Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
287/22.8T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ALTERAÇÃO DE FUNÇÕES DO TRABALHADOR
CATEGORIA MELHOR REMUNERADA
INVALIDADE DO ATO MODIFICATIVO DO CONTRATO
EFEITOS EM RELAÇÃO AO TRABALHADOR
PRINCÍPIO DA IGUALDADE REMUNERATÓRIA
Data do Acordão: 02/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 122.º, N.º 2, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – O trabalhador tem em princípio direito a auferir a remuneração que corresponda à categoria normativa correspondente às funções efectivamente exercidas ou para as quais foi nomeado com o seu acordo.

II – No âmbito de contrato individual de trabalho regulado pelo Código do Trabalho, sendo o empregador um hospital EPE e sendo nulo, por violação de norma imperativa, o acto contratual modificativo das funções do trabalhador para as correspondentes a categoria melhor remunerada, o trabalhador tem direito a auferir a remuneração correspondente à das funções que está a desempenhar e enquanto as desempenhar, quer por força da regra legal e constitucional de salário igual, trabalho igual, quer por força das regras da nulidade parcial do contrato previstas no Código do Trabalho, na medida em que o art. 122.º n.º 2 deste Código estabelece que o acto modificativo de contrato de trabalho que seja inválido produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Apelação n.º 287/22.8T8CVL.C1

(secção social)

Relator: Azevedo Mendes

Adjuntos:

Felizardo Paiva

Paula Maria Roberto

Autor: AA

Ré: Centro Hospitalar e Universitário ..., EPE

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum pedindo que a ré seja condenada a reconhecer que, por sua determinação, ele exerce ao seu serviço de forma ininterrupta e em regime de exclusividade as funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria de encarregado geral operacional e seja ainda condenada a pagar-lhe a quantia de € 41.410.51 a título de diferenças salariais.

Alegou, em resumo, que por deliberação do conselho de administração da ré, datada de 2015, foi nomeado para o exercício das funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria de encarregado geral operacional do serviço de instalações e equipamentos, funções essas que vem desenvolvendo desde então, embora continuando a auferir a remuneração correspondente à sua categoria de origem.

A ré contestou a acção impugnando a factualidade alegada pelo autor, alegando que não deve as quantias peticionadas, negando que o autor desempenhe funções de chefia e liderança da equipa do serviço de instalações e equipamentos, mas argumentando que mesmo que assim ocorresse a deliberação que nomeou o autor para o desempenho dessas funções é nula por violar a lei do OE, na medida em que representa uma valorização da retribuição interdita por essa mesma lei. Acrescentou que a nomeação do autor não foi procedida de procedimento concursal de acordo com princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa fé e da não discriminação, bem como da publicidade, a que estava sujeito pelo que também por essa razão se deve considerar nula a nomeação. Conclui pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido.

Prosseguindo o processo veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a ré a reconhecer que por sua determinação o autor exerce ao seu serviço, de forma ininterrupta e em regime de exclusividade, as funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria de encarregado geral operacional, bem como a pagar-lhe a quantia de € 41.410.51 a título de diferenças salariais, acrescida de juros de mora.

É desta decisão que, inconformada, a ré vem apelar.

Alegando, concluiu:                                                                   

“1.) Vem o presente recurso da douta sentença proferida pela Mma. Juiz a quo, com a Ref.ª citius n.º ...40 de fls., que condenou o réu, ora recorrente, a) a reconhecer que por sua determinação o Autor AA exerce ao seu serviço de forma ininterrupta e em regime de exclusividade as funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria de Encarregado Geral Operacional.

b) ao pagamento ao Autor do montante de €41.410,51 (quarenta e um mil quatrocentos e dez euros e cinquenta e um cêntimos) a título de diferenças salariais,

c) sobre tais quantias são devidos juros de mora, contados do vencimento e até integral e efetivo pagamento, à taxa legal de 4% (nos termos legais).

2.) Não se conforma o réu, recorrente, com a sentença proferida pela Mmª Juiz a quo e, desta forma, pretende o Apelante submeter à apreciação do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra toda a, aliás, douta sentença que o condenou no que concerne quer à interpretação dos factos quer à aplicação do Direito.

3.) Da análise que faz da douta sentença várias questões suscitam a discordância do Apelante, nomeadamente erro notório na apreciação da prova.

4.) O réu ora apelante, não se conforma com a douta sentença que deu como provada a matéria de facto constante nos pontos 7, 8, 9, 10 e 12 - cfr. II Motivação 1 – Os Factos Provados.

5.) No caso sub judice nenhuma matéria factual foi apurada que pudesse levar à conclusão que o autor a partir de 14 de maio de 2015 deixou de desempenhar as funções para as quais havia sido admitido de fogueiro (ao serviço do Réu) e passou a desempenhar as funções de Encarregado Geral Operacional.

6.) O autor nem sequer alega em sede de p.i., como se impunha – para efeitos de conteúdo funcional da mencionada categoria – quaisquer funções efectivamente desempenhadas pelo autor que se traduzam em “funções de chefia” – cfr. ponto 10 da matéria de facto provada, motivo pelo qual não podem ser consideradas como provadas.

7.) Assim e relativamente aos pontos 7 e 8 da matéria de facto provada, a prova resulta da prova documental junta aos autos – e-mail datado de 28.10.2014 (doc. n.º ... junto aos autos pelo autor sob a Ref.ª ...15 de 17.05.2022) e da circular informativa (doc. n.º ... da p.i.), nos quais é feita a referência a “Encarregado Geral do Serviço de Instalações e Equipamentos”, no entanto, do teor dos mesmos não resulta que o autor tenha sido nomeado para o exercício das funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria de Encarregado Geral Operacional do Serviço De Instalações E Equipamentos.

8.) E isto porque, o mencionado e-mail, datado de 28.10.2014, do diretor do Serviço de Instalações e Equipamentos resume-se a uma solicitação de nomeação, do autor como Encarregado Geral do Serviço de Instalações e Equipamentos e respectiva divulgação, através de Circular Informativa.

9.) Pelo que, não poderia tal facto ser dado como provado e, bem assim, ser tido em consideração na sentença, devendo como tal os pontos 7 e 8 da matéria de facto provada serem considerados como não provados.

10.) A Mma. Juiz a quo na douta sentença deu como provado os pontos 9, 10 e 12 da matéria de facto provada, a saber: “A partir de 14 de maio de 2015 o A. passou a ter sob a sua alçada todos os funcionários com a categorial de assistente operacional, recaindo sobre o mesmo toda a responsabilidade inerente ao exercício de funções que aceitou desempenhar a tempo inteiro em regime de exclusividade, isto independentemente da complexidade que os mesmos pudessem assumir” (ponto 9).

11.) Com o devido respeito, a mencionada matéria é “matéria de direito” que resulta do enquadramento jurídico para a atribuição de uma determinada categoria definida na respectiva Convenção Colectiva, é um conceito de direito e não traduz as funções em concreto, pelo que, não pode ser considerada matéria de facto, devendo, por isso, ser retirada da selecção da matéria de facto ou, caso assim não se entenda, sem prescindir, dado como não provado o ponto 9 da matéria de facto.

12.) Na mesma linha e relativamente ao ponto 10 da matéria de facto dada como provada, tal matéria elenca várias funções gerais e cada uma “traduz um conceito de direito”. - coordenação de todos os funcionários da carreira de assistentes operacionais, realização das tarefas de programação, organização e controle dos trabalhos a executar, gestão operacional da Manutenção Preventiva dos equipamentos, operacionalização das ações de Manutenção Corretiva, orientação de todas as ações envolvendo assistências técnicas por empresas externas garantido o cumprimento dos procedimentos internos, coadjuvação à Direção do Serviço, na Fiscalização de empreitadas, coordenação de entrega e recolha de ajudas técnicas e gestão do processo de controle e prevenção de Legionella, nas instalações do Centro Hospitalar e Universitário ....

13.) Tal matéria não corresponde às funções propriamente ditas e efectivamente desempenhadas pelo autor, cuja prova o autor não fez como se impunha, até porque era ao autor que cabia o ónus da prova de tal matéria (cfr. n.º 1 do art. 342º do Código Civil).

14.) O autor não fez prova, como lhe competia, das funções concretas que efectivamente desempenhava e, muito menos, fez prova que tais funções correspondiam ao conteúdo funcional da categoria de Encarregado Geral Operacional.

15.) A mencionada matéria sobre as funções do autor está descrita no art. 9º da douta p.i. e tem como prova o doc. n.º ... junto com a p.i. (Ref.ª ...82 de 22-02-2022) constituído por um e-mail datado de 31-03-2021 enviado pelo Director do Serviço, Eng. BB, ao Presidente do Conselho de Administração do Réu a solicitar abertura de concurso para a categoria de Encarregado Geral Operacional, ai consignando que desde 14 de Maio de 2015 o autor exerce essas funções.

16.) Consta da prova junta aos autos, nomeadamente, o doc. n.º ... junto pelo réu com a contestação (Ref.ª ...09 de 16-05-2022) constituído por um e-mail datado de 16-06-2020 enviado pelo Director do Serviço Eng. BB ao Presidente do Conselho de Administração do réu a solicitar abertura de concurso para a categoria de Encarregado Operacional, ai consignando que desde 14 de Maio de 2015 o autor exerce essas funções (…) que correspondem às funções dadas como provadas no ponto 10.

17.) Resulta do documento que antecede, que todas as funções dadas como provadas no ponto 10 da matéria de facto provada - à excepção de: “em número superior a 20 profissionais” e de “Avaliador do SIADAP, relativamente aos Assistentes Operacionais do Serviço de Instalações e Equipamentos” que foi dada como não provada (cfr. ponto A dos Factos não provados) – correspondem às descritas, no mencionado e-mail de 16.06.2020, pelo Director de Serviço Eng. BB como sendo as funções desempenhadas pelo autor, enquadradas no conteúdo funcional e na categoria de Encarregado Operacional.

18.) Acresce que, o autor por carta datada de 23.03.2021 enviada ao Conselho de Administração do réu sob o assunto: Enquadramento profissional – reclassificação, alega exercer as funções acima descritas, mencionando que as mesmas são conformadoras do conteúdo funcional da categoria de Encarregado Operacional, solicitando que seja reclassificado em conformidade com as funções por si efetivamente exercidas, transitando para a categoria de Encarregado Operacional – cfr. doc. n.º ... junto pelo Réu aos autos com a Ref.ª ...31 de 17-05-2022.

19.) O mesmo pedido é reiterado pelo autor ao Conselho de Administração do Réu por carta datada de 26.05.2021 – cfr. doc. n.º ... junto pelo Réu aos autos com a Ref.ª ...31 de 17-05-2022.

20.) Da prova documental constante dos autos não resulta a prova de que as funções desempenhadas pelo autor correspondem ao conteúdo funcional da categoria de Encarregado Geral Operacional do Serviço de Instalações e Equipamentos.

21.) Sem conceder, do depoimento da mencionada testemunha Eng. BB, Director de Serviço, não resulta a prova de que o autor exerce funções de chefia que consubstanciam a função de encarregado geral operacional, em suma, a testemunha descreve as funções do autor como funções de coordenação de assistentes operacionais, de gestão de pessoal e de coordenação de empresas externas.

22.) Não foi feita prova de que o autor tivesse a “Coordenação de todos os funcionários da carreira de assistentes operacionais afetos ao seu setor de atividade por cujos resultados é responsável em número superior a 20 profissionais”, resulta da prova documental junta aos autos, nomeadamente do doc. n.º ... junto com a p.i., das atas de reunião de serviço (doc.s n.ºs 2 e 3 Ref.ª ...45 de 22.04.2022), do doc. n.º ... junto com a contestação e do próprio Organigrama do Hospital, referido na douta sentença, que o Serviço de Instalações e Equipamentos (SIE) engloba ou tem sob a sua égide o Gabinete de Gestão Hoteleira, o Gabinete de Instalações e Equipamentos e a Central de Telecomunicações, onde existem assistentes operacionais alocados.

23.) Do depoimento da testemunha CC identificou-se como assistente operacional do Serviço de Instalações e Equipamentos (SIE), que no essencial referiu: “o autor não era seu chefe, nem das restantes colegas, assistentes operacionais, mais refere que faz parte do Serviço de Instalações E Equipamentos.”

24.) Desta forma, por total ausência de prova quanto ao número de assistentes operacionais não pode ser dado como provado, sem mais, que o autor é “coordenador de todos os funcionários da carreira de assistentes operacionais afetos ao seu setor de atividade por cujos resultados é responsável em número superior a 20 profissionais” (cfr.ponto 10).

25.) Da prova testemunhal, acima mencionada, não resulta a prova de que o autor exercesse funções de chefia sobre os assistentes operacionais, nem resulta prova de que o autor tivesse a seu cargo a coordenação geral de todas as tarefas realizadas pelo pessoal afeto aos sectores de actividade, não tendo a supervisão dos mesmos.

26.) Das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida são:

- a prova documental junta aos autos a fls., nomeadamente, a circular informativa (doc. n.º ... junto com a p.i.), as atas de reunião de serviço (Doc.s n.ºs 2 e 3 juntos pelo autor com a Ref.ª ...45 de 22-04-2022, Doc.s n.ºs 1 e 2 juntos com a contestação, doc. n.º ... junto pelo autor Ref.ª ...15 de 17-05-2022, Doc.s n.ºs 1, 2 e 3 juntos pelo réu Ref.ª ...31 de 17.05.2022 e Organigrama do Hospital.

- a prova testemunhal, nomeadamente, depoimento da testemunha BB (comum), das testemunhas do autor DD e EE e das testemunhas do réu FF e CC.

27.) Deveria a Mma. Juiz a quo dar como não provados os pontos 7, 8, 10 e 12 da matéria de facto provada, atenta a referida prova documental e testemunhal, acima descriminada, que devidamente conjugada e analisada não permite que tais factos sejam dados como provados. Bem como, dar como excluída da matéria de facto provada o ponto 9 por constituir matéria de direito. Ou, caso assim não se entenda, ser o mesmo dado como não provado.

28.) A Mma Juiz a quo considerou como provado o seguinte: “A partir de 14 de maio de 2015 o A. ao serviço do R. deixou de desempenhar as funções para as quais havia sido admitido de fogueiro e passou a desempenhar as funções de Encarregado Geral Operacional” (ponto 12 da matéria dada como provada) - o que não resulta da prova produzida e constante dos autos. Mas mais,

29.) Resulta do disposto no art. 88º, n.º 2 e Anexo da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, a definição do conteúdo funcional da categoria de encarregado geral operacional, a saber:

- Funções de chefia do pessoal da carreira de assistente operacional;

- Coordenação geral de todas as tarefas realizadas pelo pessoal afeto aos sectores de atividade sob sua supervisão.

30.) Da matéria de facto (provada) não resulta provado o exercício efectivo de funções, por parte do autor, que possam ser enquadradas no conteúdo funcional da categoria de encarregado geral operacional – cfr. ponto 10 da matéria de facto provada.

31.) Com efeito, não ficou provado, nem resulta da matéria provada, que o autor exerce efectivamente funções de chefia do pessoal da carreira de assistente operacional. Nem que o autor exerça a “coordenação geral de todas as tarefas realizadas pelo pessoal afeto aos sectores de actividade sob sua supervisão”.

32.) Dispõe o n.º 4 do já citado art. 88º da n.º 35/2014, de 20 de Junho, o seguinte: “A previsão, nos mapas de pessoal, de postos de trabalho que devam ser ocupados por encarregados gerais operacionais da carreira de assistente operacional depende da necessidade de coordenar, pelo menos, três encarregados operacionais do respectivo setor de atividade.” (negrito nosso).

33.) A prova de tal facto não foi feita pelo autor, ao qual incumbia o ónus da prova, aliás, nem sequer foi alegado pelo autor na p.i. - cfr. pontos 9, 10, e 12 da matéria dada como provada.

34.) Pelo que, nunca se podia considerar que o autor tenha desempenhado efectivamente funções de chefia do pessoal da carreira de assistente operacional e, dessa forma, que tenha desempenhado funções que se inserem no conteúdo funcional da categoria de encarregado geral operacional do Serviço de Instalações e Equipamentos do réu.

35.) O princípio da efectividade, em suma, são as tarefas que em concreto executou e não pois a categoria que lhe tenha sido atribuída (…) – vide Acordão do STJ datado de 25.09.2014 disponível em www.dgsi.pt

36.) “A categoria profissional dum trabalhador afere-se pelas funções efectivamente desempenhadas por este” e ainda “Reclamando o trabalhador uma categoria diversa da que lhe é atribuída pela empregadora, a ele compete o ónus da alegação e prova de todos os elementos de facto necessários para que seja reconhecida a categoria a que se arrogue, conforme decorre das regras gerais sobre ónus da prova, constantes do n.º 1 do art. 342º do Código Civil- vide Acordão do STJ datado de 15.09.2016 Proc. 3900/15.0T8PRY.P1.S1 4º Secção disponível em www.dgsi.pt

37.) A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou o disposto no art. 88º n.º 2 e 4 da Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Nestes termos e melhores de direito aplicáveis, com o douto suprimento que aqui se invoca, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra decisão que absolva o réu nos termos acima propugnados.»

O autor apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.  

O Ex.mo PGA junto desta Relação apresentou parecer no sentido da improcedência do recurso.


*

II- FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS

Do despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

1. A ré tem por principal actividade a prestação de cuidados de saúde.

2. A ré Centro Hospitalar ... é uma entidade pública empresarial, qualidade estatutária que adquiriu com a entrada em vigor do decreto lei n.º 93/2005, de 7 de Junho.

3. O autor foi admitido em 17/12/2002 ao serviço da ré mediante contrato escrito a termo, pelo período de seis meses para sob a sua autoridade, direcção e fiscalização exercer as funções de fogueiro, mediante retribuição que á data se cifrava em 425,15€.

4. Em 25.06.2003 entre o autor e a ré - Centro Hospitalar e Universitário ..., foi celebrado um contrato individual de trabalho a termo certo, pelo período de 12 meses, através do qual o autor foi admitido ao serviço da ré para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Operário Qualificado – Fogueiro,

5. Em 17/06/2004 o autor outorgou com a ré um contrato de trabalho sem termo, para exercer sob a sua autoridade direção e fiscalização as funções correspondentes à categoria que designaram de Fogueiro.

6. O autor aufere a remuneração fixada para os trabalhadores a exercerem funções públicas, na categoria de assistente operacional.

7. No dia 28 de Outubro de 2014, o diretor do Serviços de Instalações e Equipamentos enviou um e-mail, solicitando a nomeação do autor como encarregado geral expondo os procedimentos adotados para a sua seleção, mencionando que concorreram quatro funcionários, tendo sido, após entrevista realizada por um júri composto por cinco elementos, seleccionado o autor, solicitando, além do mais, a atribuição de acréscimo retributivo correspondente à categoria de encarregado geral.

8. Por deliberação do Conselho de Administração da ré n.º 2015/08/35, datada de 14 de Maio, na sua redacção final, sob a designação de circular informativa foi autorizada a nomeação do aqui autor para o exercício das funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria de encarregado geral operacional do Serviço de Instalações e Equipamentos.

9. A partir de 14 de Maio de 2015 o autor passou a ter sob a sua alçada todos os funcionários com a categoria de assistente operacional, recaindo sobre o mesmo toda e qualquer responsabilidade inerente ao exercício de funções que aceitou desempenhar a tempo inteiro e em regime de exclusividade, isto independentemente da complexidade que os mesmos pudessem assumir

10. No âmbito das funções que lhe foram conferidos o autor de entre outras tarefas passou a ser o responsável pela:

• Coordenação de todos os funcionários da carreira de assistentes operacionais afectos ao seu sector de atividade por cujos resultados é responsável em número superior a 20 profissionais.

• Realização das tarefas de programação, organização e controle dos trabalhos a executar;

• Gestão operacional da manutenção preventiva dos equipamentos;

• Operacionalização das ações de manutenção correctiva;

• Orientação de todas as ações, envolvendo assistências técnicas por empresas externas, garantindo o cumprimento dos procedimentos internos e a realização das acções de acordo com o estado da arte;

• Coadjuvação à direção do Serviço, na fiscalização de empreitadas;

• Coordenação de entrega e recolha de ajudas técnicas;

• Gestão do processo de controle e prevenção de Legionella, nas instalações do Centro Hospitalar e Universitário ...;

• Coadjuvação na manutenção preventiva e curativa do Hospital ...;

• Responsabilidade pela condução das centrais térmicas do Centro Hospitalar e Universitário ...;

11. A ré no período que decorreu entre 14 de Maio de 2015 e Janeiro de 2022 pagou ao autor as seguintes remunerações base:

2015
MêsRemuneração

Base

Subs. Natal

Duodécimos

Subs. FériasDocumento n.º
Maio557,10 €46,43 € 6
Junho557,10 €46,43 €557,10 €7
Julho557,10 €46,43 € 8
Agosto557,10 €46,43 € 9
Setembro557,10 €46,43 € 10
Outubro557,10 €46,43 € 11
Novembro557,10 €46,43 € 12
Dezembro557,10 €46,43 € 13
TOTAL4.456,80 €371,44 €557,10 €5.385,34 €

2016
MêsRemuneração

Base

Subs. Natal

Duodécimos

Subs. FériasDocumento n.º
Janeiro557,10 €46,43 € 14
Fevereiro557,10 €46,43 € 15
Março557,10 €46,43 € 16
Abril557,10 €46,43 € 17
Maio557,10 €46,43 € 18
Junho557,10 €46,43 €557,10 €19
Julho557,10 €46,43 € 20
Agosto557,10 €46,43 € 21
Setembro557,10 €46,43 € 22
Outubro557,10 €46,43 € 23
Novembro557,10 €46,43 € 24
Dezembro557,10 €46,43 € 25
TOTAL6.685,20 €557,16 €557,10 €7.799,46 €

2017
MêsRemuneração

Base

Subs. Natal

Duodécimos

Subs. FériasDocumento n.º
Janeiro557,10 €46,43 € 26
Fevereiro557,10 €46,43 € 27
Março557,10 €46,43 € 28
Abril557,10 €46,43 € 29
Maio557,10 €46,43 € 30
Junho557,10 €46,43 €557,10 €31
Julho557,10 €46,43 € 32
Agosto557,10 €46,43 € 33
Setembro557,10 €46,43 € 34
Outubro557,10 €46,43 € 35
Novembro557,10 €46,43 € 36
Dezembro557,10 €46,43 € 37
TOTAL6.685,80 €557,16 €557,10 €7.799,46 €

2018
MêsRemuneração

Base

Subs. Natal

Subs. FériasDocumento n.º
Janeiro580,00 € 38
Fevereiro580,00 € 39
Março580,00 € 40
Abril580,00 € 41
Maio580,00 € 42
Junho580,00 € 580,00 €43
Julho580,00 € 44
Agosto580,00 € 45
Setembro580,00 € 46
Outubro580,00 € 47
Novembro580,00 €580,00 € 48
Dezembro580,00 € 49
TOTAL6.960,00 €580,00 €580,00 €8.120,00 €

2019
MêsRemuneração

Base

Subs. Natal

Subs. FériasDocumento n.º
Janeiro635,07 € 50
Fevereiro635,07 € 51
Março635,07 € 52
Abril635,07 € 53
Maio635,07 € 54
Junho635,07 € 635,07 €55
Julho635,07 € 56
Agosto635,07 € 57
Setembro635,07 € 58
Outubro635,07 € 59
Novembro635,07 €635,07 € 60
Dezembro635,07 € 61
TOTAL7550,70 €635,07 €635,07 €8.820,84 €

2020
MêsRemuneração

Base

Subs. Natal

Subs. FériasDocumento n.º
Janeiro635,07 € 62
Fevereiro635,07 € 63
Março635,07 € 64
Abril635,07 € 65
Maio645,07 € 66
Junho645,07 € 645,07 €67
Julho645,07 € 68
Agosto645,07 € 69
Setembro645,07 € 70
Outubro645,07 € 71
Novembro645,07 €645,07 € 72
Dezembro645,07 € 73
TOTAL7700,84 €645,07 €645,07 €8.990,98 €

2021
MêsRemuneração

Base

Subs. Natal

Subs. FériasDocumento n.º
Janeiro665,00 € 74
Fevereiro665,00 € 75
Março665,00 € 76
Abril665,00 € 77
Maio665,00 € 78
Junho665,00 € 665,00 €79
Julho665,00 € 80
Agosto665,00 € 81
Setembro665,00 € 82
Outubro665,00 € 83
Novembro665,00 €665,00 € 84
Dezembro665,00 € 85
TOTAL7550,70 €665,00 €665,00 €9.310,00 €

2022
MêsRemuneração

Base

Subs. NatalSubs. FériasDocumento

n.º

Janeiro705,00 € 86
Total705,00 €00,00 €00,00 €705,00 €

12. A partir de 14 de Maio de 2015 o autor ao serviço da ré deixou de desempenhar as funções para as quais havia sido admitido de fogueiro e passou a desempenhar as funções de encarregado geral operacional.

13. O autor é associado do STFPSSRA- Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas.


*

Do mesmo despacho que decidiu a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como não provada:

- o autor desempenha funções de avaliador do SIADAP, relativamente aos assistentes operacionais do Serviço de Instalações e Equipamentos.


*

III- APRECIAÇÃO

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se importa alterar a decisão sobre a matéria de facto, eliminando dos factos provados os pontos indicados no recurso;

- se, também em consequência dessa alteração, pode ou não considerar-se que o autor exerceu funções correspondentes à categoria reconhecida pela sentença e se, assim, pode ou não ser-lhe reconhecido o direito às diferenças salariais a que a ré foi condenada a pagar-lhe.

1. Quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto:

Das alegações e conclusões de recurso percebe-se que a recorrente considera incorrectamente estabelecidos ou julgados os pontos 7., 8., 9., 10 e 12. dos factos provados, os quais segundo defende deveriam ser eliminados por terem feição conclusiva ou por não se terem consistentemente provado.
Na reavaliação de facto - não deixamos de o dizer, como sempre fazemos -, o tribunal de recurso deve controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, mas encontra-se impedido de controlar o processo lógico da convicção no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle, quando foi relevante o funcionamento do princípio da imediação. No seguimento de tais princípios, temos entendido que só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que o julgador formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento.
Vejamos, então, seguindo a argumentação do recurso expostas nas suas conclusões.

a) A questão da alteração dos pontos 7. e 8. dos factos provados:

Têm estes pontos a seguinte redacção:

7. No dia 28 de Outubro de 2014, o director do Serviços de Instalações e Equipamentos enviou um e-mail, solicitando a nomeação do autor como encarregado geral expondo os procedimentos adotados para a sua seleção, mencionando que concorreram quatro funcionários, tendo sido, após entrevista realizada por um júri composto por cinco elementos, seleccionado o autor, solicitando, além do mais, a atribuição de acréscimo retributivo correspondente à categoria de encarregado geral.”

8. Por deliberação do conselho de administração da ré n.º 2015/08/35, datada de 14 de Maio, na sua redacção final, sob a designação de circular informativa foi autorizada a nomeação do aqui autor para o exercício das funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria de Encarregado Geral Operacional do Serviço de Instalações e Equipamentos.”

Consta da sentença recorrida que o transcrito facto 7. foi aditado “ao abrigo do disposto no artigo 72º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho que resulta dos documentos sob a Ref.ª ...15 de 17/05/2022 juntos na audiência de julgamento e sobre os quais incidiu discussão entre as partes”.  

Na motivação da decisão sobre a matéria de facto escreveu-se o seguinte, relativamente à decisão quanto a tais pontos de facto e aos demais factos provados:

«Prova testemunhal

Todas as testemunhas inquiridas, DD, EE, FF e GG, convergiram na descrição das funções sucessivamente desempenhadas pelo autor, na sua inserção do organigrama da instituição hospitalar, área de serviço em que se insere e equipa que comanda. Apesar de arroladas umas pelo autor, outras pelo réu, todas depuseram de forma espontânea, sincera, equidistante e objetiva, confirmando, na generalidade a versão fáctica invocada pelo autor na sua petição inicial, máxime no tocante as funções de chefia e liderança, que consubstanciam a função de encarregado geral, como, aliás é por todos reputado.

Destaca-se o depoimento da testemunha BB (comum a ambas as partes, Diretor do Serviço de Instalações e Equipamentos), pela sua consistência e razão de ciência, chefe do autor, que confirmou que aquele exerce funções de encarregado geral, explicando o procedimento administrativo que conduziu à sua nomeação para a categoria, discriminado as funções por ele exercidas, não refletidas na respetiva remuneração. Explicou que os serviços de higiene não se encontram no âmbito, nem sob a égide do Serviço de Instalações e Equipamentos (SIE), pelo que os assistentes operacionais afetos àquele serviço, não estão sob a chefia do autor.

De referir que a testemunha CC, explicou que conhece o autor como encarregado geral dos SIE, mas não tem qualquer poderes de chefia no serviço que a testemunha está alocada (Serviços de Higiene), que segundo o organigrama do Hospital também integra os SIE, situação que foi esclarecida pelo respetivo diretor, que explicou que, embora os ditos serviços de higiene se encontrem sob a égide dos SIE, têm uma organização autónoma e distinta, não sendo chefiados pelo autor.

O Tribunal fundou, também, a sua convicção nos seguintes nos seguintes elementos documentais:

- Documentos juntos com a petição inicial (Ref.ª ...82 de 22-02-2022) – contratos de trabalho, recibos de vencimento, circular informativa de 27 de maio de 2015, informação de 31 de março de 2021, declaração emitida pelo sindicato e declaração fiscal do autor.

- Ref.ª ...45 de 22-04-2022:

Documentos, esses, elaborados pelos serviços do réu ou constantes da respetiva base de dados e informações, nos quais o autor é sempre identificado como Encarregado Geral do Serviço de Instalações e Equipamentos.

- Ref.ª ...09 de 16-05-2022 – documento, elaborado pelos serviços do réu, datado de janeiro de 2010 no qual são descritas as funções do autor, como assistente operacional (fogueiro) e requerimento subscrito pelo Diretor do Serviço de Instalações e Equipamentos, datado de junho de 2020, onde este descreve as funções exercidas pelo autor desde 2015 solicitando que seja aberto concurso para que o autor possa aceder ao cargo de encarregado operacional, tendo a testemunha em causa, quando confrontado com o documento explicado que a menção à categoria em causa se deveu a instruções do departamento de recursos humanos, que explicaram que o autor não poderia passar diretamente para a categoria de Encarregado Geral Operacional, teria que primeiro passar pela categoria profissional intermédia, embora exercesse na pratica as funções inerentes à categoria superior.

- Ref.ª ...15 de 17/05/2022 - documentos juntos em audiência de julgamento relativos ao processo de seleção e contratação do autor como Encarregado Geral dos Serviços de Instalações e Equipamentos.

- Ref.ª ...31 de 17/05/2022 - documento junto em audiência de julgamento, tratando-se de um requerimento apresentado pelo autor ao Diretor do CA do réu solicitando a sua reclassificação como encarregado operacional, em conformidade com as funções efetivamente exercidas, quando confrontado com o documento em causa o autor explicou que a menção à categoria em causa se deveu a instruções do departamento de recursos humanos, que explicaram que teria que primeiro passar administrativamente pela categoria profissional intermédia, mesmo desempenhando funções de encarregado geral operacional, isto num momento em que ainda tentava resolver amigavelmente a situação.

Todo o acervo probatório foi analisado criticamente, como recurso a juízos de experiência comum e da normalidade do acontecer, tendo muita da matéria dada como provada resultado da articulação dos vários meios de prova produzidos e da vária factualidade invocada pelas partes.»

No recurso e, concretamente, nas respectivas conclusões a apelante sustenta que «relativamente aos pontos 7 e 8 da matéria de facto provada, a prova resulta da prova documental junta aos autos – e-mail datado de 28.10.2014 (doc. n.º ... junto aos autos pelo autor sob a Ref.ª ...15 de 17.05.2022) e da circular informativa (doc. n.º ... da p.i.), nos quais é feita a referência a “Encarregado Geral do Serviço de Instalações e Equipamentos”», mas «no entanto, do teor dos mesmos não resulta que o autor tenha sido nomeado para o exercício das funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria de Encarregado Geral Operacional do Serviço De Instalações E Equipamentos», «isto porque, o mencionado e-mail, datado de 28.10.2014, do diretor do Serviço de Instalações e Equipamentos resume-se a uma solicitação de nomeação, do autor como Encarregado Geral do Serviço de Instalações e Equipamentos e respectiva divulgação, através de Circular Informativa».

Em face dos ditos documentos em causa, devidamente analisados, cumpre desde já dizer que não temos dúvida em aceitar a convicção expressa pela julgadora a quo no que toca ao facto 7., uma vez que o mesmo é claramente comprovado pelo “doc. n.º ...” junto em audiência de julgamento.

E também não temos dúvidas em confirmar a prova da nomeação do autor como encarregado geral, indicada no facto 8., em face do documento n.º ... junto com a petição inicial, o qual se traduz numa circular interna da ré no qual se dá nota de um “organigrama” com a identificação dos titulares dos cargos/postos de trabalho ali descritos, por referência a deliberação do conselho de administração da ré datada de 14 de Maio de 2015.

A dúvida que se pode colocar é a de poder considerar-se provado que o mesmo foi nomeado como “Encarregado Geral Operacional do Serviço de Instalações e Equipamentos” (sublinhado nosso), como consta da redacção do facto 8., e não apenas como «Encarregado Geral do Serviço de Instalações e Equipamentos» já que a dita circular utiliza esta designação e não aquela. Este ponto parece ser o ponto essencial da impugnação deduzida pela recorrente.

No entanto, a verdade é que na informação contida no doc. n.º ... junto com a petição inicial, um ofício dirigido pelo director do Serviço de Instalações e Equipamentos ao conselho de administração da ré, em 31-03-2021, aquele historia a nomeação e desempenho do autor desde a referida data de 14 de Maio de 2015 – a data da deliberação do conselho de administração da ré, antes indicada – e diz expressamente:

«ASSUNTO: Encarregado Geral Operacional

PARA: Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Administração

DE: Serviço de Instalações e Equipamentos

O funcionário AA exerce funções de Encarregado Geral Operacional, desde 14 de Maio de 2015.

O colaborador tem sob sua alçada, todos os funcionários da carreira de assistente operacional, recaindo sobre o mesmo toda e qualquer responsabilidade inerente a este cargo, independentemente da complexidade da situação.

Numa lógica de justiça, face ao empenhamento, dedicação e excepcional desempenho evidenciado pelo mesmo, no âmbito das funções de chefia do pessoal da carreira de assistente operacional, onde exerce com brio e denodo a coordenação geral de todas as tarefas realizadas pelo pessoal afecto aos sectores de actividade sob sua supervisão, cumpre ao signatário o dever de, permitir ao funcionário em questão, o acesso a posição remuneratória correspondente ao exercício das funções.

Deste modo, solicita-se a va Ex" que, ao abrigo da legislação vigente, concatenada com o regime excepcional da contratação pública, seja aberto concurso para a categoria de Encarregado Geral Operacional.”

O director desse serviço da ré depôs como testemunha no julgamento da causa na 1.ª instância – a testemunha BB. Foi ele quem acompanhou desde o início o processo de recrutamento do autor para as funções de encarregado geral e, portanto, é legítimo inferir saber ele distinguir exactamente qual o cargo a prover e que foi provido.

É certo que a ré juntou antes do julgamento um outro documento por ele subscrito, datado de Junho de 2020, no qual o mesmo indica que o autor exercia as funções de encarregado operacional e pede a abertura de concurso para este cargo. No entanto, a testemunha, como justificou a Sr.ª juíza a quo, em audiência e “quando confrontado com o documento [explicou] que a menção à categoria em causa se deveu a instruções do departamento de recursos humanos, que explicaram que o autor não poderia passar diretamente para a categoria de Encarregado Geral Operacional, teria que primeiro passar pela categoria profissional intermédia, embora exercesse na prática as funções inerentes à categoria superior(sublinhado nosso).

Ora, o que sugere esta divergência é que, na realidade, o referido director procurou atalhar dificuldades “burocráticas” para superar a dita “categoria intermédia”, alcançando o mais depois de assegurar o menos. E isto demonstra a possibilidade, bastante credível quanto a nós – ao contrário do que sugere a apelante -, de tal lhe ter sido sugerido por serviços de recursos humanos mais agilizados nos tais procedimentos “burocráticos”.

Por conseguinte, aceitamos a convicção formada pela Sr.ª juíza quando consignou que o autor foi nomeado para “encarregado geral operacional”.

Desta forma, mantemos na íntegra como provada a matéria descrita nos pontos 7. e 8., não detectando erro de julgamento que nesta parte importe correcção.

b) A questão da pontos 9. e 10. dos factos provados:

Têm estes pontos a seguinte redacção:

«9. A partir de 14 de Maio de 2015 o autor passou a ter sob a sua alçada todos os funcionários com a categoria de assistente operacional, recaindo sobre o mesmo toda e qualquer responsabilidade inerente ao exercício de funções que aceitou desempenhar a tempo inteiro e em regime de exclusividade, isto independentemente da complexidade que os mesmos pudessem assumir».

«10. No âmbito das funções que lhe foram conferidos o autor de entre outras tarefas passou a ser o responsável pela:

• Coordenação de todos os funcionários da carreira de assistentes operacionais afetos ao seu sector de atividade por cujos resultados é responsável em número superior a 20 profissionais.

• Realização das tarefas de programação, organização e controle dos trabalhos a executar;

• Gestão operacional da manutenção preventiva dos equipamentos;

• Operacionalização das acções de manutenção correctiva;

• Orientação de todas as acções, envolvendo assistências técnicas por empresas externas, garantindo o cumprimento dos procedimentos internos e a realização das acções de acordo com o estado da arte;

• Coadjuvação à Direcção do Serviço, na fiscalização de empreitadas;

• Coordenação de entrega e recolha de ajudas técnicas;

• Gestão do processo de controle e prevenção de Legionella, nas instalações do Centro Hospitalar e Universitário ...;

• Coadjuvação na manutenção preventiva e curativa do Hospital ...;

• Responsabilidade pela condução das Centrais Térmicas do Centro Hospitalar e Universitário ...».

 Nesta parte, argumenta a apelante, em primeiro lugar, que estes pontos contêm factos conclusivos, enformando questões de direito e não de facto. Alega que «a mencionada matéria é “matéria de direito” que resulta do enquadramento jurídico para a atribuição de uma determinada categoria definida na respectiva Convenção Colectiva, é um conceito de direito e não traduz as funções em concreto, pelo que, não pode ser considerada matéria de facto, devendo, por isso, ser retirada da selecção da matéria de facto ou, caso assim não se entenda, sem prescindir, dado como não provado o ponto 9 da matéria de facto» e «na mesma linha e relativamente ao ponto 10 da matéria de facto dada como provada, tal matéria elenca várias funções gerais e cada uma “traduz um conceito de direito”»

Importa sempre, com certeza, não perder de vista que de uma decisão sobre a matéria de facto não devem constar factos conclusivos ou matéria de direito - apenas os factos são objecto de prova como resulta dos artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil. Por isso o artigo 607.º n.º 3 do Código de Processo Civil prescreve que na sentença deve o juiz “discriminar os factos que considera provados” e o n.º 4 do mesmo preceito dispõe que “na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência”. Por outro lado, segundo o artigo 663.º n.º 2 do CPCivil na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito.

Neste sentido, só acontecimentos ou factos concretos podem integrar o elenco de facto.

Contudo, podem equiparar-se aos factos os conceitos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que constituam a directa verificação do sentido, conteúdo ou limites do objecto de disputa das partes.

Nos autos importava, sim, determinar quais as funções exercidas pelo autor com vista a determinar posteriormente a categoria profissional normativa a que corresponde determinado estatuto retributivo.

Mas “conclusão” ou “conceito de direito” não é a mera descrição das funções exercidas ainda que de forma genérica, mas antes é a nominada categoria profissional.

Por conseguinte, entendemos que não são factos conclusivos os indicados nos pontos em causa, ainda que possam conter uma descrição genérica das funções exercidas pelo autor. Essa descrição é suficientemente apreensível pelo normal dos cidadãos, na utilização da linguagem comum, dificilmente havendo melhor meio de linguagem para descrever genericamente as funções exercidas, ao longo dos anos em que o foram.

Noutro plano, a recorrente defende que as funções descritas são objecto de listagem no já referido doc. n.º ... junto com a petição inicial (e-mail datado de 31-03-2021 enviado pelo director do Serviço, Eng. BB, ao presidente do conselho de administração da ré a solicitar abertura de concurso para a categoria de encarregado geral operacional) e no doc. n.º ... junto por si (ré) em 16-05-2022 (e-mail datado de 16-06-2020 enviado pelo mesmo director do serviço ao presidente do conselho de administração a solicitar abertura de concurso para a categoria de encarregado operacional) e, assim, - continua - se as mesmas funções são enquadradas ao mesmo tempo na categoria de encarregado operacional e na de encarregado geral operacional, não é possível dar como provada matéria conformadora das funções de encarregado geral operacional (pontos 9. e 12.), acrescentando que em idêntico paradoxo caiu o autor noutras cartas, datadas de 23.03.2021 e 26.05.2021, enviadas ao conselho de administração, solicitando reclassificação em conformidade com as funções por si efetivamente exercidas, transitando para a categoria de encarregado operacional.

Porém, o “paradoxo” apontado pela recorrente nada tem a ver com a prova das funções exercidas pelo autor. Saber a que categoria correspondem é, essa sim, uma questão de direito que só pode ter resposta depois de apuradas tais funções.

Por outro lado, defende no recurso que não foi feita prova de que o autor tivesse a “coordenação de todos os funcionários da carreira de assistentes operacionais afetos ao seu setor de atividade por cujos resultados é responsável”. Sustenta que da prova testemunhal resulta provado que “o autor não coordena a Central de Telecomunicações, a qual tem como coordenadora a HH, tal como foi referido pela testemunha CC, assistente operacional a desempenhar funções de telefonista”, referindo esta “que o autor nunca lhe deu ordens, nem às restantes colegas, num total de seis assistentes operacionais”.

Contudo, quanto a esta questão cumpre assinalar que levando em conta o que a testemunha BB (o diretor do Serviço de Instalações e Equipamentos - SIE) explicou, a central telefónica apesar de segundo o organigrama do Hospital também integrar os SIE tem uma organização autónoma e distinta, portanto, uma secção ou sector distinto, com uma coordenadora própria. E isso mesmo, dizemos nós, resulta do organograma da ré constante do doc. ... junto com a petição, de acordo com a qual dentro do SIE o autor integra o Gabinete de Instalações e Equipamentos distinto da estrutura da Central Telefónica.  Por consequência, assim esclarecido não vemos que, nessa separação, isso colida com o consignado no ponto 10. quanto à coordenação de todos os funcionários da carreira de assistentes operacionais afectos ao seu sector de actividade”.

Por outro lado, sustenta a apelante que nenhuma prova foi feita de que o autor coordenasse mais de 20 profissionais assistentes operacionais. Ora, ouvida a prova, devemos dizer que basta ouvir o depoimento da testemunha BB, o diretor do serviço, para constatar que ele referiu que o autor tinha sob sua supervisão vinte e um profissionais, nos quais não incluiu – disse-o expressamente – os da central telefónica.

Dito isto, não vemos qualquer motivo para alterar a redacção dada aos pontos em análise, 9. e 10.. Os elementos dos autos não conduzem inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância, razão pela qual – como dissemos já - deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento.

c) A questão da alteração do ponto 12. dos factos provados:

Tem este ponto a seguinte redacção:

«12. A partir de 14 de Maio de 2015 o autor ao serviço da ré deixou de desempenhar as funções para as quais havia sido admitido de fogueiro e passou a desempenhar as funções de Encarregado Geral Operacional»

Este facto decorre, como bem se vê, da demonstração dos anteriores já analisados na nossa apreciação e, portanto, quase que seria redundante a sua formulação.

Contém, contudo, alguma formulação conclusiva (sem os demais provados seria mesmo totalmente conclusivo), razão pela qual decidimos alterar a sua redacção, do seguinte modo e para o expurgar da feição conclusiva:

«12. A partir de 14 de Maio de 2015 o autor ao serviço da ré deixou de desempenhar as funções para as quais havia sido admitido de fogueiro e passou a desempenhar as funções mencionadas em 8., 9., e 10.».

Por conseguinte, com esta correcção, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

 

2. Quanto à questão de saber se pode ou não considerar-se que o autor exerceu funções correspondentes à categoria de encarregado geral operacional e se pode ou não ser-lhe reconhecido o direito às diferenças salariais a que a ré foi condenada a pagar-lhe:

Concluiu-se na sentença da 1ª instância que o contrato de trabalho em vigor entre as partes tem a natureza de contrato individual de trabalho, sujeito à disciplina do Código do Trabalho. Este juízo não é colocado em crise no recurso.

Concluiu-se também que estando sujeito ao Código do Trabalho, não lhe é aplicável o regime relativo ao trabalho em funções públicas regulado pela Lei n.º 12-A/2008 e pela Lei n.º 35/2014, de 20/06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).

Em face da matéria de facto provada, concluiu-se ainda que o autor em 2015 passou a desempenhar um diferente quadro funcional de actividade, pelo que ocorrera uma modificação do respectivo contrato passando a ter por objecto o trabalho correspondente à categoria de encarregado geral operacional, à qual corresponde remuneração mais elevada.

Todavia, considerou-se na sentença que o acto de natureza contratual que conduziu a tal modificação foi um acto nulo porque assim cominado no art. 39.º n.º 21 da Lei de Orçamento de Estado n.º 83-C/2013, de 31/12 (artigo esse com a alteração da Lei n.º 75-A/2014, de 30/9).

Este juízo de nulidade também não é objecto de recurso, pelo que deve considerar-se coberto por caso julgado.

Tratando-se, porém, de um acto nulo ainda assim a sentença considerou que o autor adquiriu o direito a remuneração superior durante o tempo em que exerceu as funções correspondentes à categoria normativa melhor remunerada.

A esse propósito, escreveu-se na sentença o seguinte:

«(…) Não obstante a conclusão a que se chegou, fica no entanto por saber se, apesar disso, o Autor deve ou não ser remunerado, face à alteração operada no exercício das suas funções, de acordo com a categoria para que foi contratado ou, diversamente, da categoria em que se inserem as novas funções, questão essa a que nos propomos responder de seguida.

Da retribuição devida ao autor

Desde já se adianta que, não obstante o que se referiu antes sobre impossibilidade de reclassificação da categoria do Autor, daí não decorre, que o réu não esteja obrigado a pagar a remuneração correspondente à categoria em que se inserem as funções por aquele exercidas, como veremos de seguida.

Desde logo, o próprio regime constante do Código do Trabalho, sobre categoria funcional e exercício de funções diversas da categoria atribuída ao trabalhador, assim o que resulta do artigo 118.º do Código do Trabalho/2009, aponta precisamente nesse sentido, como de resto, acrescente-se, e em particular, o artigo 120.º do mesmo Código, pois que mesmo nos casos de mobilidade funcional a este último subsumíveis – ou seja, por o interesse da empresa o exigir, ter sido o trabalhador encarregado de exercer temporariamente funções não compreendidas na atividade para que fora contratado, sem que ocorra modificação substancial da posição deste –, esses acarretam precisamente como consequência, nos termos que resultam expressamente do seu n.º 4, que assista ao trabalhador o direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas, ou seja, porque nestas necessariamente integrada, a retribuição para essas prevista, ainda que, como resulta do seu n.º 5, salvo disposição em contrário, o trabalhador não adquira a categoria correspondente às funções temporariamente exercidas.

Impõe-se, por isto, afirmar o direito do Autor a receber a remuneração correspondente às funções que exerceu em determinado período, e não pois já, como se viu, a que seja reclassificado na categoria em que essas funções se integram, assim a encarregado geral operacional. Mal se compreenderia que, exercendo o autor funções correspondentes a uma categoria diferente da contratada a partir de determinada altura, por decisão oriunda da estrutura do Réu, não auferisse a partir de então remuneração a essas correspondente, em conformidade aliás, como se viu, com o estabelecido no Código do Trabalho

Porque assim é, independentemente da reclassificação da categoria do Autor, face às novas funções, poder colidir com a regras que proíbem a valorização remuneratória previstas nas normas do OE, de que trataremos infra, tal não significa que aquele, sob pena de violação de elementares princípios gerais como o da igualdade e da justiça, com repercussão também no âmbito laboral, assim desde logo o primado legal e constitucional de salário igual trabalho igual (al. a), do n.º 1, do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa), não tenha direito a auferir a remuneração correspondente à das funções que está a desempenhar, por decisão da entidade patronal, em condições idênticas às dos demais trabalhadores que essas exercem.

É que, ainda neste caso, qualquer eventual violação da referida norma do OE, que proíbe sem dúvidas a prática de atos aí previstos que envolvam “valorização salarial”, já não proíbe, nem poderia proibir – atrevemo-nos a dizê-lo –, nos casos em que não obstante essa proibição tais atos venham a ser praticados, assim porventura, no que aqui importa, admitindo o órgão ou Serviço uma situação de mobilidade entre categorias diversas fora das condições legais, que o trabalhador, abrangido por esse ato, enquanto essa situação perdurar, receba a remuneração correspondente a tais funções, sendo que, acrescente-se, ainda que porventura a coberto das consequências advindas do vício da nulidade, também a solução a que se chega seria a mesma, na salvaguarda dos efeitos já passados antes da afirmação desse vício.

Ou seja, independentemente de não estarem reunidos os requisitos/pressupostos para operar a reclassificação da categoria do Autor, com a atribuição da categoria profissional de Encarregado geral operacional, solução a que como se viu anteriormente chegamos, sempre as tarefas por esse desenvolvidas, lhe atribuem, enquanto tal situação se mantiver, o direito a receber, por lhe serem devidas, as correspondentes diferenças salariais, levando-se para o efeito em conta o que auferiu na categoria de que é detentor e a retribuição referente à de encarregado Geral Operacional.

A esta mesma conclusão se chegou, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto fevereiro de 2010 [Relatora Desembargadora Albertina Pereira, in www.dgsi.pt], então apelando ao que se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2005, assim no sentido de que, em respeito pelo princípio da igualdade “justifica-se que, em casos em que o trabalhador exerce funções correspondentes a determinada categoria profissional, sem que se verifiquem os requisitos para que esta lhe seja reconhecida, ele adquira o direito a auferir a retribuição correspondente, ainda que não possa invocar o direito à reclassificação nessa mesma categoria” e bem assim no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 4350/17.9T8PRT.P1 de 30-05-2018 (Relator: NELSON FERNANDES) cuja argumentação, aliás, vimos seguindo me muito perto.:

Impõe-se assim, o direito do Autor a serem-lhe pagas as diferenças salariais, entre o que lhe foi pago e o que lhe deveria ter sido se considerada fosse a remuneração correspondente à categoria em que se inserem as funções que exerceu.»

A apelante opõe-se essencialmente a este juízo de reconhecimento de direito do autor com o argumento que não se demonstra que o autor tenha efectivamente exercido as funções correspondentes ao conteúdo funcional da categoria de encarregado geral operacional, convocando para este efeito o disposto na Lei n.º 35/2014 (Lei do Trabalho Geral em Funções Públicas).

Já ficou dito que a sentença recorrida considerou não ser aplicável a referida Lei, uma vez que o contrato de trabalho do autor estava submetido à disciplina do Código do Trabalho - submissão esta que não suscitou oposição da ré no recurso.

Mas ainda que fosse aplicável, a verdade é que em nosso bom entender os factos provados desmentem a posição da ré.

No anexo à referida Lei a categoria de encarregado geral operacional é assim definida: “Funções de chefia do pessoal da carreira de assistente operacional. Coordenação geral de todas as tarefas realizadas pelo pessoal afeto aos setores de atividade sob sua supervisão”.

Ora, é esse mesmo figurino funcional que se mostra adaptado ao desempenho do autor. As funções de chefia e coordenação (próximas, embora não coincidentes) são-nos apresentadas no ponto 10. dos factos provados, nas seguintes funções: “coordenação de todos os funcionários da carreira de assistentes operacionais afectos ao seu sector de atividade por cujos resultados é responsável” (sublinhado nosso) - logo, funções de coordenação e chefia; “realização das tarefas de programação, organização e controle dos trabalhos a executar” - logo, funções de chefia; “orientação de todas as ações, envolvendo assistências técnicas por empresas externas, garantindo o cumprimento dos procedimentos internos e a realização das acções de acordo com o estado da arte” - logo, funções de coordenação.

E não se pode dizer, como parece sugerir a recorrente, que tais funções se podem reconduzir às funções de outra categoria, inferior àquela, ou seja, a de encarregado operacional também prevista naquele anexo. É que das funções previstas para esta última categoria – e que, bem vistas as coisas, acabam por as distinguir substancialmente – está a de substituir o encarregado geral nas suas ausências e impedimentos. Ora, não só não se provou a existência de um encarregado geral hierarquicamente superior ao autor (verdadeiramente, retira-se de toda a discussão probatória que tal figura não existia), como não se provou que o autor tivesse essas funções de substituição.

Argumenta também a apelante que a classificação do autor como encarregado geral operacional colide com o n.º 4 do art. 88.º da mesma Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que estabelece o seguinte: “a previsão, nos mapas de pessoal, de postos de trabalho que devam ser ocupados por encarregados gerais operacionais da carreira de assistente operacional depende da necessidade de coordenar, pelo menos, três encarregados operacionais do respectivo setor de atividade”. Já dissemos que a referida Lei não é directamente aplicável à relação contratual com o autor. Mas ainda que o fosse, a norma em causa é meramente uma norma organizadora dos mapas de pessoal e nada colide com a efectivação concreta de funções correspondentes à categoria assinalada ao autor.

Dito isto, bem observada a situação, não sendo directamente aplicável o dispositivo da Lei n.º 35/2014, é antes de reconhecer ser aplicável o Acordo Colectivo celebrado entre o Centro Hospitalar Barreiro Montijo, EPE e outros (um dos quais a ré) e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS, representante do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas, do qual o autor é associado tal como vem provado no ponto 13. dos factos provados, publicado no BTE n.º 23/2018. A aplicação desse ACT à relação contratual do autor desde 2015 é assegurada, a nosso ver, pelas normas de reconhecimento de situações anteriores constantes das cláusulas 32.º e 33.ª.

 E é o anexo I deste ACT que prevê a categoria de encarregado geral operacional como a correspondente a “funções de chefia do pessoal da carreira de assistente operacional. Coordenação geral de todas as tarefas realizadas pelo pessoal afeto aos sectores de atividade sob sua supervisão”, funções essas que como vimos são as correspondem às desempenhadas pelo autor e, mais impressivamente, para as quais foi nomeado como resulta do ponto 8. dos factos provados.

Dito isto, acolhemos a posição da sentença recorrida na parte acima transcrita quanto ao direito do autor à remuneração correspondente à categoria exercida ainda que o seu posicionamento nas correspondentes funções tenha resultado de acto nulo, seguindo de resto a posição bem expressa e fundamentada no Acórdão da Relação do Porto de 30 de Maio de 2018 (relator: Nelson Fernandes), no proc. 4350/17.9T8PRT.P1.

Acrescentamos nós que pela via das regras da nulidade parcial do contrato, previstas no Código do Trabalho, também se chegaria à mesma solução. Na verdade, do disposto no art. 122.º n.º 2 do Código resulta que o acto modificativo de contrato de trabalho que seja inválido produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado. Ou seja, o autor também por essa via tem direito à remuneração correspondente às funções exercidas enquanto o foram, ainda que acordadas por acto nulo.
Por conseguinte, a apelação tem de improceder.


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Sumário:

(…).


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IV- DECISÃO
Por tudo o exposto, delibera-se julgar improcedente a apelação.
Custas no recurso pela ré.


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       Coimbra, 10 de fevereiro de 2023


 (Azevedo Mendes)

 (Felizardo Paiva)

     (Paula Maria Roberto)