Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
94/12.6GAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
INDEMNIZAÇÃO OFICIOSA
Data do Acordão: 06/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 152.º DO CP; ART. 379.º DO CPP; ART. 21.º DA LEI N.º 112/2009, DE 16-12
Sumário: I - Tendo o arguido sido condenado por crime de violência doméstica, e não tendo a ofendida deduzido pedido de indemnização civil, estava o tribunal obrigado a analisar a situação com vista a verificar se no caso “sub judice” havia ou não lugar à condenação no pagamento de indemnização.

II - Não o fazendo, deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado. Assim sendo, padece a sentença da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Nos autos supra identificados o tribunal proferiu a seguinte decisão:

“Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação pública deduzida contra o arguido A..., e, em consequência, decide-se:

● CONDENAR o arguido, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;

● ABSOLVER o arguido da prática de um crime de violência doméstica imputado [relativo à menor B...], e, em resultado da convolação jurídica operada,

● CONDENAR o arguido, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de § (seis) meses de prisão;

● CONDENAR o arguido, pela prática de cada um dos três crimes de ofensa à integridade física imputados [relativos ao assistente], p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;

● ABSOLVER o arguido da prática de um dos crimes de dano imputados;

● CONDENAR o arguido, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal [ocorrido no dia 08.05.2012], na pena de 3 (três) meses de prisão;

● CONDENAR o arguido, pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal [ocorrido no dia 24.05.2012], na pena de 5 (cinco) meses de prisão;

● CONDENAR o arguido, pela prática de cada um dos crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão;

● CONDENAR o arguido, pela prática de um crime de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de prisão;

● Em CÚMULO JURíDICO das penas aplicadas, CONDENAR o arguido, pela prática dos referidos crimes, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

● SUSPENDER a execução da referida pena por igual período de tempo (4 (quatro) anos e 6 meses), sujeita a regime de prova e à condição de o arguido frequentar programa de controlo da agressividade, nos termos definidos

● Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido cível formulado pelo assistente C... contra o arguido/demandado, e, em consequência, CONDENAR o arguido/demandado a pagar ao demandante a quantia total de € 2.951,91 (dois mil novecentos e cinquenta e um euros e noventa e um cêntimos), ABSOLVENDO o arguido do demais peticionado

●CONDENAR, ainda, o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC (artigo 513º e 514º do CPP, artigo 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao referido diploma), nas custas do pedido de indemnização cível, na proporção do decaimento (nos termos conjugados dos artigos 523º do CPP e 446º do CPC), e nas demais custas

● CONDENAR o assistente C... no pagamento das custas do pedido de indemnização cível formulado, na proporção do decaimento.”

Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

“1. Nos presentes autos foi o arguido, além do mais, condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n. ° 1, al. a) e n.º 2, do Código Penal.

2. Estabelece o artigo 21.°, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro o direito da vítima a uma indemnização por parte do condenado pelo crime de violência doméstica.

3. Por via do disposto no n.º 2, do artigo 21º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que determina a aplicação do artigo 82º-A do Código de Processo Penal, a fixação da indemnização por para do Tribunal de condenação é obrigatória, desde que a vítima não se oponha.

4. Não foi deduzida oposição, nos autos, pela vítima a que a referida indemnização lhe fosse arbitrada.

5. A sentença condenatória não se pronunciou sobre o arbitramento da indemnização legalmente fixada, pelo que se mostra violado o disposto no artigo 21º da lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, pelo que enferma da nulidade prevista no artigo 379º, n. 1, al. c), do Código de Processo Penal.

6. A nulidade resultante da omissão de pronúncia deverá ser declarada, a fim de ser proferida sentença que avalie e determine, verificados os pressupostos, a indemnização à vítima.”

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o arguido afirmando que não concorda com a sua condenação e que por isso também não pode concordar com a sua condenação em nova indemnização.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal não houve resposta.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras)[[1]].

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[2]].

Questão a decidir: omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade do art.º 21º da Lei n.º 112/2009, de 16 de dezembro

Dispõe o art.º 21º da Lei n.º 112/2009, de 16 de dezembro:

“1 – À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.

2 – Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”

Por sua vez, determina o art.º 82º-A do Código de Processo Penal[[3]]

“1 – Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.

2 – No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 – A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

Temos assim que tendo o arguido sido condenado por crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nºs 1, alínea a) e 2 do Código Penal na pessoa de Celeste Tavares e, não tendo esta deduzido pedido de indemnização civil, estava o tribunal obrigado a analisar a situação com vista a verificar se no caso “sub judice” havia ou não lugar à condenação no pagamento de indemnização.  

Não o fez e por isso deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado.

Assim sendo, padece a sentença da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art.º 379º, nº 1, alínea c. do C. Processo Penal (neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de julho de 2014 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de maio de 2014).

A declaração de nulidade da sentença importa a revogação da sentença e prolação de uma nova que sane o vício (precedida de reabertura da audiência para que seja assegurado o contraditório, podendo haver produção de prova se tal se vier a revelar necessário).

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Face ao exposto, acorda-se em declarar nula a sentença recorrida e, em consequência, determina-se a sua substituição por outra que, nos termos assinalados, supra a mencionada nulidade.

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Sem tributação.

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Coimbra, 24 de junho de 2015

(Luís Ramos – relator)

(Olga Maurício - adjunta)


[1] Neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada).
[2] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011.
[3] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem