Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1825/08.4PBCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: INCIDENTE
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
RECURSO
REMESSA DAS PARTES PARA OS TRIBUNAIS CIVIS
Data do Acordão: 09/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA (2.ª SECÇÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 83.º, N.º 3, DO CPP
Sumário: I - À remessa das partes para os tribunais civis, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do CPP, não basta a conclusão no sentido do retardamento do processo; antes se impõe que o atraso processual seja intolerável, isto é, não aceitável.

II - A existência de um incidente, seja de intervenção principal, espontânea ou provocada, ou de habilitação de herdeiros, mesmo com a ocorrência de recurso, embora retarde seguramente o processo, não justifica, por si só, a remessa da acção enxertada para a jurisdição civil.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1.            No processo comum, tribunal colectivo, n.º 1825/08.4PBCBR, que corre termos na Vara de Competência Mista de Coimbra, 2.ª Secção, foi proferido despacho que, invocando o disposto no artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, determinou a remessa das partes para os tribunais civis quanto às questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil, prosseguindo os autos para conhecimento exclusivo da matéria criminal.

2.1          A assistente, A..., não se conformando com este despacho, dele interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1 – No que diz respeito às relações entre a matéria criminal e as pretensões de indemnização civil decorrentes da conduta criminosa, vigora o princípio da adesão, consagrando-se no artigo 71.º do CPP, não obstante o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 82.º do mesmo diploma legal.

2 – A demandante cível B... faleceu no dia 07.06.2011, tendo a ora recorrente requerido, em 04.06.2012, a sua habilitação processual como demandante cível, em virtude de ser sua herdeira testamentária universal e de não existirem herdeiros legitimários;

3 – Em 29.06.2012, a arguida e demandada cível C... contesta, alegando que à falecida sobreviveu uma irmã, D... (não sendo os irmãos herdeiros legitimários);

4 –          Por despacho de 29.10.2012, o Tribunal, qualificando a irmã da falecida assistente como herdeira legitimária, convidou a ora recorrente a suprir a ilegitimidade, chamando aos autos a referida herdeira;

5 – Não tendo a ora recorrente respondido ao convite – dado que irmã não era herdeira legitimária – o Tribunal, por despacho de 21.11.2012, absolveu a R. do incidente, ordenando o arquivamento dos autos.

6 - Em 11.12.2012, a ora recorrente interpôs recurso do referido despacho.

7 - Em 20.02.2013, o Tribunal profere despacho pelo qual rectifica a menção a herdeira legitimária, assinalando que se tratara de lapso de escrita, pois se pretendia fazer referência a "herdeira legítima".

8 - Não obstante o despacho de 29.10.2012 (e, logicamente, o despacho que então se impugnou) ter sido proferido apenas porque o Tribunal qualificara a irmã da falecida assistente como herdeira legitimária, o certo é que não se reparou o despacho de absolvição da instância, substituindo-se por outro declarando a ora recorrente habilitada como demandante cível, por ser a única herdeira da primitiva demandante e por não existirem herdeiros legitimários.

9 - A audiência de julgamento encontra-se agendada para 21.06.2013, ou seja, para cerca de 3 meses após a interposição do presente recurso.

10 - O facto de o presente processo crime se encontrar parado desde Maio de 2012 não resulta de uma especial complexidade de julgamento da matéria cível em causa ou da possibilidade de, quanto a esta, virem a ser abertos incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

11 –         A demora já verificada no presente processo resulta apenas de uma questão processual relativamente à qual ocorreu erro de julgamento do Tribunal ao qualificar uma irmã como herdeira legitimária e ao não reparar o despacho de 21.11.2012 referido e não de qualquer comportamento processual das partes civis retardando o processo.

12 – Não se vislumbra qualquer novo incidente processual, aguardando-se apenas a decisão sobre o recurso interposto.

13 – É verdade que o processo fica parado até ser tirado o Acórdão relativo ao referido recurso interposto em 11.12.2012. Todavia, e considerando que o julgamento apenas se encontra designado para o dia 21.06.2013. Assim, pode não chegar a verificar-se qualquer atraso no processo crime e, caso venha a existir algum atraso, não pode ser considerado atraso intolerável. Acresce que,

14 – É o despacho em crise que pode ter consequências ao nível da morosidade processual, na medida em que, realizando-se o julgamento e proferida sentença restrita à matéria criminal, a procedência do presente recurso acarretará a baixa do processo ao Tribunal a quo para que aprecie a matéria civil.

15 – O poder concedido ao tribunal, pelo referido artigo 82.º, n.º 3, do CPP deve ser usado com parcimónia de modo a não defraudar as legítimas expectativas do lesado que optou pela via penal para o seu ressarcimento.

16 – Tal posição restritiva tem sido seguida pacificamente pela jurisprudência dos tribunais superiores ao salientar que não se pode fazer uma interpretação com critérios largos do previsto no referido artigo, dado que a regra é a da adesão (vd., a título de exemplo, os Ac. TRC de 10.12.2008 – proc. 1.565/06.9TACBR-A.C1, e TRP de 23.05.2011 – proc. 0140190).

17 – Não se verifica objectivamente qualquer circunstância factual que possa preencher a hipótese da norma contida no n.º 3 do artigo 82.º do CPP e que possa afastar a aplicabilidade do princípio da adesão.

18 – Poderá o Tribunal a quo fazer uso do preceituado no n.º 4 do artigo 414.º do CPP reparando a sua decisão, atento os erros de julgamento invocados; não o fazendo, deverá este Tribunal superior proferir Acórdão que revogue o despacho em crise.

19 – O despacho impugnado violou o disposto no artigo 71.º e no artigo 82.º, n.º 3, do CPP.»

2.2. O Ministério Público, em primeira instância, respondeu à motivação do recurso nos seguintes termos:

«A assistente A..., não se conformando com o despacho proferido em 27.02.2013 através do qual se determinou que os presentes autos prosseguissem exclusivamente quanto à matéria criminal, remetendo-se as partes para os tribunais civis quanto às questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil, veio interpor recurso de tal decisão.

Todavia, salvo o devido respeito por opinião diversa, a decisão judicial recorrida não merece qualquer reparo, afigurando-se-nos que o Mmo Juiz a quo fundamentou com acerto a posição assumida, à qual aderimos sem reserva.

Nestes termos e nos demais de direito, afigura-se-nos que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.»

2.3. A arguida não apresentou resposta.

3.1. Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, emitiu parecer nos seguintes termos:

«(…) Ponderada a questão suscitada no presente recurso entendemos que é de apoiar o ponto de vista do Ex.mo Advogado da assistente e ora recorrente A... na sua douta motivação.

Realmente não podemos concordar com o teor do douto despacho recorrido, bem assim com a não obstante douta posição tomada pelo Exmo. Procurador-Adjunto na sua peça de resposta.

O artigo 71.º do C.P.P. consagra o princípio da adesão obrigatória da acção cível ao processo penal, e, como excepção, a dedução da acção fora do processo penal.

Nos termos do n.º 3 do artigo 82.º do C.P.P., o Tribunal pode remeter as partes para os meios comuns em duas situações.

Numa delas, a que aqui está sob apreciação, trata-se de aquilatar se as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil podem retardar intoleravelmente o conhecimento e decisão da causa penal.

A expressão “intoleravelmente” sem dúvida que sugere desde logo que aquele poder do Tribunal não tem natureza livre ou discricionária. Impõe a avaliação das questões suscitadas no pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir, fundamentadamente, que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que, constituindo tal norma uma excepção, deve limitar-se aos casos nela expressamente previstos e ser objecto de fundamentação.

No caso vertente, quer-nos parecer, sempre admitindo melhor opinião, que não era previsível que o recurso interposto, no âmbito do processo 1825/08.4PBCBR-A.C1, por si, viesse a atrasar o caso de tal forma que consubstanciasse o conceito de “atraso intolerável”, pois na verdade nenhuma outra situação factual, previsivelmente, poderia vir a emperrar o curso do processo de forma intolerável. De resto, no processo em causa inexistem arguidos presos e não está próximo o prazo de prescrição do procedimento criminal.

Pelo exposto, é nosso parecer que deve julgar-se procedente o recurso interposto do douto despacho de fls. 23, devendo o Tribunal a quo conhecer do pedido de indemnização atempadamente deduzido.»

3.2. A arguida e a assistente/recorrente, notificadas, não responderam.

4. Colhidos os vistos e remetidos os autos a conferência, cumpre apreciar e decidir.

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, nomeadamente a indagação dos diferentes vícios que estão previstas no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

No caso dos autos e perante o referido critério, o objecto do recurso consubstancia-se na apreciação da seguinte questão:

Determinar se existe fundamento legal para a remessa das partes relativas ao pedido cível para os tribunais civis, ao abrigo do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

II)

Fundamentação

1. Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os seguintes factos que resultam dos elementos que integram o presente apenso:

A arguida, C..., melhor identificada nos autos, por despacho de 17 de Maio de 2011, com cópia certificada a fls. 147 do presente apenso, foi pronunciada pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alíneas a), c) e d), do Código Penal.

Aí intervinha como assistente B... que, em 24 de Maio de 2011, deduziu pedido de indemnização cível contra aquela arguida, nos termos documentados a fls. 153; reportando-se a factos ocorridos em 2006 e 2007, reclama a sua condenação no pagamento da quantia de € 30.433,00 e juros (que, até 23 de Maio de 2011, liquidou em €5.389,28), a título de reparação de danos patrimoniais e a quantia de € 3.000,00 a título de reparação de danos não patrimoniais.

Esta assistente faleceu entretanto, em 7 de Junho de 2011 – cf. certidão de fls. 42 do presente apenso.

A assistente e aqui recorrente A..., melhor identificada nos autos, em 4 de Junho de 2012 veio suscitar a sua habilitação como herdeira universal da falecida B..., sua tia, pretendendo que como tal foi por esta instituída, por testamento, nos termos documentados a fls. 43 e seguintes; a arguida deduziu oposição a esta pretensão, conforme teor de fls. 67 e seguintes do presente apenso, questionando a validade do testamento e refutando que a assistente tenha sido nele constituída herdeira universal.

Foi então proferido despacho em 29 de Outubro de 2012 no qual, considerando que no caso em apreço, “ D..., sendo irmã da falecida é sua herdeira legitimária” e que “a requerente, porque contemplada no testamento com todos os bens da falecida é seguramente titular de vocação sucessória conjuntamente com a irmã daquela” e tendo presente que, “através do incidente de habilitação de herdeiros visa-se colocar no lugar do falecido aquelas pessoas que segundo o direito substantivo, lhe sucedem no direito ou obrigação de que era titular, isto é, visa-se determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litigo a posição/lugar do defunto e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância”, se convidou a requerente a suprir a ilegitimidade que se considera existir, chamando aos autos a referida herdeira ( D...) nos termos e para os efeitos legais, invocando o disposto no artigo 508.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código de Processo Civil (cópia certificada a fls. 97 e 98).

A assistente, A..., não respondeu ao convite; em 21 de Novembro de 2012 foi proferido despacho nos seguintes termos (cópia certificada a fls. 100):

“Não tendo a requerente procedido ao chamamento da herdeira legitimária conforme convite para esse efeito formulado, declaro a ilegitimidade da requerente, absolvendo os RR. da instância, ordenando o oportuno arquivamento dos autos (cf. artºs 288º, nº 1 al. d) e 3, 494º al. e) ambos do CPC).

Custas pela requerente.

Após trânsito abra conclusão nos autos principais.”

Inconformada com o assim decidido, a assistente, A..., interpôs recurso, em 10 de Dezembro de 2012, com os fundamentos que constam a fls. 106 a 110, pretendendo a revogação do despacho antes transcrito e que se declare ela própria habilitada para, nos autos a que se reporta o presente apenso, prosseguir os termos da demanda.

Em 20 de Fevereiro de 2013 foi proferido despacho que, afirmando a existência de lapso de escrita no despacho de 29 de Outubro de 2012, quando refere “herdeira legitimária”, determinou a sua rectificação para “herdeira legítima”, conforme cópia certificada de fls. 125.

Não foi apresentada resposta ao recurso.

Este, organizado em apenso (1825/08.4PBCBR-A.C1, com certidão de fls. 26 a 163 dos presentes autos) e após ter sido distribuído, em 22 de Fevereiro de 2013, a uma secção cível deste Tribunal da Relação que excepcionou a sua incompetência, dada a natureza processual do mesmo, foi redistribuído a esta secção criminal, em 8 de Abril de 2013, nos termos documentados a fls. 140 e 141.

Entretanto, em 27 de Fevereiro de 2013 foram proferidos no processo principal os seguintes despachos, incluindo o que é objecto de recurso nos presentes autos (cópia certificada a fls. 23 do presente apenso):

«Tendo em atenção o facto de a requerente A... enquadrar-se na categoria de pessoas que nos termos do disposto no art.º 68.º, n.º 1, al. c) do C.P.Penal sempre se poderia constituir assistente, é nosso entendimento que não se torna necessário o incidente de habilitação de herdeiros no caso de falecimento da assistente.

Tendo já os demais sujeitos processuais tido a oportunidade no incidente de habilitação de herdeiros em apenso de se pronunciar sobre tal pedido, dispensa-se a sua notificação para este efeito, habilitando-se, desde já, a requerente A... como assistente no processo na qualidade de herdeira da falecida B....

*

Estando os presentes autos de processo crime em condições de prosseguir na parte criminal, e estando o incidente de habilitação de herdeiros relativamente à parte da demandante civil em fase de recurso, estando os presentes autos parados desde Maio de 2012 a aguardar a decisão do referido incidente, entende o tribunal que a manutenção do julgamento do pedido de indemnização civil nestes autos retardará intoleravelmente o processo penal (cf. art.º 82.º, n.º 3, do C.P.Penal).

Nestes termos, determina-se a remessa das partes para os tribunais civil quanto às questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil, prosseguindo os autos para conhecimento exclusivo da matéria criminal.»

Nesse mesma data foram designados os dias 5 (primeira data) e 19 de Abril de 2013 (segunda data) para a realização da audiência de julgamento; entretanto, por despacho de 11 de Março de 2013, deram-se sem efeito as aludidas datas e designaram-se, em sua substituição, os dias 21 de Junho (primeira data) e 5 de Julho de 2013 (segunda data), conforme teor de fls. 24 do presente apenso.

2. A existência ou não de fundamento legal para a remessa das partes relativas ao pedido cível para os tribunais civis, ao abrigo do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

2.1. As perdas e danos emergentes de crime geram responsabilidade civil e legitimam o direito a indemnização, nos termos regulados pela lei civil – artigo 129.º do Código Penal.

O artigo 71.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da adesão, nos termos do qual o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, enunciados no artigo 72.º do mesmo diploma legal.

A consagração do princípio da adesão, visando resolver no processo penal a generalidade das questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes, sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos, traduz-se em manifesta economia de meios, sem que se dispersem custos quando a final o tribunal a quem se atribui competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quanto ao conhecimento de matéria cível a ele associada, associando-se à economia processual as vantagens que resultam do recurso a uma única jurisdição, para a vítima do crime ou seus familiares, em tempo e custos; obsta também à existência de julgados contraditórios, com as nefastas consequências que daí resultam, nomeadamente em termos de prestígio institucional.

Com o exercício da acção cível, releva no processo penal o conhecimento, pelo tribunal, dos factos que constam da acusação e do pedido de indemnização e que, sendo coincidentes quanto à caracterização do acto ilícito, impõem que se acrescente em relação à responsabilidade civil, a prova dos factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito.

«A interdependência das acções significa que mantêm a independência de pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a acção cível dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (artigo 129.º do Código Penal) nos respectivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das acções significa, pois, independência substantiva e dependência (a “adesão”) processual da acção cível ao processo penal» – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 2008, processo 08P1410, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt).

Sendo esta a regra, a mesma admite excepções, onde se incluem as que constam no artigo 72.º do Código de Processo Penal, nos termos antes enunciados, nomeadamente e na parte que aqui interessa, quando a sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 82.º, n.º 3.

Esta última norma estabelece que o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

Neste caso, o tribunal penal não toma conhecimento do pedido formulado, restringindo a sua apreciação às questões que a formulação respectiva levantou, chegando à conclusão de que elas não permitem uma decisão rigorosa quanto ao pedido ou conduzem a um atraso do processo penal. Quanto a este, importa salientar que não basta que se conclua no sentido do retardamento do processo para estar legitimado o reenvio para os tribunais civis, impondo antes a norma que esse atraso seja intolerável – isto é, insuportável, não aceitável.

Em termos de incidentes, o artigo 73.º do Código de Processo Penal prevê, expressamente, o incidente de intervenção principal espontânea passiva.

Deste modo, a simples dedução de um incidente, seja de intervenção principal, espontânea ou provocada, ou de habilitação, mesmo com a possibilidade de recurso, retardando seguramente o processo, não justifica, por si só, a remessa da acção enxertada para a jurisdição civil.

2.2. Não está aqui em causa, perante os termos do despacho recorrido, nem a ausência de elementos para que se possa fixar o quantitativo da indemnização, nem a existência de questões suscitadas pelo pedido de indemnização que inviabilizem uma decisão rigorosa.

Apenas se discute a alegada existência de questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

No despacho sob recurso considerou-se que, estando os presentes autos de processo crime em condições de prosseguir na parte criminal e estando o incidente de habilitação de herdeiros relativamente à parte da demandante civil em fase de recurso, a manutenção do julgamento do pedido de indemnização civil nestes autos retardava intoleravelmente o processo penal.

É certo que o incidente suscitado pela assistente e demandante e o recurso que por ela foi interposto da decisão proferida em relação ao mesmo representam um atraso para o andamento do processo. Não se vê no entanto que se trate de um atraso intolerável; por um lado, perante os elementos documentais que integram o presente apenso e os factos que antes se deixaram mencionados evidencia-se alguma inércia no andamento do processo, particularmente na sequência da prolação do despacho de pronúncia e da dedução do pedido de indemnização, sem que o atraso agora provocado pelo incidente de habilitação que foi objecto de recurso determine um atraso mais expressivo; por outro lado, o incidente em causa foi suscitado antes de se iniciar ou estar sequer agendada a realização da audiência de julgamento, sem implicações, portanto, na conservação e validade de prova que já tivesse sido produzida e sem que represente violação dos princípios de concentração, continuidade e celeridade que caracterizam o julgamento; por outro lado ainda, os elementos que integram o presente apenso evidenciam que as questões a conhecer em sede de pedido de indemnização civil são comuns à matéria que integra o processo-crime, pelo que não são previsíveis retardamentos daí decorrentes.

Conclui-se por isso no sentido da procedência do recurso, dado não se verificarem os pressupostos enunciados no artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que legitimam o reenvio para os tribunais civis.

III)

Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido que, em relação ao pedido cível deduzido pela demandante e assistente A..., remeteu as partes para os tribunais civis.

Sem tributação – artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

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(Joaquim Correia Pinto - Relator)

(Fernanda Ventura)