Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1211/08.6TBAND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
REGIME APLICÁVEL
MENOR
DESLOCAÇÃO PARA O ESTRANGEIRO
PROCESSO
INCUMPRIMENTO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Data do Acordão: 04/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 61/2008, DE 31/10; ARTºS 1911º, Nº 1 DO C. CIVIL; 181º E 182º DA O.T.M.; 2º, ITEM 11. DO REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DO CONSELHO DE 27 DE NOVEMBRO DE 2003 (REGULAMENTO BRUXELAS II BIS).
Sumário: I – Ao acordo de regulação do poder paternal fixado num processo de regulação iniciado antes de 30/11/2008 (data da entrada em vigor da Lei nº 61/2008), aplica-se, nos termos da norma transitória constante do artigo 9º dessa Lei, o regime decorrente das disposições do Código Civil alteradas por essa mesma Lei, na redacção anterior a essa alteração (não se aplica, pois, a lei nova introduzida por esse Diploma).

II – Concretamente, no caso de uma regulação respeitante a menor cujos pais não estejam casados e não vivam maritalmente, aplica-se, quanto ao exercício do poder paternal, o disposto no artigo 1911º, nº 1 do CC na redacção do Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro.

III – Deste resulta – nessa redacção – que o exercício do poder paternal pelo progenitor guardião comporta a faculdade deste decidir autonomamente, e sem necessidade de consenso condicionante com o outro progenitor (não guardião), quanto à deslocação do menor para o estrangeiro, no quadro de uma decisão de emigrar por parte desse progenitor guardião.

IV – Assim, a deslocação nesse quadro do menor para outro país não corresponde a uma situação de incumprimento de um acordo de regulação que não previa especificamente essa situação, limitando-se a atribuir a guarda do menor (e o exercício do respectivo poder paternal) ao progenitor que posteriormente tomou a decisão de emigrar levando o filho consigo.

V – Um processo de incumprimento (o processo previsto no artigo 181º da OTM) constitui uma instância incidental, relativamente ao processo base de regulação do poder paternal, tratando-se de verificar, com base no enquadramento legal correspondente a essa regulação, se a incidência invocada (aqui a deslocação do menor para o estrangeiro) traduz uma situação de incumprimento do acordo.

VI – Já um processo de alteração de regime da responsabilidade parental, previsto no artigo 182º da OTM, traduz um processo autónomo (novo), a propor no tribunal que nesse momento (quando se propõe a alteração) for o competente.

VII – A licitude da deslocação do menor para o estrangeiro pelo progenitor guardião, com base no enquadramento indicado em II, III e IV deste sumário, retira a essa deslocação a natureza de uma “deslocação ilícita” nos termos do artigo 2º, item 11. do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 (Regulamento Bruxelas II bis).

VIII – Assim, a regra de competência internacional para uma acção de alteração, na qual se pretenda modificar o regime de guarda do menor em função da deslocação deste para o estrangeiro pelo progenitor guardião, essa regra de competência, dizíamos, é a regra geral constante do artigo 8º, nº 1 do Regulamento Bruxelas bis: “[o]s tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”.

IX – Constitui residência habitual de uma criança de três anos de idade, que emigra acompanhando a mãe, o local para onde esta (a mãe) se desloca (com o filho) com esse propósito, aí passando a viver (fixa residência, passa a trabalhar e matrícula o menor numa escola própria para crianças dessa idade).

X – E funciona como elemento adjuvante da definição dessa deslocação como fixação de residência habitual no outro país (o país para o qual a mãe emigrou) a circunstância do menor ter nascido nesse país, dispor também da nacionalidade desse mesmo país e aí ter família.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Em 28 de Novembro de 2008 foi instaurada, por H… (Requerente e Apelante em ambos os recursos aqui em causa[1]), uma acção visando a regulação do poder paternal[2] relativamente ao seu filho D…, nascido a 14/01/2008 (em França), sendo requerida a mãe deste, S… (Requerida e Apelada no contexto destes dois recursos).

            Então, à data da instauração da regulação, vivia o menor com a mãe, em Portugal (Anadia), sendo que na conferência de pais documentada a fls. 26/28 – teve esta lugar em 13/01/2009 –, foi alcançado e homologado o seguinte acordo entre os progenitores:
“[…]
1.ª - O menor D… ficará confiado à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal;
2.ª - O pai poderá visitar o menor sempre que o entender, sem prejuízo das actividades escolares, extra-escolares e períodos de repouso, devendo avisar a mãe na véspera;
3.ª - A criança conviverá com o pai em fins-de-semana alternados, indo o mesmo buscá-la a casa da mãe aos sábados de manhã, pelas 10H00 horas, e indo entregá-la no mesmo local, na segunda-feira, pelas 21H00 horas, iniciando-se o próximo fim-de-semana na companhia da mãe;    
4.ª - As segundas-feiras serão passadas na companhia do pai;
5.ª - Os períodos das férias escolares serão passados na razão de metade com cada um dos progenitores, em períodos fraccionados e alternados de uma semana;
6.ª - A véspera de Natal e o dia de Natal serão passados, alternadamente, na companhia de cada um dos progenitores, iniciando-se a próxima véspera de Natal na companhia do pai;
7.ª - O último dia do ano e o dia de Ano Novo serão passados, alternadamente, na companhia de cada um dos progenitores, iniciando-se o próximo dia de fim de ano na companhia do pai;
8.ª - A título de alimentos devidos ao menor, o pai entregará à mãe, mensalmente, a quantia de cem euros (€100,00), até ao dia 8 do mês a que respeitar.
9.ª-A - Este valor será actualizado anualmente de acordo com a taxa de inflação em vigor;
9.ª - As despesas com a mensalidade de infantário e ensino pré-primário serão suportadas pelo pai, que reembolsará a mãe do montante correspondente, mediante a exibição do respectivo recibo;
10.ª - As despesas médicas, medicamentosas, escolares e extra-escolares serão suportadas por ambos os progenitores na razão de metade, devendo um reembolsar o outro do valor correspondente, com a exibição do respectivo recibo.
[…]”.

            1.1. Partindo desta definição – regulação – das responsabilidades parentais alcançada entre os pais do menor D…, no início do ano de 2009, e na base da correspondente matriz adjectiva (o processo-base de regulação das responsabilidades parentais), geraram-se mais tarde dois processamentos derivados (um incidental e o outro correspondendo a um processo autónomo tramitado por apenso), respectivamente em Novembro de 2011[3] e em Fevereiro de 2012. Correspondeu o primeiro destes, que conduziu à autuação do apenso A, a um incidente de incumprimento [artigo 181º da Organização Tutelar de Menores (OTM)] e o segundo, que originou o apenso B, a uma alteração da regulação das responsabilidades parentais (artigo 182º da OTM). Emergiram destas duas tramitações paralelas – incumprimento e alteração – os dois recursos que aqui importa apreciar, estando em causa na primeira situação (A) (a do apenso A/incidente de incumprimento) uma decisão declarando inverificado o incumprimento (a de fls. 23/26 desse apenso) e uma posterior decisão (a de fls. 28/29 desse mesmo apenso), desatendendo uma arguição de nulidades pelo Requerente/Pai. Na segunda situação (B) (a do apenso B/processo de alteração), está em causa uma decisão declarando a incompetência internacional da jurisdição portuguesa para apreciar essa alteração da regulação – promovida pelo Pai –, com base no artigo 8º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, também conhecido por Regulamento Bruxelas II bis (corresponde esta segunda apelação à decisão de fls. 188/215 do apenso B).

            Procederemos individualizadamente à apreciação de cada um dos recursos, relatando sequencialmente o iter dos dois apensos, propiciando assim a plena compreensão das decisões recorridas. Ambas estas acabam por estar relacionadas – as duas resultaram da mesma circunstância: a deslocação para o estrangeiro do menor por iniciativa do progenitor (Mãe) guardião, em função de uma decisão de emigrar –, verificando-se uma relação condicionante do primeiro recurso (da questão do incumprimento resolvida no apenso A) quanto ao segundo (quanto à questão da competência internacional em causa no apenso B). Com efeito – e é neste sentido que o primeiro recurso pode condicionar o segundo –, uma declaração positiva de ter ocorrido incumprimento da regulação das responsabilidades parentais com a deslocação do menor para o estrangeiro, poderia apresentar relevância quanto à questão da competência do Tribunal português para a alteração da regulação das responsabilidades parentais (que corresponde à matéria tratada no apenso B), no sentido em que a deslocação do menor D… para outro país (sublinhamos aqui que foi para o seu país de origem e do qual dispõe da nacionalidade) pudesse ser considerada ilícita, nos termos da conjugação dos artigos 2º, nºs 9 e 11 e 10º do Regulamento nº 2201/2003. É também neste sentido que se justifica inteiramente a prévia definição da questão do incumprimento da regulação, enquanto questão tratada no âmbito do apenso A.   

            1.2. [o apenso A – incidente de incumprimento das responsabilidades parentais].

            1.2.1. Em 16 de Setembro de 2011 – e seguiremos nesta exposição a cronologia factual evidenciada no processo – a Requerida (a Mãe) juntara ao processo de regulação das responsabilidades parentais (o processo matriz) a seguinte carta datada de 14/09/2011:
“[…]
Exmo. Senhor Dr. Juiz,
A abaixo assinada, Requerente no processo acima identificado, a quem cabe o poder paternal em relação ao seu filho D…, vem muito respeitosamente comunicar a V. Exa. que nesta data viajou com o seu filho para França, onde conseguiu arranjar trabalho, indo residir para casa de familiares em …, France.
Tomou esta decisão porque em Portugal está desempregada há vários meses, não vislumbrando arranjar emprego brevemente, estando a passar por inúmeras dificuldades financeiras, e só sobrevivendo com a ajuda dos seus Pais, o que tem implicações negativas, naturalmente, na vida do seu filho.
Porque teve necessidade de viajar com urgência com o seu filho, pois vai começar a trabalhar nos próximos dias, não conseguiu contactar com o pai do menor. Aliás, o mesmo nem sequer contacta ou conversa com a Requerente, recusando-se a falar com a Requerente sobre o filho ou sobre qualquer outro assunto.
Assim, muito respeitosamente requer que o Pai seja notificado para se pronunciar sobre o exposto, sendo certo que a Requerente se compromete a, quando das suas vindas a Portugal, facilitar as visitas ao Pai do menor, muito embora, nos fins-de-semana que lhe couberam, o menor só esteve com os Avós Paternos e não com o Pai, que sempre manifestou desinteresse para com o filho.
Dá, pois, conhecimento destes factos para os efeitos julgados convenientes.
[…]”.
           

                        Percebe-se, pelo expediente junto pelo Requerente (Pai) a fls. 5/10, que a Mãe enviou àquele, em 15/09/2011, a carta de fls. 9, na qual lhe comunicava essa mesma deslocação para o estrangeiro, manifestando o Pai ao Tribunal total desacordo com a situação assim criada (também alegou o Pai nesse requerimento de fls. 5/10 desconhecer o paradeiro do filho, embora na mesma data – em 22/09/2011 – tenha junto outro requerimento ao processo onde indicou correctamente a morada em França do menor, sinal evidente de que a sabia, cfr. fls. 4 e 2/3).

            1.2.2. Seguiu-se a apresentação pelo Pai de dois outros requerimentos, respectivamente em 20 e 21/10/2011[4].

            No primeiro (20/10/2011) qualifica como incumprimento do acordo de regulação a deslocação do menor com a Mãe para o estrangeiro e relata a sua versão dos factos atinentes a essa deslocação, concluindo com a formulação da seguinte pretensão ao Tribunal (além de ter oferecido para inquirição sete testemunhas):
“[…]
[R]equer-se:
A – Que o Tribunal notifique a requerida para prestar as informações concretas necessárias no tocante ao apuramento da sua situação concreta em França, designadamente quanto à sua alegada relação de emprego, condições económico-financeiras e condições de habitação, tendo em vista a defesa dos interesses superiores do menor;
B – Que o Tribunal, ao abrigo do artigo 181º da OTM, promova as medidas coercivas adequadas ao cumprimento do acordo violado, designadamente condenando a requerida em multa e em indemnização a favor do menor e do requerente, a liquidar em execução de sentença pelo prejuízos decorrentes do incumprimento.
[…]”[5].

            No segundo requerimento (do subsequente dia 21/10/2011) reitera o Pai não conseguir contactar a Mãe, pedindo a inquirição da mãe da Requerida e de um tio desta residente em França.

            Geraram estes requerimentos a autuação, por iniciativa do Tribunal expressa no despacho de fls. 12 (com a referência citius 12906100), do presente apenso de incumprimento (v. nota 4 supra), sendo que a Mãe exerceu, através de requerimento apresentado em 23/11/2011 (de novo, irritantemente, ausente do suporte de papel enviado a esta Relação), o contraditório relativamente às asserções expostas pelo Pai[6] (juntando documentação comprovativa da sua residência e situação laboral em França – aí celebrou contrato de trabalho em 26/09/2011 – e da frequência escolar do menor, cfr., neste último caso, fls. 16)[7].

Relativamente a este requerimento, na parte em que a Mãe pede “autorização formal” para se deslocar para o estrangeiro, consignou o Senhor Juiz do processo o seguinte (o despacho em causa, datado de 21/12/2011, não consta do suporte de papel, correspondendo à referência citius 13407652):
“[…]
Neste incidente, apenso ‘A’, suscitado pela progenitora com o seu requerimento de 16/09/2011 e no qual o progenitor, invocando incumprimento do acordo do ‘poder paternal’, se insurge, compreensivelmente, contra a deslocalização da residência do filho para França sem ter tido possibilidade de tomar parte nessa decisão, vem agora aquela pedir a alteração da regulação em vigor no sentido de lhe ser dada então autorização do Tribunal para poder levar o filho para França.
Quanto a esta questão, de autorização, importa atentar no seguinte:
A acção de regulação do exercício do ‘poder paternal’ foi proposta no dia 28/11/2011.
Nos termos da cláusula 1ª do acordo de regulação do ‘poder paternal’ em vigor, ali celebrado no dia 13/01/2009, efectuada ainda ao abrigo da ‘Lei antiga’, recorde-se, ‘O menor D… ficará confiado à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal’.
Competindo então à mãe, em exclusividade, o exercício do ‘poder paternal’ relativamente ao seu filho menor de idade que está confiado à sua guarda, o Requerido pai não tem que dar autorização para a mãe se poder deslocar ou ausentar para o estrangeiro levando consigo o filho; consequentemente, não tem este Tribunal de suprir a falta dessa autorização – cfr. as disposições conjugadas dos artigos 1901º, nº 2, 1906º, nºs 1 e 2 e 1911º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil, na redacção anterior à Lei nº 61/2008, de 31/10, que entrou em vigor no dia 30/11/2008, sem aplicação aos processos pendentes, e 184º da O.T.M.
Ao progenitor que não exerça o poder paternal assiste o poder de vigiar a educação e as condições de vida do filho – cfr. artigo 1906º, nº 4, anterior redacção.
Questão diversa daquela são as consequências que brotam daquela deslocalização da residência e que naturalmente se repercutem ao nível do exercício do direito de visitas nos termos do regime acordado em vigor e que poderão fundamentar, eventualmente, um incidente de incumprimento desse mesmo regime de visitas.
Independentemente do seu mérito, o problema colocado por ambos os progenitores mostra-se bem claro e da posição por eles assumida não me parece que haja necessidade de se proceder à inquirição de testemunhas.
Antes de se avançar já para uma decisão final, visando ajudar os progenitores a ultrapassar o conflito e as suas divergências no sentido de estabelecerem um diálogo de entreajuda, em 10 dias os mesmos farão o favor de informar da possibilidade de um acordo, nomeadamente quanto ao regime de visitas, ajustando-o, adaptando-o, melhorando-o com eventuais compensações de tempo de visita ao pai, para o que se poderá agendar uma conferência de pais.
[…]”[8].

            Registam os autos (mais uma vez tudo fora do suporte de papel) um requerimento do Pai (de 02/01/2012) no qual invoca (neste apenso de incumprimento) a nulidade da sua falta de citação para a alteração da regulação visada pela Mãe (está em causa o pedido de autorização desta para se deslocar para o estrangeiro, sobre o qual recaíra o despacho antes transcrito de Dezembro de 2011). 

            1.2.3. Foi convocada, entretanto, a Conferência de Pais prevista no nº 2 do artigo 181º da OTM (despacho de fls. 18), estando esta documentada na acta de fls. 20/21 (realizou-se em 02/02/2012 e estiveram presentes ambos os pais):
“[…]
Declarada aberta a Conferência, o Mmº Juiz procurou obter o acordo das partes, sem êxito, não obstante o tempo aí investido, tendo o requerido pai recusado qualquer acordo quanto à revisão/alteração do actual regime de visitas.
Seguidamente, pelo Mmº Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO
Ante a impossibilidade de qualquer acordo entre os progenitores, façam-se então os autos com ‘vista’ ao Digno Magistrado do Ministério Público.
Notifique.
[…]”.

            Foi emitido o parecer solicitado ao Ministério Público (que, de novo, não consta do processo em suporte de papel) o qual não foi objecto de notificação às partes (num requerimento que mais tarde apresentou o Requerente reconheceu ter sido notificado desse Parecer em conjunto com a Decisão sobre o incumprimento indicado no seguinte item)[9].

            1.2.4. Surge então, a fls. 23/26, a Decisão do incidente de incumprimentoesta traduz uma das decisões recorridas na apelação gerada neste apenso A –, “[j]ulgando inverificado o incumprimento por parte da progenitora, [determinando] o arquivamento dos autos […]” (fls. 25)[10].

            1.2.4.1. Notificado desta Decisão apresentou o Requerente, em 08/03/2012, um requerimento suscitando algumas nulidades desse pronunciamento do Tribunal quanto à inexistência de incumprimento pela Requerida, pedindo a aclaração do aí decidido[11], sendo esta arguição desatendida no Despacho de fls. 28/29 (referência citius 14397756)Despacho posteriormente recorrido pelo Requerente. Aqui se transcreve o teor desse Despacho:
“[…]
Conhecendo do douto requerimento de 08/03/2012:
São quatro as questões nele suscitadas.
1ª - A omissão de pronúncia sobre o requerimento de 12/01/2012 foi intencional a fim de evitar o suscitado incidente com a consequente tributação.
Uma vez que o progenitor reitera a por si ali arguida nulidade, dela passa-se então a conhecer.
E, diga-se desde já: no processo não é lícito a prática de actos inúteis – artigo 137º do Código de Processo Civil.
Donde, tendo o requerimento da progenitora de 23/11/2011 merecido o despacho de 21/12/2011, que não acolheu a sua pretensão, não se impunha, consequentemente, a citação do progenitor, razão pela qual julgo improcedente a arguida nulidade.
2ª – O conhecimento da ‘nova nulidade’ por não se ter conhecido daqueloutra fica, assim, prejudicada.
3ª – Sendo aqui o Ministério Público parte acessória, a não notificação prévia aos progenitores das suas promoções ou pareceres não conduz a nulidade, razão pela qual julgo também improcedente a arguida nulidade.
4ª – Porque a sentença proferida é bem clara, nela nada há a aclarar, razão pela qual indefiro o pedido de aclaração.
[…]”.
            1.2.5. Inconformado, interpôs o Requerente apelação – o recurso em causa neste apenso A – quanto ao desatendimento das nulidades e, subsidiariamente, quanto à Decisão do incidente de incumprimento expressa no Despacho de fls. 23/26[12], formulando a rematar a motivação as extensas conclusões que aqui se transcrevem:
“[…]

1.3. [o apenso B – processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais].

1.3.1. Refere-se este apenso, autuado em 1 de Fevereiro de 2012[13], a um pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais, formulado pelo Requerente (o Pai) a fls. 5/22 (referimo-nos agora à paginação do apenso B), no qual, por referência ao acordo de regulação de responsabilidades parentais (então acordo de regulação do poder paternal) datado de 13/01/2009, transcrito no item 1. supra, o Pai requer a alteração de regime nos seguintes termos:
“[…]
Termos em que deve a presente acção vir a ser julgada provada e procedente e, por via dela, proceder-se à alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais vigente para que o poder paternal, como actualmente decorre da lei geral, seja atribuído em conjunto a ambos os progenitores, mas ficando o menor à guarda e cuidados do pai, aqui requerente, com quem deverá fixar residência no domicílio deste em Portugal, fixando-se ainda um regime de visitas e convivência do menor com a mãe quando esta se encontrar em território português.
[…]”.

            Enquadra-se esta pretensão na circunstância da Requerida (a Mãe), ter-se deslocado para França (ter emigrado) com o menor, aí fixando residência, nos termos decorrentes do antecedente relato da tramitação do apenso A (todo o item 1.2. supra).

            A Requerida opôs-se (fls. 43/52), invocando preliminarmente a excepção de incompetência internacional (competente seria a jurisdição francesa, dado o local da residência do menor)[14], ao que o Requerente respondeu a fls. 57/73.

            1.3.2. Surge assim a Decisão de fls. 188/215corresponde esta à decisão objecto do presente recurso – considerando o Tribunal português internacionalmente incompetente para a referida alteração:
“[…]
Decisão:
Porque à data da propositura da presente acção a criança D… havia já fixado a sua residência habitual com a progenitora em França, país de onde é natural, nos termos do artigo 8º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 (Bruxelas II), compete ao Tribunal Gaulês conhecer do mérito da acção de alteração à regulação do exercício das responsabilidades parentais respeitantes à criança.
Assim sendo, visto o disposto no artigo 17º daquele Regulamento, julgo este Juízo internacionalmente incompetente para o conhecimento do mérito da presente causa
Em consequência, absolvo a Requerida mãe da instância – artigos 65º, 101º, 102º, 103º, 105º e 288º, nº 1, al. a), todos do Código de Processo Civil, ex vi artigo 161º da OTM.
[…]”
           

            1.3.3. Inconformado, interpôs o Requerente o presente recurso de apelação, motivando-o a fls. 220/255, rematando tal peça com as seguintes conclusões:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Relatado o essencial do iter processual de cada um dos processos (expressos nos apensos A e B) que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos de cada uma das apelações (tratam-se de duas apelações circunstancialmente apreciadas pelo mesmo relator e formação conjuntamente), tendo em conta que as conclusões em cada caso formuladas pelo Requerente/Apelante – transcrevemo-las no item 1.2.5, quanto ao apenso A (decisão sobre o incumprimento), e no item 1.3.3., quanto ao apenso B (decisão sobre a alteração de regime) – operaram essas conclusões, dizíamos, a delimitação temática do objecto de cada um dos recursos, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[15], aqui aplicáveis, nos dois casos, em função do disposto no artigo 161º da OTM.

Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Fixado este elemento preambular, comum às duas situações – aos dois recursos –, apreciaremos autonomamente cada uma delas.

2.1. [o apenso A – incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, sendo a decisão recorrida a de fls. 23/26, integrada pelo Despacho de fls. 28/29].

2.1.1. Interessa a este recurso a decisão de considerar inverificado o incumprimento, pela Requerida, quanto ao regime fixado no processo principal respeitante ao exercício do poder paternal do menor D… (a decisão de fls. 23/26), no sentido em que tal decisão – di-lo o Apelante –, além de incorrecta nessa asserção decisória (a de que inexistiu incumprimento da Apelada com a deslocação do menor para o estrangeiro), ter-se-ia formado, essa mesma decisão, assente em desvalores procedimentais (nulidades), consubstanciando-se neste aspecto o elemento processual recorrido na Decisão de fls. 28/29 que negou a existência desses desvalores procedimentais.

Apreciaremos este recurso, pois, equacionando cada um destes problemas, começando pela questão das nulidades alegadamente cometidas no percurso para a decisão culminante deste incidente de incumprimento e apreciando de seguida essa decisão final de fls. 23/26 – salvada que esteja esta de algum efeito de arrastamento anulatório decorrente de eventual nulidade anteriormente cometida: decidiremos primeiramente se existiram nulidades procedimentais; decidiremos seguidamente se é correcta a asserção de não ter ocorrido incumprimento, caso a decisão final não seja reflexamente anulada.

2.1.2. Sendo algo confusa a invocação pelo Requerente dessas nulidades, quer-nos parecer estar em causa, à partida, uma alegada não “citação” do Requerente para um pedido de alteração que teria sido formulado pela Mãe no quadro deste incidente de incumprimento.

Constata-se, com efeito, que a Mãe, no requerimento apresentado neste apenso A em 23/11/2011, aqui transcrito na nota 7 supra, solicitou uma autorização formal do Tribunal – um pouco com o tom de uma alteração da anterior regulação – para fixar a residência do filho em França, face à necessidade de se deslocar (ela) para o estrangeiro. Todavia, essa pretensão foi desatendida interlocutoriamente neste apenso, através do despacho de 21/12/2011 (correspondente à referência citius 13407652), como resulta do relato constante do item 1.2.2. supra para o qual aqui remetemos. Estamos, pois, perante uma nulidade suposta pelo Apelante, sem real substância no processo, sendo certo que não foi aqui desencadeada (neste apenso A) qualquer alteração de regime nos termos do artigo 182º da OTM (foi-o sim, por iniciativa do ora Apelante, a correspondente ao apenso B). Essa questão – a pretensão da Mãe de “alterar” o acordo no processo de incumprimento – foi resolvida, como antes referimos, através da tal decisão interlocutória de 21/12/2011, sendo que esta, pese embora adoptar um entendimento oposto ao do ora Apelante quanto à questão de ser necessária a respectiva autorização para a deslocação do menor para o estrangeiro, no que à alteração de regime aí visada pela Mãe dizia respeito, desatendeu-a implicitamente, avançando antes num rumo instrutório do incidente de incumprimento, restrito a essa questão de não cumprimento e totalmente adequado à tramitação estabelecida nos nºs 2 e 3 do artigo 181º da OTM para esse incidente (foi esse o sentido da convocação da conferência de pais). Assim, como se vê da tramitação aqui efectivamente observada, não foi este incidente de incumprimento tratado, num processamento desviado, como se de uma alteração se tratasse[16], acabando o Tribunal, aliás, por cingir a sua decisão final deste incidente à questão do incumprimento, como impunha – como impõe –, face à situação criada no contexto desta tramitação, o nº 4 do artigo 181º da OTM: “[n]ão tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegaram a acordo, o juiz mandará proceder a inquérito sumário e a quaisquer outras diligências que entenda necessárias e, por fim, decidirá”. Sublinha-se que aqui o Juiz decidiu sem inquérito nem outras diligências porque a questão colocada a respeito do incumprimento – a única questão que importava resolver neste apenso A –, nos termos em que o Tribunal a equacionou logo no despacho de 21/12/2011, se configurava como uma questão de Direito, imune à exploração de quaisquer outros factos (para além da simples constatação da deslocação do menor para o estrangeiro com a Mãe, por decisão unilateral desta e sem audição do Pai), correspondendo essa questão à de saber se, no regime anterior à aplicação das alterações introduzidas no Código Civil pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro (em função do artigo 9º deste Diploma), o progenitor guardião do menor (aqui a Mãe) carecia de obter algum consenso com o progenitor não guardião (aqui o Pai) quanto à deslocação para o estrangeiro do filho de ambos.

A imputação do Apelante referida à falta de citação do próprio para um suposto processamento de alteração enxertado neste incidente carece, pois, de uma base factual real. É, aliás, desmentida pelos factos processuais aqui efectivamente ocorridos, ilustrando eles – os que respeitam às incidências deste apenso de incumprimento – um amplo e efectivo exercício do contraditório por banda do Apelante, num constante debate dialéctico com a outra interveniente processual e com o Tribunal.

A esta constatação apenas teríamos que subtrair a não notificação, tanto ao Apelante como à Apelada, do Parecer do Ministério Público (está este transcrito neste Acórdão na nota 10 supra), prévia à decisão do incidente de incumprimento, embora isso se nos apresente aqui como aspecto absolutamente irrelevante quanto à configuração justa do procedimento efectivamente observado. Com efeito, só actuando de má-fé se poderá afirmar o contrário, quando esse Parecer não induziu no processo qualquer questão nova, no sentido de questão que anteriormente não tivesse sido amplamente debatida entre as partes. Aliás, o que se diz nesse Parecer repete, tão-só, o que o Senhor Juiz a quo havia dito anteriormente no já referido Despacho de 21/12/2011, sobre o qual as partes (concretamente o Apelante) se haviam pronunciado anteriormente à decisão final do incidente. Assim, a abertura de uma nova fase de pronunciamento relativa a um Parecer redundante relativamente à posição já anteriormente adiantada pelo Juiz, sempre traduziria a indução de pronunciamentos repetitivos – verdadeiro “chover no molhado” – sem qualquer utilidade prática para a essência do debate já travado no processo de incumprimento preparatoriamente à decisão final deste.

O “direito a ser ouvido” que caracteriza como justo – logo, não nulo por preterição do contraditório (artigo 3º, nº 3 do CPC) – qualquer processo (a dimensão adjectiva de qualquer decisão tomada em ambiente judicial)[17], passa – passou aqui, aliás – pela concreta incidência de aos interessados que interagiam com o Tribunal, no incidente de incumprimento, ter sido adiantado, na prática, pelo Magistrado decisor e previamente à respectiva decisão, os pressupostos argumentativos em que em que esta decisão assentaria e o sentido da mesma (foi esta também esta essência do despacho de 21/12/2011; referência citius 13407652), sendo que os interessados (o Requerente e a Requerida), na posse desse relevante dado (note-se que correspondia ele aos pressupostos jurídicos da decisão final a tomar) exerceram um efectivo e operante contraditório relativamente a essa decisão. Neste debate travado no processo, o Parecer do Ministério Público aparece-nos como um elemento secundário desse debate, sem transportar o que quer que seja de substancialmente novo ao processo e à actuação das partes, no sentido de algo que não tivesse sido já considerado pelos intervenientes nas suas anteriores tomadas de posição sobre esse despacho de 21/12/2011.

Sublinha-se que o atendimento de qualquer nulidade, de qualquer desvio ao rito processual considerado adequado – admitindo que a notificação às partes do Parecer de quem actua como parte acessória traduzisse um desvio da tramitação devida –, sempre depende, para além do desvalor intrínseco da omissão de um acto, da aptidão que esse acto omitido apresente para influir em concreto no exame ou na decisão da causa (artigo 201º, nº 1 in fine do CPC). Não é este, manifestamente, o caso que aqui se configura. E sempre se sublinhará que o debate contraditório entre as partes de todas as questões referidas nesse Parecer ocorreu efectivamente no decurso do incidente de incumprimento, não tendo sido induzida por esse Parecer qualquer decisão-surpresa.

Vale tudo isto pelo desatendimento das invocadas nulidades do procedimento que conduziu à decisão final do incidente de incumprimento, o que aqui tem o sentido de confirmação do Despacho – da despacho pós decisão final – de fls. 28/29 com a referência citius 14397756.

2.1.3. E é a Decisão final deste incidente de incumprimento – o Despacho de fls. 23/26 transcrito no item 1.2.4. e nota 11 supra – que agora importa apreciar directamente.

A ratio decidendi desta Decisão expressa-se na seguinte asserção: têm aplicação neste caso, quanto ao exercício das responsabilidades parentais (exercício do poder paternal na terminologia correspondente ao regime aplicável), as regras estabelecidas no Código Civil para o exercício do poder paternal nas situações de filiação, estabelecida quanto a progenitores não casados nem conviventes maritalmente, no artigo 1911º, nº 1 do CC, na redacção do Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro (ou seja, na redacção anterior à Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro). Deste enquadramento legal resulta que “[…] o exercício do poder paternal pertence ao progenitor que tiver a guarda do filho”[18], podendo este decidir uma deslocalização do menor para o estrangeiro (uma mudança de residência que envolva mudança de país) – como aqui sucedeu com a Mãe a quem ficou confiada a guarda no acordo adrede estabelecido entre os pais –, sem necessitar nessa mudança do acordo do outro progenitor[19]. A inexistência de incumprimento pela Mãe decorre, pois, na visão aqui veiculada pelo Tribunal, da circunstância do acto dela do qual decorreria esse imputado incumprimento ser um acto livre, não dependente do Pai, desvinculado de um acordo prévio condicionante por este, no sentido de situado na esfera de decisão autónoma da Mãe (da efectiva exercente do poder paternal) quanto ao filho menor, não traduzindo desvio do poder-dever de que se encontra investida a Mãe, como progenitora guardiã, essa decisão de deslocar o filho para o estrangeiro, na sua companhia, quando decide ela emigrar.

Foi este, com efeito, o sentido da Decisão aqui apelada.

O elemento juridicamente relevante nesta construção assenta na conjugação de dois factores: (a) a questão da aplicação no tempo da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, em função da norma transitória contida no respectivo artigo 9º; (b) a definição, face a esse enquadramento legal, dos poderes de actuação do progenitor guardião e do não guardião, no caso previsto no artigo 1911º, nº 1 do CC.

2.1.3.1. (a) A primeira questão – a aplicação no tempo das alterações ao Código Civil introduzidas pela Lei nº 61/2008 – assenta na ponderação do sentido do artigo 9º deste Diploma (“[o] presente regime não se aplica aos processos pendentes em tribunal”), sendo que o enquadramento da presente situação no regime anterior, em função do factor tempo referido à data de origem do processo matriz, do qual este incumprimento constitui um mero incidente[20], já foi anteriormente equacionada na segunda parte da nota 3 supra. Assim, não fora a clareza da opção da norma de direito transitório aqui construída, o referido artigo 9º, a lei nova teria aplicação imediata às situações em causa nos processos pendentes[21]. O contrário, a não aplicação da lei nova, só aqui ocorre por opção expressa do Legislador, e por estarmos num domínio em que essa opção era possível – e foi o que aqui sucedeu – através da edição de uma norma transitória de carácter formal, precisamente a natureza que reveste o artigo 9º da Lei nº 61/2008[22].

Estando-se perante uma opção tão expressivamente clara do legislador quanto à subsistência da lei anterior relativamente às situações colocadas e a colocar em processos pendentes (o que abrange a instância matriz e as posteriores instâncias que assumam natureza incidental daquela, como sucede com o incumprimento[23]), outro entendimento apenas poderia decorrer da inconstitucionalidade do regime transitório formal estabelecido nesse artigo 9º, sendo que isso passaria aqui pela recusa de aplicação dessa norma, nos termos do artigo 204º da Constituição da República Portuguesa.

Note-se que este problema de constitucionalidade foi colocado ao Tribunal Constitucional que o resolveu, no sentido da conformidade constitucional do mencionado artigo 9º da Lei nº 61/2008, no Acórdão do Plenário nº 398/2011 (João Cura Mariano)[24]. Esta definição dispensa-nos aqui de maiores desenvolvimentos sobre a matéria. Em função desta mesma definição, assentaremos que à presente instância incidental de incumprimento se aplica o regime legal atinente ao exercício das responsabilidades parentais anterior à Lei nº 61/2008. É esse regime que interessa aqui caracterizar, quanto a uma decisão de deslocar o menor para o estrangeiro, por parte do cônjuge guardião (aquele a quem foi confiado o exercício do poder paternal) no quadro de uma decisão deste de emigrar e fixar a sua residência habitual, bem como a do filho menor que tem a cargo, no estrangeiro.

2.1.3.2. (b) A este respeito, no quadro legal anterior à Lei nº 61/2008, como decorrência do regime estabelecido no artigo 1911º, nº 1 do CC (transcrevemos este na nota 19 supra), a decisão de emigrar por parte do progenitor guardião do menor, no elemento desta decisão que envolve (e aqui envolve necessariamente) a deslocação para o estrangeiro do filho cujo poder paternal se exerce, esta última decisão implicada pela outra (a deslocação do filho para outro país), não carece de autorização do progenitor não guardião, podendo ser assumida individualmente pelo detentor da guarda, sem consenso com o outro progenitor e até contra a vontade deste. Não traduz tal deslocação do filho para o estrangeiro, unilateralmente decidida, pois, um incumprimento de deveres reportados ao exercício das responsabilidades parentais, nos termos em que tal exercício fora regulado, com atribuição desse exercício à Mãe.

Esta asserção, que nos parece resultar da simples interpretação do preceito – “[…] o exercício do poder paternal pertence ao progenitor que tiver a guarda do filho” –, é caracterizada por Hélder Roque, precisamente no quadro legal anterior à Lei nº 61/2008, como “exercício unilateral do poder paternal pelo progenitor detentor da guarda”:
“[…]
[N]o que respeita às situações posteriores ao divórcio e afins[[25]], em oposição total ao que se passa na constância do casamento[[26]], desaparece a presunção de acordo dos pais, relativamente à prática de actos usuais, e a exigência legal do consentimento expresso  de ambos os progenitores, para a realização de actos respeitantes à pessoa do menor, operando-se uma concentração do exercício de todos estes poderes-deveres, na pessoa do progenitor que detém a guarda, mesmo tratando-se de questões de particular importância. Quer dizer, privilegiou-se o princípio da unidade da direcção do poder paternal, em detrimento do princípio da igualdade dos progenitores na educação dos filhos, ou seja, a eficácia da decisão à sua democraticidade […].
[…]
O direito de vigilância do não guardião, que funciona como um importante correctivo do monopólio do exercício do poder paternal conferido ao detentor da guarda, e, igualmente, como contrapartida da exclusividade do direito de educação activa deste último, não é um direito de ingerência, nem um direito de veto, nem um direito de acção, nem um direito de prestar o consentimento prévio às decisões do guardião, sob pena de paralisação do exercício do poder paternal e do bloqueio do poder de decisão do detentor da guarda, o qual, de outro modo, se diluiria no compasso de espera imposto pelo não guardião de se opor, diferidamente, às decisões tomadas ou a tomar pelo progenitor que exerce o poder paternal.
E se o progenitor não guardião não goza do direito absoluto de ser ouvido, em relação às decisões do detentor da guarda, que se revistam de importância para a prossecução dos interesses do menor, muito menos aquelas pressupõem o seu acordo quanto à sua concretização efectiva.
[…]”[27].

            Ora, em suma, se – e referimo-nos ao regime aqui aplicável – o progenitor não guardião não dispõe de poder de decisão sobre o elemento aqui apresentado como constituindo incumprimento, não pode a decisão de quem detém essa faculdade (a do progenitor guardião) ser encarada como incumprimento da regulação do poder paternal. Assenta esta caracterização do problema numa asserção jurídica – a que determina quem tem o poder de decidir naquelas circunstâncias, num quadro de interacção entre os dois progenitores –, mas, se encararmos as coisas numa perspectiva exclusivamente prática, não deixaremos de ver a decisão de emigrar da Requerida como uma decisão racional (hoje intuitivamente racional), com pressupostos de referência justificados e que reforçam esse sentido racional (o menor nasceu em França e tem nacionalidade francesa; existem efectivos laços familiares dela e do filho nesse país; e existe, enfim, a liberdade de deslocação…). Tudo isto contribui para o reforço, para além do problema jurídico aqui equacionado, para que este Tribunal aceite essa decisão de emigrar com o filho por parte da Requerida e nesse sentido – também nesse sentido – entenda que a situação configurada não deva ser vista como um incumprimento.

            Também com este último sentido – além da consideração da alocação à Requerida do poder legal de agir autonomamente nesta situação – a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância neste apenso A, quanto à inexistência de incumprimento pela Requerida, se nos apresenta como correcta e merecedora de confirmação.

            No final decidiremos nesta instância confirmar o Despacho recorrido – a Decisão de fls. 23/26 deste apenso – não atendendo, pois, esta apelação.

            Por ora, passaremos à apreciação da segunda apelação, referida à decisão final proferida no apenso B.

2.2. [o apenso B – alteração da regulação das responsabilidades parentais, sendo a decisão recorrida a Sentença de fls. 188/215].

2.2.1. Está em causa neste recurso um processo de alteração de regime de exercício das responsabilidades parentais, previsto no artigo 182º da OTM, desencadeado por um pedido de alteração formulado pelo Requerente aqui Apelante em 1 de Fevereiro de 2012 (foi este – o processo que correspondeu ao apenso B – que efectivamente assumiu aqui a natureza de processo de alteração e foi ele desencadeado pelo Requerente, em função da deslocação do filho para o estrangeiro com a Mãe[28]).

A decisão apelada fixou como factos relevantes – factos instrumentais do decidido – os que aqui se transcrevem, sublinhando tratarem-se de incidências já referidas e caracterizadas ao longo de todo o item 1. deste Acórdão:
“[…]
1 – A criança D… nasceu em ..., França, no dia 14/01/2008, sendo filho do Requerente e da Requerida (fls. 4 dos ‘principais’).
2 – Por acordo celebrado entre os progenitores no dia 13/01/2009, homologado por sentença transitada em julgado, proferida nesse dia no Processo nº 1211/08.6TBAND, de que os presentes constituem apenso, foi regulado o exercício do ‘poder paternal’, nos termos do qual ‘O menor D… ficará confiado à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal’, tendo ali sido fixado o regime de visitas ao progenitor e contribuição por parte do mesmo para o sustento do filho (fls. 26 e 27 dos ‘principais’).
3 – No dia 14/09/2011 a progenitora deslocou-se para França, para ir trabalhar, levando consigo o filho, passando a residir em tal País, do que o progenitor teve conhecimento no dia 16/09/2011 através de comunicação escrita que a progenitora lhe dirigiu via postal (fls. 2, 3 e 5 a 10 do apenso ‘A’).
4 – Em tal país encontram-se a viver os tios e primos da progenitora, o avô materno e o tio materno da criança, a qual frequenta a escola e ATL, e onde a progenitora teve trabalho até 31 de Dezembro de 2011, encontrando-se actualmente a frequentar um curso de francês (fls. 13 a 16 e 27 do apenso ‘A’).
5 – A criança faltou dois dias à escola em França por causa da Conferência de Pais aqui realizada no dia 02/02/2012 no processo de incumprimento apenso ‘A’ (fls. 27 do ‘A’).
6 - Na conferência de pais realizada no pretérito dia 02/02/2012 no incidente de incumprimento, apenso ‘A’, o progenitor recusou qualquer acordo quanto à revisão/alteração do actual regime de visitas (fls. 20 e 21 do ‘A’).
7 – No dia 09/12/2011 foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra a progenitora, em processo sumaríssimo, acusando-a da prática de um crime de subtracção de menor, p. e p. pelo art.º 249º, nº, 1, al. c) do C. Penal (fls. 23 a 30).
8 - No dia 05/12/2011 foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra ambos os progenitores, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, acusando-os da prática, a cada um deles, em autoria material, no dia 27/08/2011, de um crime de ofensa à integridade física, recíproco, p. e p. pelo art.º 143º, nº, 1 do C. Penal (requerimento electrónico de 27/12/2011, do apenso ‘A’).
9 – O progenitor permanece a residir em Portugal, bem como os avós paternos e avó materna da criança, a qual com eles tem uma boa relação.
10 – A presente acção foi proposta no dia 01/02/2012 (fls. 36).
[…]”[29].

Culminou a acção de alteração[30] em causa neste apenso numa decisão – a decisão aqui apelada – julgando a jurisdição nacional, no caso corporizada no Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro da Comarca do Baixo Vouga, internacionalmente incompetente, por referência às regras de competência constantes do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 – Regulamento Bruxelas II bis –, relativo à competência e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000 (doravante referiremos o Regulamento nº 2201/2003 como o Regulamento)[31].

Destas regras comunitárias, concretamente do artigo 8º, nº 1 do Regulamento (que foi a norma em concreto aplicada pela decisão ora apelada), resultaria ser o Tribunal francês o competente para a nova regulação das responsabilidades parentais aqui pretendida pelo Requerente, por se entender “residir habitualmente” nesse Estado-Membro o menor Diego Rafael.

Vale aqui, como questão prévia atinente à procura de norma interna propiciadora desta aplicação directa do Regulamento 2201/2003, além da base correspondente ao artigo 8º, nº 4 da Constituição[32] e ao artigo 288º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (doravante Tratado)[33], o corpo do nº1 do artigo 65º do CPC[34]. E a isto acresce que a determinação da respectiva competência pelo Tribunal português, face às regras emergentes do Regulamento, situa-se num domínio de intervenção oficiosa (obrigatória) do Tribunal nacional onde o processo foi instaurado, como decorre expressamente do artigo 17º do Regulamento: “[o] tribunal de um Estado-Membro no qual tenha sido instaurado um processo para o qual não tenha competência nos termos do presente regulamento e para o qual o tribunal de outro Estado-Membro seja competente, por força do presente regulamento, declara-se oficiosamente incompetente”[35]. Note-se que a aplicação temática do Regulamento ao caso concreto – referimo-nos ao âmbito material de aplicação do Regulamento em função do pedido aqui formulado pelo Requerente – decorre da circunstância de uma pretensão de alteração do regime atinente ao exercício das responsabilidades parentais estar inquestionavelmente abrangida no que o Regulamento refere como “exercício da responsabilidade parental”, visando-se nesta acção, aliás, modificar o direito de guarda do menor, cuja atribuição à Mãe em anterior regulação o Pai pretende afastar (cabe a situação, pois, no artigo 1º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do Regulamento)[36]. E, enfim, para esgotarmos os elementos introdutórios respeitantes à aplicação do Regulamento, referindo-nos ao âmbito temporal de aplicação deste, repetiremos que um processo de alteração de regulação constitui um processo autónomo (um processo novo, se preferirmos expressar as coisas nestes termos, v. nota 30, supra) que aqui se iniciou em 01/02/2012, sendo o Regulamento aplicável às acções judiciais posteriores a 1 de Março de 2005 (artigo 64º, nº 1 do Regulamento)[37].

Foi neste quadro geral que se moveu o Tribunal a quo na apreciação da respectiva competência internacional, por referência ao Regulamento Bruxelas II bis. Importa agora controlar a decisão que a tal respeito proferiu: considerar competente para a alteração da regulação a jurisdição francesa, enquanto jurisdição correspondente à residência habitual do menor.

2.2.2. Como primeira aproximação à questão interessa reter, por propiciar um relevante elemento interpretativo, o considerando introdutório do próprio Regulamento referido à questão da competência (trata-se do considerando 12).
(12) As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental.

            Este enquadramento motivacional – de carácter assumidamente teleológico quanto à questão da competência –, concretiza-se no articulado do Regulamento nas seguintes disposições constantes da Secção 2 (sublinhando-se aqui os trechos com directa relevância):

Artigo 8º
Competência geral
1 – Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
2 – O nº 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9º, 10º e 12º.
Artigo 9º
Prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança
1 – Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8º, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança.
2 – O nº 1 não é aplicável se o titular do direito de visita referido no nº 1 tiver aceitado a competência dos tribunais do Estado-Membro da nova residência habitual da criança, participando no processo instaurado nesses tribunais, sem contestar a sua competência.
Artigo 10º
Competência em caso de rapto da criança
Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro e:
a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou
b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:
i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,
ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),
iii) o processo instaurado num tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do nº 7 do artigo 11º,
iv) os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.

            Resumindo as coisas, por referência ao encadeamento interpretativo seguido na decisão apelada: (1) é competente o Tribunal do Estado-Membro onde o menor resida habitualmente; (2) o Tribunal do Estado-Membro de uma anterior residência apenas seria competente para alterar uma decisão sobre direito de visita (não sobre a guarda do menor), nos três meses posteriores à deslocação; (3) só uma deslocação qualificável como ilícita tornaria competente a jurisdição do Estado-Membro da primitiva residência do menor.

            No caso presente, tendo em conta o enquadramento da competência fornecido pelo Regulamento, a decisão apelada, tendo considerado, contra o entendimento do Pai, inexistir uma deslocação ilícita do menor (conforme assentou o Tribunal, e aqui foi confirmado, no julgamento da questão do incumprimento realizado no apenso A), no sentido em que assistia à Mãe, na definição do conteúdo do direito de guarda aí aplicável, a faculdade de, autonomamente do Pai e sem necessidade (legal) de alcançar um consenso com este, decidir a deslocação do filho para o estrangeiro, tendo presente este pressuposto (o de que não existiu deslocação ilícita), dizíamos, a decisão apelada neste apenso B, traduziu-se, tão-somente, na aplicação da regra geral de competência (o artigo 8º, nº 1 do Regulamento). Considerou-se, pois, que a residência habitual do menor se transferiu (licitamente) para França, para onde a Mãe emigrou em meados de Setembro de 2011 (v. item 1.2.1. supra), e, porque a acção visando a alteração foi instaurada mais de três meses após essa deslocação, o que afastou a extensão de competência da jurisdição portuguesa prevista no artigo 9º, nº 1 do Regulamento[38], por tudo isto, dizíamos, considerou o Tribunal que a nova regulação visada pelo Pai (pretende este a retirada da custódia do menor à Mãe) competia, segundo o Regulamento, à jurisdição francesa.

            O elemento fulcral desta construção refere-se à caracterização da deslocação do menor para França como “deslocação lícita” (se quisermos, como deslocação não ilícita), em função da definição, já aqui apreciada no âmbito da discussão do recurso respeitante ao apenso A, ao longo do item 2.1.3. supra, do conteúdo do direito de guarda da Mãe, face à lei aplicável à regulação alcançada no processo matriz instaurado em 2008. Isto em função da norma de direito transitório constante do artigo 9º da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro (face ao artigo 1911º, nº 1 do CC na redacção anterior a este Diploma, entendido nos termos enunciados supra no item 2.1.3.2. (b)). Com efeito – e estamos a repetir o que acima afirmámos – o progenitor a quem foi confiada a guarda do menor, exercendo em função disso o poder paternal, pode, no regime anterior ao decorrente da reforma consubstanciada na Lei nº 61/2008, decidir unilateralmente a deslocação da residência do filho para o estrangeiro, designadamente (enquanto opção racional e não abusiva) por decorrência de uma decisão de emigrar.

            Da mesma forma que esta constatação serviu, em sede de apreciação da apelação correspondente ao apenso A, para considerar inexistir incumprimento do acordo de regulação pela Mãe, vale aqui (esta mesma constatação) para afirmar – como assumidamente esta Relação ora afirma – que a deslocação do menor para França, acompanhando a Mãe quando esta emigrou, não traduziu uma deslocação ilícita do menor apta a alicerçar a continuidade da competência da jurisdição portuguesa (a da anterior residência habitual do menor), nos termos do artigo 10º, nº 1 do Regulamento. Vale aqui, pois, como regra de competência aplicável em função das incidências concretas do caso, portanto, como regra decorrente do Regulamento para esta situação de responsabilidade parental, o critério geral do artigo 8º, nº 1: “[os] tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que esse processo seja instaurado em tribunal”.

            Note-se que, afastada a questão da suposta deslocação ilícita (enquanto pressuposto não demonstrado no qual assentou toda a argumentação do Apelante, e do Parecer por ele junto[39]), o elemento fulcral da definição da questão da competência se reconduz à questão da residência habitual do menor. Este conceito (o de residência habitual), estando em causa a deslocação para um outro país de um menor com três anos de idade na companhia da Mãe, enquanto progenitora detentora da guarda deste, corresponde à associação do filho à fixação de uma residência pela Mãe, assumindo a ideia (intuitiva) de existência de uma célula familiar formada pelos dois. A residência habitual do filho é, pois, nesta configuração, a residência habitual que for fixada pela Mãe. Vale a tal respeito a referenciação, na jurisprudência comunitária, do que traduz a “residência habitual” de alguém, enquanto conceito operante no quadro de uma relação plurilocalizada. Podemos a este respeito recorrer ao Acórdão do Tribunal de Justiça de 15/09/1994, no Caso “Pedro Magdalena Fernandez contra Comissão das Comunidades Europeias[40], ao definir “residência habitual” de alguém “o local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir um carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, entendendo-se que para efeitos de determinação dessa residência, é necessário ter em conta todos os elementos de facto dela constitutivos[41].

Ora, a este respeito valem neste caso, como elementos intuitivamente caracterizadores de um relevante (e legítimo) acto de fixar residência num determinado local (aferido em função de um país), o estabelecimento de residência em França pela Mãe na companhia do filho, a obtenção por ela de trabalho nesse mesmo país, o propósito de emigrar, tudo associado à inserção escolar do filho nesse local[42]. Como indica Luís de Lima Pinheiro (citando a jurisprudência do TJ indicada na nota 42, concretamente trechos do Acórdão de 02/04/2009), a propósito do conceito de “residência habitual”:
“[…]
O conceito de ‘residência habitual’ utilizado no artigo 8º/1 deve ser objecto de uma interpretação autónoma. Segundo esta interpretação, essa residência habitual ‘corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar’. Para determinar este lugar, deve ser tido em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto, ‘nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado’.
[…]”[43].

Sublinhamos que todos estes elementos, referidos a França, se verificam ostensivamente neste caso, quanto ao menor D…, sendo em função deles que a caracterização da sua residência habitual deve ser – e foi efectivamente na decisão apelada – alcançada.

É neste quadro que entendemos ter a decisão apelada fixado adequadamente os pressupostos em que assentou e alcançado, em função de uma adequada ponderação desses pressupostos, uma solução correcta.

            2.2.2.1. Note-se, enfim, que no antecedente percurso interpretativo utilizámos elementos perfeitamente consolidados na jurisprudência comunitária [o conceito geral de “residência habitual” (Caso “Pedro Magdalena Fernandez contra Comissão das Comunidades Europeias”) e esse mesmo conceito interpretado numa situação de responsabilidade parental, para o efeito do artigo 8º, nº 1 do Regulamento (Caso “A”, de 02/04/2009)], sendo que estes precedentes do Tribunal de Justiça tornam clara a interpretação do elemento de Direito comunitário aqui relevante (o conceito de “residência habitual” da criança para o efeito do artigo 8º, nº 1 do Regulamento nº 2201/2003). Interessa esta observação como exclusão da ocorrência neste caso de uma “questão prejudicial”, que tivesse que ser colocada ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (ex artigo 234º da versão anterior à introduzida pelo Tratado de Lisboa).

Vale aqui, a respeito desta opção de não realizar qualquer reenvio prejudicial, o sentido inequívoco da jurisprudência comunitária quanto à interpretação do conceito ora operante (residência habitual da criança), nos termos em que essa interpretação aqui se expressou. Note-se que a obrigação do tribunal nacional de submeter uma questão de interpretação do Direito Comunitário, como questão prejudicial, ao Tribunal de Justiça, não existe – é o entendimento do Tribunal de Justiça no Acórdão de 06/10/1982, no caso “Srl. CILFIT et Lanificio di Gavardo[44] – nas situações em que exista, como aqui sucede, jurisprudência comunitária clara sobre a questão interpretativa colocada[45]:
“[…]
No caso das partes, num litígio ante um órgão jurisdicional nacional, cujas decisões não sejam susceptíveis de ulterior recurso de acordo com o Direito interno, colocarem uma questão prejudicial, o artigo 267º do Tratado impõe a esse órgão judicial a obrigação de submeter essa questão prejudicial ao Tribunal de Justiça, sempre que se coloque, a respeito dessa questão, uma dúvida razoável. A jurisprudência do Tribunal de Justiça reconduz este tipo de dúvida às doutrinas do «acto claro» e do «acto aclarado». Isto é, quando a interpretação do Direito da União Europeia afectado pela colocação dessa questão prejudicial não ofereça dúvidas na sua interpretação, ou haja sido já interpretada pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional não está submetido à obrigação de colocar a questão prejudicial ao Tribunal de Justiça. 
[…]”[46].

            2.2.3. Das considerações tecidas ao longo deste item 2.2., resulta ser de confirmar a decisão recorrida neste apenso B – ou seja, a Sentença de fls. 188/215. No final expressaremos esse resultado, confirmando a incompetência da jurisdição portuguesa para apreciar o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas ao menor D…, alteração proposta perante um Tribunal português pelo Requerente ora Apelante. Essa decisão de incompetência será, pois, confirmada, com a improcedência desta apelação.

            2.3. Apreciadas que estão as duas apelações (os recursos interpostos em cada um dos processos aqui distribuídos ao mesmo relator), improcedendo ambas – ou, dito o mesmo de outra forma, sendo de confirmar qualquer das decisões recorridas – resta-nos formular decisoriamente esse resultado final dos recursos.

Antes, porém, sumariaremos aqui os pontos fundamentais do antecedente percurso interpretativo, quanto a cada um desses recursos, cumprindo assim a imposição ao relator decorrente do artigo 713º, nº 7 do CPC:
I – Ao acordo de regulação do poder paternal fixado num processo de regulação iniciado antes de 30/11/2008 (data da entrada em vigor da Lei nº 61/2008), aplica-se, nos termos da norma transitória constante do artigo 9º dessa Lei, o regime decorrente das disposições do Código Civil alteradas por essa mesma Lei, na redacção anterior a essa alteração (não se aplica, pois, a lei nova introduzida por esse Diploma);
II – Concretamente, no caso de uma regulação respeitante a menor cujos pais não estejam casados e não vivam maritalmente, aplica-se, quanto ao exercício do poder paternal, o disposto no artigo 1911º, nº 1 do CC na redacção do Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro;
III – Deste resulta – nessa redacção – que o exercício do poder paternal pelo progenitor guardião comporta a faculdade deste decidir autonomamente, e sem necessidade de consenso condicionante com o outro progenitor (não guardião), quanto à deslocação do menor para o estrangeiro, no quadro de uma decisão de emigrar por parte desse progenitor guardião;
IV – Assim, a deslocação nesse quadro do menor para outro país não corresponde a uma situação de incumprimento de um acordo de regulação que não previa especificamente essa situação, limitando-se a atribuir a guarda do menor (e o exercício do respectivo poder paternal) ao progenitor que posteriormente tomou a decisão de emigrar levando o filho consigo;
V – Um processo de incumprimento (o processo previsto no artigo 181º da OTM) constitui uma instância incidental, relativamente ao processo base de regulação do poder paternal, tratando-se de verificar, com base no enquadramento legal correspondente a essa regulação, se a incidência invocada (aqui a deslocação do menor para o estrangeiro) traduz uma situação de incumprimento do acordo;
VI – Já um processo de alteração de regime da responsabilidade parental, previsto no artigo 182º da OTM, traduz um processo autónomo (novo), a propor no tribunal que nesse momento (quando se propõe a alteração) for o competente;
VII – A licitude da deslocação do menor para o estrangeiro pelo progenitor guardião, com base no enquadramento indicado em II, III e IV deste sumário, retira a essa deslocação a natureza de uma “deslocação ilícita” nos termos do artigo 2º, item 11. do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 (Regulamento Bruxelas II bis);
VIII – Assim, a regra de competência internacional para uma acção de alteração, na qual se pretenda modificar o regime de guarda do menor em função da deslocação deste para o estrangeiro pelo progenitor guardião, essa regra de competência, dizíamos, é a regra geral constante do artigo 8º, nº 1 do Regulamento Bruxelas bis: “[o]s tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal”;
IX – Constitui residência habitual de uma criança de três anos de idade, que emigra acompanhando a mãe, o local para onde esta (a mãe) se desloca (com o filho) com esse propósito, aí passando a viver (fixa residência, passa a trabalhar e matrícula o menor numa escola própria para crianças dessa idade);
X – E funciona como elemento adjuvante da definição dessa deslocação como fixação de residência habitual no outro país (o país para o qual a mãe emigrou) a circunstância do menor ter nascido nesse país, dispor também da nacionalidade desse mesmo país e aí ter família.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, na improcedência das duas apelações, decide-se:

            A) Confirmar as decisões de fls. 23/26 e de fls. 28/29 do apenso A, quanto à inexistência de incumprimento pela Requerida do acordo de regulação do poder paternal fixado no processo principal;

            B) Confirmar, igualmente, a Sentença de fls. 188/215, proferida no apenso B, considerando os Tribunais portugueses incompetentes, face ao Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 (Regulamento Bruxelas II bis), para apreciar a alteração de regulação das responsabilidades parentais em causa neste apenso B.

            As custas de ambas as apelações ficam a cargo do Requerente, ora Apelante, vencido que ficou em ambas as instâncias de recurso.


(J. A. Teles Pereira - Relator)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)


[1] Embora a qualificação de “Requerente” aplicada ao Pai do menor seja discutível (em rigor, como veremos, não foi ele que “requereu” formalmente o incidente de incumprimento, adoptamos essa terminologia aqui, por facilidade de identificação, tendo presente ter sido o Pai o Requerente do processo matriz, em torno do qual se desencadearam as vicissitudes aqui tratadas.
[2] Esta data, funcionando a regulação do poder paternal como processo matriz, marca o momento relevante para determinação do regime aplicável ao presente recurso, sendo este o decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1).
Também num quadro preambular de determinação da lei aplicável, numa situação de sucessão de leis no tempo, teremos presente – e a esta questão retornaremos no texto deste Acórdão mais adiante – que a acção de regulação do poder paternal foi instaurada no dia 28/11/2008, então no Tribunal Judicial de Anadia (v. carimbo de fls. 1 da regulação e capa que a antecede), ou seja, dois dias antes da entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro (v. o respectivo artigo 10º, do qual resultou ter entrado em vigor no dia 30/11/2008), sendo que, nos termos do artigo 9º da mesma Lei, as alterações (o novo regime) por ela introduzidas(o) “[…] não se aplica aos processos pendentes em tribunal”. Vale isto por dizer que na presente regulação do poder paternal se aplicou – aí sem contestação alguma – o regime legal anterior à Lei nº 61/2008. No processo derivado subsequente aqui em causa (referimo-nos ao incidente de incumprimento) essa aplicação (para sermos precisos, a constatação de ter ocorrido essa aplicação) será matéria objecto de discussão na subsequente exposição (item 2.1.3.1. infra).   
[3] Esta indicação temporal refere-see estamos a sublinhar uma incidência muito importante na economia decisória desta instância –, tão-só, à data da autuação do apenso A (04/11/2011, cfr. despacho de fls. 12 do apenso A) correspondente ao incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais, sublinhando-se que, todavia, as questões em torno das quais se colocava esse incumprimento estavam a ser tratadas anteriormente no quadro do processo principal, na sequência da apresentação, em 16/09/2011, da carta da Requerida Mãe de fls. 2/3 do apenso A (que agora está no apenso A). Como dissemos, esta questão tem relevância para o pronunciamento deste Tribunal.
[4] O processo em suporte de papel enviado a este Tribunal da Relação não contém, contra o que foi determinado pelo Senhor Juiz a quo, esses requerimentos – foi, pois, deficientemente preparado na Secretaria da primeira instância. Tivemos acesso a esses elementos através da importação do processo electrónico registado no sistema citius pela Secretaria deste Tribunal.
[5] Constam deste requerimento as seguintes passagens:
“[…]

48º

E porque no seu desespero de pai, nada deve ser perdido na defesa do que considera ser uma situação de risco de seu filho menor, e porque nessa medida espera a melhor eficiência das instituições a que se dirige, lançou mão paralelamente dos mecanismos previsto no Regulamento CE nº 2201/2003, emergente da Convenção de Haia de 25/10/1980, destinados à garantia do exercício do direito de visitas violado e, consequentemente, com pedido à Autoridade Central Francesa de regresso do menor a Portugal.

Pelo exposto,


49º

Pretende o requerente, em face da presente resposta, exercer o contraditório em relação ao requerimento da requerida, autuado a 16 de Setembro de 2011.

50º

Pretende ainda evidenciar que não se encontram devidamente apuradas as circunstâncias em que a requerida permanece em França, seja em relação à sua situação de emprego e condição económica, seja no tocante à suas condições de habitação, o que tudo importa apurar na perspectiva da boa tutela dos superiores interesses do menor.

51º

Pretende acrescidamente o requerente justificar o seu justo receio de que seu filho esteja, na realidade, em situação de risco, dada a ausência de informações concretas da situação actual do menor e perante o quadro factual dos antecedentes de notória instabilidade emocional e psicológica da requerida e do seu enquadramento familiar.

52º

Pretende igualmente o requerente registar que a situação gerada pela requerida constitui uma objectiva e notória violação da sentença homologatória do acordo de regulação do poder paternal vigente e que subsiste inalterado, justificando-se a aplicação pelo Tribunal do regime previsto no artigo 181º da OTM.

53º

Tudo sem prejuízo do despoletamento pelo mecanismo próprio do pedido de alteração do regime ao abrigo do artigo 182º da mesma OTM, o que fará oportunamente.
[…]”.
[6] Propõe a Mãe a inquirição de dez testemunhas e refere que a sua deslocação para França com o filho (país onde o menor nasceu, tendo dupla nacionalidade e onde têm, ela e o filho, diversos familiares) se deveu à possibilidade de aí encontrar um trabalho estável e melhores condições de vida, em confronto com a realidade portuguesa:
“[…]

Como consta da carta que a Requerente teve o cuidado de remeter a Tribunal antes de se deslocar para França, a Requerente necessitava de ter uma situação profissional estável, e foi o que conseguiu em França.

Aliás, a Requerente tem tanta família em França como em Portugal: tem em França seu pai e seu irmão.

Aliás o menor nasceu em França, tendo dupla nacionalidade.

Assim,

A Requerente tomou a decisão de ir para França por estas duas razões:

1º Para ter um emprego estável onde poderia auferir bastante mais do que em Portugal, sempre superior a €1.400,00/mês, com o qual poderia dar ao seu filho condições que ele nunca teria em Portugal.
[…]

De facto, conseguiu em França um contrato de trabalho que lhe permite auferir o montante indicado (docs. 1 a 5),

Inscreveu o seu filho numa escola, (doc. 6),

Tinha residência para si e para o seu filho, (doc. 7).
[…]

Necessita, pois a Requerente que o Tribunal a autorize a continuar com o seu filho D… em França, atenta a disparidade dos benefícios de tal situação face à inexistência de quaisquer razões que imponham a continuação da sua presença em Portugal.

Compromete-se a, nas suas desolações a Portugal, a facultar ao Requerido o contacto com o seu filho, como aliás sucede no momento em que o presente requerimento está ser feito […].

Sendo, pois, legítimo, por parte da Requerente querer ir para França com o seu filho, e face ao exposto certamente que o Tribunal autorizará tal situação.

Requer, pois, que o Tribunal formalmente autorize a Requerente a levar o menor D… consigo para França, alterando, assim o acordo de Poder Paternal antes celebrado.
[…]” (sublinhado acrescentado).
[7] O Pai exerceu o contraditório relativamente a este requerimento e documentos em requerimento apresentado em 14/12/2011 (de novo ausente do suporte de papel do processo).
[8] Este despacho foi notificado ao Pai e à Mãe (a notificação do primeiro está registada no sistema citius sob a referência 13437611).
[9] Aqui se transcreve esse Parecer, sublinhando-se a natureza redundante do mesmo relativamente ao despacho judicial de 21/12/2011 acima transcrito:
“[…]

Pela certa, o M.º P.º junto do Juízo Criminal de Anadia não teve presente o facto de a Regulação do Poder Paternal, relativamente ao menor D…, ter sido decidida no âmbito da anterior legislação.

Contrariamente à actual legislação em que o exercício das responsabilidades parentais no que concerne às questões de particular importância deve, por regra, incumbir a ambos os progenitores, ali o exercício do poder paternal incumbia, por regra, a um só dos progenitores.

Tal foi o que aconteceu nos autos principais em que o exercício do poder paternal foi, por acordo dos pais, entregue somente à progenitora.

É ela a sua detentora e é ela quem o pode exercer.

Assim, estando a mudança de residência dentro do núcleo de poderes de quem exerce o poder paternal, parece-nos evidente que a progenitora poderá decidir sozinha onde poderá vir a residir e consigo o filho, uma vez que lhe está confiado.

Apenas terá de dar conhecimento da nova morada ao progenitor para que ele, querendo, visite o filho na nova morada.

Outra questão, é a que reporta ao facto de, com a mudança de residência do filho, as visitas passarem a ser mais penosas e dispendiosas para o progenitor, nomeadamente devido à deslocação do filho para país diferente daquele em que residia à data do acordo.

Contudo, não nos podemos esquecer e, pelo contrário, devemos ter sempre presente, o espaço geográfico em que nos inserimos.

Com efeito, situando-nos nós no espaço da União Europeia, teremos de ter sempre presente que um dos princípios basilares desta é a livre circulação de pessoas e bens.

Ora, sendo a progenitora uma mulher livre, é por demais evidente que poderá vir a residir em qualquer dos países da U E sem que, por isso, possa vir a ser prejudicada ou sancionada.

Por outro lado, temos, igualmente, de ter presente que a alteração do figurino vigente – nestes autos que se reportam somente a incumprimento –, só poderá ser efectuada por acordo dos pais e não, já, por decisão judicial.

Nestes autos, a decisão terá que apreciar somente se houve ou não incumprimento. Não pode pronunciar-se sobre a alteração, no fundo, pretendida, porque os autos lhe não respeitam, não obstante estarmos no âmbito de processos de jurisdição voluntária.

Tal acordo foi tentado em sede de conferência, onde a progenitora estava disposta a ceder todas as férias do filho para ele passar esse período com o pai e este não a aceitou.

Pelo exposto, não nos parece que tenha havido incumprimento por banda da progenitora, uma vez que actuou dentro dos parâmetros do acordo em vigor e no âmbito da legislação vigente à data do mesmo, não tendo havido qualquer alteração posterior no âmbito da actual legislação.

Somos de parecer que deve ser indeferida a pretensão do progenitor requerente.
[…]”.
[10] Aqui se transcrevem as passagens centrais do percurso argumentativo da decisão:
“[…]

2.1 – Os factos:

Com base na posição assumida pelos progenitores nas suas doutas peças processuais e nos documentos juntos aos autos, considero provados os seguintes factos, com interesse para a boa decisão da causa:

2.2 – O Direito:

Nos termos da cláusula 1ª do acordo de regulação do ‘poder paternal’ em vigor, homologado que foi por sentença, ‘O menor D… ficará confiado à guarda e cuidados da mãe, que exercerá o poder paternal’ (sublinhado nosso).

Portanto, o filho está confiado à guarda da mãe, a qual, pese embora a evidência, é uma mulher livre na sua pessoa, possuindo liberdade de movimentos, tendo nessa liberdade de movimentos o filho na sua órbita, pois é o progenitor guardião.

E, competindo então à mãe, em exclusividade, note-se, o exercício do ‘poder paternal’ relativamente ao seu filho menor de idade que está confiado à sua guarda, não há lugar, neste caso, ao exercício compartilhado do ‘poder paternal’, nem sequer quanto aos actos de particular importância para a vida da criança, como poderia ser, eventualmente, dependendo das distâncias, a questão de uma deslocalização acentuada da residência da criança, designadamente para o estrangeiro.

Assim sendo, com a regulação que está em vigor, o Requerido pai não tinha que dar autorização para a mãe se poder deslocar ou ausentar para o estrangeiro levando consigo o filho; consequentemente, estando o filho confiado à guarda da mãe e à qual compete, em exclusivo, volta-se a repetir, o exercício do “poder paternal”, nenhuma ilicitude foi pela mesma cometida com a deslocalização da residência do filho para França.

Inexistindo ilicitude, a deslocação da criança não pode deixar de ser legal.

Nestes casos, assiste ao progenitor não guardião e não exercente do ‘poder paternal’ o direito de pedir a revisão, a alteração, do regime do exercício do direito de visita no sentido de se proceder a alguns ajustes ou melhoramentos que se justifiquem no regime de visitas em vigor, tornando-o mais praticável, por exemplo com eventual compensação ao nível do tempo de permanência da criança junto do progenitor não guardião, adaptando o regime à nova realidade, direito esse que, pese embora a oportunidade concedida para o efeito em sede de conferência de pais, o progenitor não mostrou interesse em exercer – cfr., neste sentido expressamente, o art.º 9º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003.

No caso concreto, à luz da regulação em vigor, pese embora tenha chocado o progenitor, compreensivelmente, esta deslocalização, não sendo juridicamente ilícita, é legal.

Assim sendo, como é, inexiste, no caso concreto, incumprimento por parte da progenitora.
[…]”.
[11] Se bem percebemos o sentido (algo confuso) do requerimento estaria em causa, fundamentalmente, a não notificação prévia à Decisão do incidente de incumprimento do Parecer do Ministério Público e a ausência de diligências probatórias sugeridas pelo Requerente.
[12] É o que resulta de fls. 31/32:
“[…]

H…, requerente nos autos supra identificados sendo requerida S…, tendo sido notificado do despacho (referência 14397756), que julgou da arguição de nulidades processuais, julgando-as improcedentes e o condenou por incidente anómalo, em taxa de justiça em 3 U,Cs, o qual lhe foi notificado a 16 de Abril de 2012, vem dele interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação [de Coimbra], ao abrigo dos artigos 676º nº2, 680º nº1, 648º-B nº1, 685º nº1 e 691º nº2 g) todos do Código de Processo Civil, recurso este a ser admitido com efeito devolutivo e a subir de imediato nos próprios autos.

Tendo em consideração que o presente recurso tem por objecto principal o reconhecimento das nulidades processuais praticadas e arguidas em momento anterior ao da sentença que pôs termo ao incidente de incumprimento, a ser o recurso julgado procedente, como se espera, acarretará a nulidade de todos os actos posteriores, incluindo a da referida sentença.

Para a hipótese, porém, de improceder o recurso, o que se admite como mera hipótese de raciocínio, assim se confirmando o despacho recorrido, assistirá então ao recorrente o direito a apelar da sentença final que pôs termo ao incidente, o que subsidiariamente se faz, agora também ao abrigo do artigo 691º nº1 do CPC. a subir nos mesmos termos e com o mesmo efeito supra mencionados.
[…]”.
[13] Interessa aqui, na ponderação das datas de instauração de cada um dos apensos, ter presente o que se deixou consignado na nota 3 supra.
[14] Asserção apoiada pelo Ministério Público:
“[…]

Como resulta dos autos, à data da propositura da presente acção, a criança D… encontrava-se a residir em França com a sua mãe, pessoa que detinha o poder paternal, nos termos da anterior lei.

Segundo a OTM, competente para decretar a providência requerida é o tribunal da residência da criança à data em que o processo foi instaurado – artigo 155º, n.º 1, da OTM.

Por outro lado, nos termos dos artigos 1º, n.º 1, al. b) e 8º do Reg. CEE n.º 2201/2003, do Conselho de 27/11/2003, que é aplicável ao exercício da responsabilidade parental, o tribunal competente para conhecer da alteração do exercício da responsabilidade parental requerida é o do Estado Membro onde resida o menor à data da instauração da acção em Tribunal.

Como se disse, o menor residia, nesse momento, habitualmente, com a sua mãe em França.

Logo, os Tribunais Portugueses, nomeadamente este, é internacionalmente incompetente para conhecer da pretensão do requerente.

Assim, deverá conhecer-se da excepcionada incompetência territorial e internacional e absolver-se a requerida da instância, arquivando-se os autos.
[…]”.
[15] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[16] Embora todos os incidentes de incumprimento possam comportar alterações de regime como prevê o nº 3 do artigo 181º da OTM
[17] Note-se que o procedimento judicial, enquanto sistema de interacção entre os cidadãos e o poder público (judiciário), estrutura-se em termos práticos como “[…] complexo de actos juridicamente ordenado de tratamento e obtenção de informação que se estrutura e desenvolve sob a responsabilidade de titulares de poderes públicos e serve para a preparação da tomada de decisões (legislativas, jurisdicionais, administrativas)” (José Joaquim Gomes Canotilho, “Tópicos de um Curso de Mestrado sobre Direitos Fundamentais, Procedimento, Processo e Organização”, no Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXVI, 1990, p. 163). Nesta estruturação, a dimensão de justiça procedimental – a dimensão normalmente indicada no Direito anglo-saxónico como procedural due process – assenta no efectivo exercício de um “right to be heard”, no sentido em que se proporciona às partes – a qualquer das partes no processo – a efectiva oportunidade de serem ouvidas em tempo útil e, assim, a influenciar a decisão em termos significativos, quanto à possibilidade de modelarem, com argumentos e contra-argumentos, o sentido dessa mesma decisão ([…] the Basic function of prodedural due process is to afford na opportunity to be heard…’at a meaningful time in a meaningful manner’, thereby promoting fairness and accuracy in the resolution of disputes” Norman Vieira, Constitutional Civil Rights, St Paul, Minnesota, 1990, p. 36).
Ora, aqui, um conhecimento adiantado do entendimento do Juiz, conferiu ao Requerente e à Requerida a efectiva possibilidade, que eles, alias, exerceram, de apoiar ou contraditar os pressupostos em que, previsivelmente, viria a assentar, como assentou, a decisão final. É neste sentido que aqui não ocorreu nenhuma nulidade procedimental por referência à regra geral de procedimento subjacente ao artigo 3º, nº 3 do CPC. 
[18] Aqui transcrevemos toda a norma nessa redacção:

Artigo 1911º
Filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores não unidos pelo matrimónio
1 – Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os pais e estes não tenham contraído matrimónio após o nascimento do menor, o exercício do poder paternal pertence ao progenitor que tiver a guarda do filho.
2 – Para os efeitos do número anterior presume-se que a mãe tem a guarda do filho; esta presunção só é ilidível judicialmente.
3 – Se os progenitores conviverem maritalmente, o exercício do poder paternal pertence a ambos quando declarem, perante o funcionário do registo civil, ser essa a sua vontade; é aplicável, neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1901.º a 1904.º
[19] Este entendimento foi expresso pelo Tribunal, até em termos juridicamente mais impressivos que na Decisão final do incidente de incumprimento, no despacho de 21/12/2011, correspondente à referência citius 13407652.
[20] Tem aqui inteira aplicação a caracterização geral da ideia de tramitação incidental feita por Salvador da Costa: “[…] a intercorrência  processual secundária, configurada como episódica e eventual em relação ao processo próprio da acção principal ou do recurso” (Os Incidentes da Instância, 5ª ed., Coimbra, 2008, p. 10).
[21] O artigo 9º da Lei nº 61/2008 apresenta a particularidade de resolver um pouco “à moda” do direito transitório processual – não se aplicar aos processos pendentes – a aplicação de um regime de natureza substantiva. Quanto à aplicação imediata da lei nova quanto ao exercício do poder paternal, v. J. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Coimbra, 1968, pp. 144/145.
[22] V. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Coimbra, 1982, pp. 229/230.
[23] Porque são os pressupostos legais do acordo original que modelam a questão do cumprimento e do incumprimento; e o incumprimento, contrariamente ao que sucede com a alteração (v., quanto a esta a parte final do nº 2 do artigo 182º da OTM), tem na OTM natureza de incidente do processo original (principal) de regulação.
[24] Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110398.html. Note-se que se tratou de recurso para o Plenário do Tribunal nos termos do artigo 79º-D da LTC, por existência de dois Acórdão contraditórios anteriores (os Acórdãos nºs 407/2010 e 153/2010).
[25] Neste sentido constitui situação afim a dos progenitores não casados nem conviventes de facto.
[26] E o mesmo sucede quando os progenitores não casados vivam em união de facto (v. artigo 1911º, nº 3 do CC).
[27] “Regulação do Exercício do Poder Paternal. A Situação do Progenitor Não Detentor da Guarda ou a outra Face do Poder Paternal”, in Volume Comemorativo dos 10 Anos do Curso de Pós-Graduação “Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”, Coimbra, 2008, pp. 132/133 e 144/145.
[28] Estamos a referir-nos à confusão induzida a tal respeito pela argumentação do Requerente na apelação respeitante ao apenso A., incidência tratada no item 2.1.2. supra.
[29] Nenhum desvalor encontramos na fixação destes factos, sendo que todos eles, nos exactos termos em que o Tribunal a quo os expressou no texto da decisão recorrida, resultam de elementos documentalmente estabelecidos no processo.
[30] Esta qualificação – acção de alteração – é intencional e é significativa. Contrariamente ao que sucede com o incumprimento previsto no artigo 181º da OTM, cuja natureza processual é a de um incidente relativamente à instância consubstanciada na regulação das responsabilidades parentais (v. item 2.1.3.1. e notas 21 e 3, segunda parte supra), contrariamente ao incumprimento, dizíamos, a alteração de regime prevista no artigo 182º da OTM, consubstancia-se, processualmente, numa nova acção. Intui-se este estatuto de nova acção da ponderação das regras processuais contidas nos nºs 1 e 2 deste artigo 182º: “[…] podem requerer ao tribunal que no momento for territorialmente competente nova regulação do poder paternal” (nº 1); “[o] requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido […]; se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento será autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respectivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova acção”.
Note-se que para uma nova regulação – sendo ela alcançada no processo de alteração – já não vale a regra do artigo 9º da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, precisamente porque essa regulação, sendo nova (sendo uma outra regulação), já ocorrerá num “processo novo”, ou, como diz a norma, lida pela negativa, num processo que não estava pendente.  
[31] V. sobre o regime europeu nesta matéria, designadamente os respectivos antecedentes, Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, 2ª ed., Coimbra, 2012, pp. 231 e segs.
Utilizámos como fonte a seguinte localização do texto do Regulamento:
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2003:338:0001:0029:PT:PDF.
[32] “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
[33] Refere-se este artigo (com correspondência no artigo 249º da versão anterior ao Tratado de Lisboa) aos actos jurídicos da União (regulamentos, directivas, decisões, recomendações e pareceres). Especificamente sobre os regulamentos – a espécie de acto jurídico aqui em causa – dispõe o artigo 288º que “[o] regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros”.
A versão consolidada do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (a versão posterior ao Tratado de Lisboa) está disponível no “Jornal Oficial da União Europeia” de 30/03/2010, no endereço:
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0047:0200:PT:PDF.
[34] Do qual interessa a seguinte passagem inicial. “[s]em prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais […]”.
[35] Ou seja, embora no nosso Direito Processual a competência internacional seja apreciada oficiosamente (artigos 101º e 102º do CPC), do artigo 17º do Regulamento sempre resultaria essa oficiosidade, sem qualquer dependência do estatuto de conhecimento dessa questão resultante das regras nacionais (v. Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, cit., pp. 255/256).
[36] Dispõe o artigo 1º do Regulamento:
Artigo 1º
Âmbito de aplicação

1 – O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

a) Ao divórcio, à separação e à anulação do casamento;

b) À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

2 – As matérias referidas na alínea b) do nº 1 dizem, nomeadamente, respeito:

a) Ao direito de guarda e ao direito de visita;

b) À tutela, à curatela e a outras instituições análogas;

c) À designação e às funções de qualquer pessoa ou organismo encarregado da pessoa ou dos bens da criança e da sua representação ou assistência;

d) À colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição;

e) Às medidas de protecção da criança relacionadas com a administração, conservação ou disposição dos seus bens.

3 – O presente regulamento não é aplicável:

a) Ao estabelecimento ou impugnação da filiação;

b) Às decisões em matéria de adopção, incluindo as medidas preparatórias, bem como à anulação e revogação da adopção;

c) Aos nomes e apelidos da criança;

d) À emancipação;

e) Aos alimentos;

f) Aos fideicomissos («trusts») e sucessões;

g) Às medidas tomadas na sequência de infracções penais cometidas por crianças.

Interessa-nos também a definição de “responsabilidade parental” constante do artigo 2º, 7. do Regulamento: “[o] conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita”.

Interessa igualmente – e expressivamente – a definição de “direito de guarda” nº item 9. do mesmo artigo: “[…] os direitos e as obrigações relativos aos cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu lugar de residência”.

E, enfim, por ser esse o sentido da argumentação do Apelante, interessa-nos finalmente, no quadro das definições constantes do Regulamento, a de “deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, indicada no item 11. do mesmo artigo 2º: “[…] a deslocação ou a retenção de uma criança, quando: a) Viole o direito de guarda conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força da legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção; e b) No momento da deslocação ou retenção, o direito de guarda estivesse a ser efectivamente exercido, quer conjunta, quer separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção. Considera-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de uma decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental.

V., em termos gerais, quanto ao âmbito material de aplicação do Regulamento Bruxelas II bis, Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, cit., pp. 234/235.
[37] V. Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, cit., p. 237.
[38] E também porque a extensão de competência visada no artigo 9º, nº 1 só vale para alterar uma anterior decisão “sobre o direito de visita” e não, como aqui pretende o Apelante, para obter alteração do “direito de guarda”, nos termos em que este é definido no artigo 2º, item 9. do Regulamento (note-se que este integra expressamente no “direito de guarda”, não no “direito de visita”, o direito de decidir sobre o lugar de residência do menor).
[39] Este Parecer, da autoria da Doutora Maria João Mimoso – “Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais” –, está publicado no sítio Verbojuridico, no seguinte endereço:
http://www.verbojuridico.com/doutrina/2012/mariajoaomimoso_alteracaorpp.pdf .
[40] Com a seguinte localização:
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61993CJ0452:PT:HTML.
[41] Interessa-nos, dada a vocação de generalidade que apresenta na definição do que seja residência habitual, o considerando 22 do referido Acórdão (que foi relatado pelo Juiz Moitinho de Almeida):
“[…]

22 A este respeito, e como o Tribunal de Primeira Instância o salientou fazendo referência à jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a residência habitual é o local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir um carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, entendendo-se que para efeitos de determinação da residência habitual, é importante tomar em consideração todos os elementos de facto dela constitutivos.
[…]”.
Este mesmo conceito foi aplicado, especificamente quanto ao artigo 8º, nº 1 do Regulamento 2201/2003, pelo Acórdão do Tribunal de Justiça de 02/04/2009 (relatado pelo Juiz Cunha Rodrigues), no Caso “A (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein hallinto‑oikeus)”, disponível na seguinte localização:
http://curia.europa.eu/juris/celex.jsf?celex=62007CJ0523&lang1=de&lang2=PT&type=NOT&ancre=:
“[…]
2) O conceito de «residência habitual», na acepção do artigo 8.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2201/2003, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao local que revelar uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar. Para esse fim, devem ser tidas em consideração, nomeadamente a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado‑Membro e da mudança da família para esse Estado, a nacionalidade do menor, o local e as condições de escolaridade, os conhecimentos linguísticos, bem como os laços familiares e sociais que o menor tiver no referido Estado. Incumbe ao órgão jurisdicional nacional determinar a residência habitual do menor tendo em conta o conjunto das circunstâncias de facto relevantes em cada caso concreto.
[…]” (transcrição do ponto 2 do pronunciamento decisório do Tribunal de Justiça).
[42] Ao que poderíamos juntar, como argumentos de segunda linha, mas com claro efeito de reforço da referenciação da residência habitual a França, a existência relativamente ao menor de nacionalidade francesa, o nascimento nesse país e a existência aí de outros laços familiares.
[43] Direito Internacional Privado, cit., p. 247.
[44] Disponível em:
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61981J0283:EN:HTML.
[45] Diz-se no sumário do caso “CILFIT”:
“[…]

4. Although the third paragraph of article 177 of the EEC treaty unreservedly requires national courts or tribunals against whose decisions there is no judicial remedy under national law to refer to the court every question of interpretation raised before them, the authority of an interpretation already given by the court may however deprive the obligation of its purpose and thus empty it of its substance. Such is the case especially when the question raised is materially identical with a question which has already been the subject of a preliminary ruling in a similar case or where previous decisions of the court have already dealt with the point of law in question, irrespective of the nature of the proceedings which led to those decisions , even though the questions at issue are not strictly identical. However , it must not be forgotten that in all such circumstances national courts and tribunals , including those referred to in the third paragraph of article 177, remain entirely at liberty to bring a matter before the court of justice if they consider it appropriate to do so .

[…]” (sublinhado acrescentado).
[46] Enrique Linde Paniagua, Pilar Mellado Prado, Iniciación al Derecho de la Unión Europea, 4ª ed., Madrid, 2008. pp. 270/271.

Nota: Foi igualmente proferido acórdão no Processo 1211/08.6TBAND-B.C1