Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
306/05.2TBPCV-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
DIREITO DE REMIÇÃO
PRAZO
DEPÓSITO DO PREÇO
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 842, 843, 844, 845 CPC
Sumário: 1. O direito de remição encontra a sua origem na ideia de protecção do património familiar, sendo um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens e que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência.

2. Quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artº 843 nº 1 al. b) do C.P.C. e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.

3. Estando ainda o remidor dentro do prazo estabelecido na lei para o exercício do seu direito, não pode ter-se o mesmo por precludido antes de decorrido tal prazo, ainda que em momento anterior o remidor tenha pretendido exercer o seu direito, sem observância dos requisitos necessários à sua validade.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Os presentes autos referem-se ao processo de execução comum, intentado por I (…). contra os executados F (…), Ldª, F (…) e Z (…).

No âmbito do processo foi penhorado o imóvel urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Poiares com o nº 2437, pertencente aos executados F (…) e Z (…)

Foi tentada a venda do bem através de propostas em carta fechada, não tendo havido propostas, pelo que se passou para a modalidade de venda por negociação particular.

Foi apresentada proposta de compra do imóvel pela T (…)Ldª, tendo a Srª Solicitadora de Execução aceite a mesma, por ser a melhor proposta obtida, o que comunicou em 05/07/2013.

Por requerimento enviado à Srª Agente de Execução em 24/02/2014, D (…), veio requerer que lhe seja reconhecido o direito de remir o imóvel que a sociedade “T (…), Ldª” propôs adquirir, por o referido imóvel pertencer aos pais do requerente, executados nos presentes autos. Juntou certidão de nascimento atestando a sua filiação

O Requente veio em 28/02/2014 reiterar o exercício do seu direito de remição e proceder, nessa data, ao depósito do preço, no montante de € 148.155,00.

A “T (…) Ldª” veio requerer que lhe seja adjudicado o bem, porquanto não tendo sido junto o comprovativo do depósito do preço no momento em que foi junto o requerimento para remição do bem, o direito de remição não foi validamente exercido, pelo que não deve ser admitido.

Foi proferida decisão a considerar validamente efectuada a remição, por o remidor ter feito prova do grau de parentesco com os executados e depositado o preço da venda.

Não se conformando com esta decisão, vem a T (…) Ldª interpor recurso da mesma, pedindo a sua revogação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

(…)

            O Remidor veio apresentar contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine, é apenas uma a questão a decidir:

- da (in)validade do exercício do direito de remição pelo filho dos executados.

III. Fundamentos de Facto.

Os factos provados com interesse para a decisão da questão controvertida são os que constam do relatório elaborado.

IV. Razões de Direito

- da (in)validade do exercício do direito de remição pelo filho dos executados.

A questão que se põe é então a de saber se pode considerar-se validamente exercido o direito de remição pelo filho dos executados, quando o mesmo o requer, sem efectuar em simultâneo o depósito do preço, bem como se pode considerar-se a reiteração de tal pedido, quando o depósito é realizado mais tarde.

Entendeu a decisão recorrida a este respeito, o seguinte:

“Ora, não obstante tal depósito não tenha sido feito no momento que, formalmente a lei impõe que tal depósito seja feito, certo é que está demonstrado nos autos que o requerente depositou o preço devido acrescido do valor referente à indemnização devida ao proponente, em momento anterior ao da entrega dos bens, pelo que se considera que tal direito foi validamente exercido.

Com efeito, caso assim não se entendesse, a decisão não teria qualquer efeito prático, porquanto o ora requerente, até ao momento da entrega dos bens poderia vir com novo requerimento manifestando a sua intenção de exercer o direito de remição, acompanhado do depósito do preço, pelo que a sua não aceitação neste momento, apenas servia para protelar a diligência de venda do bem.”

O direito de remição encontra a sua origem na ideia de protecção do património familiar.

Trata-se de um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens, que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência e que permite aos familiares mais próximos do executado obter a adjudicação dos bens penhorados deste e vendidos, preterindo a proposta de compra apresentada por terceiros.

Diz-nos a este propósito o Prof. Alberto dos Reis, in. Processo de Execução, Vol. II, pág. 477 que o direito de remição é um benefício de caracter familiar, funcionando na sua actuação prática como um direito de preferência: “tanto por tanto os titulares desse direito são preferidos aos compradores ou adjudicatários. A família prefere aos estranhos.”

O regime legal previsto para o funcionamento deste instituto, vem regulado nos artº 842 a 845 do C.P.C.

O artº 842 do C.P.C., (com inteira correspondência no anterior artº 912 do C.P.C.), diz-nos: “Ao cônjuge que não esteja judicialmente separado de pessoas e bens e aos ascendentes e descendentes dos executados é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”

Por seu turno, o artº 843 do C.P.C., que regula o momento da remição, vem distinguir as situações em que a venda é por propostas em carta fechada, das outras modalidades da venda, estabelecendo no seu nº 1 que o direito de remição pode ser exercido:

- al. a) no caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título de transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do nº 3 do artigo 825º;

- al. b) nas outras modalidades da venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.

Acrescenta o nº 2 deste mesmo artigo que: “Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 825º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remissão deva ser exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no nº 2 do artigo 824º, e aplicando-se em qualquer caso o disposto no artº 827.

Diz-nos Salvador da Costa, in. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 1240, a propósito do direto de remição na venda executiva, que: “… o prazo e condições de exercício do direito variam consoante a modalidade de venda dos bens e o tipo de formalização para ela exigida, de modo quase similar ao direito de preferência.”

Assim, quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artº 843 nº 1 al. b) do C.P.C. e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, de acordo com o estabelecido no nº 2 deste artigo, uma vez que o direito já é exercido num momento ulterior ao da abertura das propostas em carta fechada- vd. neste sentido, Salvador da Costa, in. ob. cit. pág., 1241. Também Lopes do Rego, in. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pág. 51 se pronuncia no sentido de que: “Quando porém o direito de remição seja exercido em momento ulterior ao acto de abertura e aceitação das propostas, deverá o remidor depositar logo a totalidade do preço, acrescido de 5% para indemnização do proponente que já tiver feito o depósito referido no nº 2 do artigo 897.”

No caso em presença, foi tentada a venda do bem através de propostas em carta fechada; não tendo havido propostas passou-se para a modalidade de venda por negociação particular; o Requerente estava em tempo para exercer o direito de remição, quando se apresentou a tal, por ainda não ter tido lugar a entrega do bem, nem a assinatura da escritura, contudo, num primeiro momento, não efectuou o depósito imediato do preço quando se apresentou a exercer tal direito, o que devia ter feito, de acordo com o regime legal estabelecido, uma vez que já se está num momento posterior ao da abertura das propostas.

Como se viu, ao exercer o direito de remição já após o momento de abertura das propostas em carta fechada, o Requerente tem de efectuar o depósito imediato e integral do preço, de acordo com o estabelecido no artº 843 nº 2 do C.P.C., pois só assim está a exercer validamente tal direito. Pode dizer-se que o depósito do preço é elemento constitutivo do direito de remição, na medida em que o mesmo nunca pode ser exercido de forma válida sem a efectivação do pagamento do preço.

E compreende-se que assim seja. O legislador considerou o interesse do exequente e eventualmente dos credores reclamantes na celeridade e segurança na obtenção do seu crédito e terá querido obstar à possibilidade de surgirem actos dilatórios por parte de familiares dos executados, garantindo um efectivo pagamento de quem se apresenta a exercer o direito de remição.

Assim, ao não efectuar o depósito do preço no momento em que se apresentou a exercer o direito de remição o Requerente não observou um dos requisitos necessários ao exercício do seu direito, pelo que não pode ter-se o mesmo como validamente praticado- vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/05/2011, in. www.dgsi.pt

Contudo, se é certo que nesse primeiro momento o direito não pode ter-se como validamente exercido, parece que nada obsta a que mais tarde (no caso quatro dias), desde que ainda dentro do prazo estabelecido no artº 843 nº 1 al. b) do C.P.C., o Requerente venha de novo exercer tal direito, que foi o que o mesmo veio fazer, efectuando desta vez o depósito integral do preço acrescido de 5%, conforme exigência legal.

Alega a Recorrente que o direito do Requerente caducou ao não ter sido exercido de forma válida naquele primeiro momento. Ora, se é verdade que inicialmente o direito não foi validamente exercido, por não ser acompanhado do depósito do preço, considera-se, no entanto, que não pode falar-se em caducidade do direito naquela altura, por não ter ainda decorrido o prazo concedido por lei para o efeito.

Estabelece o artº 298 nº 2 do C.Civil que: “Quando por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.” A caducidade é o instituto pelo qual os direitos que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício nesse prazo- neste sentido, vd. Luís A. Carvalho Fernandes, in. Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pág. 567.

A razão de ser do instituto da caducidade, alicerça-se na certeza e segurança jurídicas, no sentido de prever que ao fim de certo tempo as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. É o decurso de um prazo sem que o direito seja exercido que determina a sua extinção por caducidade.

O direito só caduca se não for exercido no prazo estabelecido na lei, no caso, até à entrega do bem ou assinatura do título que documenta a venda, momento este que pode determinar a extinção de qualquer direito de remição que possa ter-se constituído na esfera jurídica do descendente.

Tal como nos diz, com toda a propriedade, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/06/2008, in. www.dgsi.pt : “Na hipótese em apreço de venda de imóvel por negociação particular, há a considerar, como termos finais para o exercício do falado direito, dois momentos: o da assinatura do título que a documenta (a escritura pública) e o despacho de adjudicação do bem (cfr. art.s 904º-a) e c), 905º-nºs 3 e 4 e 913º-b) CPC). (…) O direito não caduca com o seu exercício, mas tão só com o decurso do prazo em que tem de ser exercido e esse prazo não estava esgotado à data em que o mesmo se apresentou novamente a exercer o seu direito com o efectivo depósito do preço.”

No caso em presença, estando ainda o remidor dentro do prazo estabelecido na lei para o exercício do seu direito, não pode ter-se o mesmo por precludido antes de decorrido tal prazo. Nesta medida, considera-se que ao reiterar o exercício direito de remição, com efectivação do depósito do preço devido, nos termos legais, ainda antes de ter havido entrega do bem ou a assinatura do título- limite temporal estabelecido no artº 843 nº 1 al. b) do C.P.C. para o exercício do direito, o mesmo pode ser reconhecido como válido, não merecendo por isso censura a decisão recorrida que assim o considerou.

V. Sumário:

1. O direito de remição encontra a sua origem na ideia de protecção do património familiar, sendo um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens e que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência.

2. Quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artº 843 nº 1 al. b) do C.P.C. e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.

3. Estando ainda o remidor dentro do prazo estabelecido na lei para o exercício do seu direito, não pode ter-se o mesmo por precludido antes de decorrido tal prazo, ainda que em momento anterior o remidor tenha pretendido exercer o seu direito, sem observância dos requisitos necessários à sua validade.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso intentado, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

                                               Coimbra, 17 de Dezembro de 2014

                                              

Maria Inês Moura (relatora)

Luís Cravo (1º adjunto)

Carvalho Martins (2º adjunto)