Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
44/25.0PTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA LAMAS
Descritores: SENTENÇA
ENUMERAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS
CRIME DE CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
TEMPO QUE MEDIOU ENTRE A INGESTÃO DE ÁLCOOL E A REALIZAÇÃO DO TESTE DE DETECÇÃO
ALCOOLÍMETROS
VÍCIOS DO ARTIGO 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 339.º, N.º 4, 340.º, 368.º, N.º 2, 369.º, 379.º, N.º 1, ALÍNEA A), E 410.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
PROCEDIMENTOS TÉCNICOS, ÉTICOS E LEGAIS DA COMPETÊNCIA DO MÉDICO NO CUMPRIMENTO DA LEI DA FISCALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO RODOVIÁRIA SOB INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL E SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS
Sumário: I - Contrariamente ao que sucede com o alcoolímetro DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, os despachos de aprovação e de renovação relativos ao alcoolímetro ACS, modelo SAFIR, nada referem acerca da necessidade de esperar determinado tempo depois da ingestão do álcool antes da sua utilização.

II - Se o alcoolímetro usado estava certificado e se o agente da PSP que procedeu à realização do teste tinha preparação para o seu manuseamento, é irrelevante para a decisão a junção aos autos do manual de instruções referente a tal aparelho, bem como a notificação ao Instituto Português da Qualidade para esclarecer qual o tempo que deve mediar entre a ingestão de álcool e a realização do teste quantitativo de álcool.

III - O período de tempo que mediou entre a ingestão de álcool e a realização do teste quantitativo ao ar expirado é irrelevante para a decisão, não configurando a omissão dessa referência qualquer um dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 do C.P.P., nem a nulidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

No Processo Sumário nº 44/25.0PTCBR do Juízo Local Criminal de Coimbra, foi submetido a julgamento o arguido

- , tendo sido :

- condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, á taxa diária de € 9,00 (nove euros), o que perfaz o total de € 1.080,00 (mil e oitenta euros);

- condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do disposto no artº 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal;

- condenado no pagamento das custas do processo (artº 513º do Cód. Processo Penal e 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais), fixando a de taxa de justiça em 2 UC – artºs 374º, n.º 4, 513º, n.º 1 e 514º, n.º 1, todos do Cód. Processo Penal.

1.2.O recurso

1.2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

a) A sentença ora Recorrida é omissa no que refere ao tempo que mediou o consumo de álcool por parte do Arguido/Recorrente e a realização do teste quantitativo ao ar expirado;

b) Acontece que, tal facto foi expressamente convocado à produção de prova pelo Arguido, nas declarações deste e no depoimento da Testemunha, …, razão pela qual deveria ter assumido especial relevância em sede de julgamento.

c) De facto, as normas de utilização dos alcoolímetros preveem que caso o examinado tenha ingerido bebidas alcoólicas 15 minutos antes da realização do teste, o mesmo pode ainda conter traços de álcool no trato respiratório superior. O que, forçosamente, levará a que o resultado do teste possa levar a conclusões incorretas. …

d) Tal questão assume especial relevância no presente caso, uma vez que em sede de declarações o próprio agente da PSP responsável pela realização do teste de álcool ao Arguido/Recorrente, de forma expressa, confirma não ter conhecimento do manual de utilização do dispositivo.

e) É entendimento do ora Recorrente que, tendo tal facto sido levado a julgamento, pela mão do ora Recorrente em sede de declarações e confirmado pela testemunha …, o Tribunal a quo não só podia, como devia ter investigado de modo a encontrar a verdade material dos factos, o que, de forma manifesta não aconteceu, uma vez que Mmª juiz não só não deferiu a prova requerida, no sentido de possibilitar a prova da menção a tal facto no Manual de instruções do alcoolímetro utilizado, como não mencionou nos factos dados como provados ou dos não provados a referência ao espaço temporal que mediou entre a ingestão do álcool e a sujeição ao teste quantitativo ao ar expirado.

f)          Razão pela qual, no entendimento do ora Recorrente a sentença proferida nos presente autos, padece da nulidade prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, por se verificar uma clara omissão nos factos provados e não provados de enumeração de facto com manifesta relevância para a decisão, que constituem objeto da prova e do processo, nulidade essa que de forma expressa se invoca.

No demais,

g) Por requerimento apresentado pelo Arguido na audiência de Julgamento foi requerida aos presentes autos a junção do manual de instruções do analisador quantitativo da marca “Safir”, modelo SESAH1 R, com o número de série 298003008.

Requerendo-se ainda que se oficiasse o Instituto Português da Qualidade para vir esclarecer se a não observância do tempo necessário à realização do teste quantitativo de álcool pode prejudicar a fiabilidade da medição.

h) Tal requerimento foi indeferido ao abrigo do disposto no art.º 340º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do CPP.

i)          Entende o Arguido /Recorrente que o depoimento prestado pela testemunha …, agente da PSP, é suscetível de instalar a dúvida quanto ao facto de terem sido seguidas as melhores práticas quanto à realização do teste.

k) Pelo que deveria o Tribunal a quo, no exercício da sua obrigação de debelar as dúvidas suscitadas, ter investigado de modo a encontrar a verdade material dos factos, e deveria ter deferido o requerimento de produção de prova apresentado pelo Arguido/Recorrente, não o tendo feito, incorreu em nulidade por violação do disposto no artigo 340.º, do CPP, que expressamente se invoca.

No demais,

l)          Entendeu a Mma. Juiz a quo classificar a pena do Arguido no máximo legal supra enunciado, 120 dias de multa.

n) Não resulta da factualidade dada como provada, que o Arguido tenha provocado qualquer dano ou acidente, ou que apresentasse qualquer perigosidade.

o) Não terão sido devidamente consideradas na determinação da pena as circunstancias elencadas no art.º 71.º CP, sendo que, concorrem a favor do Arguido, ora Recorrente, as seguintes: grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Por fim,

r)         Foi ainda aplicada ao Arguido a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 6 meses.

t)          À semelhança do que se verifica em relação à fixação da pena de multa, a culpa do Arguido não pode deixar de se considerar como diminutas as necessidades de prevenção especial.

u) O Arguido/Recorrente tem uma necessidade premente de veículo automóvel para a manutenção do seu contrato de trabalho, não despondo de outra alternativa viável para a realização dos serviços que tem de prestar no âmbito da sua atividade profissional.

w) Atento o grau de ilicitude do facto e as referidas exigências de prevenção, entende o Recorrente que mal andou o Tribunal ao condená-lo na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses, violando o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

                         

1.2.2 Da resposta do Ministério Público

Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, …

1.2.3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação emitiu parecer …

1.2.4. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.

II. OBJECTO DO RECURSO

Assim, examinadas as conclusões de recurso, são as seguintes as questões a conhecer :

- Nulidade da sentença prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 379º do C.P.P.;

- Nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 340º do C.P.P.;

- Excesso do número de dias de multa aplicados;

- Excesso da pena acessória .

III. FUNDAMENTAÇÃO

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido na primeira instância (transcrição) :

A) Factos provados

1) No dia 16 de fevereiro de 2025, cerca das 04 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …, após ter ingerido bebidas alcoólicas, vindo a ser sujeito a fiscalização por parte de militares da GNR.

2) Pelas 04 horas, 04 minutos e 01 segundo, o arguido foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, por meio do ar expirado, através de teste quantitativo realizado com o analisador quantitativo de marca SAF IR SESAH1R298003008, verificado pelo IPQ em 07.06.2024, tendo revelado ser portador de uma TAS de pelo menos 1,251g/l, correspondente à TAS de 1,36g/l, registada, deduzido o erro máximo admissível.


*

B) Factos não provados

Não se provou qualquer outra matéria com relevo para a decisão da causa.


*

C) Motivação

Os factos acima provados assentaram, desde logo, nas declarações do arguido que admitiu a sua prática, referindo que ingeriu bebidas alcoólicas em momento prévio ao exercício da condução. Foram também valoradas as suas declarações no que concerne à sua situação sócio-económica.

Considerou-se o depoimento prestado pela testemunha …, agente da PSP, …, o qual referiu ter fiscalizado o arguido numa operação STOP, após o que submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue acusou a taxa supra mencionada.

Mais se valorou o depoimento prestado pela testemunha …, amiga do arguido, a qual acompanhava o arguido na data da fiscalização, corroborando a versão apresentada por este.

Consideraram-se também o auto de notícia de fls. 4 e 5, o talão do alcoolímetro de fls. 6 e o certificado do registo criminal junto a fls. 13 a 16.


IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

4.1.  Nulidade da sentença prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 379º do C.P.P.:

O recorrente começa por invocar a nulidade da sentença prevista no artigo 379º, nº 1, al. a) do C.P.P., pois existe uma omissão, nos factos provados e nos factos não provados, do tempo que mediou o consumo de álcool por parte do arguido e a realização do teste quantitativo ao ar expirado, sendo que tal foi expressamente afirmado pelo arguido nas suas declarações e no depoimento da testemunha ….

Estabelece o artigo 379º do C.P.P., sob a epígrafe «Nulidade da sentença», que:

«1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, (…);
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, for a dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Nos termos do nº 2 do artigo 374º do C.P.P., sob a epígrafe «Requisitos da sentença», «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»

A fundamentação da sentença é uma exigência constitucional do artigo 205º da CRP, que estabelece : «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

A necessidade de fundamentação das decisões judiciais destina-se a conferir força pública e inequívoca às mesmas e a permitir a sua impugnação (quando esta for susceptível de recurso).

Como ensina o Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 1993, Volume II, p. 16-17), «A fundamentação dos actos decisórios tem finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo».

Ou, nas palavras de Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 4ª edição, Coimbra 1986, p. 589, «A exigência da motivação das sentenças exclui o carácter voluntarístico e subjectivo da actividade jurisdicional, possibilita o conhecimento da racionalidade e coerência da argumentação do juiz e permite às partes interessadas invocar perante as instâncias competentes os eventuais vícios e desvios dos juízes».

Resulta da norma, acima transcrita, do código de processo penal, que da fundamentação consta, antes de mais, a indicação dos factos provados e não provados. Após esta enumeração, deve seguir-se a exposição, completa, mas concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Estes requisitos da fundamentação estão em consonância com o que prescreve o artigo 368º, nº 2, do mesmo diploma legal, que prevê : « Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber:

a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime;

b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou;

c) Se o arguido actuou com culpa; (…)».

E também com o que dispõe o artigo 339º, nº 4 do CPP que estabelece que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368º e 369º, isto é, a questão da culpabilidade e a questão da determinação da sanção.

Claro que esta enumeração dos factos provados e não provados só deve abranger aqueles que têm interesse e relevância para a decisão da causa, isto é, que sejam essenciais para a definição dos elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime e do tipo de participação do agente, para a determinação da respectiva culpa, para a verificação de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, dos pressupostos de punibilidade e os relativos à determinação da sanção – neste sentido, ver o Acórdão do S.T.J. de 20/10/2011, processo 36/06.8gapsr.S1, relatado pelo Conselheiro Raul Borges, acessível in www.dgsi.pt.

De fora da apontada obrigação de enumeração dos factos provados e não provados ficam todos aqueles que são acessórios, inócuos, excrescentes ou irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, e bem assim aqueles que se mostram prejudicados com a solução dada a outros, por apenas os contrariarem, ou seja, representarem mera infirmação, negação, de outros já constantes do elenco dos factos provados ou não provados.

No mesmo sentido, ver o Acórdão da Relação de Évora de 8/01/2013, processo 10/09.2gbodm-E1, relatado por Carlos Berguete Coelho, e o Acórdão desta Relação de Coimbra de 19/3/2014, processo 811/12.4jacbr.C1, relatado por Belmiro Andrade, igualmente in www.dgsi.pt.

Vejamos então se o decurso de determinado período mínimo de tempo entre a ingestão de álcool e a sujeição do agente ao exame de pesquisa de álcool no sangue é relevanrte do ponto de vista do preenchimento do tipo legal em questão .

O recorrente entenderá que sim, na medida em que alega que não passaram mais de 15 minutos entre o tempo em que ingeriu bebidas alcoólicas e a altura em que o teste foi feito, baseando-se num artigo publicado na revista Acta Med Port intitulado «PROCEDIMENTOS TÉCNICOS, ÉTICOS E LEGAIS DA COMPETÊNCIA DO MÉDICO No Cumprimento da Lei da Fiscalização da Condução Rodoviária sob Influência do Álcool e Substâncias Psicotrópicas» dos autores Ricardo Jorge DINIS-OLIVEIRA, Rui NUNES, Félix CARVALHO, Agostinho SANTOS, Helena TEIXEIRA, Duarte Nuno VIEIRA, Teresa MAGALHÃES, onde , a fls. 1064, consta efectivamente que «A presença de álcool residual na boca resultante de uma ingestão recente, vómito ou regurgitação de conteúdos gástricos pode, pontualmente, influenciar resultados mais elevados no ar expirado. Para evitar que o resultado seja influenciado pelo álcool eventualmente ainda presente na boca, deve respeitar-se um intervalo mínimo de 15 minutos desde a última ingestão alcoólica e até, se possível, lavar a boca com água antes de o teste ser realizado».

Em primeiro lugar, a posição expressa no mencionado artigo de revisão não se nos impõe como obrigatória, até porque tal artigo é datado de 2010 e o aparelho utilizado para fiscalizar o ora recorrente foi aprovado posteriormente .

Assim, ao contrário do que sucede, por exemplo, com o alcoolímetro de marca DRAGER, modelo Alcotest 7110 MK IIIP, em cujo despacho de aprovação consta expressamente «Após beber esperar vinte minutos antes de soprar» - cfr. o Despacho nº 11037/2007 do IPQ, publicado no Diário da República nº 109/2007, 2ª série de 6/6/2007 -; os despachos de aprovação e de renovação desta relativos ao aparelho em causa nos presentes autos, nada refere acerca da necessidade de esperar determinado tempo antes da sua utilização .

Ora, o despacho de aprovação do aparelho DRAGER Alcotest é anterior ao artigo de revisão a que o recorrente faz apelo, por um lado, e estipula que se aguardem 20 minutos (e não 15 !) após a ingestão de álcool; enquanto o aparelho ACS, modelo SAFIR com que o recorrente foi testado foi aprovado em 2014, não se exigindo o decurso de qualquer período de tempo entre a ingestão de álcool e o seu uso – cfr. o Despacho nº 4283/2014 do IPQ, publicado no Diário da República nº 58/2014, 2ª série de 24/3/2014; o Despacho nº 5968/2015 da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, publicado no Diário da República nº 107/2015, 2ª série de 3/6/2015; e o Despacho nº 5265/2017 do IPQ, publicado no Diário da República nº 114/2017, 2ª série de 14/6/2017.

Sinal de que o resultado obtido através do aparelho que foi utilizado na realização do teste de pesquisa de álcool no sangue ao arguido no dia 16/2/2025 merece confiança (ressalvado, obviamente, o erro máximo admissível que foi considerado na sentença recorrida), independentemente do tempo decorrido desde a última ingestão de álcool !

Tudo para concluir que a circunstância de o tribunal de primeira instância não ter incluído, nem nos factos provados, nem nos factos não provados, o tempo que mediou entre o consumo de álcool por parte do arguido e a realização do teste quantitativo ao ar expirado não configura a nulidade prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 379º do C.P.P., uma vez que tal não constitui um facto essencial nem relevante para a decisão a proferir.

Mas mais,

O tribunal recorrido não ignorou a questão e explicou:

« Em sede de audiência de julgamento, referiu o arguido que a taxa de álcool no sangue pode não corresponder à realidade, dado que não passaram mais de 15 minutos entre o tempo em que o arguido ingeriu bebidas alcoólicas e a altura em que o teste foi feito.

Ora, embora o arguido tenha referido que o teste de pesquisa de álcool no sangue foi feito cerca de 15 minutos após a ingestão de bebidas alcoólicas, o que não se logrou demonstrar [sublinhado meu], ainda que tal tivesse sido dado como provado, não alterava a taxa de álcool no sangue de que era portador, …».

Ou seja, também não existe qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, aferida em função do objeto do processo, pelo que não se detecta na decisão recorrida nenhum vício de entre os elencados no artigo 410º do C.P.P., que são de conhecimento oficioso.

Improcede, então, a primeira questão levantada pelo recorrente no seu recurso.

4.2.  Nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 340º do C.P.P.:

O recorrente contesta o despacho, proferido no decurso do julgamento, que indeferiu o seu requerimento para que a entidade policial fosse notificada para juntar aos autos o manual de instrução do alcoolímetro e para que o IPQ esclarecesse se a não observância do tempo necessário à realização do teste quantitativo do álcool podia prejudicar a fiabilidade da medição.

Alega então que o tribunal de primeira instância, no exercício da sua obrigação de debelar as dúvidas suscitadas, deveria ter investigado a verdade material dos factos e deferido o requerimento de produção de prova por si apresentado.

A respeito da produção de prova durante o julgamento, o artigo 340º, do C.P.P., na redacção dada pela Lei nº 94/2021, de 21/12, dispõe:

«1- O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.

3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 328.º n.º 3, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.

4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:

a) (Revogada.);

b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;

c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou

d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.».   

Em matéria de prova, o processo penal português não se caracteriza exclusivamente pelo princípio do dispositivo e pelos contributos probatórios da acusação e da defesa. Efectivamente, dado que o fim último do processo penal é a descoberta da verdade material, o tribunal está incumbido de «esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições da acusação e da defesa, o facto sujeito a julgamento, criando aquele mesmo as bases necessárias à sua decisão» - Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, p. 148.

Ainda que a acusação tenha um «ónus» objectivo de produzir meios de prova e de persuadir o tribunal de que as provas são bastantes contra o arguido, o tribunal deve intervir activamente na busca da verdade material.

No caso em apreço, verificamos que o requerimento efectuado pelo arguido em que requer a realização das diligências supra referidas faz apelo à existência de «uma dúvida razoável relativamente ao tempo necessário à realização do teste quantitativo que, e como tem vindo a ser difundido pela jurisprudência será de pelo menos 15 a 20 minutos após a ingestão de bebidas alcoólicas».

Tal requerimento foi objecto do seguinte despacho :

 « Nos termos do art.º 340º, n.º1 do CPP o Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

No caso em apreço requer o arguido que seja junto ao processo o manual de instruções referente ao aparelho identificado na acusação e que foi utilizado como analisador quantitativo para a realização do teste de álcool no sangue e que bem assim seja o Instituto Português da Qualidade notificado para esclarecer qual o tempo que deve mediar para a realização do teste quantitativo de álcool.

Conforme resulta do documento que se encontra aqui junto a folhas 7 o aparelho em causa encontra-se certificado pelo Instituto Português da Qualidade, certificação essa efectuada em 7.06.2024 e válida pelo período de um ano após a data da sua realização, conforme resulta do documento junto ao processo. Mais foi referido pelo Sr. agente da PSP aqui inquirido ter preparação adequada para o manuseamento do mencionado aparelho.

Relativamente ao tempo que deve mediar entre a realização do teste qualitativo e posteriormente quantitativo, a questão já se encontra tratada em jurisprudência.

Em face do exposto e porque se considera que os elementos de prova ora requeridos não se revelam necessários para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa ao abrigo do disposto no art.º 340º, n.º 1 e n.º 4, al. b) do CPP se indefere o ora requerido.».

Como decorre do que se expôs atrás sob o ponto 4.1., as diligências em questão não se afiguravam nem se afiguram úteis para a descoberta da verdade, atento o aparelho concretamente utilizado para testar o arguido . 

Acresce que a omissão da produção dos meios de prova requerida, caso a mesma fosse importante para a descoberta da verdade – que não é -, poderia consubstanciar, quanto muito, uma nulidade relativa, prevista na parte final da alínea d) do nº 2 do artigo 120º do C.P.P., que estaria sanada há muito :

De acordo com o artigo 120º, nº 3, al. a) do C.P.P. a nulidade de acto a que o interessado assiste, tem de ser arguida antes que o acto esteja terminado. Ora, o arguido esteve presente – e acompanhado da sua ilustre defensora –, no acto em que a julgadora indeferiu o requerimento de prova, e nada arguiu.

Neste sentido, ver os Acórdãos da Relação de Lisboa de 19/5/2022, processo 739/20.4jafun.L1-9, relatado por Maria do Rosário Silva Martins, in www.dgsi.pt, e de 26/2/2019, processo 906/17.8ptlsb.L1-5, relatado por Jorge Gonçalves,  in jurisprudência.pt; e o Acórdão desta Relação de 1/2/2012, processo 416/10.4jacbr.C1, relatado por Vasques Osório, igualmente in www.dgsi.pt.

Assim, não assiste razão ao recorrente ao invocar violação, pelo tribunal recorrido, do que se dispõe no artigo 340º do C.P.P..  

4.3. Excesso do número de dias de multa aplicados:

O recorrente entende que a pena que lhe foi concretamente aplicada é excessiva, uma vez que não provocou qualquer dano ou acidente, entendendo que o grau de ilicitude da sua conduta é diminuto, são parcas as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção especial são diminutas, pelo que pugna pela fixação de um número inferior de dias de multa.

O crime pelo qual o arguido foi condenado é abstractamente punível com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, sendo que o tribunal recorrido optou pela pena de multa, atendendo a que «No caso concreto a pena de multa afigura-se-nos satisfazer de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, designadamente as exigências de reprovação e prevenção do crime. Com efeito, como decorre dos factos assentes, embora o arguido tenha duas condenações anteriores pela prática do mesmo tipo legal de crime que está em consideração nos autos, as mesmas reportam-se aos anos de 2016 e 2020 e a seu favor é de salientar que admitiu a prática dos factos e está integrado profissional e socialmente, o que, só por si nos leva a concluir que, no caso em apreço, a aplicação de uma simples pena de multa satisfaz o comando normativo das disposições conjugadas dos artºs 40º, nº 1 e 70º do Cód. Penal já citados».~

O bem jurídico que se visa proteger com esta incriminação é a «segurança da circulação rodoviária, se bem que indirectamente se protejam outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física … essa protecção se faz atendendo sobretudo (e até por razões de dignidade penal do bem jurídico a proteger e que assim se vê reforçado) a outros valores, designadamente pessoais …» - Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora 1999, p. 1093-1094.

De acordo com o artigo 40º do C.P. a finalidade das penas é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade .  Ou seja, as penas visam o reforço da confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, a ressocialização do arguido.

Depois o artigo 71º, nº 1, do mesmo código estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve encontrar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O nº 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

Ou seja, em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa.

Como ensina Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, p. 73, o princípio da culpa «não vai buscar o seu fundamento axiológico, aliás irrenunciável, a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal (…) a culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.».

Mais, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira que deve ser prosseguida, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização» - cfr. o Acórdão de 17/1/2013, processo 57/12.1jelsb.S1, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt.

A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado pelo julgador, através da ponderação dos conceitos de «culpa» e «prevenção», sendo que a culpa constitui o limite inultrapassável da punição concreta.

No caso em apreço, a pena aplicada ao arguido foi de 120 dias de multa à taxa diária de 9 euros.

Na decisão recorrida ponderaram-se todas as circunstâncias relevantes do caso, nestes termos :

« Ora, no caso concreto verifica-se que levando em conta a intensidade do dolo quer ao nível do tipo-de-ilícito quer ao nível do tipo-de-culpa, tal intensidade é elevada, pois o arguido agiu com dolo directo.

No que diz respeito à ilicitude dos factos esta é também elevada, por referência ao bem jurídico violado e às consequências emergentes da conduta ilícita, pois estamos perante uma conduta objectivamente adequada a colocar em perigo a segurança da circulação rodoviária, sendo que o nosso país regista elevados níveis de sinistralidade rodoviária.

As exigências de prevenção geral positiva são de um nível bastante elevado, tendo em conta a necessidade de desincentivar eficazmente a comissão de crimes do tipo daquele que nos autos está em consideração.

As exigências de prevenção especial são elevadas, pois o arguido tem antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo legal de crime. A seu favor é de salientar que confessou a prática dos factos e está profissional e socialmente inserido.».

Não se olvida que da conduta do arguido não resultou qualquer acidente de viação, ou danos .

Porém, ao contrário do que o recorrente defende, as exigências de prevenção geral e especial não são diminutas :

Tal como o tribunal recorrido observou, são bastante elevadas as exigências de prevenção geral que se fazem sentir, dada a frequência deste tipo de ilícito no nosso país  e a sinistralidade rodoviária que lhe está muitas vezes associada.

Depois, os antecedentes criminais do recorrente, ambos pela prática do mesmo ilícito, revelam que o mesmo foi completamente insensível à solene advertência contida nas decisões condenatórias proferidas em 2016 e em 2020!

Deste modo, tendo o tribunal optado pela pena de multa em detrimento da pena de prisão aquando da escolha da pena nos termos do artigo 70º do C.P., concedeu ao recorrente uma derradeira (dizemos nós) oportunidade, razão pela qual fixou a pena não detentiva no seu máximo legal, ou seja, 120 dias, considerando que «admitiu a prática dos factos e está integrado profissional e socialmente».

Mas mais. Relativamente à alteração, em sede de recurso, da medida das penas fixadas, tem sido entendimento uniforme da Jurisprudência do S.T.J. que sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, o quantum concreto de pena já escolhido deve manter- se intocado, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Ver, a propósito, os seguintes acórdãos : 29/5/2008, processo 08P1001, relatado pelo Conselheiro Soares Ramos; de 8/10/2008, processos 08P2878 e 08P3068, relatados pelo Conselheiro Pires da Graça; de 15/10/2008, processo 08P1964, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, todos in www.dgsi.pt. .No mesmo sentido, cf. Figueiredo Dias, in «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 197.

No caso, consideramos que o tribunal recorrido teve em atenção todos os elementos que interessavam à determinação da medida da pena, sendo que a pena concretamente determinada, dentro da moldura legal acima referida, pelos motivos expostos, não pode ser considerada excessiva ou desproporcionada.

Tudo visto, decide-se manter o decidido quanto à pena concretamente aplicada.

4.4. Excesso da pena acessória :

O recorrente defende que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor também devia ter sido fixada em medida inferior aos 6 meses aplicados.

Para tanto, invoca que são diminutas as exigências de prevenção especial, pois é um condutor diligente, responsável e cumpridor do Código da Estrada, e os factos de que vem acusado são uma excepção à sua normal condução e comportamento . Mais invoca necessitar de se deslocar diariamente a vários clientes, no exercício da sua profissão, de veículo automóvel, pelo que, não o podendo fazer de transportes públicos, poderá ficar em causa o deu direito ao trabalho, consagrado no artigo 47º, nº 1 da Constituição .

A medida da pena acessória obedece aos mesmos factores da pena principal.

Neste sentido, ver Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, 2ª edição, p. 43 : «As penas acessórias aplicam-se por referência ao conteúdo do ilícito típico; ligam-se, necessariamente, à culpa do agente, que é seu pressuposto e limite; justificam-se de um ponto de vista preventivo; e são determinadas concretamente em função dos critérios gerais de determinação da medida da pena previstos no artigo 71º do CP, a partir de uma moldura que estabelece os seus limites (mínimo e máximo) de duração».

E, como afirma Figueiredo Dias (in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 165), «… pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (…). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.».

É já a terceira vez que ao arguido é aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados,  e sempre pela prática do crime de condução em estado de embriaguez .

Neste quadro, numa moldura de 3 meses a 3 anos, não é excessivo fixar em 6 meses, isto é, a meio do primeiro terço da moldura, a proibição de o arguido conduzir veículos motorizados !

Aliás, a pena acessória aplicada nos autos foi inferior à imediatamente anterior por ele sofrida, que foi de 7 meses .

Depois, obviamente que não colhe a imagem, que o recorrente pretende fazer passar, de que é um condutor diligente, responsável e cumpridor do Código da Estrada, e os factos de que vem acusado são uma excepção à sua normal condução e comportamento. Na verdade, os factos provados falam por si, pois estamos perante a terceira vez que o arguido foi detectado a conduzir com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, e condenado por isso, sendo que a condução automóvel já é proibida a partir de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l (cfr. o artigo 145º, nº 1, al. l) do Código da Estrada).

No que toca ao argumento de que o recorrente necessita de conduzir no exercício da sua profissão, pelo que o cumprimento da sanção acessória afectará a manutenção do seu emprego, a sua subsistência e do seu direito ao trabalho, apenas diremos que a circunstância de o recorrente, como grande parte dos cidadãos encartados, necessitar da carta de condução para o seu trabalho, não pode ser encarado como circunstância atenuante, pois não é menos censurável a condução perigosa por quem tem essa necessidade.

Pelo contrário, sabendo o arguido que carece da carta de condução para trabalhar, impunha-se-lhe um cuidado acrescido na sua actuação, tanto mais que não é a primeira vez que é sancionado por este tipo de conduta .

Por outro lado, não é defensável que o direito ao trabalho, eventualmente posto em crise com o cumprimento da sanção acessória aqui em causa, não possa sofrer, pontualmente, limitações no seu exercício, em prol da defesa de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Efectivamente, se assim não fosse, nunca poderia ser aplicada pena de prisão efectiva a um condenado laboralmente activo !

Neste sentido, ver os Acórdãos desta Relação de 21/1/2015, processo 20/14.8gtgrd.C1, relatado por Alice Santos; e de 20/2/2019, processo 1/16.7gtgrd.C1, relatado por Orlando Gonçalves, in www.dgsi.pt.

Em suma, não se justifica minimamente reduzir a medida da pena acessória aplicada pelo tribunal de primeira instância, atentas as necessidades de prevenção geral, perante o nível de sinistralidade registado no nosso país e a circunstância de o recorrente não ser primário.

Tudo visto, decide-se manter o decidido na íntegra.

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos:

Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs (cfr. o artigo 513º do C.P.P. e artigo 8º do RCP e tabela III anexa).

Coimbra, 5 de Novembro de 2025


 (Helena Lamas - relatora)

 (Isabel Cristina Gaio Ferreira de Castro – 1ª adjunta)

 (Maria José Santos Matos – 2ª adjunta)