Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4595/17.1T8VIS-AC.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
PAGAMENTO AOS CREDORES GARANTIDOS
PAGAMENTO AOS CREDORES PRIVILEGIADOS
RATEIOS PARCIAIS
TRABALHADORES
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
BEM IMÓVEL
BEM MÓVEL
Data do Acordão: 06/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 174.º, 175.º, 178.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (DL N.º 53/2004, DE 18 DE MARÇO)
Sumário: I) Os créditos dos trabalhadores que gozam de privilégio imobiliário especial sobre determinado imóvel e, simultaneamente, de privilégio mobiliário geral, e que foram graduados em primeiro lugar de acordo com a preferência conferida por tais privilégios devem ser pagos pelo produto da venda do imóvel (sobre o qual detêm privilégio especial) ou pelo da venda dos bens móveis (sobre o qual detêm privilégio mobiliário geral), ou ainda pelo da venda de ambas as categorias de bens, conforme se revele mais adequado no sentido de permitir a satisfação, com a maior extensão possível, dos demais créditos garantidos e privilegiados que estão graduados depois dos créditos dos trabalhadores em relação ao bem imóvel e aos bens móveis, respectivamente.

II) Caso o pagamento dos créditos dos trabalhadores pelo produto da venda do imóvel em relação ao qual tais créditos foram graduados em primeiro lugar tenha por efeito que o credor hipotecário graduado em segundo lugar relativamente a esse bem nada receba pelo produto da sua venda, o pagamento daqueles créditos deve ser feito numa das seguintes modalidades: i) se os bens móveis forem suficientes para satisfazer os créditos dos trabalhadores e os demais créditos privilegiados relativamente a esses bens, o pagamento dos referidos créditos deverá ser imputado ao produto da venda dos bens móveis, deixando liberto o produto da venda do imóvel para pagamento do crédito garantido que está graduado em segundo lugar; ii) caso contrário, o pagamento dos créditos dos trabalhadores deverá ser imputado aos bens móveis e ao bem imóvel na proporção que se revele adequada para assegurar o melhor equilíbrio possível entre o valor remanescente de cada uma das categorias de bens a utilizar para o pagamento aos credores garantidos relativamente ao imóvel e aos credores privilegiados relativamente aos móveis, sem deixar de ter em conta que aqueles créditos dos trabalhadores não poderão ser pagos à custa dos bens móveis sem que sejam igualmente pagos os demais créditos laborais que, conjuntamente com aqueles, foram graduados em primeiro lugar relativamente ao produto da venda desses bens móveis.

Decisão Texto Integral:





Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

No âmbito dos autos de insolvência referentes a A… - …., S.A. foi proferida – em 10/02/2019 – sentença de verificação e graduação de créditos onde se decidiu nos seguintes termos:

1. Julgo parcialmente procedentes as impugnações da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos e, em consequência, julgo:

a. Verificados e reconhecidos os créditos de:

i.  B… no montante de €56.720,85 (cinquenta e seis mil, setecentos e vinte euros e oitenta e cinco cêntimos), como crédito de natureza privilegiada nos termos do artigo 333.º do Código do Trabalho;

ii. C… apenas em relação ao montante de €76.784,36 (setenta e seis mil, setecentos e oitenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos), como crédito de natureza privilegiada nos termos do artigo 333.º do Código do Trabalho;

iii. D… no montante de €68.853,66 (sessenta e oito mil, oitocentos e cinquenta e três euros e sessenta e seis cêntimos), como crédito de natureza privilegiada nos termos do artigo 333.º do Código do Trabalho;

iv. E… , considerado como crédito de natureza privilegiada nos termos do artigo 333.º do Código do Trabalho em relação ao montante total, incluindo o que constituía objeto de litígio (três mil, oitocentos e trinta euros e cinquenta e nove cêntimos).

2. Procedo à graduação dos créditos mencionados no ponto 1 e dos demais créditos já reconhecidos e verificados para, depois de liquidadas as dívidas da massa insolvente, serem pagos, pelo produto da venda:

a. Do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 3307 (verba n.º 101):

i. Em primeiro lugar, sem prejuízo das decisões já proferidas nos apensos de habilitação do Fundo de Garantia Salarial (S e T), rateadamente, o crédito dos trabalhadores identificados no artigo 55.º dos factos provados (……);

ii. Em segundo lugar, se necessário rateadamente, os créditos garantidos da Caixa F… , S.A. e G…– …., S.A., com o limite de juros relativos a três anos a contar da data da constituição em mora mencionada a fls. 240v.º a 241 e na relação de créditos reconhecidos, e montante máximo garantido pela hipoteca, mencionado no artigo 53.º dos factos provados;

iii. Em terceiro lugar, o crédito privilegiado da Fazenda Nacional;

iv. Em quarto lugar, o crédito da Instituto da Segurança Social, I.P.;

v. Em quinto lugar, se necessário rateadamente, os créditos comuns;

vi. Em sexto lugar, o crédito da sociedade H… , S.A.;

vii. Em sétimo lugar, os demais créditos subordinados.

b. Dos restantes imóveis mencionados nos factos provados:

i. Em primeiro lugar, o crédito privilegiado da Fazenda Nacional;

ii. Em segundo lugar, o crédito da Instituto da Segurança Social, I.P.;

iii. Em terceiro lugar, se necessário rateadamente, os créditos comuns;

iv. Em quarto lugar, o crédito da sociedade H… , S.A.;

v. Em quinto lugar, os demais créditos subordinados.

c. Do veículo automóvel de matrícula …..:

i. Em primeiro lugar, o crédito de  I… – …., Lda.;

ii. Em segundo lugar, sem prejuízo das decisões já proferidas nos apensos de habilitação do Fundo de Garantia Salarial (S e T), se necessário rateadamente, o crédito dos trabalhadores identificados nos artigos 54.º (……) e 55.º dos factos provados (……);

iii. Em terceiro lugar, se necessário rateadamente, os créditos privilegiados da Fazenda Nacional e do Instituto da Segurança Social, I.P.;

iv. Em quarto lugar, o crédito privilegiado da requerente da insolvência –J…- …, Lda.

v. Em quinto lugar, se necessário rateadamente, os créditos comuns;

vi. Em sexto lugar, o crédito da sociedade H… , S.A.;

vii. Em sétimo lugar, os demais créditos subordinados.

d. Do veículo automóvel de matrícula ….:

i. Em primeiro lugar, o crédito de L…., S.A.;

ii. Em segundo lugar, sem prejuízo das decisões já proferidas nos apensos de habilitação do Fundo de Garantia Salarial (S e T), se necessário rateadamente, o crédito dos trabalhadores identificados nos artigos 54.º (……) e 55.º dos factos provados (……);

iii. Em terceiro lugar, se necessário rateadamente, os créditos privilegiados da Fazenda Nacional e do Instituto da Segurança Social, I.P.;

iv. Em quarto lugar, o crédito privilegiado da requerente da insolvência – J… – …., Lda.

v. Em quinto lugar, se necessário rateadamente, os créditos comuns;

vi. Em sexto lugar, o crédito da sociedade H… , S.A.;

vii. Em sétimo lugar, os demais créditos subordinados.

e. Das ações do capital social da gG…  (verba 109):

i. Em primeiro lugar, o crédito de G… – …., S.A.;

ii. Em segundo lugar, sem prejuízo das decisões já proferidas nos apensos de habilitação do Fundo de Garantia Salarial (S e T), se necessário rateadamente, o crédito dos trabalhadores identificados nos artigos 54.º (……) e 55.º dos factos provados (……);

iii. Em terceiro lugar, se necessário rateadamente, os créditos privilegiados da Fazenda Nacional e do Instituto da Segurança Social, I.P.;

iv. Em quarto lugar, o crédito privilegiado da requerente da insolvência – J… – …., Lda.

v. Em quinto lugar, se necessário rateadamente, os créditos comuns;

vi. Em sexto lugar, o crédito da sociedade H… , S.A.;

vii. Em sétimo lugar, os demais créditos subordinados.

f. Dos demais bens móveis e direitos:

i. Em primeiro lugar, sem prejuízo das decisões já proferidas nos apensos de habilitação do Fundo de Garantia Salarial (S e T), se necessário rateadamente, o crédito dos trabalhadores identificados nos artigos 54.º (……) e 55.º dos factos provados (……);

ii. Em segundo lugar, se necessário rateadamente, os créditos privilegiados da Fazenda Nacional e do Instituto da Segurança Social, I.P.;

iii. Em terceiro lugar, o crédito privilegiado da requerente da insolvência – J… – …., Lda.

iv. Em quarto lugar, se necessário rateadamente, os créditos comuns;

v. Em quinto lugar, o crédito da sociedade H… , S.A.;

vi. Em sexto lugar, os demais créditos subordinados.

3. As dívidas da massa insolvente, nos termos dos artigos 46.º, n.º 1, 51.º, n.º 1 e 172.º, n.º 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, saem precípuas do produto da venda.

4. Em relação aos créditos garantidos, privilegiados e subordinados deverá atender-se respetivamente ao disposto nos artigos 174.º, n.ºs 1 e 2, 175.º, n.º 2 e 181.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” (negrito e sublinhados nossos).

Por decisão proferida em 06/06/2019, M… S.A.R.L. foi declarada habilitada para intervir nos presentes autos no lugar e em substituição da credora Caixa F…, S.A.

O Sr. Administrador da Insolvência veio, entretanto, apresentar proposta de rateio parcial nos termos do art. 178.º do CIRE, onde considerou os créditos privilegiados dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial.

Mais tarde, na sequência de notificação que, para tal, lhe foi dirigida, o Sr. Administrador informou que esse rateio respeitava apenas aos bens móveis, uma vez que, à data, os bens imóveis ainda não haviam sido liquidados.

Por decisão de 26/02/2020, foi determinado o pagamento em conformidade com o rateio apresentado.

Mais tarde – em 18/12/2020 – o Sr. Administrador veio apresentar novo rateio parcial onde considerou os créditos privilegiados dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial.

Notificado para esclarecer a origem do valor considerado nesse rateio – uma vez que, nessa data, já haviam sido liquidados imóveis – o Sr. Administrador veio informar que apenas se reportava aos bens móveis.

Para o caso de se considerar que deveria efectuar rateio parcial relativamente aos imóveis, o Sr. Administrador pediu que se esclarecesse se os trabalhadores (graduados em primeiro lugar relativamente a um dos imóveis e relativamente aos bens móveis) deveriam ser pagos pelo produto dos bens móveis ou pelo produto do bem imóvel (adiantando que, caso sejam pagos pelo produto do bem imóvel, o credor hipotecário não receberá qualquer valor por esse bem e que, caso sejam pagos pelo produto dos bens móveis, o credor hipotecário receberá parte do seu crédito mas, em contrapartida, os credores comuns nada receberão).

A credora M…,  S.A.R.L., habilitada no lugar da Caixa F… , S.A., requereu que o Sr. administrador da insolvência esclareça qual o montante devido aos trabalhadores, qual o montante que já foi pago e quanto é que falta pagar e, bem assim, que seja ordenada a elaboração do mapa de rateio apenas quanto ao produto da venda dos bens móveis, nos moldes já concretizados por aquele, permitindo-se, dessa forma, que o credor hipotecário seja ressarcido - ainda que parcialmente – quanto ao seu crédito, através do produto da verba 101, o que em nada prejudicará os créditos dos trabalhadores, uma vez que, o produto da venda dos bens móveis será suficiente para liquidar a totalidade dos seus créditos.

Na sequência da notificação efectuada, pronunciaram-se os seguintes credores:

- N… , O… , P… e Q…  requereram que se determine ao Sr. administrador da insolvência o pagamento dos créditos laborais quanto à venda do bem imóvel onde prestaram a sua atividade; a mesma posição foi assumida pelos credores Q… “e outros”, R… .

- O Banco S… , S.A., invocando o disposto no n.º 2 do artigo 140.º e o n.º 1 do artigo 174.º pronunciou-se no sentido de que os créditos relativos a privilégios imobiliários especiais, de que beneficiam os ex-trabalhadores da insolvente, devem ser pagos em primeiro lugar pelo produto da venda dos bens imóveis apreendidos.

- A credora … , invocando o disposto nos artigos 333.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho, 47.º, n.º 4, alínea a), 140.º, n.º 2 e 174.º, n.º 1, pronunciou-se no sentido de se proceder ao pagamento dos créditos laborais, utilizando o produto da venda do(s) bem(s) imóvel(eis), em primeiro lugar.

Na sequência desses factos, foi proferida decisão – em 19/02/2021 – onde se considerou que “…o pagamento dos créditos dos trabalhadores, que beneficiam de privilégio imobiliário especial nos exatos termos mencionados na sentença de verificação e graduação dos créditos, devem ser pagos, em primeiro lugar, pelo produto da venda da verba n.º 101, procedendo-se, de seguida, se necessário, ao pagamento pelo produto da venda dos bens móveis sendo que, quanto a estes, os créditos deverão ser decompostos na proporção em relação aos bens móveis sobre os quais beneficiam de privilégio”, determinando, em consequência, que o Sr. Administrador da Insolvência reformulasse a proposta de rateio de forma a que “…o pagamento dos créditos dos trabalhadores, que beneficiam de privilégio imobiliário especial nos exatos termos mencionados na sentença de verificação e graduação dos créditos, sejam pagos, em primeiro lugar, pelo produto da venda da verba n.º 101, procedendo-se, de seguida, se necessário, ao pagamento pelo produto da venda dos bens móveis sendo que, quanto a estes, os créditos deverão ser decomposto na sua proporção em relação aos bens móveis sobre os quais beneficiam de privilégio”.

Inconformada com essa decisão, a credora  M… , S.A.R.L., veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se os créditos dos trabalhadores que gozam de privilégio imobiliário especial sobre determinado imóvel e, simultaneamente, de privilégio mobiliário geral – tendo sido graduados, em primeiro lugar, de acordo com a preferência conferida por tais privilégios – devem ser pagos à custa, em primeiro lugar, do bem imóvel e só depois (se necessário) à custa dos bens móveis ou se devem ser pagos, em primeiro lugar, pelo produto da venda dos bens móveis e só depois pelo produto da venda do bem imóvel.


/////

III.

Apreciemos então a questão suscitada que, conforme referimos, se relaciona com o pagamento dos créditos dos trabalhadores que gozam de privilégio imobiliário especial sobre determinado imóvel e, simultaneamente, de privilégio mobiliário geral e que, em termos concretos, se reconduz a saber se esse pagamento se inicia pelo imóvel ou pelos bens móveis sobre os quais incidem os referidos privilégios.

A decisão recorrida entendeu – e decidiu – que o pagamento desses créditos deve ser feito, em primeiro lugar, à custa do bem imóvel, seguindo e adoptando a posição defendida nos Acórdãos da Relação de Coimbra de 06/07/2016 e 05/06/2018 (proferidos nos processos n.º 3144/11.0TBCLD-B.C1 e 393/11.4TBSRT-U.C1, respectivamente)[1] e no Acórdão do STJ de 15/02/2018 (proferido no processo n.º 3157/12.4TBPRD-I.P1.S3)[2].

A Apelante, por seu turno, sustenta que o pagamento desses créditos deve ser feito em primeiro lugar pelo produto da venda dos bens móveis (em relação aos quais gozam de privilégio mobiliário geral) no sentido de deixar liberto todo o produto da venda do bem imóvel para o pagamento do seu (dela Apelante) crédito garantido por hipoteca, tendo em conta que o produto da venda dos bens móveis é suficiente para o pagamento integral daqueles créditos.

Argumenta a Apelante, no essencial:

- Que, pela forma como foi escrito o art. 333.º do Código do Trabalho (onde vêm previstos os privilégios dos créditos laborais) – onde é referido em 1.º lugar o privilégio mobiliários geral e só depois o privilégio imobiliário especial – poder-se-ia dizer que esse créditos teriam que ir obter primeiro pagamento junto dos bens móveis, por beneficiarem de privilégio mobiliário geral, em vez de poderem e deverem obter primeiro pagamento junto dos bens imóveis sobre os quais beneficiam de privilégio imobiliário especial e à frente de todos os credores;

- Que a forma de pagamento desses créditos terá de ser analisada no caso concreto e de acordo com os elementos constantes nos autos e com ponderação dos princípios de igualdade entre credores, na comunhão de perdas e no risco e sem que estes sejam directa e intencionalmente prejudicados;

- Que, no caso, o pagamento dos créditos dos trabalhadores à custa do bem imóvel prejudica a Recorrente – na medida em que não receberá qualquer valor desse bem e concorrerá com os demais credores, pela totalidade do seu crédito enquanto um crédito comum – e em nada beneficia os trabalhadores, uma vez que os bens móveis são suficientes para o pagamento integral dos seus créditos;

- Que, nessas circunstâncias, os créditos dos trabalhadores deverão ser pagos à custa dos bens móveis, na medida em que é essa a solução que permite obter o melhor equilíbrio porque os créditos laborais sempre seriam totalmente pagos e a Recorrente poderia ser ressarcida – ainda que parcialmente – à custa do imóvel sobre o qual incide hipoteca em garantia do seu crédito e em relação ao qual foi graduada para ser paga em segundo lugar (após os créditos dos trabalhadores).

Analisemos, portanto, a questão cuja solução não é linear nem isenta de dúvida, na medida em que não está expressamente prevista e regulada na lei.

Começamos por referir que não tem qualquer fundamento a conclusão que a Apelante pretende retirar do 333.º do Código do Trabalho (onde vêm previstos os privilégios dos créditos laborais), sendo certo que tal disposição legal não pretendeu – nem teve em vista – regular a questão que aqui se discute. Tal disposição pretendeu apenas enunciar os privilégios creditórios de que gozam os créditos ali previstos e os termos em que se procede à respectiva graduação e a circunstância de ter enunciado em primeiro lugar o privilégio mobiliário geral não tem, evidentemente, qualquer aptidão para justificar a conclusão de que esses créditos terão que obter pagamento, em primeiro lugar, pelo produto dos bens móveis (sobre o qual detêm privilégio mobiliário) e só depois – se os bens móveis forem insuficientes – é que poderão obter pagamento à custa dos bens imóveis sobre os quais detêm privilégio imobiliário.

Importa também referir que a questão – aqui em discussão – não tem, na verdade, qualquer interesse prático para os trabalhadores aqui em causa (cujos créditos gozam simultaneamente de privilégio imobiliário especial e de privilégio mobiliário geral), uma vez que estes sempre irão obter o pagamento à custa do imóvel e/ou à custa dos bens móveis, sendo certo que foram graduados em primeiro lugar relativamente ao imóvel e relativamente à generalidade dos móveis; pouco lhes interessa, portanto, por onde começa esse pagamento, ou seja, pouco lhes interessa se o pagamento começa pelo imóvel ou começa pelos móveis. A questão afecta, sobretudo, os demais credores e, especificamente, os credores garantidos – como é o caso da Apelante – e os credores privilegiados que foram graduados para ser pagos após os créditos dos trabalhadores relativamente ao produto da venda do imóvel e relativamente ao produto da venda dos bens móveis, respectivamente. Com efeito, se o pagamento dos referidos créditos laborais for feito, em primeiro lugar, pelo produto da venda do bem imóvel, os credores hipotecários (como é o caso da Apelante) nada receberão pelo produto da venda desse imóvel e terão que concorrer em igualdade com os demais credores comuns; se o pagamento daqueles créditos for feito, em primeiro lugar, pelo produto da venda dos bens móveis, os credores hipotecários receberão – ou terão maiores possibilidades de receber – o pagamento do seu crédito à custa do imóvel em relação ao qual foram graduados em segundo lugar e, portanto, com preferência sobre os demais credores. Por outro lado, os credores com privilégio relativamente aos móveis que foram graduados após os créditos dos trabalhadores verão aumentadas as possibilidades de satisfação dos seus créditos se o pagamento daqueles créditos dos trabalhadores começar pelo imóvel e verão reduzidas essas possibilidades se esse pagamento começar pelos bens móveis.

Vejamos o que dispõe a lei.

O art. 174.º do CIRE, sob a epígrafe “Pagamento aos credores garantidos”, dispõe no seu n.º 1 que “Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 172.º, liquidados os bens onerados com garantia real, e abatidas as correspondentes despesas, é imediatamente feito o pagamento aos credores garantidos, com respeito pela prioridade que lhes caiba; quanto àqueles que não fiquem integralmente pagos e perante os quais o devedor responda com a generalidade do seu património, são os saldos respectivos incluídos entre os créditos comuns, em substituição dos saldos estimados, caso não se verifique coincidência entre eles”.

O art. 175.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Pagamento aos credores privilegiados” dispõe:

1 - O pagamento dos créditos privilegiados é feito à custa dos bens não afectos a garantias reais prevalecentes, com respeito da prioridade que lhes caiba, e na proporção dos seus montantes, quanto aos que sejam igualmente privilegiados.

2 - É aplicável o disposto na segunda parte do n.º 1 e no n.º 2 do artigo anterior, com as devidas adaptações”.

O art. 179.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Rateios parciais”, dispõe no seu n.º 1 que “Sempre que haja em depósito quantias que assegurem uma distribuição não inferior a 5% do valor de créditos privilegiados, comuns ou subordinados, o administrador da insolvência judicial apresenta, com o parecer da comissão de credores, se existir, para ser junto ao processo principal, o plano e mapa de rateio que entenda dever ser efectuado”.

Importa esclarecer que os créditos dos trabalhadores aqui em causa são, simultaneamente, créditos garantidos e créditos privilegiados, tendo em conta a noção desses créditos que nos é dada pelo n.º 4 do art. 47.º do CIRE; são créditos garantidos porque beneficiam de privilégio creditório especial sobre um bem imóvel integrante da massa insolvente e são créditos privilegiados porque beneficiam de privilégio creditório mobiliário geral. E, portanto, a questão que aqui se coloca consiste em saber se esses créditos devem ser pagos preferencialmente enquanto créditos garantidos que são (à custa, portanto, do produto da venda do bem imóvel sobre o qual incide o privilégio especial) ou se devem ser pagos preferencialmente enquanto créditos privilegiados que também são (à custa, portanto, dos bens móveis sobre os quais incide o privilégio geral).

Aplicando rigorosamente o disposto nos arts. 174.º, 175.º e 179.º do CIRE, parece que o pagamento desses créditos começaria pelo produto do bem imóvel ou pelo produto dos bens móveis, consoante o momento em que fosse efectuada a liquidação desses bens. Se o imóvel fosse vendido primeiro, o pagamento desses créditos (garantidos) teria que ser feito imediatamente à custa do produto da venda do imóvel, conforme impõe o art. 174.º; mas, se fossem os móveis a ser vendidos em primeiro lugar, os referidos créditos teriam que ser considerados, enquanto créditos privilegiados, no rateio parcial a efectuar com base no produto da venda desses móveis, de acordo com o disposto nos arts. 175.º e 178.º.

Nessas circunstâncias, o rateio parcial efectuado pelo Sr. Administrador – por via do qual deu pagamento aos créditos privilegiados dos trabalhadores pelo produto da venda dos bens móveis – estaria em inteira conformidade com a lei e, mais concretamente, com o disposto nos arts. 175.º e 178.º, uma vez que, havendo lugar a rateio parcial por haver em depósito quantia bastante proveniente da liquidação dos bens móveis, era claro que, nesse rateio, se deveria atender aos aludidos créditos que haviam sido graduados como créditos privilegiados em relação ao produto da venda dos bens móveis.

Entendeu-se, porém, na decisão recorrida que esse rateio tinha que ser reformulado, uma vez que aqueles créditos dos trabalhadores – por beneficiarem de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel correspondente à verba n.º 101 e por terem sido graduados para ser pagos, em primeiro lugar, pelo produto da venda dessa verba – deveriam ser pagos, em primeiro lugar, pelo produto da venda desse imóvel, e só depois se procederia, se tal fosse necessário, ao pagamento do valor que ficasse em falta pelo produto da venda dos bens móveis.

Será assim?

Importa referir que a ora Relatora subscreveu, na qualidade de 2.ª Adjunta, o Acórdão da Relação de Coimbra (ao qual já fizemos alusão e que é citado na decisão recorrida) de 05/06/2018 proferido no processo n.º 393/11.4TBSRT-U.C1 onde se considerou que o pagamento daqueles créditos deveria iniciar-se pelos bens imóveis sobre os quais incide o privilégio imobiliário especial (posição também adoptada na decisão recorrida).

Todavia, revendo a posição aí adoptada, pensamos agora que ela, além de não ter apoio na letra da lei, não é justa e tão pouco se conforma com o pensamento e os objectivos do legislador.

Vejamos.

Ao contrário do que se considerou no Acórdão citado, parece-nos agora não fazer muito sentido pretender solucionar esta questão com recurso à ideia de que o privilégio creditório imobiliário especial prevalece sobre o privilégio mobiliário geral ou mediante alusão à prioridade/prevalência dos créditos garantidos relativamente aos privilegiados. Na verdade, a prioridade/ prevalência de determinados créditos ou privilégios sobre outros apenas faz sentido quando eles concorrem e estão em confronto entre si; só nesse caso, faz sentido estabelecer preferências ou prioridades de uns em relação aos outros. Não é essa, no entanto, a situação aqui em análise, uma vez que o privilégio creditório imobiliário especial e o privilégio creditório mobiliário geral de que beneficiam os créditos dos trabalhadores incidem sobre diferentes categorias de bens (bem imóvel, por um lado, e bens móveis, por outro); tais privilégios não colidem e não interferem entre si e, como tal, não faz muito sentido estabelecer entre eles qualquer prioridade. O que acontece é que os créditos dos trabalhadores aqui em causa são, simultaneamente, créditos garantidos e créditos privilegiados (por força do privilégio creditório imobiliário especial e por força do privilégio creditório mobiliário geral de que gozam) e, portanto, estão graduados para ser pagos, em função da preferência concedida por esses privilégios, para ser pagos relativamente a duas massas de bens (o bem imóvel, por um lado e os bens móveis, por outro); e o que importa saber é se esses créditos devem ser pagos, em primeiro lugar, pelo produto da venda do imóvel ou pelo produto da venda dos bens móveis. Ora, não parece que essa questão possa ser resolvida à luz de qualquer consideração referente à prioridade/ prevalência de determinados créditos ou privilégios sobre outros.

Nada na letra da lei aponta para o facto de aquele pagamento dever começar pelo produto da venda dos bens imóveis sobre os quais incide o privilégio imobiliário especial; na verdade, a lei não prevê (pelo menos claramente) o modo de fazer a imputação do pagamento quando o crédito está graduado para ser pago pelo produto de diversos bens por força das garantias ou privilégios que detém sobre cada um desses bens. A lei não determina, portanto, se os créditos dos trabalhadores que gozam de privilégio especial sobre determinado imóvel e de privilégio mobiliário geral sobre os bens móveis devem ser pagos à custa do imóvel ou à custa dos móveis, nos mesmos termos em que não determina qual o concreto imóvel cujo produto deverá ser utilizado para pagamento de um crédito hipotecário quando este está garantido por hipoteca constituída sobre diversos imóveis e graduado em função dessa garantia relativamente a cada um dos imóveis.

É certo que, conforme dispõe o art. 174.º, a liquidação dos bens onerados com garantia real determina o imediato pagamento dos créditos garantidos com respeito pela prioridade que lhes caiba e, portanto, os trabalhadores aqui em causa cujos créditos são garantidos por força do privilégio imobiliário especial, teriam que ser pagos de imediato pelo produto da venda desse imóvel (uma vez que foram graduados em primeiro lugar); o pagamento seria feito, portanto, à custa desse imóvel e, portanto, os demais créditos garantidos (designadamente, o crédito da Apelante) não seriam pagos ou veriam reduzidas as possibilidades de obter esse pagamento e, em contrapartida, os demais credores graduados relativamente aos outros bens veriam aumentadas as possibilidades de recuperar os seus créditos. Mas a verdade é que a lei não impõe que os bens onerados com garantia real sejam os primeiros a ser liquidados e pode acontecer, como acontece muitas vezes (e como aconteceu, aliás, no caso em análise) que assim não seja; neste caso – ocorrendo, em primeiro lugar, a venda dos bens móveis e impondo a lei (cfr. art. 178.º) a realização de rateios parciais e correspondente pagamentos – os aludidos créditos dos trabalhadores – que estavam igualmente graduados com preferência relativamente a esses bens por força do privilégio mobiliário geral de que usufruem – seriam pagos à custa desses bens móveis, circunstância que beneficiava os demais credores com garantia relativamente ao imóvel (que, assim, poderiam obter pagamento com preferência pelo produto da venda do imóvel), mas prejudicava os demais credores privilegiados relativamente aos bens móveis.

Assim, por aplicação das citadas disposições legais e conforme já referimos, o pagamento dos referidos créditos dos trabalhadores começaria pelo produto do bem imóvel ou pelo produto dos bens móveis, consoante o momento em que fosse efectuada a liquidação desses bens; se o imóvel fosse vendido primeiro, seria por aí que começava o pagamento daqueles créditos; mas, se fossem os móveis a ser vendidos em primeiro lugar, seria pelo produto da venda desses bens que começaria o pagamento dos referidos créditos.

Não parece, no entanto, razoável que essa circunstância (ou seja, a determinação dos bens à custa dos quais é feito o pagamento) – que pode reflectir-se negativamente na possibilidade de pagamento dos demais créditos garantidos ou dos demais créditos privilegiados – seja deixada ao “sabor do acaso” ou da decisão unilateral do administrador no que toca ao momento de venda de cada um dos bens. Tão pouco nos parece que o legislador tivesse pretendido tal solução.

Se olharmos ao disposto nos arts. 174.º e 175.º do CIRE (além de outras disposições legais), facilmente se conclui que, na impossibilidade de satisfazer todos os credores (solução que, como é óbvio, seria a ideal), o legislador entendeu dar prioridade aos créditos garantidos e aos créditos privilegiados, estabelecendo que estes apenas concorrem em condições de igualdade com os créditos comuns quando os bens sobre os quais incidem as suas garantias ou privilégios não sejam suficientes para o respectivo pagamento. O legislador entendeu, portanto, que determinados bens (os bens sobre os quais incidem as garantias reais ou privilégios creditórios) devem ser afectos ao pagamento dos créditos garantidos ou privilegiados, só podendo ser afectados ao pagamento dos créditos comuns depois de satisfeitos os créditos que usufruem daquelas garantias ou privilégios; e entendeu que os credores garantidos e privilegiados só ficarão em pé de igualdade com os credores comuns quando não possam obter o pagamento com o produto da venda dos bens sobre os quais incidem as suas garantias ou privilégios.

E será – pensamos nós – em função desse pensamento e objectivo do legislador que devem ser apurados os bens aos quais deve ser imputado o pagamento dos créditos que gozam de garantias ou privilégios sobre diversos bens, no sentido de respeitar ao máximo aquele pensamento que se reconduz, em última análise, em satisfazer, sempre que tal seja possível, o pagamento dos créditos garantidos e privilegiados, com prioridade sobre os demais créditos, pelo produto da venda sobre os quais incidem as garantias ou privilégios.

Nessa perspectiva, se os bens móveis forem suficientes para satisfazer todos os créditos que gozam de garantia ou privilégio sobre esses bens, não fará muito sentido que o pagamento dos créditos dos trabalhadores que gozam de privilégio imobiliário sobre determinado imóvel e de privilégio mobiliário geral seja imputado ao bem imóvel se essa solução deixar sem pagamento os demais créditos que gozavam de garantia sobre esse imóvel e que estavam graduados para ser pagos após os créditos dos trabalhadores. E, nos mesmos termos, não fará muito sentido que esses créditos (dos trabalhadores) sejam pagos à custa dos bens móveis se estes não forem suficientes para pagamento de todos os créditos privilegiados quando os bens imóveis (sobre os quais aqueles créditos dos trabalhadores detêm privilégio imobiliário) sejam suficientes para pagamento de todos os créditos garantidos, incluindo os referidos créditos dos trabalhadores.

A questão colocar-se-á nos mesmos termos relativamente (por exemplo) a um crédito que, por força de hipoteca, esteja graduado em primeiro lugar, relativamente ao produto da venda de dois imóveis, quando relativamente a um desses imóveis existe um outro crédito que, por força de hipoteca, está graduado para ser pago em segundo lugar. Porque razão, num caso desses, se deverá imputar o pagamento do primeiro crédito ao imóvel relativamente ao qual existe outro credor garantido, deixando sem pagamento o segundo crédito em virtude de o produto da venda não ser suficiente para pagamento de ambos os créditos, quando o pagamento do primeiro crédito poderia ser feito à custa do segundo imóvel (sobre o qual não incidiam outras garantias), permitindo-se dessa forma que também o segundo crédito pudesse obter pagamento à custa do (único) imóvel sobre o qual detinha garantia?

Pensamos, na verdade, que a imputação de tais pagamentos ao produto da venda de uns ou de outros bens sobre os quais incidem as garantias ou privilégios deverá ser efectuado de modo a permitir, na medida e na máxima extensão do que seja possível, a efectiva satisfação dos demais créditos garantidos e privilegiados em função da prioridade que lhes foi fixada de acordo com a concreta garantia ou privilégio de que usufruem. É essa – pensamos nós – a interpretação que melhor se adequa ao pensamento do legislador e aos objectivos e sentido da lei.

Nessa medida, a decisão dessa questão e a determinação dos bens aos quais deve ser imputado o pagamento de cada um dos créditos ou de cada categoria de créditos, terá que ser objecto de uma avaliação global da massa insolvente – que caberá, em primeira linha, ao administrador de insolvência –, tendo em conta as garantias e privilégios existentes e os valores apurados com a liquidação dos bens ou a respectiva estimativa, no sentido de encontrar a solução que melhor permita honrar as garantias e privilégios que oneram os diversos bens da massa.

Essa solução é, aliás, sustentada por Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[3] a propósito de uma situação que, apesar de não corresponder à situação dos autos, apresenta, contudo, algumas semelhanças, sustentando os referidos autores, a propósito do disposto no art. 175.º e relativamente ao pagamento dos créditos privilegiados que devam prevalecer sobre créditos garantidos, que, mesmo nesse caso, os créditos privilegiados só devem ser pagos à custa dos bens afectos a garantias reais quando, “…real ou estimativamente, os bens livres de garantia real não chegarem para a satisfação integral dos créditos privilegiados” e concluindo que, nas situações em que se verifique a prevalência de créditos privilegiados sobre garantidos, caberá “…avaliar da suficiência do património comum para que a massa possa honrar totalmente os privilégios que a oneram, papel que não pode deixar de caber ao administrador da insolvência”. Ainda que os citados autores não se refiram propriamente à situação que está em causa nos presentes autos, pensamos que também aqui deverá ser adoptada uma solução semelhante, imputando-se o pagamento dos créditos dos trabalhadores ao produto da venda do imóvel (sobre o qual detêm privilégio especial) ou ao produto da venda dos bens móveis (sobre o qual detêm privilégio mobiliário geral) – ou a ambas as categorias de bens – conforme se revele mais adequado no sentido de permitir a satisfação, com a maior extensão possível, dos demais créditos garantidos e privilegiados que estão graduados depois dos créditos dos trabalhadores em relação ao bem imóvel e aos bens móveis, respectivamente.

No caso em análise, é certo – conforme informação prestada pelo Sr. Administrador – que, caso o pagamento dos créditos dos trabalhadores seja imputado ao produto da venda do imóvel em relação ao qual os créditos dos trabalhadores foram graduados em 1.º lugar (verba n.º 101), o credor hipotecário graduado em segundo lugar relativamente a esse bem (a Apelante) nada receberá pelo produto da venda desse bem e terá que concorrer com os credores comuns. Nessas circunstâncias, se os bens móveis (em relação aos quais os aludidos créditos dos trabalhadores foram graduados em primeiro lugar) forem suficientes para satisfazer esses créditos e os demais créditos privilegiados relativamente a esses bens, o pagamento dos referidos créditos deverá ser imputado ao produto da venda desses bens (móveis), deixando liberto o produto da venda do imóvel para pagamento do crédito garantido que está graduado em segundo lugar; caso contrário, ou seja, se os bens móveis não forem suficientes para satisfazer os créditos dos trabalhadores e a totalidade dos demais créditos privilegiados relativamente a esses bens, o pagamento daqueles créditos (dos trabalhadores) deverá ser imputado aos bens móveis e ao bem imóvel na proporção que se revele adequada para assegurar o melhor equilíbrio possível entre o valor remanescente de cada uma das categorias de bens a utilizar para o pagamento aos credores garantidos relativamente ao imóvel e aos credores privilegiados relativamente aos móveis, sem deixar de ter em conta que aqueles créditos dos trabalhadores (simultaneamente garantidos e privilegiados) não poderão ser pagos à custa dos bens móveis sem que sejam igualmente pagos os demais créditos laborais que, conjuntamente com aqueles, foram graduados em primeiro lugar relativamente ao produto da venda desses bens (móveis).

Assim, ainda que se reconheça razão à Apelante quando sustenta não haver razões para que o pagamento dos aludidos créditos seja feito, em primeiro lugar, pelo produto da venda dos imóveis e até que este se mostre esgotado (o que inviabilizaria a satisfação do seu crédito garantido), já não lhe reconhecemos razão quando sustenta que esse pagamento deve ser feito, em primeiro lugar, pelo produto da venda dos bens móveis e até que este se mostre esgotado, na medida em que esta solução beneficiaria apenas a Apelante, prejudicando os demais credores privilegiados que estavam graduados para ser pagos pelo produto da venda dos bens móveis. O justo será, portanto, que esse “prejuízo” seja repartido por ambas as massas de bens (o imóvel por um lado e os bens móveis por outro) e pelos credores que concorrem e estão graduados em relação a cada uma delas por força de garantias reais ou privilégios creditórios de que gozam os seus créditos.


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IV.
Em face do exposto, concede-se parcial provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e determina-se que a proposta de rateio seja reformulada nos termos e em conformidade com as orientações acima enunciadas (cfr. penúltimo e último parágrafos da fundamentação).
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                  (Maria João Areias)

                                              (José Avelino Gonçalves)                     


[1] Disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[2] Também disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, págs. 652 e 653.