Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
54/04.0PTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: LEI PENAL POSTERIOR MAIS FAVORÁVEL
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
VALIDADE DA CONFISSÃO
PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA E DECIDIDA QUESTÃO NOVA
Legislação Nacional: ARTS. 2.º, N.º 4, 355.º, 357.º E 371.º, AL. A), DO CPP; ARTS. 40.º, 50.º, 53.º E 71.º, DO CP; ART. 29.º, N.º 4 DA CRP
Sumário: I - A abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, nos termos do art.371.º-A do C.P.P., apenas se aplica às situações em que já ocorreu o trânsito em julgado da decisão condenatória e, antes de ter cessado a sua execução, entrou em vigor uma lei mais favorável.

II - O Tribunal da Relação entende, tal como no despacho recorrido, que não tendo ainda transitado o acórdão condenatório quando surge a «lex mellior», é em sede de recurso do acórdão condenatório que deverá ser considerada a aplicação retroativa da nova lei e não em audiência reaberta nos termos do art.371.º-A do C.P.P..

III - Em princípio, não valem em julgamento, nomeadamente para efeito de formação da convicção do tribunal quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência (art.355.º, n.º 1 do C.P.P.). Como ressalva ao ora referido ficam as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes (art.355.º, n.º 1 do C.P.P.).

IV - Em face do disposto nos artigos 355.º e 357.º do C.P.P., qualquer eventual confissão, arrependimento ou motivação indicada pelo recorrente, durante o 1.º interrogatório judicial de arguido, só pode ser valorada se tiver sido permitida essa leitura durante a audiência, seja a solicitação do arguido ou para tentar esclarecer as contradições ou discrepâncias entre as declarações prestadas perante o Juiz e as feitas em audiência.

V - O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais. Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

VI - O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

VII - Existindo falta de elementos fáticos mínimos para decidir da suspensão da execução da pena, eles têm de ser averiguados, sob pena de violação do princípio constitucional da aplicação retroativa das leis mais favoráveis ao arguido.

VIII - Se o Tribunal de recurso não tem esses elementos nos autos, deverá ordenar a devolução do processo à 1.ª instância a fim de reabrir a mesma para produção da prova necessária à determinação da suspensão da execução da pena e consequente prolação de novo acórdão.

IX - No acórdão do STJ de 23-04-2008, parece admitir-se a solução de que se o tribunal de recurso tiver elementos nos autos que permitem suprir essa falta poderá tê-los de imediato em consideração e decidir a nova questão e que apenas se os não tiver, será de dever o processo devolver-se o processo à 1.ª instância para, reaberta a audiência, os averiguar e decidir a questão.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

           

     Relatório

Pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – atual Comarca de Castelo Branco – Instância Central de Castelo Branco, Secção Criminal – J2 -, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, os arguidos

A..., solteiro, pedreiro, nascido a 15/11/82, natural de (...) Brasil, filho de (...) e de (...) , residente em Rua (...) , Celourico da Beira; e

B..., solteiro, pedreiro, nascido a 14/4/82, natural de (...) Brasil, filho de (...) e de (...) , residente em Rua (...) , Celourico da Beira;

imputando-se-lhes, em coautoria a prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art.204, n.º 2, alíneas a) e f), do C.P., e um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.275.º, n.º 3, do mesmo diploma, com referência ao art.3.º, n.º 1, al. f), do D.L. 207-A/75 de 17/4.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 28 de setembro de 2005, decidiu:

- Condenar o arguido A... , pela prática do crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art.210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art.204.º, n.º 2, alíneas a) e f), do C.P., na pena de 5 anos de prisão;

- Absolver o arguido A... da prática do crime de arma proibida p. e p. pelo n.º3, do art.275.º, do C.P. com referência ao art.3.º, n.º 1, al. f), do DL. 207-A/75, de 17/4;

- Condenar o arguido B... na pena de 5 anos de prisão pela prática do crime de roubo qualificado p. e p. pelo art.210.º, n.º 2, al. b), com referência ao art.204.º, n.º 2, alíneas a) e f), do C.P.; e

- Absolver o arguido B... da prática do crime de arma proibida p. e p. pelo n.º 3, do art.275.º, do C.P. com referência ao art.3.º, n.º 1, al. f), do DL. 207-A/75, de 17/4.

           Inconformado com o douto acórdão dele interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

- Foi aplicado ao arguido uma pena de 5 anos de prisão
- Incorreu o tribunal a quo, salvo o devido respeito, em erro de avaliação do grau de ilicitude e da culpa do arguido, pois de contrário ter-lhe-ia sido aplicada uma pena de prisão pelo mínimo legal aplicável, isto é de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.

- Não foram suficientemente valorados pelo Tribunal a quo os seguintes factos:

    - Os factos praticados são graves e por isso a pena aplicável é de prisão, tendo o seu mínimo legal sido fixado nos 3 anos de prisão.

    - Apesar do valor consideravelmente elevado dos objetos furtados os mesmos foram na íntegra devolvidos à ofendida, proprietária da ourivesaria;

    - A violência física exercida sobre as ofendidas não envolveu qualquer agressão física, tendo-se circunscrito à privação da sua liberdade de autodeterminação, pois que uma das ofendidas foi obrigada a descer para a cave, onde permaneceram as duas durante o tempo em que decorreram os acontecimentos, privadas da sua liberdade.

    - O arguido manifestou arrependimento e agiu em situação de desespero, por se encontrar sem meios de subsistência.

    - O arguido é jovem, e não constam do seu CRC quaisquer antecedentes criminais.

    - Perante as posições assumidas foi possível apurar que se tratou de um ato isolado, e não de um criminoso por tendência a justificar especiais cuidados de ressocialização.
- Pelo que é adequado e proporcional aplicar ao arguido uma pena que se fixe no mínimo legal aplicável, isto é 3 anos de prisão suspensa na sua execução, por igual período, dado que estão presentes os requisitos dos quais a Lei Penal faz depender a suspensão da execução da pena de prisão;
– Mesmo que se entenda manter a pena de cinco anos de prisão deverá a mesma ser suspensa, na sua execução, face ao estatuído no artigo 50º na redação introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro e que se afigura mais favorável ao arguido, porquanto esta permite hoje a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão.
– O arguido, não tem quaisquer antecedentes criminais, quer em Portugal, quer no Brasil, onde atualmente reside, encontra-se integrado na sociedade pessoal e profissionalmente, tendo decorrido cerca de 12 anos desde a data da prática dos factos, pelo que se revela merecedor de um juízo prognose favorável já confirmado pela realidade dos factos.
– Foram violados os artigos 40º e 50º CP (na redação do DL 400/82 de 23 de Setembro), 50º CP (na redação introduzida pela lei 59/2007 de 4 de Setembro) e 71º CP e 124º do CPP.

Por despacho de 7 de setembro de 2016 a Ex.ma Juíza indeferiu o pedido, apresentado pelo arguido A... , em 28 de julho de 2016, de reabertura da audiência ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º4 do Código Penal e 371.º-A do Código de Processo Penal.

            Inconformado com este despacho de 7 de setembro de 2016 dele interpôs recurso o arguido A... , sendo as seguintes as conclusões que extraiu da motivação que apresentou:
1 - Os factos dos autos foram praticados em 18 de Agosto de 2004, tendo sido proferido acórdão condenatório, pela 1ª instância, em 28 de setembro de 2005.
2 - O arguido nos presentes autos A... exerceu o seu direito ao recurso tendo-o apresentado no tribunal a quo em 01.08.2016, tendo o mesmo sido admitido, pelo que o Ac. condenatório ainda não transitou em julgado.
3 - A reabertura da audiência sempre foi e continua a ser admissível, na caso dos autos, salvo o devido respeito por opinião contrária, pelo que se entende dever ser outra a interpretação a dar ao disposto no artº 371-A do CPP.
4 - Sucede pois que por força das alterações legais introduzidas pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro ao artº 50º, do Código Penal, a pena de 5 anos de prisão aplicada ao arguido pode ser suspensa na sua execução, diferentemente do que acontecia à data da condenação, tendo pois sido introduzido um regime penal mais favorável ao arguido.
5 – Só através da reabertura da audiência poderão ser ponderadas nos autos as circunstâncias já existentes nos autos à data da condenação, as circunstâncias contemporâneas da prática dos factos e a conduta posterior à prática dos factos e que permitiriam a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, e que não foram ponderadas no Ac. condenatório por a essa data não ser possível a  suspensão de pena de prisão de 5 anos, aplicada ao arguido.
6 - Circunstâncias que em sede de recurso não podem ser consideradas.
7 - Violou o douto despacho recorrido o art.29º, nº 4 da CRP, o art.2º, nº 4 e 50º do C.P e o art.371º-A do CPP.

O Ministério Público na Comarca de Castelo Branco – Instância Central de Castelo Branco, respondeu aos recursos interpostos pelo arguido A... , pugnando, quanto ao interposto do douto acórdão, pelo seu provimento parcial, com manutenção da medida da pena de prisão aplicada e suspensão de execução da mesma pena ponderada à luz da atual redação do art.50.º, n.º 1 do Código Penal e, quanto ao recurso interposto do despacho de indeferimento de reabertura da audiência para aplicação da lei mais favorável, pela sua improcedência. 

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer em que acompanha as respostas apresentadas pela Ex.ma Magistrada do Ministério Público na 1.ª instância.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte:
            Factos provados         
2.1.1. No dia 18 de Agosto de 2004, cerca das 17.55 horas, os arguidos entraram na ourivesaria denominada “ K...”, sita na Rua (....) , em Castelo Branco, área desta comarca.
2.1.2. Um dos arguidos empunhando a pistola descrita e examinada a fls. 25 “pistola de recreio a gás, calibre 4,5 mm, com canos estriados” dos dirigiu-se à empregada que ali se encontrava - a ofendida C... - perguntou-lhe se estava mais gente na loja, ao que a mesma respondeu que se encontrava apenas uma pessoa na cave.
2.1.3. O arguido que fez o referido em 2.1.2. acto contínuo disse em voz baixa “isto é um assalto”, ao mesmo tempo que encostava a pistola ao pescoço da empregada e a empurrava pelas escadas que dão acesso à referida cave onde se encontrava a ofendida D... , proprietária do estabelecimento, seguida dos arguidos.
2.1.4. Uma vez aí o arguido que fez o referido em 2.1.2. deitou ao solo várias cordas e meias ao mesmo tempo que dizia “vou amarrá-las” e empunhava a navalha descrita e examinada a fls. 25.
2.1.5.   Simultaneamente, o outro arguido subiu as escadas, dirigiu-se, novamente, ao estabelecimento propriamente dito e munido de uma mochila retirou os objectos, ouro, descritos e examinados a fls. 64 a 78 v.° - aqui dados por reproduzidos, no valor total de 51.363,22 €.
2.1.6.   Quando o arguido referido em 2.1.5. terminou tal tarefa, os dois arguidos abandonaram a ourivesaria, em corrida, tendo sido depois interceptados pelas autoridades policiais no interior de um táxi e no qual se preparavam para abandonar a cidade.
2.1.7.   A navalha referida em 2.1.4. é de disfarce, com o comprimento total de 19 cm, tendo a lâmina 8 cm de comprimento, a qual se oculta no interior do punho, vulgarmente denominada “ de ponta e mola”.
2.1.8.   Os arguidos agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, apropriando-se com recurso às armas aludidas, dos objectos em ouro referidos em 2.1.5.
2.1.9.   Os arguidos com a sua conduta obrigaram as ofendidas a permanecerem na cave, ameaçando-as com o fim de conseguirem os seus intentos, o que fizeram, privando-as durante esse tempo da sua liberdade, bem sabendo que actuavam contra a sua vontade.
2.1.10. Os arguidos agiram de forma livre e voluntária e sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei.
2.1.11. Os objectos foram todos recuperados face à intervenção da P.S.P.
2.1.12. Os mesmos foram entregues à ofendida D... , proprietária da ourivesaria.
2.1.13. O arguido A... nasceu em 15/11/82.
2.1.14. O arguido B... nasceu em 14/4/82.
2.1.15. Do certificado de registo criminal dos arguidos nada consta.
            Factos não provados
2.1.2. Que tivesse sido o arguido B... que tivesse feito o referido em 2.1.2., pois o que se provou foi o referido em 2.1.2.
2.2.2.   Que tivesse sido o arguido A... que tivesse feito o referido em 2.1.4., pois o que se provou foi o referido em 2.1.4.
2.2.3.   Que fosse o arguido B... a fazer o referido em 2.1.5., pois o que se provou foi o referido em 2.1.5.
        Motivação
A convicção do tribunal assentou na inteligibilidade da prova produzida no seu conjunto tendo em conta o referido pelas testemunhas bem como ao teor dos documentos juntos.
Na verdade as testemunhas C... , empregada da ourivesaria, e D... , proprietária da mesma, referem de forma clara, credível e convincente, que em 18 de Agosto de 2004, dois indivíduos entraram na ourivesaria. A C... afirma também que um deles ia munido de uma pistola e que depois também exibiu uma faca de “ponta e mola”, o que é corroborado pela testemunha D... A lida refere ainda que afirmaram tratar-se de um assalto, tendo perguntado se havia mais alguém, tendo a testemunha afirmado que havia uma pessoa na cave. Desceram tendo o arguido que exibiu a pistola e a faca tirado de uma mochila umas cordas e uma mordaças. A testemunha D... corrobora tal facto, referindo que afirmaram “vou amarrá-las”. Ambas ficaram na cave até um dos arguidos se ter apoderado dos objectos em ouro. Afirmam que os mesmos objectos foram recuperados, sendo que a testemunha D... afirma que os mesmos ainda tinham o preço marcado quando recuperados, sendo o valor dos mesmos na ordem dos 50.000,00 €. Ambas afirmam que os arguidos fugiram e apanharam um taxi para saírem.
As testemunhas E... , taxista, F... , G... , agentes da P.S.P. afirmam que efectivamente os arguidos apanharam um taxi, tendo os agentes da P.S.P. afirmaram que os arguidos tinham na sua posse uma pistola, uma faca, e vários objectos em ouro. Afirmando que os objectos apreendidos aos arguidos eram os de fls. 20 a 22.
A forma como as testemunhas relataram os factos foi convincente tanto assim que os arguidos foram interceptados tendo ainda em seu pode os objectos subtraídos da ourivesaria.
Importante foram ainda os documentos de fls. 17, 20 a 31, 64 a 78v.°, termo de entrega de fls. 79 e 80, auto de avaliação de fls. 129, guia de fls. 132 e 134 e C.R.C. fls. 41 e 42,
Quanto aos não provados na falta de prova.

*
            O Despacho de 7 de setembro de 2016 tem o seguinte teor:
« Mediante requerimento junto a fls. 544 e seguintes dos presentes autos, veio o arguido A... solicitar a reabertura da audiência, tendo em vista a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável entretanto entrada em vigor.
Para tanto, salienta o arguido que foi condenado, por acórdão proferido a 28 de Setembro de 2005, numa pena de cinco anos de prisão.
Acontece, porém, que, já após a data da prolação do acórdão condenatório proferido nestes autos, entrou em vigor a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, nos termos da qual passou a ser admissível a suspensão da execução de penas de prisão fixadas em cinco anos, contrariamente ao que sucedia à data da prolação do referido acórdão.
Assim, sustentado que, no caso em apreço, se encontram preenchidos todos os pressupostos de que depende a suspensão da execução da pena de cinco anos de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos, conclui o arguido que deverá ser determinada a reabertura da audiência de julgamento, tendo em vista a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável.
Antes de mais, importa atender ao disposto no artigo 371º-A do CPP, do qual resulta que “se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime”.
Quer isto dizer que a reabertura da audiência pretendida pelo arguido depende da verificação cumulativa dos vários pressupostos indicados na disposição legal citada, consistentes, por um lado, na prolação de uma decisão condenatória transitada em julgado e na apresentação de requerimento por parte do arguido e, por outro lado, na circunstância de a execução da pena aplicada não ter cessado e de entrar em vigor uma lei penal que se mostre mais favorável ao arguido.
No caso em apreço, cumpre começar por referir que o acórdão condenatório proferido nos presentes autos ainda não transitou em julgado, razão pela qual não se encontra verificado o primeiro dos pressupostos de que dependeria a admissibilidade da reabertura da audiência requerida pelo arguido.
Em consequência, a pretensão manifestada no requerimento junto a fls. 544 e seguintes apenas em sede de apreciação do recurso já interposto pelo arguido poderá vir a ser considerada, sendo certo que tal pretensão foi também invocada pelo arguido nas alegações apresentadas a fls. 560 a 5651.
Nestes termos, indefiro, desde já, o pedido de reabertura da audiência apresentado pelo arguido A... a fls. 544 e seguintes.».

                                                                           *

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

Como bem esclarecem os Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, « Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

            Por razões de ordem lógica vamos conhecer, em primeiro lugar, do recurso interposto do despacho de 7 de setembro de 2016, uma vez que a proceder ficará prejudicado o conhecimento do recurso interposto do acórdão de 28 de setembro de 2005.

Face às conclusões da motivação  do recurso interposto do despacho de 7 de setembro de 2016, pelo arguido A... , a questão a decidir é a seguinte:
- se o douto despacho recorrido violou o disposto no art.29.º, n.º 4 da C.R.P, os artigos 2.º, n.º 4 e 50.º do C.P e o art.371º-A do C.P.P., ao indeferir o pedido de reabertura da audiência apresentado pelo ora recorrente.

As questões a decidir colocadas pelo recorrente A... nas conclusões da motivação do recurso interposto do acórdão recorrido, são as seguintes:
- se a pena aplicada ao ora recorrente deve ser reduzida para 3 anos de prisão; e
- se a pena deve ser-lhe suspensa na sua execução.


*

            Recurso interposto do despacho de 7 de setembro de 2016

A) O arguido A... , por requerimento de 28 de julho de 2016, peticionou a reabertura da audiência, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º4 do Código Penal e 371.º-A do Código de Processo Penal, para efeitos de aplicação retroativa da lei penal mais favorável.

Alegou para o efeito e em síntese, que por acórdão do Tribunal Coletivo da Comarca de Castelo Branco, proferido a de 28 de setembro de 2005, foi condenado numa pena de 5 anos de prisão. Foi notificado do mesmo acórdão em 27 de junho de 2016, pelo que a decisão ainda não transitou em julgado. Por força das alterações legais introduzidas ao art.50.º do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, a suspensão da pena passou para os 5 anos de prisão, diferentemente do que sucedia à data da condenação, em que a suspensão só podia ser decretada em pena de prisão fixada em medida não superior a 3 anos.

Tendo sido introduzido um regime penal mais favorável ao arguido, entende que dele deve beneficiar.

Junta 7 documentos e requer a sua audição através de videoconferência, caso tal se considere necessário para a decisão a proferir.

B) A Ex.ma Juíza indeferiu o pedido de reabertura da audiência, fundamentando-se no teor do art.371º-A do CPP, do qual resulta que um dos seus pressupostos é mostrar-se transitada em julgado a decisão condenatória. No caso em apreço, o acórdão condenatório proferido nos presentes autos ainda não transitou em julgado, razão pela qual não se encontra verificado o primeiro dos pressupostos de que dependeria a admissibilidade da reabertura da audiência requerida pelo arguido.

C) O recorrente A... sustenta, no presente recurso, que o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 29.º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, 2.º, n.º 4 e 50.º do Código Penal e 371.º-A do Código de Processo Penal, ao indeferir o requerimento de abertura da instrução.

O facto de ter exercido o direito ao recurso relativamente ao acórdão condenatório, que assim ainda não transitou em julgado, não obsta à admissibilidade da reabertura da audiência, nos termos do art.371-A do CPP.. Tendo em consideração a diferença de redação do n.º 4 do art.2.º do CP, antes e após a entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, parece que o legislador quis deixar bem claro que o princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável ocorre “sempre”, haja ou não condenação com força de caso julgado formado sobre a questão jurídico-penal controvertida. Neste mesmo sentido se pronunciou o acórdão do T. Constitucional nº 164/2008, de 05.03.2008.
Só através da reabertura da audiência poderão ser ponderadas nos autos as circunstâncias já existentes nos autos à data da condenação, as circunstâncias contemporâneas da prática dos factos e a conduta posterior à prática dos factos e que permitiriam a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, e que não foram ponderadas no acórdão  condenatório por a essa data não ser possível a suspensão de pena de prisão de 5 anos, aplicada ao arguido.
D) Vejamos se assim é.
O art.29.º, n.º4 da Constituição da República Portuguesa estabelece, na parte que aqui interessa, que se aplicam «… retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.»
É pacífico na jurisprudência (cf. o acórdão do Tribunal Constitucional nº 290/97) e na doutrina (cf. Prof. José Sousa e Brito, in “A lei penal na Constituição”, Estudos sobre a Constituição, 2º vol., Lisboa, 178, págs. 199 e segs. e 222 e segs.; e Prof. Taipa de Carvalho, “Sucessão de Leis Penais”, 2ª edição, Coimbra, 1997, págs. 102 e segs..) que o fundamento desta norma decorre do denominado princípio da necessidade das penas (ou da tutela penal) ou da máxima restrição das penas. Se, em momento posterior à prática do facto, a pena se revela desnecessária, torna-se constitucionalmente ilegítima.

O art.2.º, n.º4, do Código Penal, na redação primitiva, estabelecia que «Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado.».

De acordo com esta norma, na redação primitiva, a «lex mellior» deve ser retroativamente aplicada, com ressalva dos casos julgados.

Portanto, se a decisão condenatória ainda não tinha transitado quando surgia a «lex mellior», esta era aplicada “ex officio”, retroativamente; se a lei mais favorável surgia após a sentença condenatória ter transitado em julgado, esta já não era aplicável retroativamente.

Esta solução legislativa era objeto de alguma crítica por haver quem entendia que a restrição aos casos julgados, constante da norma, era inconstitucional por a mesma não integrar a última parte do n.º 4 do art.29.º, da Constituição da República Portuguesa. Era o caso, entre outros, dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, que defendiam que “Não estabelecendo a Constituição qualquer exceção, a aplicação retroativa da lei penal mais favorável (despenalização, penalização menor, etc.) há-de valer, pelo menos em princípio, mesmo para os «casos julgados», com a consequente reapreciação da questão, devendo notar-se que, quando a Constituição manda respeitar os casos julgados nos casos de declaração de inconstitucionalidade com efeitos «ex tunc», admite uma exceção exatamente para a lei penal (ou equiparada) mais favorável (cfr. art.282º-3 e respetiva anotação). De facto, não faz sentido que alguém continue a cumprir uma pena por um crime que, entretanto, deixou de o ser ou que passou a ser punido com pena mais leve”.[4]

Não sendo esse o entendimento do Prof. Figueiredo Dias, escreveu o mesmo sobre o art.2.º, n.º4 do Código Penal, quando se anunciava já a sua revisão:

«A conformidade com o artigo 29º-4 da CRP da ressalva dos casos julgados prevista no art.2º-4 do CP, não significa, como é evidente, que a mesma não possa ser eliminada ou restringida, fruto de uma nova opção legislativa. Nesse sentido vai a alteração do regime do art.2º-4 proposta no Anteprojeto 2007. Nesse anteprojeto a atual ressalva dos casos julgados é substituída por uma outra, menos restritiva, do seguinte teor: “Se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”. Desta proposta não resulta uma imposição de reabertura do processo para nova determinação da pena concreta no quadro da nova moldura penal aplicável, mas somente um limite à execução da pena concreta aplicada na condenação transitada em julgado, que coincide com o limite máximo da pena aplicável pela lei nova mais favorável. Em todo o caso, de acordo com o novo regime processual proposto para compatibilizar a lei adjetiva (cf. o art.371º- A, aditado pelo art.3º da Proposta de Lei nº 109/X) com esta alteração do art. 2º-4, “o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime”.».[5]

Por força da Lei n.º 59/2007, o n.º 4 do artigo 2º do Código Penal, passou a determinar, que  « Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior.».

Nesta linha, foi aditado um novo art.371.º-A ao Código de Processo Penal, através da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que sob a epígrafe «Abertura da audiência para aplicação retroativa da lei penal mais favorável» passou a estabelecer o seguinte:

« Se, após trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.».

O legislador considerou na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X, que esta solução de reabertura da audiência para aplicação retroativa da lei penal mais favorável “ é preferível à utilização espúria daquele recurso extraordinário ou à subversão dos critérios de competência funcional (que resultaria da atribuição de competência para julgar segundo a nova lei ao tribunal de execução das penas.”.

O art.371.ºA do C.P.P. não é um novo caso de revisão, tal como é admissível dentro dos parâmetros do art.449.º do mesmo Código. Como anota o Cons. Maia Gonçalves “Aqui a sentença não é posta em causa, nem mesmo o requerente foi injustamente condenado; simplesmente, embora tenha sido justamente condenado, já está injustamente condenado a cumprir uma pena que, segundo o sentimento geral da comunidade, vasado no texto legal, deixou de se justificar.”.[6]  

Excecionadas da reabertura da audiência ficam as situações de descriminalização e os casos em que, por efeito da pena aplicável pela lei nova, a parte da pena já cumprida atinja o limite máximo daquela (art.2.º, n.º 4 do Código Penal).   
Como bem se afirma no douto acórdão recorrido, a reabertura da audiência ao abrigo do art.371.ºA do C.P.P. “depende da verificação cumulativa dos vários pressupostos indicados na disposição legal citada, consistentes, por um lado, na prolação de uma decisão condenatória transitada em julgado e na apresentação de requerimento por parte do arguido e, por outro lado, na circunstância de a execução da pena aplicada não ter cessado e de entrar em vigor uma lei penal que se mostre mais favorável ao arguido.”.

Posto isto, o Tribunal da Relação está totalmente de acordo com o recorrente A... quando cita o seguinte segmento (ponto 7) do douto acórdão do Tribunal Constitucional nº 164/2008:

Em traços largos, e tendo em consideração a diferença de redação do n.º 4 do art.2.º do CP, antes e após a entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, parece que o legislador quis deixar bem claro que o princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável ocorre “sempre”, haja ou não condenação com força de caso julgado formado sobre a questão jurídico-penal controvertida.”.

Após a alteração ao n.º4 do art.2.º do Código Penal, em regra, com as exceções supra citadas, o princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável ocorre “sempre”, haja ou não condenação com força de caso julgado formado sobre a questão jurídico-penal controvertida.

O acórdão do Tribunal Constitucional nº 164/2008 ao decidir “ Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 371º-A do Código de Processo Penal, na redação aditada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de permitir a reabertura de audiência para aplicação de nova lei penal que aumenta o limite máximo das penas concretas a considerar, para efeitos de suspensão de execução de pena privativa da liberdade”, apreciou uma situação em que já ocorrera o trânsito em julgado da sentença condenatória.

E não referiu, de modo nenhum, que a abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável – como é o caso de a nova lei admitir a suspensão da execução da pena em caso de condenação até 5 anos de prisão, quando a lei vigente à data da condenação só a admitir em caso de condenação até 3 anos de prisão – pode ser requerida, nos termos do art.371.ºA do C.P.P., quando a sentença condenatória ainda não transitou em julgado. 

Em suma, o Tribunal da Relação entende, tal como no despacho recorrido, que não tendo ainda transitado o acórdão condenatório quando surge a «lex mellior», é em sede de recurso do acórdão condenatório que deverá ser considerada a aplicação retroativa da nova lei e não em audiência reaberta nos termos do art.371.º-A do C.P.P..

A abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, nos termos do art.371.º-A do C.P.P., apenas se aplica às situações em que já ocorreu o trânsito em julgado da decisão condenatória e, antes de ter cessado a sua execução, entrou em vigor uma lei mais favorável.

Em face do exposto, o Tribunal da Relação entende que não pode deixar de improceder esta questão e o respetivo recurso interposto do douto despacho.


*
Recurso do acórdão condenatório

1.ª Questão: Da medida da pena aplicada
O recorrente A... defende que o Tribunal a quo cometeu um erro de avaliação do grau de ilicitude e da culpa do arguido ao aplicar-lhe uma pena de 5 anos de prisão.
Neste sentido, alega que constam dos autos factos que não podiam deixar de ser considerados na decisão final e, por outro lado, esses factos e outros apurados na decisão não foram aí suficientemente valorados.
Assim, o Tribunal a quo não podia ter ignorado que após o 1.º interrogatório dos arguidos, o Juiz de Instrução considerou no douto despacho de 19 de agosto de 2016, nomeadamente: que “Os factos participados foram, quase integralmente e no essencial, confessados pelos arguidos.”, a “ confissão dos factos e a postura colaborante dos arguidos”, a “juventude dos arguidos, a ausência de antecedentes criminais, isto tendo em conta que os arguidos se encontram em Portugal há cerca de três anos, a postura muito colaborante com a Justiça, o invocado arrependimento e as circunstâncias em que, segundo eles (não existindo nos autos nada que o contradiga) os factos foram praticados (…)” e que “Na verdade, é sabida a situação de recessão económica que o país atravessa e a carência de emprego que se faz sentir, bem como a situação por vezes desesperada, em que se encontram muitos dos emigrantes que trabalham em Portugal. Na versão dos arguidos, foi por estarem nesta desesperada situação, sem meios de subsistência, que procederam da forma que relataram. Não sendo tal justificação aceitável ou justificável, a verdade é que, a existir, faz-me pensar que não estamos perante criminosos por tendência mas perante um ato criminoso isolado.”.
Por outro lado, não foi suficientemente valorado na decisão recorrida que, apesar do valor consideravelmente elevado dos objetos furtados os mesmos foram na íntegra devolvidos à ofendida, proprietária da ourivesaria; que a violência física exercida sobre as ofendidas não envolveu qualquer agressão física, tendo-se circunscrito à privação da sua liberdade de autodeterminação, pois que uma das ofendidas foi obrigada a descer para a cave, onde permaneceram as duas durante o tempo em que decorreram os acontecimentos, privadas da sua liberdade; que manifestou arrependimento e agiu em situação de desespero, por se encontrar sem meios de subsistência; que o arguido era jovem, e não tinha antecedentes criminais; e que se tratou de um ato isolado, e não de um criminoso por tendência a justificar especiais cuidados de ressocialização.
Assim, deveria o arguido/recorrente ter sido condenado no limite mínimo da pena aplicável, isto é, em 3 anos de prisão.
Antes de entrar diretamente na determinação da medida da pena, que é o objeto desta questão, impõe-se clarificar se o Tribunal a quo devia ter considerado nessa determinação outros facto que não constam do acórdão recorrido.
Tal como refere o recorrente A... , não constam da factualidade dada como provada no douto acórdão recorrido as seguintes circunstâncias: a confissão quase integral e no essencial dos factos participados; a postura colaborante dos arguidos; o arrependimento; a permanência em Portugal dos arguidos há cerca de três anos; e o motivo para os arguidos terem praticado os factos foi estarem numa desesperada situação, sem meios de subsistência.
O recorrente entende que o Tribunal a quo deveria ter incluído aquelas circunstâncias na factualidade dada como provada porquanto tal foi mencionado pelo Ex.mo Juiz de Instrução no douto despacho de 19 de agosto de 2016, proferido após o 1.º interrogatório dos arguidos.
Mas, salvo o devido respeito, não tem razão o recorrente nesta pretensão.
O primeiro interrogatório judicial de arguido detido, a que alude o art.141.º do Código de Processo Penal, destina-se, fundamentalmente, a verificar se existem os requisitos legais justificativos da detenção, da prisão preventiva ou da substituição dessa por outra medida e ainda a informar o arguido dos direitos que lhe assistem e dos factos imputados.
Nesse interrogatório o arguido tem o direito ao silêncio ou a prestar declarações.
O despacho que findo o interrogatório é proferido pelo Ex.mo Juiz de Instrução visa apenas determinar as medidas de coação, em face dos factos fortemente indiciados nessa altura.
Em princípio, não valem em julgamento, nomeadamente para efeito de formação da convicção do tribunal quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência (art.355.º, n.º1 do C.P.P.).
Como ressalva ao ora referido ficam as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes (art.355.º, n.º1 do C.P.P.).
O art.357.º, n.º1, do C.P.P., na redação vigente à data da realização da audiência de julgamento do ora recorrente, só permitia a leitura de declarações do arguido em duas situações:
« a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou
  b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.».
Em face do disposto nos artigos 355.º e 357.º do C.P.P., qualquer eventual confissão, arrependimento ou motivação indicada pelo recorrente, durante o 1.º interrogatório judicial de arguido, só pode ser valorada se tiver sido permitida essa leitura durante a audiência, seja a solicitação do arguido ou para tentar esclarecer as contradições ou discrepâncias entre as declarações prestadas perante o Juiz e as feitas em audiência. 
O que deve ficar consignado em ata ( n.º 9 do art.356.º do C.P.P. aqui aplicável por força do n.º 2 do art.357.º do mesmo Código).
Se o arguido não comparece em julgamento ou se exerce o direito ao silêncio, nunca as declarações por si anteriormente prestadas poderão ser valoradas, uma vez que não se verifica nenhuma das duas situações em que é permitida a leitura das suas declarações. Consequentemente, por maioria de razão, não poderá ter-se em consideração, no despacho que determinou as medidas de coação no final do 1.º interrogatório judicial, o que foi declarado pelo arguido no 1.º interrogatório judicial.
No caso em apreciação, o arguido A... não compareceu na audiência de julgamento, tendo sido julgado na sua ausência.
Assim, é evidente que o Tribunal a quo andou bem ao não incluir na factualidade dada como provada quaisquer declarações do arguido prestadas em primeiro interrogatório judicial e reproduzidas no despacho que o seguiu para determinação da medida coativa. [7]
Assente que a factualidade dada como provada é apenas a que consta do douto acórdão recorrido, com exclusão do que o arguido A... terá declarado no 1.º interrogatório judicial, anotemos, em termos gerais, o critério legal para a determinação da medida da pena.
O art.71.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, estatui que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.
A culpabilidade aqui referida é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

O facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sociocomunitário.”[8]
O requisito de que sejam levadas em conta, na determinação da medida concreta da pena, as exigências de prevenção, remete-nos para a realização in casu das finalidades da pena.
De acordo com o art.40.º, n.º1, do Código Penal, a aplicação de penas (e de medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.
Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).
A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.
É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.
A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.
Para o mesmo autor, partindo do n.º2 do art.71.º do Código Penal, esses fatores podem dividir-se em “Fatores relativos à execução do facto”, “Fatores relativos à personalidade do agente” e “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.
Relativamente aos “Fatores relativos à execução do facto” esclarece que “Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram”... Assim, ao nível do tipo-de-ilícito releva logo a totalidade das circunstâncias que caracterizam a gravidade de violação jurídica cometida pelo agente, o dano material ou moral, produzido pela conduta – com todas as consequências típicas que dele advenham - o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, a espécie e o modo de execução do facto...o grau de conhecimento e a intensidade da vontade no dolo...Nos fatores relativos à execução do facto...entram, por outro lado, todas as circunstâncias que respeitam à reparação do dano pelo agente, ou mesmo só os esforços por ele desenvolvidos nesse sentido ou no de uma composição com o lesado; como ainda o comportamento da vítima...os sentimentos, os motivos e os fins do agente manifestados no facto.”
Nos “Fatores relativos à personalidade do agente” incluem-se: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto.
Os “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto” incluem a conduta anterior ao facto – haverá que ponderar se o ilícito surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderão atenuar a pena. Como contrapartida haverá igualmente que ponderar a existência de condenações anteriores, que, como contraponto, poderão servir para agravar a medida da pena – e a conduta posterior ao facto – haverá que ponderar se o arguido procedeu ou envidou esforços no sentido de reparar as consequências do crime, e qual o seu comportamento processual.”[9]  
Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa ( art.40.º, n.º 2 do C.P.) , designadamente por razões de prevenção.
Retomando o caso concreto, temos como inquestionável que o arguido A... , com a sua conduta descrita nos factos dados como provados, cometeu em coautoria, com o arguido B... , um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art.210.º, n.º 2, al. b), do Código Penal com referência ao art.204.º, n.º 2, alíneas a) e f), do mesmo Código.
A moldura penal abstrata da pena aplicável ao roubo agravado pelo qual o arguido/recorrente foi condenado situa-se entre os 3 e os 15 anos de prisão.
O douto acórdão recorrido, na determinação da medida da pena, dentro daqueles limites, realçou que os bens jurídicos protegidos com o crime de roubo são não só a propriedade, como a liberdade, a integridade física ou até a própria vida da pessoa roubada.
Considerou ainda: que a ilicitude dos factos é elevada, revelando os arguidos um desrespeito pela vida em sociedade, pois não se coibiram de usar uma pistola de gás e uma faca de ponta e mola para obterem os objetos em ouro, no valor total de € 51.363,22; que os arguidos agiram com dolo direto; que o crime em apreciação reveste muita gravidade e deve ser combatido sem tréguas, com o propósito de se evitar uma escala de consequências cada vez mais elevada. Mais considerou: que o arguido tinha 21 anos à data da prática dos factos, pelo que já não beneficia do regime aplicável aos jovens delinquentes e, que a ausência de antecedentes criminais não é suficiente para atenuar o dolo e a ilicitude.
Desta ponderação, concluiu ser adequado fixar ao arguido A... uma pena de 5 anos de prisão.
Posto isto, vejamos se existem circunstâncias que deveriam ter levado o Tribunal a quo a fixar a pena no mínimo legal de 3 anos de prisão..
No que respeita aos “Factores relativos à execução do facto”, resulta da factualidade dada como provada, que o grau de ilicitude dos factos cometidos pelo arguido A... é elevado, pois dois homens, na flor da idade, constrangem duas senhoras, com uma pistola e uma navalha de ponta e mola a entregar-lhes vários objetos em ouro, de valor consideravelmente elevado.
Não tendo os arguidos comparecido à audiência de julgamento, não se apurou a motivação na prática deste crime, que viola bens pessoais e patrimoniais. 
Da atuação com o coarguido, levada a cabo na ourivesaria, para a qual levaram meios tidos por adequados à realização do roubo, conclui-se que arguido/recorrente agiu não apenas com dolo direto, mas ainda intenso.
No que respeita aos «Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto», apurou-se apenas que não tinha antecedentes criminais.
Os objetos foram recuperados por intervenção da PSP, e não por ação dos arguidos.
O arguido/recorrente não beneficia de arrependimento, de confissão aberta dos factos ou de outras circunstâncias que deponham, a seu favor, atenuando a sua responsabilidade criminal.
O seu comportamento processual também não o favorece uma vez que antes da realização do julgamento se ausentou para parte incerta.
Nos “Fatores relativos à personalidade do agente”, temos a considerar que o arguido A... é primário, sendo assim de considerar mediana a suscetibilidade do mesmo ser influenciado pelas penas.
No que respeita às condições pessoais e económicas do arguido A... apenas se apurou que era pedreiro.
Considerando o grau de perigosidade do arguido que resulta dos factos provados, entendemos que são medianas as razões de prevenção especial.
Já são elevadas as razões de prevenção geral dada a frequência com que eram cometidos em todo o País, crimes de roubo, causando grande intranquilidade na comunidade, pelo que importa reforçar a ideia da validade dos bens jurídicos inerentes às normas violadas.
Perante estes elementos objetivos relevantes para a culpa e para a prevenção, entendemos que é também elevada a culpa do arguido.
Considerando todas as circunstâncias que depõem contra e a favor do arguido, as exigências de prevenção, e que a moldura penal se situa entre os 3 e os 15 anos de prisão, o Tribunal da Relação, entende que a pena de 5 anos de prisão aplicada ao arguido A... , no acórdão de 28 de setembro de 2005, é proporcional e adequada às exigências de prevenção e da culpa, respeitando o disposto no art.18.º, n.º 2 da CRP e os artigos 40.º e 71.º do Código Penal, o que já não aconteceria com a fixação de uma pena inferior, nomeadamente no seu limite mínimo, de 3 anos de prisão.
Assim, improcede esta questão.

            2.ª Questão: da suspensão de execução da pena.
Mantendo-se, como se mantem, a pena de cinco anos de prisão aplicada ao arguido A... na douta decisão recorrida, importa agora decidir se a mesma lhe deverá ser suspensa na sua execução.
Os requisitos da admissibilidade da suspensão da execução da pena constam do art.50.º, n.º1 do Código Penal.
A data em que foi proferido o douto acórdão recorrido, o art.50.º, n.º1, do Código Penal tinha a seguinte redação:
« O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos  se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão era apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 3 anos.
O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Uma vez que o arguido A... foi condenado numa pena de 5 anos de prisão, portanto superior aos 3 anos que eram o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão, o pressuposto material da suspensão da execução da pena não foi ponderado pelo Tribunal a quo.

Acontece que, como bem realça o recorrente A... , posteriormente à prolação do acórdão recorrido a Lei n.º 59/07, de 04.09, veio dar nova redação ao art.50.º, n.º1 do Código Penal, pelo que o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão passou para os 5 anos de prisão.

A nova redação do art.50.º, n.º1 do Código Penal, que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2007, afigura-se mais favorável ao arguido/recorrente, porquanto esta permite a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão em que foi condenado - caso também se verifique o pressuposto material -, o que não acontecia na vigência da redação anterior daquela norma.

Como já se mencionou a propósito da questão anterior, «…quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente (…)» (n.º 4., do art.º 2.º, do C.P.).

Do exposto resulta que, por lhe ser concretamente mais favorável, deverá apreciar-se agora a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão.

Esta é uma questão nova, que não foi conhecida e apreciada pelo Tribunal a quo, uma vez que a suspensão da pena era então legalmente possível.

Acontece que os factos necessários a decidir a questão nova são escassos, facto a que não serão alheias as circunstâncias da suspensão da execução da pena não ser então legalmente possível e os arguidos se terem ausentado para parte incerta.

Por outras palavras, face à entrada em vigor do novo regime legal mais favorável ao arguido, são muito escassos, na factualidade dada como provada no acórdão recorrido, os elementos necessários para decidir da suspensão da execução da pena, mais concretamente, factos relativos à personalidade do arguido A... , às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.

O que traz consigo novos problemas.

A necessidade de averiguação de outros factos, não constantes da decisão condenatória, trazida pela nova questão resultante da vigência de um regime concretamente mais favorável ao arguido, tanto pode acontecer numa situação em que a sentença ainda não transitou em julgado, como no caso de trânsito em julgado, mas antes de ter cessado a execução da pena.

O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28-5-2008, decidiu já que “ Quando o que está em causa na reabertura da audiência prevista no art.371.ºA do Código de Processo Penal é a possibilidade de aplicação de uma pena substitutiva da prisão, não admissível à luz da lei anterior, nada obsta à produção de novos meios de prova que relevem para a decisão dessa questão.”. [10]

Pergunta-se agora se, não havendo reabertura da audiência nos termos do art.371.ºA do C.P.P.,  poderão averiguar-se os factos em falta para decidir a nova questão?

Prima facie o recorrente parece entender que sem reabertura da audiência nos termos do art.371.ºA do C.P.P. não poderia o Tribunal da Relação averiguar novos os factos em falta para decidir a nova questão, uma vez que ao juntar as provas documentais, com o requerimento de abertura da audiência e ao pugnar por essa reabertura acrescenta que estas provas “ em sede de recurso não podem ser consideradas”.

Não cremos que assim seja.

Existindo falta de elementos fáticos mínimos para decidir da suspensão da execução da pena, eles têm de ser averiguados, sob pena de violação do princípio constitucional da aplicação retroativa das leis mais favoráveis ao arguido.

Se o Tribunal de recurso, onde a questão é colocada pela primeira vez, porque anteriormente não era legalmente possível colocá-la na 1.ª instância, tem esses elementos nos autos, afigura-se-nos que os deverá ter em consideração.

Se os não tem, afigura-se-nos que deverá ordenar a devolução do processo à 1.ª instância a fim de reabrir a mesma para produção da prova necessária à determinação da suspensão da execução da pena e consequente prolação de novo acórdão.

Esta última situação poderá colocar novos problemas, pois em princípio o Tribunal de 1.ª instância a quem o processo é devolvido deverá ser o mesmo que realizou o julgamento. Mas tendo decorrido muitos anos entre a data do julgamento e a devolução do processo, poderá frequentemente ser já impossível a sua constituição, designadamente quando se trate de Tribunal Coletivo.[11]  

No acórdão do STJ de 23-04-2008, parece admitir-se a solução de que se o tribunal de recurso tiver elementos nos autos que permitem suprir essa falta poderá tê-los de imediato em consideração e decidir a nova questão e que apenas se os não tiver, será de dever o processo devolver-se o processo à 1.ª instância para, reaberta a audiência, os averiguar e decidir a questão. 

Neste sentido, refere-se ali: « Estamos confrontados, pois, com uma questão nova, resultante da alteração da lei penal, configurando-se a possibilidade de o recorrente beneficiar de uma decisão mais favorável, de acordo com as regras de aplicação de lei penal no tempo. Mas, como se disse, no caso em apreço, nem a 1.ª instância, nem o tribunal recorrido, colocaram a hipótese de suspensão da pena, porque à data tal não era legalmente possível. E, nessa medida, são escassos os elementos suscetíveis de (aqui) fundamentarem tal decisão, não se dispondo, sequer, de relatório social atualizado que sirva de ponderação da aplicabilidade de pena de substituição. Assim sendo, uma vez que foi confirmada a pena de prisão de 3 anos e 6 meses aplicada ao recorrente, importa proceder à reabertura da audiência em 1.ª instância, para que tenham lugar as diligências reputadas úteis, com o único propósito de se decidir se deve, ou não, ser aplicada a pena de substituição de suspensão de execução da pena de prisão.».[12]

Pese embora o recorrente A... tenha pugnado pela reabertura da audiência nos termos do art.371.ºA do Código de Processo Penal, para apreciação da prova documental que junta aos autos, ao interpor o recurso do douto acórdão condenatório e pugnar pela suspensão da execução da pena de prisão, volta aqui a requerer que se tenham em consideração os “ documentos entretanto juntos aos autos, com o requerimento de abertura da audiência.”.

Exercido o contraditório, o Ministério Público não se opôs à junção dos documentos apresentados pelo recorrente no âmbito da nova questão resultante do novo regime legal aplicável ao arguido. 

O Tribunal da Relação entende que o recorrente A... trouxe aos autos um conjunto de documentos atualizados que permitem ter um conhecimento mínimo e atualizado sobre a sua personalidade, sobre as condições da sua vida e sua conduta posterior ao crime.

Do “ Atestado de antecedentes” de 5-7-2016, do Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt, do Governo do Estado de São Paulo, Brasil, resulta que o arguido A... , não tem registados antecedentes criminais.

Da certidão de nascimento, resulta que o arguido A... tem uma filha nascida no Estado de São Paulo, em 31-10-2009.

Dos documentos n.ºs 4, 5, 6 e 7, juntos aos autos, que respeitam, sucessivamente, a um contrato de trabalho experimental, a um contrato de trabalho e previdência social, a um certificado de participação em curso de zelador e porteiro e a um certificado de conclusão de curso de administração de contas a pagar, receber e tesouraria, resulta que o arguido A... se mostra integrado profissionalmente.
A suspensão da execução da pena é um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.
Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.
Todavia, « a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada » - mesmo em caso de « conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização) , se a ela se opuseram … as finalidades da punição » ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente  « considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico », pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto .».[13]
No presente caso, tendo em conta que o arguido A... foi condenado neste processo numa pena de 5 anos de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.
Quanto ao pressuposto material, importa realçar que o arguido tinha 21 anos de idade à data da prática dos factos.
Decorreram 12 anos desde a data da prática dos factos.
Não consta dos autos que o arguido tenha praticado novos factos criminosos pelos quais tenha sido condenado em Portugal ou no Brasil.
O arguido encontra-se inserido numa família e no meio laboral.
Do exposto, podemos concluir que o arguido A... se deixou intimidar com o contacto que manteve com o aparelho de justiça, permitindo convencer que não voltará a delinquir.
Se a prognose sobre o comportamento do arguido A... à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é, atualmente, positiva, as exigências de prevenção geral, embora ainda elevadas, mostram-se já atenuadas pelo decurso do tempo  desde a prática dos factos. O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido, numa situação como esta, não fica afetado pela substituição da pena de prisão por suspensão de execução da mesma pena.
Concluindo o Tribunal da Relação que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nos termos do art.50.º, n.ºs 1 e 5 do Código Penal, entendemos ser de suspender-lhe a execução da pena de 5 anos de prisão, pelo período de 5 anos.  
Nos termos do art.53.º, n.º 3 do Código Penal, o tribunal deve determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova sempre que a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a 3 anos.
No caso, sendo a pena suspensa por um período de 5 anos, deve a suspensão ficar sujeita ao regime de prova.
Residindo o arguido A... na República do Brasil, deverá, na 1.ª instância, ser solicitada a cooperação judiciária internacional neste domínio.    
Procede, parcialmente, nestes termos, a presente questão e o respetivo recurso interposto do douto acórdão recorrido.

            Decisão
        Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... do despacho de 7 de setembro de 2016; e
- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... do douto acórdão de 28 de setembro de 2005 e, consequentemente, suspender-lhe a execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão, pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita ao regime de prova nos termos do art.53.º, n.º 3 do Código Penal.  
         Custas pelo recorrente A... , por decaimento no recurso interposto do despacho, fixando em 3 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).
                                                                    *
(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 
                                                                    *
     Coimbra, 07 de dezembro de 2016
      
      ( Orlando Gonçalves - relator)
        
      ( Inácio Monteiro - adjunto)



[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, Coimbra, 2007, pág. 496)


[5]Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2007, págs. 202 e 203
[6] Código Penal anotado, Almedina, 17.ª edição

[7]  A conclusão não seria diversa face à atual redação do art.357.º do C.P.P. que estabelece:

« 1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:

    a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou

    b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º .

2 - As declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas em audiência não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo 344.º

3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 a 9 do artigo anterior.».

[8] Cf. Prof. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
[9] Cf. “ Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, págs. 210 e 245 e seguintes.
[10] www.dgsi.pt, Proc. n.º 0842155, sendo relatora a Ex.ª Desemb. Isabel Pais Martins
[11] É o que aqui acontece. Embora o Ex.mo Juiz Presidente se encontre colocado neste Tribunal da Relação, um dos adjuntos está aposentado e outro já não pertence à Magistratura Judicial.

[12] www.dgsi/pt, proc. n.º 05P3199, relatado pelo Ex.mo Cons. Soreto de Barros.             


[13] Prof. Figueiredo Dias , in "Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime" , pág.344.