Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
38/16.6T8NZR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 11/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 91 EOA, 279, 577, 588, 590 CPC
Sumário: 1. Para que se possa falar em dano de perda de chance é necessário que a chance tenha sido efetivamente perdida, que do comportamento do lesante resulte na perda irreversível das chances que a vítima tinha de alcançar a vantagem desejada.

2. O não acatamento do convite do tribunal ao aperfeiçoamento da petição inicial e à junção de documentos tidos por necessários para a procedência da ação não é suscetível de importar a extinção da instância por deserção, devendo a ação prosseguir, podendo, quer os factos omissos, quer os documentos em falta, vir a ser carreados para o processo, com o risco de a ação vir a ser julgada improcedente.

3. A extinção da instância por deserção, não produzindo caso julgado material, não impede a propositura de uma nova ação, ainda que nos exatos termos da anterior.

Decisão Texto Integral:                               



                                                                 

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

A (…), P (…), Herança Indivisa de A (…), intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra:

- B (…),

- M (…) S.A.,

- com a intervenção principal provocada ao lado das RR., da A (…) (Europe Ltd.),

alegando, em síntese:

em 2010 os AA. A (…) e P (…) contrataram o 1º R. para, na qualidade de advogado, representar a Herança Aberta por óbito de A (…), pai dos AA, contra a J. (…) Lda., conferindo ao 1ºR., emitindo procuração para o efeito;

apresentaram ao Réu os factos dos quais se amotinavam e entregaram ao R. os documentos de prova por este solicitado, bem como um orçamento com o valor previsto para as obras que totalizava € 13.800,00 ao qual acrescia IVA.

o 1º R. apresentou em 19 de Outubro de 2010 a respetiva petição inicial no Tribunal da Nazaré, a qual deu origem ao processo nº 493/10.8TBNZR.

em Dezembro de 2012 foi o 1º R. notificado no âmbito do processo acima elencado para aperfeiçoar a petição inicial e juntar documentos;

nada tendo feito, foi o 1º R. de novo notificado em 02 de Fevereiro de 2012 para dar cumprimento ao despacho de convite;

em Março de 2012 foi o 1º R. notificado de despacho a suspender a instância, decisão notificada ao 1º R.

em 03 de Março de 2014 o 1º R. renuncia ao mandato, e em 20 de Março é declarada deserta a instância;

até meados de 2013 o 1º R. foi informando os AA. que tudo estava bem e que a acão corria normalmente, deixando de o fazer a partir daquela data, não mais atendendo os AA que por diversos meios e várias vezes tentaram contactar o R.;

Concluem, pedindo a condenação dos RR. a pagar aos AA. a quantia de € 34.431,00 sendo € 25.431,00 de danos patrimoniais e € 9.000,00 de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.

O 1º réu, B (…) apresenta contestação, alegando em síntese:

o réu é parte ilegítima por a sua responsabilidade profissional ter sido transferida para a 2ª R. através de contrato de seguro realizado entre esta e a Ordem dos Advogados, tendo ainda tal R. contratado com a 2ª R. a eliminação da franquia existente, através de outra apólice de seguro;

o Réu não apresentou requerimento a aperfeiçoar a p.i., porque não o podia fazer pelo facto de os AA. não lhe terem fornecido determinados elementos, como a escritura de habilitação de herdeiros e orçamento que agora apresenta, razão pela qual o réu veio a renunciar ao mandato;

Conclui no sentido da ilegitimidade do 1º Réu e pela sua absolvição do pedido, ou, caso assim se não entenda, seja ação julgada improcedente sendo os RR. absolvidos do pedido.

A M (…), S.A., apresentou contestação, impugnado a factualidade por a desconhecer, referindo que o evento alegadamente ocorrido está excluído do contrato de seguro já que o 1º R. teve conhecimento do evento danoso antes do início da produção de efeitos da apólice, 1 de janeiro de 2016, não tendo comunicado tal facto à seguradora, bem como os eventuais danos não patrimoniais sofridos pelo A., referindo a existência de franquia no seguro contratado no montante de € 5.000,00.

Conclui pela sua absolvição do pedido.

Os AA. requereram a intervenção principal provocada da A (…)Europe Ltd), entidade que havia contratado com a Ordem dos Advogados um seguro de grupo com efeito nos períodos entre 2010 a 2013, a fim de responder perante os demandantes.

Admitida a intervenção principal provocada, a A (…), veio apresentar contestação alegando que a reclamação do sinistro ocorreu mais de 4 anos após cessação dos efeitos e garantias previstas na apólice contratada entre si e a Ordem dos Advogados, a qual deixou de vigorar em 31 de Dezembro de 2011; em período posterior a 2011 foi contratado um seguro de grupo entre a Ordem dos Advogados e a T (...) , com a retroatividade ilimitada das coberturas e apólices pelo que a interveniente não é responsável por qualquer eventual pagamento aos AA.

Conclui pela sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador, onde se concluiu pela ilegitimidade ativa da 3ª A. (Herança Indivisa de A (…)), pela legitimidade dos 1º e 2º AA, pela legitimidade do 1º R (B (…)), relegando-se para sentença a apreciação das demais exceções.

Realizada a audiência de julgamento, o juiz a quo proferiu sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo os RR. B (…) e M (…) e a interveniente do pedido.


*

Inconformados com tal decisão, os autores A (…) e P (…)  dela interpõem recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem parcialmente, face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, imposto pelo artigo 639º do CC[1]:

(…)


*

A Interveniente e a Ré M (…) apresentaram, cada uma, as suas contra-alegações, pugnando ambas pela rejeição do recurso por violação do art. 640º, nº1, e pela manutenção da sentença recorrida.

*
Cumpridos os vistos legais nos termos previstos no nº2, in fine, do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto – rejeição por incumprimento dos ónus previstos no artigo 640º CPC.
2. Impugnação da matéria de facto.
3. Se é de alterar o decidido – se se pode dar por verificada a perda de chance
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Impugnação da matéria de facto – cumprimento dos ónus de alegação

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:

“1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:

a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões ;

b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. 

Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.

Tais exigências surgem como uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[2], assegurando a seriedade do próprio recurso intentado pelo impugnante.


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Os Apelantes insurgem-se contra a decisão da matéria de facto contida nos pontos 30 e 32 dados como “provados”, criticando o raciocínio exposto pelo juiz a quo na motivação da sua convicção relativamente a tal matéria, sem que refiram qual a decisão que, em concreto, deveria ter sido proferida relativamente a tal matéria.

Assim sendo será de rejeitar tal impugnação, por incumprimento do ónus constante artigo 640º, nº 1, al. c), do CPC.


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Defendem ainda os Apelantes que o tribunal deverá dar como “provados” os factos que o juiz a quo declarou como “não provados” sob a alínea a):

“Os AA. Entregaram ao R. B (...) para que ele propusesse a ação que correu termos na Nazaré, um orçamento com o valor necessário para as obras a efetuar na moradia objetivo dos alegados danos, o qual totalizava € 13.800,00 a que acrescia o respetivo IVA.”

(…)

Improcede a impugnação deduzida a tal facto.


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Quanto à alínea b) dos factos dados como “não provados”, cujo teor é desfavorável aos AA., apesar de a eles se referirem na impugnação que deduzem à matéria de facto, acabam por não formular qualquer pretensão quanto à matéria nele contida.

Não se conhecerá assim de tal impugnação.


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Quanto à matéria contida nas alíneas d), e) e f), dos factos dados como “não provados”, reconhecemos ser facto notório que o desfecho de tal ação os preocupou e angustiou de tal modo que se deram ao incómodo de instaurar a presente ação contra o advogado que os patrocinou, a quem, em seu entender, se ficou a dever o desfecho fatídico de tal ação.

É de considerar, nesta parte, procedente a impugnação, levando tais factos à matéria de facto dada como provada.


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A. Matéria de Facto

São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, que aqui se mantêm inalterados:

1. Em 05 de Agosto de 2005, os AA. A (…) e P (…) procederam à designada “partilha” de bens deixados por morte de A (…) e de M (…) (…).

2. Encontra-se registado a favor dos AA. acima aludidos em comum e sem determinação de parte ou direito, pela apresentação nº 2 de 2008/07/01 tendo como causa de aquisição “sucessão hereditária” o prédio descrito na CRP da (...) sob o nº (...) /200706 (...) e inscrito na matriz sob o artigo (...) .

3. O 1º R. que usa profissionalmente o nome de B (…)  é advogado, estando inscrito na respetiva Ordem, no Concelho Regional de (...) , e sendo portador da cédula profissional com o nº (…)

4. Em 2010 foi o R. contratado para representar a “Herança Jacente Por Óbito de A (…) representada por (…)”.

5. O motivo da contratação aludida em 4, prendia-se com a circunstância de a sociedade J (…) Lda., segundo os AA, ter realizado a construção de um prédio, entre 2006 e 2010, que confinava com parcela de terreno que faria parte da Herança de A (…)

6. E ter utilizado sem autorização dos herdeiros, uma passagem que pertencia à herança, removendo terras da propriedade daquela herança, tendo inclusive instalado um poste nessa passagem.

7. Igualmente e segundo os AA., a J (…) teria aberto uma vala de acesso a garagem impossibilitando os AA. de acederem à propriedade da herança, tendo ainda riscado e amolgado um portão.

8. E, de acordo com a perceção que os AA. tinham, as obras da J (…), haviam igualmente levado ao aparecimento de rachas ao nível do rés-do-chão e primeiro andar da casa propriedade da herança que confinava com a obra da J (…)

9. Por via dos factos elencados em 5 a 8, em 19 de Outubro de 2010, o R. B (…) mandatado pela “Herança Jacente Por Óbito de A (…) representada por (…)” intentou em nome daquela, no Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, ação de condenação com processo sumário, contra a J (…) Lda, a qual deu origem aos autos com o nº 493/10.8TBNZR.

10. Na petição inicial apresentada pelo RB (…), cujo seu integral conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido (processo apensado –fls 1 e seguintes) terminava-se com o pedido de “…deve a ação ser julgada procedente por provada e a Ré ser condenada ao pagamento de uma indemnização à Autora, por danos patrimoniais e não patrimoniais a liquidar em execução de sentença, ustas e procuradoria condigna…”

11. Em 26 de Outubro de 2010 o R. B (…) apresentou requerimento naqueles autos, juntando um CD com documentos, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos (processo apensado – fls. 11 e seguintes).

12. Em 13 de Outubro de 2011, foi prolatado despacho no processo em cima referido, pelo qual a Exma. Juíza de Direito convidou a A. a:

–aperfeiçoar a petição inicial no prazo de 10 (dez) dias, concretizando a matéria de facto no que concerne aos alegados “danos” sofridos na garagem;

- a juntar aos autos no mesmo prazo Certidão do Registo Predial, relativo ao prédio identificado no artigo 2º, e certidão judicial dos articulados e respectiva decisão proferida no âmbito do processo identificado no artigo 4º;

- concretizar o quantum indemnizatório relativo aos danos patrimoniais e não patrimoniais.

Deverá ainda a autora, no mesmo prazo, juntar aos autos certidão de óbito de A (…) e esclarecer se os seus herdeiros já foram habilitados e, em caso afirmativo, juntar documento comprovativo da habilitação

13. O R. B (…) foi notificado do despacho aludido em 12.

14. Em 25 de Janeiro de 2012 foi prolatado despacho no qual a Exma. Juíza, renovou o despacho de 13 de Outubro.

15. O R. B (…) foi notificado do despacho aludido em 14.

16. Em 16 de Abril de 2012 foi prolatado despacho pela Exma. Juíza com o seguinte conteúdo: “Não tendo a autora respondido ao convite efectuado por despacho de fls. 54 e 55 dos autos, aguardem os autos o que requerido for, sem prejuízo do disposto no art.285º do CPC

17. O R. B (…) foi notificado do despacho supra, indicando-se na respetiva notificação de que os autos aguardavam sem prejuízo do disposto no artigo 285º do CPC.

18. Por despacho de 02 de Outubro de 2013, julgou-se a instância deserta e ordenou-se o arquivamento dos autos.

19. Em 15 de Outubro de 2013 é proferido o despacho com o seguinte conteúdo:

Compulsados os autos constata-se que o despacho proferido a fls. 61 enferma de lapso manifesto, porquanto nos termos do art.297º do Código Civil, a contagem do prazo de deserção previsto no artigo 281º, nº1 do novo CPC apenas se iniciou em 01/09/2013, pelo que ainda não decorreu o prazo aí previsto de 6 meses.

Assim, e ao abrigo dos arts. 613º, nº3 e 614º, ambos do novo CPC, dá-se sem efeito o referido despacho.

Notifique.

20. O R. B (…) foi notificado deste despacho.

21. Em 26 de Fevereiro de 2014, o R. B (…) remeteu por correio eletrónico aos AA mensagem, cujo seu integral conteúdo se encontra a fls. 281 destes autos e se dá aqui por integralmente reproduzida.

22. Após a data referida em 21, o R. B (…) comunicou aos AA. a sua intenção de renunciar à procuração que lhe havia sido conferida.

23. Em 03 de Março de 2014 o R. B (…) remeteu ao processo que se vem referindo, requerimento com o seguinte conteúdo:

B (…), advogado com escritório na Rua (…)  em Leiria, vem pelo presente requerimento, invocando razões de incompatibilidade de agenda, RENUNCIAR à procuração com efeitos imediatos”.

24. Em 07 de Março de 2014 o A. A (…), foi pessoalmente notificado da renúncia.

25- Em 20 de Março de 2014 por despacho foi considerada deserta a instância ao abrigo do disposto no artigo 281º nº1 do CPC e ordenada a notificação da decisão.

26- Em 28 de Março de 2014 o Dr. (…) apresentou requerimento no processo com os seguintes dizeres:

Herança Jacente por Óbito de A (…), Autora nos autos de processo supra à margem identificado, tendo sido notificada, na pessoa do seu representante legal, da renúncia ao mandato, vem pelo presente, nos termos do nº3 do artigo 47º do CPC, juntar aos autos Procuração Forense passada a novo mandatário Judicial.”.

27. Com o requerimento aludido em 24 foi junta procuração forense, datada de 28 de Março de 2014, cujo seu integral conteúdo (processo apensado – fls. 73) se dá aqui por reproduzido.

28. Posteriormente a 25 e 26 foram o mandatário da R. e o Dr. (…) notificados do despacho a que se alude em 25.

29. O processo foi remetido ao arquivo.

30. Durante o período temporal que mediou entre a propositura da ação e 07 de Março de 2014, o A. A (…), solicitou uma vez durante o ano de 2012, ao R. B (…) que o informasse do estado do processo, tendo-lhe o mesmo respondido que ainda não tinha informações do Tribunal.

31. Após a renúncia à procuração efetuada pelo R. B (…), os AA. através do novo mandatário que havia sido constituído pela “Herança Jacente” tiveram conhecimento do desenrolar processual dos autos.

32. Em 02 de Janeiro de 2005 V (…), emitiu um orçamento que remeteu ao A. A (…) relativo a obras a efetuar no imóvel objeto do processo que correu termos na Nazaré, cujo seu integral conteúdo que se encontra a fls. 90 se dá aqui por reproduzido, sendo o total orçamentado de € 13.800,00 acrescido de IVA.

33. O A. A (…) liquidou perante a sociedade de Advogados (…) a quantia de € 2.457,00 a título de provisão para honorários e despesas.

34. Entre 01 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011, esteve em vigor contrato de seguro de grupo celebrado entre a Ordem dos Advogados e a A (…)  denominado “seguro de “responsabilidade civil profissional” com a apólice nº DP/01018/11/C, depois alterado pela apólice com o nº DP/02416/11C, composto de condições gerais e especiais cujo seu integral conteúdo é aqui dado por reproduzido.

35. Finda aquela data esteve em vigor um seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre a Ordem dos Advogados e a T (…) S.A. durante o período de 1 de Janeiro de 2012 e 31 de Dezembro de 2012, titulado pela apólice nº (...) , dando-se aqui por integralmente reproduzido o teor das respetivas condições gerais e especiais.

36. Entre 01 de Janeiro de 2014 e 01 de Janeiro de 2017, esteve em vigor contrato de seguro de grupo celebrado entre a Ordem dos Advogados e a M (…) S.A. e denominado “seguro de “responsabilidade civil ” com a apólice nº (...) , composto de condições particulares e especiais cujo seu integral conteúdo é aqui dado por reproduzido, cujo montante máximo segurado era de € 150.000,00 por sinistro, estabelecendo-se uma “franquia de 5.000,00 Euro por sinistro, não oponível a terceiros lesados”.

37. Entre 23 de Abril de 2015 e 23 de Abril de 2016, esteve em vigor contrato de seguro celebrado entre o R. B (…)  e a R. M (…) que visava a responsabilidade civil do primeiro adveniente do exercício da advocacia, garantindo a eliminação da franquia a que se alude em 36, aqui se dando por integralmente reproduzidas as condições particulares que do mesmo constam.

38. O R. B (…), teve conhecimento da intenção de contra ele ser proposta a presente ação entre finais de 2014 início de 2015.

39. A R. M (…) S.A. teve conhecimento da presente ação com a citação para a mesma, e a interveniente A (…) igualmente quando foi citada para os presentes autos.

d) Por causa do desfecho da ação judicial do processo nº 493/10.8TBNZR e da respetiva conduta do R. B (…) os AA. sentiram uma grande angústia e sofrimento.

e) Ficando apreensivos, tristes, e enervados sempre a pensar na situação.

f) Continuam tristes.


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B. Subsunção dos factos ao direito

1. Se é de alterar o decidido – se se pode dar por verificada a perda de chance.

A sentença recorrida veio a julgar a ação improcedente com base na seguinte análise do caso em apreço:

- reconhece que o 1º R., na qualidade de mandatário dos autores, não dando resposta aos vários convites que, para o efeito, lhe foram feitos por parte do tribunal, se demitiu do andamento do processo, incumprindo os deveres impostos pelo art. 91º, nº1, al. b), do Estatuto da Ordem dos Advogados.

- considera que, uma vez que, quando o 1º Réu renuncia à procuração, o processo aguardava ainda o prazo da deserção – o autor A (...) é notificado da deserção a 7 de março de 2014, a instância vem a ser declarada deserta a 20 de março de 2014 e em 28 de março é constituído novo mandatário – quando é constituído novo mandatário, ainda corria o prazo para interposição de recurso, recurso este que poderia reverter, em tese, a decisão de reversão; inexistiria, assim, uma quebra do nexo causal entre a omissão do Réu e eventuais danos ocorridos na esfera jurídica dos AA.;

- quanto a uma eventual perda de chance, a mesma não se encontra demonstrada, porquanto, não só, os autores não se encontravam impedidos de propor nova ação, como poderiam ter recorrido da decisão que julgou deserta a instância.

Segundo os apelantes, no caso em apreço verificar-se-iam todos os pressupostos da responsabilidade civil: não só a ação, a ilicitude e a culpa, como é reconhecido pela sentença recorrida, mas também o dano – por culpa do 1º R. deixaram de poder exercer o seu direito contra quem os tinha prejudicado e não se diga que tal ação poderia não vir a acolher, pois da análise que o mandatário, ora apelado fez, aferiu a possibilidade de sucesso no pedido, caso contrário, não tinha aconselhado e apresentado a petição inicial; também se verificaria o nexo causal, porquanto o facto só não deverá ser causa adequada do dano se, da sua natureza em geral e em face das regras de experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do efeito. Ainda que os AA. tivessem recorrido do despacho que decretou a deserção, o mesmo não iria proceder porquanto é jurisprudência maioritária de que quando as partes hajam sido comprovadamente notificadas para impulsionar os autos e nada fazem, tem-se por certo que as partes não têm interesse em prosseguir com o processo.

 Os autores intentam a presente ação, peticionando a responsabilização do 1º Réu pelos prejuízos sofridos pelos autores com o arquivamento do processo instaurado por este, na qualidade de mandatário dos AA., pela qual peticionavam a condenação da aí Ré no pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença (ação que se encontra apensa por linha aos presentes autos).

Como fundamento da responsabilização do 1º Réu, invocam o seu comportamento culposo no decorrer de tal ação e que levou ao arquivamento do processo, alegando ainda que, dado o tempo entretanto decorrido (a ação geradora da responsabilidade da Ré Construtora ocorreu em 2010), já não poderão ser ressarcidos dos prejuízos cuja indemnização era peticionada em tal ação.

Uma vez que, ao aceitar propor uma ação judicial, nunca o advogado pode prometer um determinado resultado correspondente ao ganho da causa, consistindo a sua prestação numa mera obrigação de meios[3], encontramo-nos do âmbito daquilo a que a doutrina vem denominando de perda de chance, enquanto perda da possibilidade de prosseguir um processo judicial.

A jurisprudência portuguesa vem reconhecendo a ressarcibilidade, em determinadas circunstancias, da perda de chance, no domínio da responsabilidade civil dos advogados, dando corpo à ideia de que a falta cometida pelo advogado que resulte na perda da hipótese ou possibilidade de conservação dos direitos do respetivo cliente constituiu um dano indemnizável[4].

A grande dificuldade com que se deparam a doutrina e a jurisprudência neste campo reside em que “quando alguém pede uma indemnização pela “perda de chance”, invoca a perda de oportunidades de realizar um ganho, ou de evitar um prejuízo, sem que seja possível, porém, apurar se este ganho teria realmente sido realizado ou se esse prejuízo teria sido evitado, apenas se sabendo que o lesado viu frustradas “chances” ou oportunidades correspondentes”[5].

De qualquer modo, quer ao nível da doutrina[6] quer da jurisprudência (sendo já a orientação dominante ao nível do Supremo), a tendência vai no sentido da admissibilidade da perda de chance como um dano autónomo – autonomizável do dano final, enquanto perda da possibilidade de conseguir um resultado favorável ou evitar um resultado desfavorável – e indemnizável.

Porém, para que se possa falar em dano de perda de chance é necessário que a chance tenha sido efetivamente perdida, isto é, a chance tem de se encontrar irremediavelmente perdida[7].

Como salienta Nuno Santos Rocha[8], o dano (chances perdidas) terá de ser definitivo, resultando na impossibilidade de a chance voltar a existir – a chance não poderá deste modo voltar a ser jogada –, ou seja, o comportamento desvalioso por parte do lesante terá que ter resultado na perda irreversível das “chances” que a vitima detinha de poder vir a alcançar a vantagem desejada.

No caso em apreço, é indiscutido o comportamento negligente do advogado 1º réu – apesar de ter sido notificado por diversas vezes pelo tribunal para aperfeiçoar a petição inicial, concretizando os danos indemnizatórios e indicando o respetivo montante, e juntar aos autos determinados documentos, o 1º Réu nada fez, limitando-se a, passados mais de dois anos desde o primeiro convite que para o efeito lhe foi feito por parte do tribunal, comunicar ao autor e ao processo a sua intenção de renunciar ao mandato.

O Autor foi pessoalmente notificado da renúncia a 7 de março de 2014 e a 20 de março de 2014 o juiz do processo profere despacho a declarar deserta a instância. A 28 de março foi junta aos autos pelos autores nova procuração a favor de um novo mandatário.

Ora, à data em que o aqui 1º réu renuncia à procuração ainda não tinha sido proferido o despacho de deserção.

A renúncia à procuração é pessoalmente notificada ao mandante, e nos casos em que se seja obrigatória a constituição de advogado (como era o caso da ação em causa) com a advertência de que se depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário suspende-se a instância se a falta for do autor ou do exequente – art. 47º, nºs. 2 e 3, do CPC.

Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado e haja renúncia do advogado, o respetivo mandato só se extingue, não com a notificação da renúncia ao mandante, mas apenas ao fim do prazo de 20 dias concedido à parte para constituir advogado. Decorrido esse prazo, a instância é suspensa. Até lá, o mandato mantem-se. Ou seja, no caso em apreço, quando o juiz a quo profere o despacho a declarar deserta a instância, o mandato a favor do 1º Réu ainda se mantinha em vigor.

Assim sendo, quando é emitida e junta procuração a favor de um novo advogado (datada e junta a 28 de março de 20), o único meio de obstar ao definitivo arquivamento de tal processo seria a interposição de recurso do despacho que declarou deserta a instância.

Isto, se algum fundamento fosse encontrado para interpor recurso de tal despacho. Sustenta o apelante que, ainda que o novo mandatário interpusesse recurso de tal despacho, sempre o mesmo se encontraria votado ao insucesso, uma vez que a jurisprudência é maioritária a entender que caso as partes tenham sido por diversas vezes, comprovadamente notificadas para impulsionar os autos e nada fazem, tem-se como certo que as partes não têm interesse em prosseguir com o processo.

Não aderimos, contudo, à argumentação do Apelante. O não acatamento do convite do tribunal ao aperfeiçoamento da petição inicial e à junção de determinados documentos tidos por necessários à prova de algum facto, necessários à procedência da ação, não deverá importar a extinção da instância por deserção.

A causa de pedir não é constituída por todos os factos de que pode depender a procedência da ação, mas apenas por aqueles que são necessários para individualizar a pretensão material alegada pelo autor – os factos essenciais nucleares ou individualizadores[9].

Os factos complementares e concretizadores, embora possam ser necessários à procedência da ação, não integram a causa de pedir, pelo que a sua omissão não implicará a ineptidão da petição inicial por falta de causa petendi (art. 186º, nº2, al. a), CPC)[10].

Apesar de não participarem na causa de pedir, os factos complementares são necessários para que a petição inicial seja concludente, isto é para que contenha todos os factos necessários à procedência da ação.

Contudo, a sua omissão na petição inicial não tem nenhum efeito preclusivo, não só porque incumbe ao juiz convidar o autor a alegar esses factos [cfr., art. 590º, nº2, alínea b) e 4], mas também porque aqueles factos podem ser adquiridos durante a instrução e discussão da causa [cfr., art. 5º, 2, al. b)][11].

No caso em apreço, tendo o juiz a quo optado por convida os autores a corrigir o seu articulado – donde se retira que, no seu entendimento, não integravam a causa de pedir, porque nesse caso a deficiência importaria a ineptidão da petição inicial –, a deficiência em apreço respeitaria, quanto aos factos que se encontrariam em falta, a factos complementares ou concretizadores. Tais factos poderiam ainda ser aportados aos autos em momento posterior, podendo ser adquiridos durante a instrução da causa. Quanto aos documentos, sendo destinados a fazer prova dos fundamentos da ação, devendo embora ser juntos com o articulado respetivo, o artigo 423º, nº2 do CPC permite a sua junção até 20 dias antes da data em que a audiência final se viesse a realizar.

Concluindo, em nosso entender, a consequência legal para o acatamento do convite efetuado pelo juiz a quo não passava por os autos ficarem a aguardar o impulso do autor e pela deserção da instância decorridos seis meses, devendo a instância ter prosseguido para julgamento com a fixação dos temas de prova, uma vez que, quer os factos quer os documentos em falta ainda poderem vir a ser carreados ao processo, sendo que, se os não fossem até ao encerramento da instrução, a consequência seria então a improcedência da ação.

Assim sendo, o novo mandatário do autor poderia, efetivamente, ter interposto recurso de tal despacho e não o fez.

Assim como, uma vez transitada a declaração de deserção da instância, nada impedia que os autores propusessem uma nova ação. Na extinção da instância por deserção, porque o tribunal não se chega a pronunciar sobre o mérito da ação, não produz caso julgado material (arts. 279º, nº2, e 619º, nº1, CPC), não impedindo a propositura de uma nova ação pelo mesmo pedido e ainda que exatamente nos mesmos moldes da anterior (arts. 577º, al. i), e 580º, ns. 1 e 2, CPC).

Concluindo, se foi o comportamento do advogado, aqui primeiro réu, que levou à prolação do despacho por parte do juiz a declarar deserta a instância, não podemos afirmar que, com tal despacho, os autores tenham perdido, desde logo, a oportunidade de ver a sua pretensão apreciada pelo tribunal.

Já com um novo mandatário constituído nos autos, os autores poderiam ter recorrido da decisão ou, optando por não o fazer, limitar-se a propor uma nova ação devidamente completada e corrigida, nos moldes em que anteriormente lhe haviam sido propostos pelo juiz da 1ª ação.

A apelação é de improceder na sua totalidade, sem outras considerações.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelos apelantes.               

                                                                Coimbra, 28 de novembro de 2018                                                                                   


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Para que se possa falar em dano de perda de chance é necessário que a chance tenha sido efetivamente perdida, que do comportamento do lesante resulte na perda irreversível das chances que a vítima tinha de alcançar a vantagem desejada.
2. O não acatamento do convite do tribunal ao aperfeiçoamento da petição inicial e à junção de documentos tidos por necessários para a procedência da ação não é suscetível de importar a extinção da instância por deserção, devendo a ação prosseguir, podendo, quer os factos omissos, quer os documentos em falta, vir a ser carreados para o processo, com o risco de a ação vir a ser julgada improcedente.
3. A extinção da instância por deserção, não produzindo caso julgado material, não impede a propositura de uma nova ação, ainda que nos exatos termos da anterior.


Maria João Areias ( Relatora )
Alberto Ruço
Vítor Amaral


[1] Nas suas alegações de recurso, os apelantes não só reproduzem excertos de depoimentos prestados por testemunhas, como reproduzem sumários de acórdãos.
[2] Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 127.
[3] Neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 16-02-2016, relatado por Gabriel Catarino, de 30-04-2015, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, disponíveis in www.dgsi.pt, e ainda Paulo Mota Pinto, “Perda de Chance Processual”, in RLJ Ano 145º, nº 3997, Março-Abril 2016, p. 199.
[4] Rui Cardona Ferreira, “A Perda de Chance Revisitada”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73, Outubro/Dezembro 2013, p. 1303.
[5] Paulo Mota Pinto, “Perda de Chance Processual”, in RLJ Ano 145, nº3997, Março-Abril 2016, p. 174.
[6] A favor, entre outros, “Rute Teixeira Pedro, “A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado”, Coimbra 2008, pp. 179 e ss., contra, Paulo Mota Pinto, “Perda de Chance Processual, RLJ Ano 145, nº 3997, Março-Abril 2016, p. 174 e ss.
[7] Júlio Manuel Vieira Gomes, “Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidades ou perda de chance”, II Seminário dos Cadernos de Direito Privado, “Responsabilidade Civil”, Nº Especial 02/Dezembro 2012, p. 21, António Pedro Santos Leitão, “Da Perda de Chance, Problemática do Enquadramento Dogmático”, Julho 2016, p. 59, disponível na net.
[8] «A “Perda de Chance” Como uma Nova Espécie de Dano», Almedina, p.58.
[9] Miguel Teixeira de Sousa, “Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil”, Sciencia Iuridica, Maio-Agosto 2013, Tomo LXII – Nº 332, p. 396.
[10] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, p. 27.
[11] Miguel Teixeira de Sousa, artigo e local citados, p. 395, e António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, p. 28.