Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1998/23.6T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
ACORDO DE PAGAMENTO
APROVAÇÃO
PUBLICITAÇÃO
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 222.º-C E 222.º-F, N.ºS 1 A 4, DO CIRE
Sumário:
I – O processo especial para acordo de pagamento (PEAP), tal como o PER, trata do regime pré-insolvencial para devedores não empresários, que tem a vantagem a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente, mas também comporta o risco de no final o devedor não conseguir evitar a declaração de insolvência;

II – Logo, o PEAP não é meio idóneo para ultrapassar uma situação económica em que o devedor já atingiu um estádio de impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas, pelo que, não é possível ficcionar uma solvabilidade do requerente em face dos rendimentos e património que lhe são atribuídos;

III – Das negociações, entre devedor/credor/administrador judicial provisório, poderá sair a aprovação unânime do acordo de pagamento, com intervenção de todos os credores (e assinado por todos), ou, a aprovação do acordo sem unanimidade e/ou intervenção todos os credores;

IV – Verificando-se a primeira hipótese – intervenção de todos os credores com aprovação unânime do acordo de pagamento –, o acordo é de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, sem qualquer outra publicidade, porque desnecessária, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.

V – Mas, tal já não sucede, quando as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, foram concluídas sem a intervenção de todos os credores e com aprovação unânime dos mesmos, exigindo-se nesta situação um reforço da publicitação da situação dos devedores – levando ao conhecimento dos seus credores a sua situação real – com a publicação imediata de anúncio no portal Citius – advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1998/23.6T8CBR-A.C1

 

(Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz ... )

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

 1. Relatório

AA, com o NIF ...40, e esposa, BB, com o NIF ...26, casados entre si no regime de comunhão de adquiridos e residentes na Urbanização ..., ..., vieram, ao abrigo do disposto no artigo 222.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), intentar o presente processo especial de para acordo de pagamento (PEAP).

Concluídas as negociações, foi apresentado o mapa da votação, concluindo o senhor AJP pela não aprovação do plano apresentado, considerando que apenas votou validamente um único credor, o Banco 1..., S.A., em sentido desfavorável. Mais referiu que não considerou validamente prestado o sentido de voto (favorável) do credor ISS, I.P., porquanto foi junto ao processo em data anterior à publicação do anúncio da junção do plano de acordo de pagamento.

Pelo Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz ... , foi proferida a seguinte decisão final:

“Prevê o artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE que, concluído o prazo das negociações, o devedor remete o plano de acordo de pagamento ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias.

No caso em apreço, verifica-se que o plano foi apresentado em 03.10.2023, tendo sido publicado, no entanto, apenas em 09.10.2023.

Ora, o credor ISS, I.P., juntou o seu sentido de voto nestes autos, em 04.10.2023, ou seja, após a junção do plano por parte dos devedores, razão pela qual (e não obstante o artigo 222.º, n.º 4, do CIRE preveja que os votos são remetidos ao AJP e não ao processo) se entende que o seu sentido de voto deve ser atendido.

Assim sendo, resulta que:

- O total de votos relacionados ascende a 177.106,96€;

- O total de votos emitidos ascende a 36.482,57€ (34.276,97€ + 2.205,60€);

- Votou a favor da aprovação do plano o credor ISS, I.P., detentor de crédito comum no valor de 2.205,60€ (correspondente a 6,05% dos votos emitidos);

- Votou contra a aprovação do plano o credor Banco 1..., S.A., detentor de crédito comum no valor de 34.276,97€ (correspondente a 93,95% dos votos emitidos);

Dispõe o artigo 222.º-F, n.º 3, do CIRE que:

«Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o acordo de pagamento que:

a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente:

i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;

ii) O voto favorável de mais de 50 % dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D; ou

b) Recolha cumulativamente, não se considerando as abstenções:

i) O voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50 % da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D;

ii) O voto favorável de mais de 50 % dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D.».

Donde resulta que não foi obtido sequer o quórum constitutivo legalmente exigido.

Assim sendo, não se considera aprovado o plano de acordo de pagamentos apresentado pelos devedores.

Notifique”.

AA E BB, devedores nos autos em epígrafe, não se conformando com tal decisão - que considerou não aprovado o plano de acordo de pagamentos e consequente encerramento das negociações sem aprovação do plano de recuperação -, dela interpõe recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1.º Vem o presente recurso de apelação interposto pelos Devedores, ora Apelantes, da decisão proferida nos autos em epígrafe em 30.10.2023, a qual determinou o encerramento das negociações sem aprovação do plano de recuperação por estes elaborado.

2.º O Meritíssimo Juiz determinou a não homologação do plano de pagamento por entender que não foi obtido sequer o quórum constitutivo legalmente exigido.

3.º Os Recorrentes não concordam com a decisão proferida.

4.ºEm 27.04.2023 os Recorrentes deram inicio a uma ação para obtenção de um plano especial para acordo de pagamento, pelo que encetaram negociações com os seus credores, tendo chegado a um acordo por maioria com os votos favoráveis de dois dos seus credores.

5.º Todos estes votos foram devidamente remetidos ao Administrador Judicial para seu conhecimento.

6.ºEm 23 de outubro de 2023 foram os Recorrentes notificados do resultado da votação apresentado pelo Administrador Judicial, do qual resultou a não homologação do plano de pagamento.

7.º Segundo o n.º 2 do artigo 222.º - F do CIRE, o acordo de pagamento elaborado pelos devedores apenas é remetido para Tribunal após estarem concluídas as negociações e após a aprovação desse acordo pela maioria dos seus credores.

8.º Pelo que deveria o tribunal a quo ter homologado o acordo de pagamento já apresentado pelos Apelantes e não ter submetido o mesmo a uma nova votação.

9.º Também segundo o disposto no n.º 4, do artigo 222.º- F do CIRE a votação efetua – se por escrito, devendo todos os votos ser remetidos ao administrador judicial e abertos em conjunto com o devedor.

10.º Em momento algum foram os Recorrentes notificados pelo Senhor Administrador Judicial Provisório, para proceder à abertura de votos emitidos pelos seus credores, motivo pelo qual não estiveram presentes, nem participaram em tal diligencia, ficando, assim, impedidos de se pronunciarem e/ou impugnarem a contagem de votos ou da atribuição do direito de voto. Pelo que se entende que houve um desvio na tramitação processual.

11.º O Tribunal recorrido violou, pois, expressamente as seguintes normas: n.ºs 2 e 4, do artigo 222.º - F do CIRE

Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que homologue o plano de pagamento já votado e aprovado pela maioria dos seus credores, assim se fazendo JUSTIÇA!

O Banco 1..., S.A. na sua resposta às alegações dos Apelantes, diz:

(…).

2. Do objecto do recurso

O presente recurso, nasce da decisão proferida pela 1.ª instância que determinou o encerramento das negociações e  não homologou o plano de pagamento, por entender que não foi obtido sequer o quórum constitutivo legalmente exigido.

Argumentam os Apelantes/Devedores que a decisão proferida viola o disposto no artigo 222.º F, n.º 2 do CIRE, porquanto é seu entendimento que o Plano estava já aprovado pela maioria dos Credores e, por isso, não deveria ter sido submetido a nova votação devendo a 1.ª instância proferir despacho homologatório de tal acordo.

As questões a resolver:

2.1 - Interpretação a dar à norma do artigo 222.º - F do CIRE – que será o diploma a citar sem menção de origem.

Diz tal norma - Conclusão das negociações com a aprovação de acordo de pagamento:

1-Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de acordo de pagamento, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.

2 - Concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.

3 - Sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o acordo de pagamento que:

a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D, não se considerando as abstenções, recolha cumulativamente:

i) O voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos;

ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D; ou

b) Recolha cumulativamente, não se considerando as abstenções:

i) O voto favorável de credores cujos créditos representem mais de 50 /prct. da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D;

ii) O voto favorável de mais de 50 /prct. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D.

4 - A votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º (Finda a discussão do plano de insolvência, o juiz pode determinar que a votação tenha lugar por escrito, em prazo não superior a 10 dias; na votação apenas podem participar os titulares de créditos com direito de voto presentes ou representados na assembleia) com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal.

5 - O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º

6 - Caso o juiz não homologue o acordo, aplica-se o disposto nos n.os 3 a 9 do artigo seguinte.

7 - Sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que o devedor se encontra em situação de insolvência.

8 - A decisão de homologação vincula o devedor e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 222.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.

9 - Compete ao devedor suportar as custas do processo de homologação.

10 - É aplicável ao acordo de pagamento o disposto no n.º 1 do artigo 218.º

11 - É aplicável o disposto no n.º 8 do artigo seguinte, contando-se o prazo de dois anos a partir da decisão prevista no n.º 5, exceto se o devedor demonstrar, no respetivo requerimento inicial, que executou integralmente o acordo de pagamento ou que o requerimento de novo processo especial para acordo de pagamento é motivado por fatores alheios ao próprio plano e a alteração superveniente é alheia ao devedor.

O plano de pagamento apresentado pelos devedores:

“Medidas de execução:

a) Pagamento da totalidade do montante mutuado e juros, de acordo com as condições contratuais celebradas entre os devedores e o credor Banco 2..., S.A.,

b) Pagamento da totalidade da quantia devida ao Instituto de Segurança Social, I.P., mantendo o plano de pagamento celebrado entre os devedores e aquele instituto;

c) Perdão dos juros e pagamento de 10% do capital em dívida, em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, ao Banco 1..., S.A.

O que alegam:

“Os Requerentes são casados entre si em regime de comunhão de adquiridos, encontrando-se, no presente momento, numa situação económica difícil que se traduz na séria dificuldade para cumprir pontualmente com todas as suas obrigações.

Atualmente a Requerente exerce funções de assistente operacional no bloco operatório no Hospital Pediátrico ..., apresentando rendimento mensal bruto de €955,33. Já o Requerente está, no preciso momento, desempregado devido aos grandes problemas de saúde que o mesmo sofre, encontrando-se inúmeras vezes internado no Hospital ... por longos períodos de tempo.

Foi, aliás, devido à grande instabilidade de saúde do Requerente que os Requerentes se viram impossibilitados de cumprir com todas as suas obrigações financeiras, uma vez que o mesmo deixou de auferir qualquer rendimento.

O rendimento da Requerente apresenta-se, no presente momento, o único rendimento mensal auferido pelos Requerentes.

Na presente data os Requerentes encontram- se devedores da quantia total de € 216.991.23 (duzentos e dezasseis mil, novecentos e noventa e um euros e vinte e três cêntimos).

Sem prescindir considera-se que os Requerentes têm possibilidades para recuperar a sua situação financeira com a aprovação do seguinte acordo de pagamento”.

E nesta instância de recurso:

- Da verificação de fundamentos que importem a homologação do Acordo de Pagamento firmado no âmbito do PEAP – Violação das regras procedimentais relativas à votação

Em 27.04.2023 os Recorrentes, intentaram um plano especial para acordo de pagamento.

Para tanto, encetaram negociações com todos os seus credores para elaboração de plano de pagamento tendo este sido aprovado com o voto favorável dos credores Instituto da Segurança Social, I.P. e Banco 2..., S.A. Todos os votos foram remetidos para o administrador judicial para seu conhecimento.

Em 03 de outubro de 2023 os Recorrentes apresentaram nos autos o respetivo plano de pagamento aprovado pela maioria dos credores.

Em 09 de outubro de 2023 foi publicado o anúncio de Publicidade de Acordo de Pagamento, onde se notificavam todos os credores para exercer o seu direito de voto, no prazo de 10 (dez) dias.

Em 23 de outubro de 2023 foram os Recorrentes notificados do resultado da votação do plano de pagamento por estes apresentado e do resultado da votação apresentado pelo senhor Administrador Judicial, do qual resultou a não homologação do plano.

Salvo devido respeito, assistia aos Recorrentes o direito de se pronunciarem sobre tal resultado, o que fizeram por requerimento de 30.10.2023.

Não obstante, na mesma data e antes do exercício do contraditório por parte dos Recorrentes, foi proferida a decisão aqui em crise.

Entendem os Recorrentes que o procedimento adoptado pelo senhor Administrador de Insolvência e decisão recorrida (que tomou tal procedimento como correcto), violaram o disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 222.º-F do CIRE.

Segundo o n.º 2 do artigo 222.º- F do CIRE concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete-o ao tribunal , sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações. (negrito e sublinhado nosso).

Da conjugação do n.º 1 e 2 do artigo 222.º - F do CIRE resulta que o acordo de pagamento apenas é remetido ao Tribunal após estarem concluídas as negociações e após a aprovação desse acordo pelos credores, seja por unanimidade, seja por maioria.

Ora, tendo em conta a norma supra referida, deveria o senhor Administrador e, consequentemente, o Tribunal a quo entendido que já se encontrava aprovado o plano de acordo de pagamento aqui apresentado e, consequentemente, homologando este atendendo à obtenção dos votos favoráveis da maioria dos credores.

Dúvidas não restam que houve um erro do tribunal a quo na interpretação da norma.

Foi já entendido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.12.2020, com a relatora Paula Cardoso, que (…) temos como certo que a aprovação do acordo de pagamento há de ser sujeita a votação até ao fim do prazo das negociações, pelo que apenas o acordo aprovado é remetido ao tribunal e publicitado por força do nº 2 do citado artigo 222º F nº 2 do CIRE, não fazendo assim qualquer sentido que seja publicitado , como o foi nos autos, o “Plano de Recuperação” que a devedora apresentou sem que o mesmo tivesse sido alvo de qualquer prévia aprovação por parte dos seus credores . (negrito e sublinhado nosso).

Também Catarina Serra em “Lições de Direito da Insolvência”, edição 2019 Almedina, p.588, nota 906, afirma que «Esta norma é um dos exemplos mais flagrantes dos resultados/acidentes decorrentes da “costura” legislativa (…). Transpondo-se sem grande atenção parte da norma do art. 17º F nº 3 para a norma do art. 222º F nº 2, esta além de se referir indevidamente a “plano”, refere-se ao início do prazo de votação quando o pressuposto desta norma é que o acordo de pagamento já tenha sido aprovado.

A única possibilidade de atribuir sentido ao preceito é interpretá-lo à luz do regime anterior do PER em que, pura e simplesmente, não se definia prazo para a votação (não havia possibilidade de junção de nova versão de plano nem havia por isso prazo que corresse desde a publicação do anúncio da junção ou não junção) e se entendia que ela tinha lugar no decurso (e até ao final) do prazo previsto para as negociações. A única parte realmente proveitosa do art. 222º F nº 2 é a determinação de que, concluindo-se as negociações com aprovação de acordo de pagamento sem unanimidade, o devedor remete o acordo ao tribunal para homologação ou recusa dela, sendo, pois, a única que deve e pode ser aproveitada.

Tal como antes, mesmo que a lei o não diga expressamente, deve continuar a admitir-se que, no decurso da votação e até ao final do prazo das negociações, os credores solicitem a não homologação do acordo nos termos e para os efeitos dos arts. 215º e 216º.» (sublinhado nosso).

Ainda neste sentido o foi também o Acórdão no Tribunal da Relação do Porto de 11/07/2018, disponível na dgsi, relatado pela Exma. Desembargadora Fátima Andrade, cujos argumentos subscrevemos, diz-se que Ora, sendo pressuposto da remessa a tribunal do acordo de pagamento (e não plano, conforme consta na letra da lei deste segundo segmento em análise) a prévia sujeição do mesmo a votação, resulta a nosso ver incompreensível e contrário à lógica do regime definido, a menção (no caso de votação sem unanimidade) à publicação do acordo de pagamento (e não plano) para votação no prazo de 10 dias a contar de tal publicação , bem como a possibilidade de em tal prazo poder qualquer interessado solicitar a não homologação desse mesmo acordo de pagamento nos termos e para efeitos do artigo 215º e 216º. Pois que o acordo de pagamento já foi votado.

Havendo apenas, após observância do nº 3 do artigo 222º-F que proceder à sua homologação ou recusar a mesma, nos termos previstos no nº 5 deste mesmo artigo.

Assim entende-se necessária uma interpretação ab-rogante [3] deste artigo 222º-F nº 2 ao abrigo do artigo 9º do CC, por forma a conferir coerência ao regime instituído no PEAP, nomeadamente no que respeita à votação do acordo do pagamento que sempre ocorrerá em momento prévio à sua remessa a tribunal. Implicando que após a remessa cabe apenas ao tribunal verificar os pressupostos de que depende a sua homologação ou recusar a mesma. (sublinhado nosso).

Todo o processo dos autos decorreu nestes precisos moldes. Primeiramente os devedores contactaram os seus credores com as propostas de plano de pagamento e, apenas depois deste ter sido aprovado com o voto favorável do Instituto da Segurança Social, I. P. e do Banco 2..., S.A., remeteram o mesmo para tribunal.

Ora, uma vez já aprovado este plano de pagamento por maioria, não deveria este ter sido submetido a uma nova votação. Deveria o douto tribunal ter interpretado a norma no sentido de que, uma vez concluídas as negociações com aprovação do acordo de pagamento apenas por maioria, o devedor remete o mesmo para tribunal para sua homologação ou para a sua recusa, mas nunca para este ser alvo de uma nova votação.

Pelo que, entendem os Recorrentes que a decisão ora proferida pelo douto tribunal é violadora do disposto do n.º 2, do artigo 222.º - F do CIRE.

Com todo o respeito pela alegação dos Apelante, entendemos que a razão está do lado do julgador da 1.ª instância - aconchegado pelo credor/alegante Banco 1..., S.A.

Senão vejamos:

O processo especial para acordo de pagamento - doravante PEAP – e tal como o PER, trata do regime pré-insolvencial para devedores não empresários, que tem a vantagem a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente, mas também comporta o risco de no final o devedor não conseguir evitar a declaração de insolvência – nas palavras do legislador, “o processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.

O actual regime estabelecido nos arts. 222.º-A a 222.º-J do CIRE, já com as alterações introduzidas pela Lei 9/2022 de 11.9, que entrou em vigor em 11.4.2022, com aplicação aos processos pendentes, mantém no essencial o figurino anterior que foi decalcado do regime do PER.

Assim, o «PEAP não é, na verdade, outra coisa senão “o PER dos não empresários”, configurando-se o seu regime como o regime do antigo PER deslocado para outra parte do Código» - cf. Ac. do STJ, de 04.07.2019, Proc. n.º 3774/17.6T8AVR.P1.S2  ( Relatora Catarina Serra) disponível em www. dgsi.pt. O facto de ter como destinatários os devedores não empresários, determina o elemento distintivo essencial entre o PER e o PEAP.

No art. 222ºA não há qualquer referência à susceptibilidade de recuperação, prevista no art. 17º-A, nº1, nem se prevê a aprovação de qualquer plano de recuperação, mas apenas de um acordo de pagamento -  a ideia de recuperação do devedor está ausente do PEAP/cfr. Acórdão da Relação de Évora de 22.02.2018,  Proc. n.º 494/18.8T8STB-A.E1,  Relatora Albertina Pedroso.

O PEAP não é meio idóneo para ultrapassar uma situação económica em que o devedor já atingiu um estádio de impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas, pelo que, não é possível ficcionar uma solvabilidade do requerente em face dos rendimentos e património que lhe são atribuídos.

Se tal se verificar,  não obstante o PEAP, tal como o PER, serem instrumentos de natureza essencialmente negocial privatística, existe  a possibilidade do controlo jurisdicional da verificação de uma situação económica difícil ou de insolvência iminente - o que implica a exclusão de uma insolvência actual - no devedor que lança mão do PEAP, já que outro entendimento “tornaria praticamente inútil a proclamação da necessidade desses requisitos - pois então seriam sempre os credores quem maioritariamente sobre ele se pronunciariam ao aprovarem ou rejeitarem o acordo”- ler o Acórdão desta Relação de Coimbra  de 13.11.2018, Proc. n.º 1535/17.1T8CBR.C2, Relator Freitas Neto, acessível em www.dgsi.pt.

Como é sabido, o processo especial para acordo de pagamento, como o de revitalização, pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a reabilitação económica dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual. Isto é, o recurso a este processo especial, dentro do quadro do CIRE, depende da situação do devedor, a qual não pode ser já de insolvência, mas apenas de situação económica difícil ou de insolvência iminente.

A situação económica difícil encontra-se definida pelo artigo 222.º-C do CIRE como aquela em que o devedor enfrenta dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, por motivos que podem ser de vária ordem, como falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.

E através do PEAP, o devedor leva ao conhecimento dos seus credores a sua situação real e tenta com eles estabelecer negociações, intermediadas pelo administrador provisório e legalmente tuteladas pelo tribunal, de modo a permitir-lhe pagar as dívidas no prazo que for acordado, evitando a insolvência que de outro modo sobreviria. O PEAP tem em vista permitir ao devedor obter um acordo com os seus credores no sentido de serem estabelecidos os termos da liquidação das dívidas existentes, desde que aquele se encontre numa situação económica difícil ou numa situação de insolvência iminente.

O que diz, para o caso, o legislador:

Artigo 222.º C (O inicio)

1 - O processo especial para acordo de pagamento inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de pelo menos um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento.

2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.

3 - O devedor apresenta no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade referida no n.º 1, acompanhado dos seguintes elementos:

(…)

Artigo 222.º - D – (As negociações)

1 - Logo que seja notificado do despacho a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à elaboração de acordo de pagamento, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação referida na alínea b) do n.º 3 do artigo anterior se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta.

(…)

5 - Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

6 - Durante as negociações o devedor presta toda a informação pertinente aos seus credores e ao administrador judicial provisório que haja sido nomeado para que as mesmas se possam realizar de forma transparente e equitativa, devendo manter sempre atualizada e completa a informação facultada ao administrador judicial provisório e aos credores.

7 - Os credores que decidam participar nas negociações em curso declaram-no ao devedor por carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, sendo tais declarações juntas ao processo.

8 - As negociações encetadas entre o devedor e os seus credores regem-se pelos termos convencionados entre todos os intervenientes ou, na falta de acordo, pelas regras definidas pelo administrador judicial provisório nomeado, nelas podendo participar os peritos que cada um dos intervenientes considerar oportuno, cabendo a cada qual suportar os custos dos peritos que haja contratado, se o contrário não resultar expressamente do acordo de pagamento que venha a ser aprovado.

9 - O administrador judicial provisório participa nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, e deve assegurar que as partes não adotam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha daquelas.

(…).

Artigo 222.º - F - Conclusão das negociações com a aprovação de acordo de pagamento:

1-Concluindo-se as negociações com a aprovação unânime de acordo de pagamento, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.

2 - Concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete-o ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.

Ora, no confronto destas normas, considerando que das negociações, entre devedor/credor/administrador judicial provisório, poderá sair a aprovação unânime do acordo de pagamento, com intervenção de todos os credores (e assinado por todos), ou, a aprovação do acordo sem unanimidade e/ou intervenção todos os credores, não poderemos deixar de concluir, tal como o entendeu a 1.ª instância e escreve o credor Banco 1...:

i.“O trecho inicial quer do n.º 1 quer do n.º 2 do art. 222.º-F parecem trazer implícita, reconhece-se, que haja ocorrido uma prévia votação (uma vez que só assim, dir-se-á, se poderá dizer que o acordo de pagamento foi aprovado, como ali se refere), porém, o que vem a seguir no mesmo n.º 2 do art. 222.º-F não por lapso, mas sim por tal corresponder ao pensamento legislativo e à alteração introduzida em matéria de prazos/momentos de votação pelo legislador de 2017 diz que a partir da publicação do anúncio no portal Citius da junção do acordo (diz- se plano, mas naturalmente quer dizer-se acordo) – corre o prazo de votação de 10 dias, pelo que, estando isto dito de modo tão claro, quer pela sua letra, quer pela sua correspondência ao pensamento legislativo, é infundado, com todo o respeito, empreender e sustentar, em nome da falta de cuidado na redação do art. 222.º-F/2 e da sua correspondente desarmonia, a referida interpretação ab rogante (do art. 222.º-F/2);

ii.Assim sendo, de acordo com a interpretação vinda de referir e com a qual, reitera-se, o aqui Credor/Recorrido concorda (e em manifesta oposição com o entendimento dos Recorrentes), não tendo nos presentes autos as negociações sido concluídas com a aprovação unânime do acordo de pagamento apresentado, bem andou o tribunal a quo ao ter publicado no portal CITIUS o anuncio da sua junção aos autos, correndo prazo a partir da publicação para os credores votarem o mesmo.

Até porque, verificando-se a primeira hipótese - intervenção de todos os credores com aprovação unânime do acordo de pagamento -, o acordo é de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz, sem qualquer outra publicidade, porque desnecessária, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal acordo de pagamento, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.

Mas, tal já não sucede, quando as negociações com a aprovação de acordo de pagamento, foram concluídas sem a intervenção de todos os credores e com aprovação unânime dos mesmos, exigindo-se nesta situação um reforço da publicitação da situação dos devedores - levando ao conhecimento dos seus credores a sua situação real - com a publicação imediata de anúncio no portal Citius - advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano. É, o reforço no controlo jurisdicional da verificação de uma situação económica difícil ou de insolvência iminente.

Ou seja, uma vez que não é obrigatória a presença de todos os credores – que apenas participam nessas negociações caso assim o entendam -, o legislador entendeu, e bem, desde logo, conceder a possibilidade de o julgador chamar – através da publicação no portal CITIUS sua junção aos autos do acordo de pagamento celebrado com alguns dos credores - , os credores, que por muitas e variadas razões não participaram nessas negociações, digamos preliminares, proferindo após tal publicação e decurso do prazo, decisão a homologar, ou não, o acordo, nos termos do n.º 4 do artigo 222.º - F - O presente processo especial apenas tem sentido se amplamente participado e discutido entre os credores e devedores.

Não poderemos olvidar que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” e que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” - artigo 9.º do Código Civil

Como escreve a 1.ª instância:

“Admitindo-se que o legislador não foi feliz na redação do n.º 2 do artigo acima transcrito, na parte em que refere «concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento», entende-se que, em face da expressa previsão do decurso do prazo de votação de 10 dias a partir da publicação do plano, não pode haver dúvidas quanto à necessidade de apresentação do sentido de voto dos credores nos termos que a lei prescreve no n.º 4 do mesmo preceito legal (sendo que, no caso em apreço até foi admitido o sentido de voto do credor Segurança Social que remeteu o seu sentido de voto diretamente para o processo, em vez de o ter apresentado ao senhor AJP).

Por outro lado, e tal como resulta do artigo 211.º, n.º 2, do CIRE, para o qual o citado n.º 4 do artigo 222.º-F remete, «o voto escrito deve conter a aprovação ou rejeição da proposta de plano de insolvência; qualquer proposta de modificação deste ou condicionamento do voto implica rejeição da proposta». Ora, a comunicação do Banco 2..., S.A., efetuada ao Ilustre mandatários dos devedores, em 03.10.2023, não é taxativo na aprovação ou na rejeição da proposta de plano, parecendo condicionar o seu sentido de voto à manutenção das condições contratuais pré-existentes (e que se encontravam, àquela data, em cumprimento), circunstância que implicaria a sua rejeição.

De todo o modo, caso as condições contratuais vertidas no acordo de pagamento fossem as pré-existentes entre devedores e credor, sempre ao Banco 2..., S.A., não seria conferido direito de voto, nos termos do artigo 212.º, n.º 2, alínea a), do CIRE.

Acresce que o senhor AJP comunicou aos devedores e credores que se encontrava a decorrer prazo de 10 dias para a votação, não se vislumbrando que a eventual falta de comunicação em relação à concreta data da abertura dos votos tenha influído no exame ou na decisão da causa”.

Como escreve, a este propósito, Soveral Martins - Um Curso de Direito da Insolvência, Vol. II, págs. 407 e 408 - (…) parece estar subjacente a este regime legal a ideia de que o devedor irá remeter a tribunal e sujeitar a votação um acordo de pagamento que tenha obtido aprovação durante as negociações, embora sem terem sido cumpridas as exigências do art.º 222.º F 1”.

Nas palavras do Apelado/credor, “Porém, contrariamente ao que ocorria no regime anterior do PER, prevê-se agora que, concluindo-se as negociações sem ter sido obtida a supra referida formalização de aprovação unânime de acordo de pagamento, mas existindo aprovação de acordo de pagamento e remetido este pelo devedor ao tribunal, será de imediato publicitada no portal Citius a junção do acordo e correrá desde a publicação o prazo de votação de 10 dias (n.º 2 do art. 222.º- F).

Ou seja, também no PEAP fica expressa a diferenciação entre negociação e votação/aprovação do acordo de pagamento, restringindo-se o prazo perentório previsto no n.º 5 do art. 222.º-D à negociação em sentido estrito. Ponto é, tal como no PER, que seja aprovado, dentro do prazo legal de negociação, um acordo de pagamento a submeter, posteriormente e nos termos ora regulados, à votação (n.ºs 2 e 4 do art. 222.º-F).

Tudo sem prejuízo da possibilidade da supra referida aprovação unânime do acordo de pagamento, a qual, esta sim, deverá ser formalizada dentro do prazo de negociação [sublinhado e negrito nosso]”.

Improcede, pois, o alegado pelos Recorrentes.

2.2 – Da votação prevista no n.º 4 do artigo 222.º - F;

Alegam ainda os Apelantes:

“Sem prescindir,

Também segundo o disposto no n.º 4, do artigo 222.º- F do CIRE a votação efetua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal. (negrito e sublinhado nosso).

Não foram, em momento algum, os Recorrentes notificados pelo Senhor Administrador Judicial Provisório, para proceder à abertura de votos emitidos pelos seus credores, motivo pelo qual não estiveram presentes, nem participaram em tal diligencia, ficando, assim, impedidos de se pronunciarem e/ou impugnarem a contagem de votos ou da atribuição do direito de voto. Pelo que se entende que também aqui houve um desvio na tramitação processual.

Além de que, desconhecem também os devedores em que moldes foram os credores notificados para exercer o seu direito de voto. A verdade é que, tirando o voto desfavorável emitido pelo credor Banco 1..., S.A., nenhum dos outros dois votos foram tidos em conta. O credor A..., S.A.em momento algum vem aos autos expressar, por escrito, a sua intenção de voto, remetendo-se apenas ao silencio. Já quanto ao credor Instituto da Segurança Social, I. P., apesar de ter sido entendido pelo Administrador Judicial que o mesmo se absteve na votação, tal não corresponde à verdade.

Em 04.10.2023, ainda antes de se ter iniciado a votação, o Instituto da Segurança Social, I.P., vem aos autos declarar que vota favoravelmente no plano de pagamento apresentado pelos devedores. Ora, caso fosse intenção deste credor abster-se nesta votação, não teria, em momento algum, feito uma declaração favorável quanto à aprovação do plano.

Razão pela qual também se interrogam os ora Recorrentes sobre o modo pelo qual foram os credores notificados para votar no plano de pagamento elaborado pelos devedores.

Pelo que, entendem os Recorrentes que a decisão ora proferida pelo douto tribunal também é violadora do disposto do n.º 4, do artigo 222.º - F do CIRE.

Em suma mal andou a sentença recorrida ao considerar que o plano de pagamento não obteve os votos necessários para a sua homologação, quando, na verdade além de não dever ter ocorrido esta última votação, a mesma nem sequer foi realizada dentro dos moldes devidos!

Por tudo quanto exposto deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que homologue o plano de pagamento apresentado e aprovado pela maioria dos credores”.

Alegam, os Recorrentes, que Administrador Judicial Provisório não os notificou para proceder à abertura dos votos emitidos pelos credores, impedindo-os de estar presentes na diligência assim como de se pronunciarem e/ou impugnarem a contagem dos votos ou da atribuição do direito de voto, mais alegando desconhecer em que moldes foram os credores notificados para exercer o seu direito de voto.

Determina o art.º 195º nº 1 do Código do Processo Civil, que a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produz a nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa, ou seja, quando essa omissão se repercute na instrução, discussão ou julgamento da causa.

Já Anselmo de Castro - Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 1982, pág. 108 e segs. escrevia que “…a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva (…) só produzem a nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. (…). Ou seja, abrange todas as irregularidades e desvios ao formalismo processual que atinjam o próprio contraditório.

Como elucidou o Prof. Alberto dos Reis - Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º. Coimbra Editora, 1945, pág. 486-487 -, “os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.

É neste sentido, que deve entender-se o passo “quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. O exame, de que a lei fala, desdobra-se nestas duas operações: instrução e discussão da causa.

Como escreve a credora Banco 1... “a irregularidade apontada pelos Devedores não tem qualquer relevância processual, pois conforme os ensinamentos da Luís A.  Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação ao artigo 17.º F. (…) não inutiliza o ato, nem por maioria de razão atinge a validade dos votos. Com efeito não se pode dizer que a situação emergente para o devedor da omissão é de molde a afetar a sua posição no processo, pelo que não se vê como conferir outra relevância à falta”.

Dando a palavra ao Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz ... - Ref.ª 8420419 (30.10.2023):

“Notificados do despacho que julgou o acordo de pagamentos não aprovado, atenta a não obtenção do quórum constitutivo legalmente exigido, vieram os devedores insolventes requerer a nulidade da «segunda votação», uma vez que o plano de pagamento já tinha sido anteriormente aprovado com o voto favorável da maioria dos credores». Caso assim não se entenda, alega que o senhor AJP não notificou os devedores para a abertura dos votos emitidos pelos credores, para além de que desconhecem em que moldes foram os credores notificados para exercer o seu direito de voto.

Respondeu o senhor AJP, alegando, em síntese, que, nos dadas que indica, rececionou dois email´s do Ilustre mandatário dos devedores, dando conta, respetivamente, do sentido favorável de voto emitido pela credora Segurança Social e de que o Banco 2..., S.A., nada teria a opor à manutenção das condições contratuais vigentes nos contratos de mútuo com hipoteca em vigor, tal como previsto no plano de pagamentos, se aqueles se mantiverem «em dia».

Ora, a comunicação deste último credor não contém a aprovação ou a rejeição da proposta de acordo de pagamento, tal como prevê o artigo 211.º, n.º 2, do CIRE, para além de que, a manterem-se as condições contratuais pré-existentes, não lhe poderia ser conferido direito de voto, conforme resulta do artigo 212.º, n.º 2, alínea a), do CIRE.

Por último ainda refere que por comunicação eletrónica de 11.10.2023, informou os mandatários dos devedores e dos credores que se encontrava a decorrer, desde o dia 09.11.2023, o prazo de votação de 10 dias do acordo de pagamento, nos termos do artigo 222.º-F, n.ºs 2 e 4, do CIRE.

Juntou os documentos que titulam as comunicações referidas.

Vejamos.

(…) Por outro lado, e tal como resulta do artigo 211.º, n.º 2, do CIRE, para o qual o citado n.º 4 do artigo 222.º-F remete, «o voto escrito deve conter a aprovação ou rejeição da proposta de plano de insolvência; qualquer proposta de modificação deste ou condicionamento do voto implica rejeição da proposta».

Ora, a comunicação do Banco 2..., S.A., efetuada ao Ilustre mandatários dos devedores, em 03.10.2023, não é taxativo na aprovação ou na rejeição da proposta de plano, parecendo condicionar o seu sentido de voto à manutenção das condições contratuais pré-existentes (e que se encontravam, àquela data, em cumprimento), circunstância que implicaria a sua rejeição.

De todo o modo, caso as condições contratuais vertidas no acordo de pagamento fossem as pré-existentes entre devedores e credor, sempre ao Banco 2..., S.A., não seria conferido direito de voto, nos termos do artigo 212.º, n.º 2, alínea a), do CIRE.

Acresce que o senhor AJP comunicou aos devedores e credores que se encontrava a decorrer prazo de 10 dias para a votação, não se vislumbrando que a eventual falta de comunicação em relação à concreta data da abertura dos votos tenha influído no exame ou na decisão da causa.

Por tudo o exposto, indefere-se ao requerido pelos devedores insolventes, não se detetando a ocorrência de qualquer nulidade na votação realizada”.

Improcedem, pois, as conclusões dos Apelantes.

Apenas mais estas singelas notas:

Este procedimento visa assegurar um processo aplicável à pré-insolvência das pessoas singulares não titulares de empresas. O pedido é objeto de apreciação liminar - art.º 27º, nº1, alínea a) do CIRE -, devendo o juiz proferir despacho de indeferimento quando seja manifestamente improcedente - Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pág. 585.

O pedido deve ser indeferido liminarmente se dos factos alegados pelo requerente se concluir que o devedor já se encontra em situação de insolvência efetiva, definida como a impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas – neste preciso sentido, os Acórdãos desta Relação de Coimbra de 1.12.2019, 10.0.7.2013 e de 14.06.2016, e da Relação de Guimarães de 20.02.2014, consultáveis em www.dgsi.pt.

É sabido, que toda a disciplina da insolvência e da recuperação de empresas têm como um dos princípios fundamentais o princípio “par conditio creditorum” ou da igualdade dos credores; e que, em função disso, o plano de insolvência, o plano de recuperação/revitalização e o acordo de pagamento devem obedecer ao princípio da igualdade, “sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas” (como se refere no art. 194.º do CIRE, sobre o princípio da igualdade).

Princípio da igualdade este, que tem uma dimensão material, o que significa que devem ser tratadas igualmente situações iguais e distintamente situações distintas, sendo que, perante situações distintas, o tratamento distinto pode estar em conformidade com o princípio da igualdade ou ser uma desigualdade justificada.

Assim, haverá casos em que as discriminações contidas no acordo de pagamento podem ser consideradas justificadas com base numa leitura material do princípio da igualdade; como também haverá casos em que uma diferença ostensiva de tratamento dos créditos configura uma violação não negligenciável, logo, fundamento para a recusa de homologação do acordo de pagamento – Acórdão do STJ de 19.12.2018, pesquisável em www.dgsi.pt.

Ou seja, isso não significa que não possam ocorrer reduções nos créditos ou nas condições do seu ressarcimento, pois, a ser de outro modo, ficava em causa todo o regime legal e nunca haveria a possibilidade de aprovação de qualquer Plano.

A norma do art.º 212.º, n.º 2, al. a), ao estabelecer que não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano de insolvência, constitui violação não negligenciável de regra procedimental relativa à votação e aprovação do acordo de pagamento, de que o tribunal deve conhecer oficiosamente, a admissão a votação de credor cujos créditos não conferem direito de voto - Para a recusa de homologação do plano de recuperação é necessário que quem se opõe a tal homologação, demonstre, em termos plausíveis e em alternativa, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos.

Todos sabemos, que num acordo de pagamento, a simples intocabilidade do capital não é suficiente para concluir pela não modificação do crédito e que haverá modificação do crédito quando se estabeleçam alterações substanciais à morfologia do crédito, de modo a que a relação jurídico-creditícia fique algo distante das condições inicialmente contratualizadas, seja através da estipulação de expressivas moratórias ou de planos prestacionais prolongados no tempo, seja através da abolição ou abrupta redução da taxa de juros, seja através da eliminação ou atenuação das garantias – neste preciso sentido, o Acórdão do STJ de 9.3.2021, pesquisável em www.dgsi.pt.

 “Para efeitos de concessão de direito de voto, a modificação dos créditos ocorre sempre que no plano os mesmos venham a ser considerados em termos distintos daqueles que existiam em momento anterior ao da intervenção do Tribunal, seja pelo montante, condições de pagamento, garantias ou outros aspectos relevantes – Acórdão da Relação do Porto de 13.1.2022.

Carvalho Fernandes e João Labareda - “CIRE, Anotado”, 2ª edição, página 819 -, comentando o sentido da redacção do artigo 212º, referem que tem de haver-se apenas como afectados “(…) os créditos que se proponha venham a ser considerados em termos distintos daqueles que revestiam à data da declaração de insolvência, seja pelo montante, condições de pagamento, garantias ou outros aspectos”.

Saber se existe, ou não, modificação do crédito, depende das circunstâncias concretas de cada caso, admitindo-se que a simples intocabilidade do capital não é suficiente para concluir pela não modificação do crédito.

Em termos abstractos, poderemos assentar que a modificação dos créditos ocorre, sempre que os mesmos venham a ser considerados em termos distintos daqueles que revestiam à data da declaração da insolvência, seja pelo montante, condições de pagamento, garantias ou outros aspectos potencialmente.

Assim, neste enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter intacta, na ordem jurídica, a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz ..., em consequência do que se tem, também, que julgar improcedente o presente recurso de apelação.

As conclusões (sumário):

(…).


3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz ....
As custas ficam a cargo dos Apelantes.
Coimbra, 23 de Janeiro de 2024

(José Avelino Gonçalves - Relator)
(Arlindo Oliveira - 1.º adjunto)
(Paulo Correia – 2.º adjunto)