadores ao serviço da primeira empresa, se configura a transmissão de uma unidade económica nos termos previstos pelo art. 1.º, n.º 1, alínea a), da Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março?

2ª Ou, pelo contrário, se tal operação consubstancia “apenas” uma mera sucessão de empresas concorrentes em função da adjudicação da prestação de serviços à empresa que ganhou o referido concurso, estando por isso excluída do conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento, para efeitos da aludida Directiva?

3. Se é contrária ao Direito Comunitário relativo à definição de transmissão da empresa ou do estabelecimento decorrente da Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, o nº 2 da Cláusula 13ª do supra identificado Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a AES e AESIRF e o STAD e outras Associações Sindicais, ao estabelecer que: “Não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador?”.»

Da resposta dada pelo TJUE, no acórdão de 19.10.2017, processo C-200/16, resultou desde logo claro, na resposta à 3.ª questão, que «o artigo 1.º, nº 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê que não está abrangida pelo âmbito de aplicação do conceito de “transferência […] de uma empresa [ou de um] estabelecimento”, na aceção deste artigo 1.º, n.º 1, a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.». E isto por estar em causa uma «(…) disposição nacional que exclui de maneira geral do âmbito de aplicação deste conceito [o de transferência de empresa ou de estabelecimento na aceção da Diretiva 2001/23] a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador [o] que não permite tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa.»

Por conseguinte, no referido acórdão do STJ de 06.12.2017 (“tendo presente o dever dos Tribunais Nacionais de cada Estado Membro interpretar a própria legislação Nacional em conformidade com as Directivas tal como estas têm sido interpretadas pelo TJUE”) logo se sublinhou que a referida cláusula 13.ª n.º 2 do aludido CCT não podia ser aplicada, sendo contrária ao direito da União Europeia.

Na resposta às restantes questões o TJUE decidiu o seguinte: «O artigo 1.º, nº 1, alínea a), da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, ou de estabelecimentos, ou de parte de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de “transferência […] de uma empresa [ou de um] estabelecimento”, na acepção desta disposição, uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância e de segurança das suas instalações celebrado com uma empresa e, em seguida, para a execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa, que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando os equipamentos indispensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa» (sublinhado nosso). E explicitou que, em qualquer caso, era necessário averiguar se foram transmitidos «directa ou indiretamente, equipamentos ou elementos corpóreos ou incorpóreos para exercer a atividade de vigilância e de segurança nas instalações em causa». E que «a circunstância de os elementos corpóreos indispensáveis ao exercício da atividade em causa (…) e retomados pelo novo empresário não pertencerem ao seu antecessor, mas terem sido simplesmente disponibilizados pelo contratante, não pode levar a excluir a existência de uma transferência de empresa ou de estabelecimento na acepção da Diretiva 2001/23 (…). Contudo, só os equipamentos que são efetivamente utilizados para prestar os serviços de vigilância, com exclusão das instalações que são objecto desses serviços, devem, se for caso disso, ser tomados em consideração para determinar a existência de uma transferência de uma entidade com manutenção da sua identidade, na aceção da Directiva 2001/23 (…)».

Deve agora dizer-se, neste ponto, que na sequência do juízo de invalidade sobre o n.º 2 da cláusula 13.ª do supra identificado CCT entre a AES (Associação das Empresas de Segurança) e AESIRF (Associação Nacional das Empresas de Segurança) e o STAD (Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas) - invalidade, de resto, já antes declarada pelo acórdão da Relação de Lisboa de 25.03.2015, processo 357/13.1TTPDL.L1-4, tendo como relator José Eduardo Sapateiro - vieram a ser publicadas duas portarias de extensão, a portaria n.º 307/2019 e a portaria n.º 308/2019, ambas de 13 de Setembro, que procederam à extensão, respectivamente, das alterações do contrato colectivo entre a AES e o STAD e às alterações do contrato colectivo entre a mesma AES e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e outro, ambas publicadas no BTE n.º 48 de 29.12.2018, alterações essas que também tiveram lugar depois do reconhecimento da indicada invalidade (do n.º 2 da cláusula 13.ª).

Nessas alterações, uma nova cláusula 14.º (que passou a regular - n.º 1 - “a manutenção dos contratos individuais de trabalho em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada, tendo por principio orientador a segurança do emprego, nos termos constitucionalmente previstos e a manutenção dos postos de trabalho potencialmente afetados pela perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora e, desde que, o objeto da prestação de serviços perdida tenha continuidade através da contratação de nova empresa ou seja assumida pela entidade a quem os serviços sejam prestados e quer essa sucessão de empresas na execução da prestação de serviços se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviços”) estabelece (no n.º 4) que nas situações de sucessão de empregadores em contratos de prestação de serviços de segurança privada, num mesmo local, se mantêm em vigoros contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores que naquele local ou cliente prestavam anteriormente a actividade de segurança privada, mantendo-se, igualmente, todos os direitos, os deveres, as regalias, a antiguidade e a categoria profissional que vigoravam ao serviço da prestadora de serviços cessante”.

Ainda neste processo de transformação, o anterior CCT que envolvia, pelo lado das associações empregadoras, a AES e a AESIRF foi abandonado pela AESIRF que veio a deduzir oposição às referidas extensões, oposição essa que conduziu as portarias que as vieram a declarar a excluírem expressamente do seu âmbito de aplicação “os empregadores representados pela Associação Nacional das Empresas de Segurança – AESIRF” (artigos 1.º, n.º 3).

Desalinhada deste percurso, a AESIRF veio a celebrar um novo CCT (revisão global)  com a ASSP - Associação Sindical da Segurança Privada, publicado no BTE, n.º 26, de 15 de Julho de 2019, o qual contém uma cláusula 14.ª n.º 2  que renova a anterior invalidade declarada (é a seguinte a sua redacção: “não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador”) e, pelas razões já afirmadas nas decisões supra indicadas, não pode subsistir validamente.

 Como já dissemos, também na mesma evolução, o artigo 285.º do Código do Trabalho mereceu em 2021 a já acima assinalada alteração que contempla a específica realidade da adjudicação de serviços de vigilância e orienta, facilitando, a interpretação, embora, como dissemos, não seja aplicável no tempo ao caso agora em apreciação.

Mais recentemente, o acórdão do STJ de 15.09.2021, proferido no proc. 445/19.2T8VLG.P1.S1 e que tem como relator o Conselheiro Júlio Gomes, fez um último ponto da situação sobre as novas problemáticas que surgiram (na jurisprudência e na doutrina), sobretudo a partir do supra referido acórdão do TJUE suscitado pelo STJ no processo n.º 357/13.3TTPDL.L1.S1, quando nele se decidiu que está abrangida pelo conceito de transferência a situação em que o cliente resolveu o contrato de prestação de vigilância com uma empresa e, em seguida, celebrou novo contrato com outra empresa que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando equipamentos indispensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa, cabendo ao órgão nacional, averiguar se foram transmitidos directa ou indiretamente elementos corpóreos ou incorpóreos para exercer a atividade de vigilância e que a circunstância de os equipamentos indispensáveis ao exercício da actividade e retomados pelo novo empresário não pertencerem ao antecessor, mas ao cliente, não pode excluir a existência de transferência de estabelecimento.

A ponderação dessas novas problemáticas levou mesmo à colocação de três novas questões prejudiciais (ainda não respondidas): (a) a falta de relação contratual entre os sucessivos prestadores de um serviço (no caso dos autos de segurança) para o mesmo cliente é ainda um indício da inexistência de transmissão de unidade económica?; (b) a circunstância de o cliente continuar a disponibilizar alguns bens é um indício relevante apesar de tais bens serem de reduzido significado económico no conjunto da operação e de não ser economicamente racional exigir a sua substituição?; (c) ao atender-se na ponderação dos indícios ao escopo da Diretiva deve invocar-se apenas a proteção dos trabalhadores ou atender igualmente à necessidade de um justo equilíbrio entre os interesses dos trabalhadores e os interesses do cessionário?

Não podemos deixar de referir que o relator Conselheiro Júlio Gomes é um dos autores que mais se debruçaram sobre a problemática dos efeitos laborais da transmissão de estabelecimento, tendo publicados alguns dos mais importantes textos nacionais sobre a matéria (designadamente na RDES, 1996, p. 163 e seguintes, “O conflito entre a jurisprudência nacional e a jurisprudência do TJ das CCEE em matéria de transmissão do estabelecimento no Direito do Trabalho: o art.º 37.º da LCT e a Diretiva 77/187/CEE”, nos Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, 2000, Volume I, p. 480 e seguintes, “A jurisprudência recente do Tribunal da Justiça das Comunidades Europeias em matéria de transmissão de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento”,  na revista Questões Laborais, Ano XV, n.º 32, 2008, p. 141-167 “Novas, novíssimas e não tão novas questões sobre a transmissão da unidade económica em direito do trabalho” e na obra Direito do Trabalho - Volume I - Relações Individuais de Trabalho, 2007, p. 808 e seguintes).

O cerne da questão (e das preocupações do intérprete nacional) continua a ser como interpretar o artigo 285.º n.º 5 do CT à luz da cada vez mais desimpedida jurisprudência do TJUE quanto ao conceito de unidade económica, quando a mesmo tempo a norma o descreve como o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria.

O acórdão em causa recorreu ao método indiciário para determinar se houve ou não transmissão de unidade económica e foi no processo de identificação dos índices que sublinhou dúvidas e perplexidades que levaram à decisão do reenvio prejudicial.

No caso destes autos de recurso, entendemos que na aplicação dos critérios do artigo 285.º do CT, do consequente teste indiciário, tais dúvidas não se levantam.

Estamos de acordo que a mera circunstância de um prestador de serviços ganhar um cliente e prosseguir a mesma actividade realizada pelo anterior prestador de serviços para o mesmo cliente não representa, por si só, qualquer transmissão de uma entidade económica e há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa (conforme o afirmou o acórdão do TJUE no processo C-160/14), entre as quais figuram o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transmissão ou não de elementos corpóreos, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transmissão, a reintegração ou não do essencial dos trabalhadores pelo novo prestador ou a similitude das atividades exercidas antes e depois da transmissão, fazendo uma avaliação de conjunto em que a importância relativa dos indícios varia consoante o caso concreto, necessariamente em função da atividade exercida, dos métodos de produção ou de exploração utilizados na empresa.

Ora, no caso apresentado neste recurso podemos verificar, desde logo, os indícios da manutenção da clientela (o mesmo cliente, o Município ...), o da ausência de hiato temporal significativo entre a atividade de um prestador de serviços (a S..., S.A) e do que se lhe seguiu (a C..., Lda), uma vez que a sucessão ocorreu entre final de Abril e início de Maio de 2020 (factos 9.  a 17.) e o da similitude da actividade exercida (v. facto 9.: “mediante o concurso público internacional n.º 1/2020 com vista à aquisição de serviços de vigilância e segurança humana de instalações municipais, o Município ... adjudicou à 2.ª ré, C..., Lda, os serviços que vinham sendo prestados pela 1.ª ré, com efeitos a partir do dia 1 de Maio de 2020”).

É certo que na ponderação conjunta desses elementos indiciários não podemos deixar de os relativizar (de não dar excessivo relevo) na medida em que eles não são inteiramente controláveis por cada prestador, mas antes dependem dos termos em que o concurso que conduziu à adjudicação ao novo prestador foi formulado (e, portanto, não são grandemente identificadores de uma organização autónoma transferível).

No caso verificou-se também a transmissão de alguns elementos corpóreos. Provou-se (facto 17.) que a ré C..., Lda assumiu o serviço de vigilância que até então estava adjudicado à S..., S.A, no mesmo local e com o mesmo equipamento destinado a controlar o acesso, permanência e saída das instalações de pessoas e bens e ainda (facto 18.) que, embora não tenham sido transmitidos da 1.ª ré para a 2.ª ré quaisquer instrumentos de trabalho que aquela fornecia aos seus trabalhadores - fardamento/uniformes, impressos e equipamento necessário à monitorização das rondas -, o mesmo equipamento utilizado traduzido na “secretária, cadeira, computador, telefone, cacifo, w.c., copa, micro-ondas etc.” era do cliente Município ... e manteve-se no local em uso. Já vimos que conforme jurisprudência já acima citada não é necessário que haja qualquer transmissão de propriedade, bastando para que opere este indício que ao novo prestador de serviços seja disponibilizada, por exemplo pelo próprio cliente, a utilização de certos equipamentos. Contudo, devemos também afirmar que na ponderação de conjunto que temos de fazer há que relativizar o indício “passagem” das instalações e do equipamento, na medida em que, como o serviço contratado o foi para segurança das mesmas instalações, ela nunca poderia por si só ser necessariamente sinónima de transmissão de unidade económica e, por outro lado, não se encontra a certeza que os equipamentos disponibilizados pelo cliente, quer ao primeiro prestador, quer depois ao segundo, tenham no modo de produção do serviço um valor (na óptica dos custos de produção) de grande importância para, também por si só, dar identidade a uma específica unidade económica. Em todo o caso, apesar disso, não deixam de ser indícios a favor da existência de uma transmissão da entidade económica.

Contudo, na situação, mostra-se fundamental, isso sim, a verificação que podemos fazer de que a ré C..., Lda integrou na organização do seu trabalho de prestação o essencial dos efectivos humanos antes ao serviço da prestadora S..., S.A. Na verdade, provou-se (facto 8.) que a  ré S..., S.A tinha afectos ao Município ... 20 trabalhadores, vigilantes, distribuídos por 7 postos de vigilância e que (facto 12.) desses efectivos cerca de 16/17 trabalhadores permaneceram nos respetivos postos e passaram a prestar funções na ré C..., Lda, sendo certo (facto 17.) que a ré C..., Lda assumiu o serviço de vigilância mantendo integralmente as mesmas caraterísticas em relação àquele que anteriormente vinha a ser prestado, alocando o mesmo número de vigilantes que a anterior.

A constatação do preenchimento deste índice é, quanto a nós, decisivo para afirmar que estão reunidos os pressupostos para a transmissão ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código do Trabalho. Naturalmente que o que está em causa não é apenas o número de trabalhadores reassumidos. Importante sim é a verificação que o novo prestador integra uma parte essencial dos efectivos humanos que, em termos de número e de competências, o anterior prestador usava na organização estabelecida para a mesma actividade.

Por outro lado, verificamos ainda que ocorreu mesmo a execução de um protocolo de transmissão muito apropriado à transmissão de uma unidade organizativa dotada de identidade operacional. Assim, (facto 20.) retira-se dos factos provados que a ré S..., S.A notificou a ré C..., Lda dando conta da lista e identificação dos seus trabalhadores a exercerem funções no cliente Município ... e (facto 11.) tais trabalhadores foram contactados pela ré solicitando a sua presença no dia 27 de Abril de 2020 para reunião e para que se fizessem acompanhar dos documentos necessários para o processo de recrutamento. Assim também, (facto 21.) o supervisor da S..., S.A, em 30.04.2020, fez mesmo uma “passagem de testemunho”, com um graduado da C..., Lda, tendo a transferência sido feita com a “check list” do cliente que passava na íntegra para a C..., Lda. O reconhecimento desse procedimento protocolar poderia até vir a ser decisivo na caracterização de uma verdadeira transmissão ainda que poucos ou até nenhum trabalhador tivesse sido absorvido pela 2.ª ré (objecção habitual na verificação das transmissões, a que Monteiro Fernandes responde: “A objecção referida parece assentar no pressuposto de que, se essa absorção parcial de trabalhadores não ocorrer, não restará maneira de detectar a unidade económica e, por conseguinte, a transmissão relevante. Mas não é evidentemente assim. O conjunto de índices a atender, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, é muito mais amplo, e permite identificar unidades económicas imateriais a partir da própria configuração que os que os contraentes deem à passagem de um para outro prestador de serviços” – in Alguns aspectos do novo regime jurídico-laboral da transmissão de empresa ou estabelecimento, Questões Laborais, Ano XXV, n.º 53, 2018, pag. 41).

Em todo este contexto, não pode naturalmente constituir um indício relevante a favor da inexistência de uma transmissão de entidade económica a circunstância da ré C..., Lda não ter assumido da S..., S.A nenhum trabalhador com a categoria de supervisor (facto 21.), como foi discutido nos autos. Por um lado, o supervisor em funções, como se provou, era um supervisor da S..., S.A afecto à “Zona Centro - Delegação ...” e não estava afecto em exclusivo ao cliente Município .... Por outro lado, não se provou que ele tivesse uma chefia de relevo tão importante que permita concluir que era essencial na identidade da organização - na verdade, a não verificação dessa essencialidade pode mesmo confirmar-se na facilidade com que fez a “passagem de testemunho” para um graduado da C..., Lda, com a “check list” do cliente.

E também não pode constituir um indício relevante a favor da inexistência de uma transmissão o facto da ré C..., Lda ao ter assumido trabalhadores da S..., S.A ter celebrado com eles formalmente novos contratos de trabalho, não reconhecendo ter a posição de empregador nos contratos que eles tinham com a S..., S.A. Como resulta das posições que já aqui deixámos expressas e é sublinhado no acórdão do STJ de 15.09.2021, essa situação é indiferente para determinar se houve ou não transmissão, “dada a imperatividade do regime legal da transmissão pela prossecução da mesma relação contratual já existente” (sublinhado nosso).

Dito isto e afirmada a verificação da possibilidade da transmissão à luz do artigo 285.º, também devemos realçar que fazemos tal verificação tendo em conta uma necessidade revelada no que adiante diremos sobre a questão da validade da oposição do autor à transmissão da posição de empregador.

Na verdade, no caso presente, a transmissão da posição de empregador sempre se verificaria por outra via, por força da aplicação de IRCT, como veremos a seguir.

B2. A questão da transmissão da posição de empregador e a oposição deduzida pelo autor

Como já acima deixámos dito, existem duas portarias de Extensão, a portaria n.º 307/2019 e a portaria n.º 308/2019, ambas de 13 de Setembro, que procederam à extensão, respectivamente, das alterações do contrato colectivo entre a AES e o STAD e às alterações do contrato colectivo entre a mesma AES e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e outro, ambas publicadas no BTE n.º 48 de 29.12.2018.

Como se lê no preâmbulo de tais portarias, a extensão dessas alterações foi determinada, sobretudo, em razão do regime inovador da cláusula 14.ª de ambos os CCT objecto de extensão, regulando a manutenção dos contratos de trabalho em situação de sucessão de empregadores na prestação de serviços de segurança privada “quer essa sucessão se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviço”.

O referido regime convencional foi estendido quer às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que se dediquem à atividade de prestação de serviços de segurança privada e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, quer às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não representados pelas associações sindicais outorgantes. A extensão não é, contudo, aplicável aos empregadores representados pela Associação Nacional das Empresas de Segurança - AESIRF.

De acordo com o que está provado, as rés têm por objecto a actividade de prestação de serviços de segurança privada, o autor exerce a profissão de vigilante e a 1.ª ré, S..., S.A, é associada da AES e a 2ª ré, C..., Lda, “iniciou o processo de adesão à AESIRF, no início do ano de 2020, cuja, até 09.12.20 não foi aprovada pela direção que se encontrava demissionária” (facto 6.).

Quer isto dizer que a ré C..., Lda, não sendo associada da AESIRF uma vez que o seu pedido de adesão não foi aceite ou aprovado, não pode excluir-se da aplicabilidade do regime das referidas portarias de extensão, sendo tal regime a si plenamente aplicável, bem como aplicável à ré S..., S.A e ao autor.

Ora, como já dissemos, a cláusula 14.º em ambos os CCT estendidos regula a manutenção dos contratos de trabalho na sucessão de empregadores em contratos de prestação de serviços de segurança privada, particularmente a manutenção dos postos de trabalho potencialmente afetados pela perda de um local de trabalho ou cliente, pela empresa empregadora e desde que o objeto da prestação de serviços perdida tenha continuidade através da contratação de nova empresa ou seja assumida pela entidade a quem os serviços sejam prestados e “quer essa sucessão de empresas na execução da prestação de serviços se traduza, ou não, na transmissão de uma unidade económica autónoma ou tenha uma expressão de perda total ou parcial da prestação de serviços”. O n.º 4 da cláusula estabelece expressamente que nessas situações se mantêm em vigor os contratos de trabalho vigentes, mantendo-se todos os direitos, os deveres, as regalias, a antiguidade e a categoria profissional que vigoravam ao serviço da prestadora de serviços cessante.

Assim, sendo aplicável à relação dos autos essa cláusula 14.ª (de ambos os CCT), também, sempre ocorreria a transmissão da posição de empregador para a ré C..., Lda, ainda que não ocorresse transmissão de unidade económica autónoma, fundada agora na mera perda da prestação de serviço pela S..., S.A em favor daquela, em sucessão de prestadores.

Sucede, porém, que o autor manifestou junto da S..., S.A a sua oposição à transmissão da posição de empregador.

Provou-se (facto 13.) que no dia 5 de Maio de 2020 o autor remeteu à ré C..., Lda uma comunicação escrita pretendendo obter informações sobre o posicionamento daquela em relação aos contratos dos trabalhadores que desempenhavam funções em instalações do Município ..., ao que a aludida ré respondeu em 08.05.2020 informando que não aceitava a transmissão do posto e que a ré S..., S.A ainda era a responsável pelos trabalhadores. E (facto 14.) que, em face dessa informação o autor, por comunicação escrita junta como doc. n.º 11, manifestou junto da ré S..., S.A a sua oposição à transmissão da posição do empregador invocando, para além do mais, prejuízo sério.

Conferida essa carta junta como doc.11, podemos verificar que nela o autor mencionou que a ré C..., Lda perante os trabalhadores não reconheceu qualquer transmissão, “tendo essa posição vindo a efectivar-se nos contratos que foram dados a assinar entre a empresa C..., Lda e os trabalhadores neste processo implicados”. E mais acrescentou que “perante estes factos, foi meu entendimento que a eventual mudança de entidade empregadora, nestes termos, ou seja, a continuidade do desempenho das minhas funções de vigilante, mas ao serviço da empresa C..., Lda, não apenas seria susceptível de, mas causar-me-ia DE FACTO, um prejuízo sério, na medida em que os actos desta empresa, e seus representantes, indicavam que os meus direitos, enquanto trabalhador/funcionário, não seria respeitados, porque, NO PRESENTE, não o estavam a ser (entre outros, o respeito pela minha antiguidade), não tendo eu qualquer garantia, antes pelo contrário, de que os meus direitos viessem a ser respeitados, numa relação laboral futura”.

Na sentença recorrida disse-se o seguinte a este respeito:

«Vejamos então se a alegada oposição à transmissão efetuada pelo Autor é válida e eficaz.

A este respeito, resulta da matéria dada por provada, para além do mais e em síntese que o Autor, após a Ré, C..., Lda, o ter informando, que não aceitava a transmissão do posto, (aceitando porém os trabalhadores, que assinassem consigo, novo contrato de trabalho) e que a Ré S..., S.A, ainda era a responsável pelos trabalhadores, manifestou, por escrito, junto da Ré, S..., S.A, a sua oposição à transmissão da posição de empregador, invocando, para além do mais, “prejuízo sério” porquanto a Ré C..., Lda, não respeitaria os seus direitos de trabalhador, designadamente a antiguidade, tendo merecido a resposta desta, de que se mantinha a transmissão do posto e que não obstante o alegado “prejuízo sério”, em momento algum o Autor demonstrou que o mesmo estivesse relacionado com razões ligadas à sustentabilidade da nova empresa.

Dispõe o artigo 286-A do CT, sob a epígrafe “Direito de oposição do trabalhador”, no seu nº1 que […].

A alegação de “prejuízo sério” vem sendo entendida em doutrina e jurisprudência vária, como devendo integrar factos concretos de que resulta uma real possibilidade de prejuízo, uma possibilidade séria de prejuízo, não bastando para justificar a oposição à transmissão, uma mera possibilidade de prejuízo ou receio deste. Tal possibilidade séria pode resultar como refere o normativo, e de entre outras circunstâncias que ocorram em concreto, da manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil da adquirente, devendo ser alegados e demonstrados os factos de que tal se possa concluir.

Já quanto à falta de confiança na política de organização de trabalho, deve invocar e demonstrar factos de que possa resultar num critério objetivo e razoável, tendo em conta a perspetiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa, a não confiabilidade da política de organização de trabalho da adquirente.

Não se trata, pois, no que tange à confiança, de algo na livre disponibilidade do trabalhador, de algo que não pode ser contestado, de algo dependente do puro arbítrio do trabalhador, sem possibilidade de contraprova. Se assim o tivesse pretendido a lei, bastava conceder ao trabalhador o direito de rescindir pelo simples facto da transmissão, o que não acontece – vd. a respeito e entre outros, acórdão da Relação de Guimarães, proferido no processo 5670/18.0T8BRG-Q.G1, em 7/5/20, disponível in www.dgsi.pt

Ora no caso em apreço, e como bem referiu a Ré S..., S.A, o Autor, em momento algum, demonstrou que o mesmo estivesse relacionado com razões ligadas à sustentabilidade da nova empresa, tendo fundado a sua pretensão alegando a existência de problemas de politica de organização do trabalho, tomando por base a pretensão da Ré C..., Lda, de não assegurar os direitos adquiridos e de o recrutar com um novo vinculo laboral, o que não se traduz em qualquer problema de politica de organização do trabalho.

Consequentemente, improcede tal alegação do Autor.»

Dispõe o artigo 286.º-A do Código do Trabalho, na redacção dada pela Lei n.º 14/2018, redacção essa aplicável no tempo, que o “trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança” (n.º 1) e que a “oposição do trabalhador […] obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente”.

Por seu turno, os n.ºs 13 das cláusulas 14.ª dos CCT estendidos pelas já assinaladas portarias de extensão n.º 307/2019 e n.º 308/2019 dizem o seguinte: “o trabalhador abrangido pela mudança de empregador nos termos previstos na presente cláusula poderá opor-se à mudança, caso demonstre que esta lhe pode causar prejuízo sério, por razões ligadas à sustentabilidade da nova prestadora de serviços”.

Tais disposições são diferentes como se observa. A norma do Código do Trabalho é mais aberta em relação aos pressupostos do exercício do direito, já que quando se refere ao “prejuízo sério” não limita de outro modo a natureza do prejuízo a considerar, acrescentando-lhe apenas a título exemplificativo (“nomeadamente”) as situações de “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente” e “a política de organização do trabalho deste não […] merecer confiança”. Já a dita cláusula 14.ª é mais restritiva quanto aos pressupostos do direito potestativo em causa, uma vez que quando se refere ao “prejuízo sério” o limita a “razões ligadas à sustentabilidade da nova prestadora de serviços”.

Dispõe a alínea m) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do Trabalho que as normas legais reguladoras da transmissão de empresa ou estabelecimento podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores.

Quer isto dizer que, pelo menos, no caso de autêntica verificação de transmissão de unidade económica dentro dos pressupostos do art. 285.º do Código do Trabalho, a fórmula dada pelos CCT estendidos não pode ser validamente considerada, subsistindo mesmo quanto a nós as maiores dúvidas – que aqui não importa agora decidir – se o poderá ser quanto às hipóteses de transmissão por mera perda de cliente.

Portanto, verificado - como verificámos - ter ocorrido transmissão de unidade económica no quadro do artigo 285.º, o direito de oposição à transmissão da posição de empregador no contrato de trabalho do autor tem de ser aferido exclusivamente em face da norma do n.º 1 do artigo 286.º-A do CT por lhe ser claramente mais favorável.

Esta norma contém, quanto a nós, um fundamento geral para o exercício do direito, o do “prejuízo sério”, e dois exemplos que não excluem outros, mas que auxiliam a tarefa do intérprete, designadamente na adopção de critérios mais ou menos abertos para o que é o relevante “prejuízo sério”.

Escreveu, a respeito desses fundamentos, Júlio Gomes (em “Algumas reflexões críticas sobre a Lei n.º 14/2018, de 19 de Março”, Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, n.º 1/2018):

«O primeiro consiste no temor de um prejuízo sério – este ainda não se verificou, mas pode vir a ocorrer por causa da transmissão da posição de empregador. Exige-se aqui um exercício de prognose, referindo a lei alguns exemplos (“nomeadamente”) de situações em que essa prognose parece justificar-se. Trata-se, em todo o caso, nos exemplos propostos, de situações objectivamente graves como sejam a “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente”. Como se trata apenas de exemplos, parece-nos haver espaço para outras situações em que também se pode formular um juízo de prognose de prejuízo sério, como sucederá, por exemplo, com uma mudança significativa de local de trabalho. Mas esta exigência contrasta fortemente com a parte final do mesmo n.º 1: o trabalhador pode, no fim de contas, opor-se à transmissão da posição de empregador simplesmente por “a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança”. Este último fundamento já foi classificado de subjectivo e insindicável. Com efeito, se for suficiente dizer “não confio na política de organização de trabalho” do transmissário, não se vê como é que se trata aqui de um genuíno fundamento. Dito por outras palavras de que é que adianta o trabalhador ter que referir um fundamento no escrito em que exerce o seu direito de oposição, se o fundamento em causa é totalmente incontrolável e arbitrário? No limite poderá o trabalhador “desconfiar” do que ignora por completo? Se o transmissário é, por hipótese, uma sociedade que só agora se constituiu poderá o trabalhador alegar que desconfia de uma política de organização do trabalho que ainda nem sequer existe? Perguntamo-nos, por isso, se a falta de confiança não terá que assentar em alguns indícios concretos que devam ser referidos, mencionados, tanto no caso de oposição, como no caso de resolução. Reconhecemos, no entanto, que se trata de uma questão muito delicada, tanto mais que a informação a que o trabalhador abrangido pela transmissão da unidade económica tem direito – e que lhe deve ser fornecida directamente pelo seu próprio empregador, o transmitente – não abrange, de acordo com a letra da lei, elementos sobre a política de organização de trabalho do transmissário, mas apenas sobre as medidas (que podem ser, obviamente, medidas de gestão de recursos humanos) por este planeadas.»

Ou seja, não se trata de fundamentos cuja construção seja inteiramente subjectiva na livre disponibilidade de criação do trabalhador, designadamente aquele que se refere à ausência de confiança no transmissário, como parecem apontar alguns autores como Maria do Rosário Palma Ramalho (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2019, págs. 694 e 695) e João Leal Amado (Transmissão da empresa e contrato de trabalho: algumas notas sobre o regime jurídico do direito de oposição, RLJ, n.º 4010, Maio-Junho de 2018, págs. 290 e segs), como bem se nota no Acórdão da Relação de Évora de 27.05.2021, relator: Mário Branco Coelho, no proc. 3951/18.2T8FAR.E1, com posição também seguida nos Acórdãos da Relação de Guimarães de 07.05.2020, relator: Antero Veiga, proc. 5670/18.0T8BRG-A.G1 e da Relação do Porto de 20.09.2021, relator: António Luís Carvalhão, proc. 2203/20.2T8VFR.P1, todos em www.dgsi.pt.

No caso, quanto aos fundamentos invocados pelo autor, observamos a alegação de prejuízo decorrente da ré transmissária, a C..., Lda, não reconhecer perante os trabalhadores qualquer transmissão dos contratos de trabalho, impondo até a celebração de novos contratos para assumir os que antes estavam ao serviço da S..., S.A, não respeitando assim os direitos laborais estabilizados no seu contrato, designadamente os decorrentes da antiguidade, e observamos a alegação do consequente receio de não ter “qualquer garantia” de que os seus direitos “viessem a ser respeitados numa relação laboral futura”.

Provou-se (factos 11. e 12.) que o autor e outros trabalhadores da ré S..., S.A, que desempenhavam funções no cliente Município ... foram contactados pela ré C..., Lda para reunião no dia 27 de Abril de 2020 e que nessa reunião ela transmitiu aos trabalhadores que tinham contrato de trabalho com a S..., S.A que não haveria qualquer transmissão de contratos e que a permanência nos respetivos postos dependia da assinatura de novos contratos, sem salvaguarda da posição decorrente dos contratos que já estavam em vigor. Mais se provou (facto 13.) que no dia 5 de Maio de 2020 o autor remeteu à ré C..., Lda comunicação escrita pretendendo obter informações sobre o posicionamento daquela em relação aos contratos dos trabalhadores que desempenham funções em instalações do Município ..., ao que essa ré respondeu em 08.05.20, informando, que não aceitava a transmissão do posto e que a ré S..., S.A ainda era a responsável pelos trabalhadores.

O autor tinha, pois, todas as razões para se confrontar com uma real possibilidade de prejuízo sério. A transmitir-se a posição de empregador para a C..., Lda, esta não só não lhe garantiria os direitos emergentes do seu contrato com a S..., S.A, como não o aceitava ao trabalho sem que subscrevesse um novo contrato em condições seguramente mais desfavoráveis. Por outro lado, essa real possibilidade de perda da estabilidade laboral, dos direitos e garantias que até então lhe eram proporcionados, é mais do que suficiente para razoavelmente não ter confiança na política de organização de trabalho da ré C..., Lda.

Como é dito no Acórdão da Relação de Guimarães antes citado, quanto à falta de confiança na política de organização de trabalho, neste caso o trabalhador “deve invocar e demonstrar factos de que possa resultar num critério objetivo e razoável, tendo em conta a perspetiva de um trabalhador médio, possuidor dos conhecimentos e na concreta situação do trabalhador em causa, a não confiabilidade da política de organização de trabalho da adquirente”.

Tais factos, quanto a nós, foram suficientemente invocados e demonstrados.

Não podemos deste modo concordar com a sentença da 1.ª instância quando defende que o autor fundou a sua pretensão na existência de problemas de política de organização do trabalho tendo por base a pretensão da ré C..., Lda de não assegurar os direitos adquiridos e de o recrutar com um novo vinculo laboral, mas tal não se traduziria em qualquer problema de política de organização do trabalho.

A nossa perspectiva é exactamente a contrária. Uma política de organização de trabalho é uma política de enquadramento dos trabalhadores que inclui a definição apropriada das condições dos seus contratos de trabalho e o respeito de tais condições. Uma política que não garante esse respeito é uma política que razoavelmente não suscita a confiança dos trabalhadores, gerando-lhes um prejuízo sério nos seus projectos de vida e no seu plano do trabalho digno.

Nas alegações do recurso, argumenta a ré S..., S.A que, validando-se no caso o exercício do direito de oposição, estar-se-ia a dar cobertura a uma actuação manifestamente ilegal por parte da C..., Lda, sendo certo que o autor não teria algum prejuízo com tal actuação porque poderia, no reconhecimento judicial dos seus direitos, ser reintegrado, caso assim optasse, na ré C..., Lda, assegurando o direito ao seu posto de trabalho e à sua antiguidade.

O centro de decisão em que se deve colocar a apreciação é, contudo, a do trabalhador, a quem deve ser dada a possibilidade de não aceitar a transmissão e de se subtrair ao desconforto da insegurança de uma posição litigiosa com quem não conhece e de quem desconfia.

Esse plano central de avaliação está bem presente nas alterações legais que conduziram ao estabelecimento do direito de oposição e que têm origem no longo debate aberto pelo já célebre e longínquo acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1992 (nos processos apensos C-132/91, C-138/91 e C-139/91), o também apelidado acórdão Katsikas (sobre este acórdão e suas repercussões, incluindo nacionais, trata o bem descritivo artigo de Rodrigo Serra Lourenço, na Revista da Ordem dos Advogados, 2009, vol. I/II, Sobre o direito de oposição dos trabalhadores na transmissão
do estabelecimento ou empresa
), alterações que procuram acolher sobretudo dois tipos de interesses do trabalhador: o de inibir o uso do regime da transmissão automática dos contratos em seu prejuízo, nomeadamente para empresas desqualificadas, e o de garantir o respeito por um mínimo de escolha em relação ao seu parceiro contratual, na tutela da sua dignidade pessoal, contrariando-se a visão do trabalho como mercadoria, visão essa banida pela Declaração de Filadélfia da OIT em 1944.

Por conseguinte, reconhecendo como válido o exercício do direito potestativo de oposição à transmissão do seu contrato de trabalho, feito de forma fundada, reconhecemos também que o seu vínculo laboral não se transmitiu para a ré C..., Lda, mantendo-se com a ré S..., S.A, na posição de empregadora.

Procedem, assim, na confluência dos efeitos pretendidos, os recursos da ré C..., Lda e do autor.

Assim sendo, importa concluir que a ré S..., S.A ao não reconhecer o autor como seu trabalhador, recusando-lhe a prestação de trabalho no âmbito do contrato de trabalho em vigor, cometeu um despedimento ilícito à luz do disposto na al. c) do artigo 381.º do Código do Trabalho e terá de ser condenada nas suas consequências, geradoras de direitos para o trabalhador autor.

As consequências desse despedimento, não tendo sido suscitada no recurso qualquer questão sobre isso, serão as mesmas que foram decididas pela 1.ª instância quando, em lugar da ré S..., S.A, operou a condenação da ré C..., Lda.


*
Sumário:

I- Para se verificar transmissão de estabelecimento à luz do regime jurídico do art. 285.º, do Código do Trabalho, importa verificar se a transmissão tem por objecto uma unidade económica que mantenha a sua identidade e de autonomia, com vista à prossecução de uma actividade económica.

II- Nessa verificação, para apurar da identidade económica deve o intérprete recorrer-se a um método indiciário fazendo-se, caso a caso, a comparação, tendencial e não absoluta, dos vários elementos em que se decompõe a unidade económica, antes e depois da transmissão, envolvendo a ponderação de factores como o tipo de actividade, a transmissão ou não de elementos do activo (bens corpóreos e incorpóreos), o valor dos elementos incorpóreos à data da transmissão, a continuidade da clientela, a permanência do pessoal e o grau de semelhança entre a actividade prosseguida antes e depois da duração de eventual interrupção.

III- No caso das empresas de segurança, com actividade assente essencialmente na mão de obra, quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços a outra empresa, é determinante para se concluir pela existência de unidade transmitida a verificação que a nova prestadora integrou na organização do seu trabalho de prestação o essencial dos efectivos humanos antes ao serviço da anterior prestadora S..., S.A e que ocorreu mesmo a execução de um protocolo de transmissão muito apropriado à transmissão de uma unidade organizativa dotada de identidade operacional.

IV- No âmbito da aplicação das portarias n.º 307/2019 e n.º 308/2019, que procederam à extensão, respectivamente, das alterações do contrato colectivo entre a AES e o STAD e às alterações do contrato colectivo entre a mesma AES e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços - FETESE e outro, ambas publicadas no BTE n.º 48 de 29.12.2018, estendido que foi o regime inovador da cláusula 14.ª de ambos os CCT, no caso de sucessão de empregadores na prestação de serviços de segurança privada que tenha expressão em perda total ou parcial da prestação de serviço, transmitem-se para o novo prestador a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhador antes afectos à prestação transmitida, ainda que não seja verificável um transmissão de uma unidade económica autónoma à luz do artigo 285.º do CT.

V- O artigo 286.º-A do Código do Trabalho consagra o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em termos mais amplos do que os n.ºs 13 das cláusulas 14.ª daqueles CCT estendidos, pelo que no caso da verificação de concorrência de fundamentos para a transmissão -  sucessão em caso de transmissão de unidade económica e sucessão por perda de cliente – é o regime do art. 286.º-A aquele que é o aplicável, uma vez que o artigo 3.º do CT só permite que as normas legais reguladoras da transmissão de empresa ou estabelecimento sejam afastadas por IRCT quando este disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores.

VI- O artigo 286.º-A do CT contém um fundamento geral para o exercício da oposição, o do “prejuízo sério” e dois exemplos -  situações de “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente” e “a política de organização do trabalho deste não […] merecer confiança” - que não excluem outros, mas que auxiliam a tarefa do intérprete, designadamente na adopção de critérios mais ou menos abertos para o que é o relevante “prejuízo sério”.

V- É suficiente para fundamentar validamente a oposição, a alegação comprovada que o transmissário da unidade de serviço de vigilância recusou ao trabalhador garantir os direitos emergentes do contrato com a transmitente, só o aceitando ao trabalho se subscrevesse um novo contrato.

VI- Nessa situação, o trabalhador tem todas as razões para se confrontar com uma real possibilidade de prejuízo sério, de perda da estabilidade laboral, dos direitos e garantias que até então lhe eram proporcionados, o que é mais do que suficiente para razoavelmente não ter confiança na política de organização da transmissária.


*

III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar procedentes os recursos da ré C..., Lda, e do autor e, nessa procedência, revogar a sentença da 1.ª instância, absolvendo aquela ré e, declarando ilícito o despedimento do autor promovido pela ré S..., S.A., condenando esta ré, S..., S.A, a pagar ao autor: (a) as retribuições que deixou de auferir desde 01.05.20 até ao trânsito em julgado do presente acórdão, deduzidas dos rendimentos ou subsídios de desemprego que tenha auferido e não auferiria, se não fosse o despedimento - devendo ela entregar essa quantia à segurança social - bem como das retribuições relativas ao período decorrido, desde o despedimento, até 30 dias antes da propositura da ação, a determinar em liquidação de sentença, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, quanto às importâncias já vencidas até essa altura, e desde o final de cada um dos meses subsequentes, até efectivo e integral pagamento, em relação às demais que se foram vencendo; (b) uma indemnização, em substituição da reintegração, fixada em trinta dias de retribuição por cada ano ou fracção de antiguidade, desde a data de celebração do contrato em 1 de Março de 2000 até ao trânsito em julgado deste acórdão, e respetivos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4%, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efetivo e integral pagamento.
Custas pela ré S..., S.A.


*

   Coimbra, 16 de Setembro de 2022


 (Luís Azevedo Mendes)

 (Felizardo Paiva)

  (Paula Maria Roberto)