Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
264/22.9YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
LITISPENDÊNCIA
CASO JULGADO
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40.º E 45.º, DO RGPTC
ARTIGOS 170.º; 364.º, 1878.º; 1905.º E 1906.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 277.º, E); 580.º,1 E 3; 581.º; 978.º, 1; 980.º E 984.º, DO CPC
Sumário: I. Não se pode verificar a inutilidade superveniente da lide se num dos processos, se pede a regulação da relação parental do menor, onde se incluiu a pensão alimentícia, porém, só a partir da entrada do processo, ao passo que, na sentença revidenda os alimentos são devidos desde 1/11/2018.
II. Só deve ser negada a confirmação da revisão de sentença estrangeira, quando perante tribunal português esteja a correr ou já foi decidida ação idêntica à julgada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes de a ação ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

   Proc.º n.º 264/22.9YRCBR

                                                 1.- Relatório

1.1. - AA, solteira, maior, portadora do cartão de cidadão n.º ..., válido até 07/08/2029, contribuinte fiscal n.º ...17, residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., intentou a presente ação de revisão de sentença estrangeira, contra BB, solteiro, maior, portador do cartão de cidadão n.º ..., válido até 19/02/2030, com o N.I.F. ...57, residente em ... 38, ... ..., Suíça, nos termos e com os seguintes:

- Autora e Réu são os progenitores de CC, menor, nascido em .../.../2017, em ... (...), Suíça (Doc. 1);

 -Por douta sentença, transitada em julgado, com efeitos desde 30/10/2018, proferida pelo competente Tribunal de Comarca de Hinwil, atendendo a que Autora, Réu e o sobredito menor ali residiam àquela data, foi estabelecida a regulação do exercício das responsabilidades parentais referentes a este último, conforme melhor consta da certidão ao diante junta, objecto de Apostila em 03/10/2022 (Doc. 2);

 -Pelo que se impõe, assim, rever e confirmar aquela decisão judicial, nomeadamente para efeito de averbamento ao respectivo Assento de Nascimento do aludido menor, nos termos do preceituado na alínea f) do artigo 1.º do Código do Registo Civil, de modo a que produza plenos efeitos jurídicos em Portugal;

- Sendo que, s.m.o., a decisão em causa consta de documento cuja autenticidade e inteligência não merecem quaisquer dúvidas, havendo a mesma, conforme supra referenciado, já transitado em julgado e sido objecto da necessária Apostila (Doc. 2);

- Provém de Tribunal estrangeiro cuja competência não foi provocada em fraude à lei, nem versa sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais Portugueses (Doc. 2);

- Acresce que não se poderá invocar excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a Tribunal português, na justa medida em que não foi proferida, até ao presente, qualquer decisão judicial pela jurisdição portuguesa, com trânsito em julgado, sobre a mesma matéria, havendo a douta sentença sub judice sido proferida em momento anterior à instauração de qualquer acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais junto de qualquer outro Tribunal;

 -Por sua vez, foram plenamente respeitados os princípios do contraditório e da igualdade das partes no processo que correu termos junto do Tribunal de Comarca de Hinwil, referindo-se, até, que a sentença proferida homologou um acordo alcançado entre Autora e Réu em sede do mesmo, subscrevendo ambos, pelo seu próprio punho, o documento que o corporizou (Doc. 2);

- Ademais, analisado o teor da sentença em apreço, extrai-se que a mesma não contém decisão contrária aos princípios de ordem pública internacional do Estado Português;

                                                           ***

1.2. – Citado o requerido deduziu oposição, alegando:

- Como adiante se concluirá, a sentença estrangeira em causa nestes autos não pode aqui ser revista nem confirmada.

- a sentença estrangeira não procede a qualquer regulação das responsabilidades parentais, por um lado, como pelo outro, tal matéria já foi objeto de decisão, transitada em julgado, por parte de tribunais portugueses, o que, a nosso ver, obsta, então, à revisão e confirmação requeridas.

- A decisão que aqui se pretende rever e confirmar foi proferida por um tribunal suíço no dia 9 de outubro de 2018.

-A decisão em causa debruça-se única e exclusivamente sobre a obrigação alimentícia ao menor CC e em nada se confunde com algo muito mais abrangente como é o exercício da regulação das responsabilidades parentais contemplada pela legislação portuguesa, nomeadamente no RGPTC.

- No dia 31 de dezembro de 2019 o menor e a requerente regressaram definitivamente a Portugal onde passaram a residir com carater habitual e permanente desde então até à data presente.

- Desde o referido dia 31 de dezembro de 2019 que requerente e menor, ambos de exclusiva nacionalidade portuguesa, deixaram de ter qualquer ponto de contato com o ordenamento jurídico suíço.

- O requerido (também ele de exclusiva nacionalidade portuguesa), também já abandonou, há sensivelmente um ano, definitivamente a Suíça, já não mais ali residindo ou trabalhando, deixando, assim, de ter qualquer ponto de contato com aquele ordenamento jurídico.

- Mercê dos inúmeros desentendimentos entre requerente e requerido e pelo facto de as responsabilidades parentais quanto ao menor CC não se mostrarem reguladas (quer seja na Suíça, quer seja em Portugal), o aqui requerido instaurou no dia 02-09-2022 no Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ... um processo de Regulação das Responsabilidades Parentais quanto ao referido menor, processo esse que viria a ser autuado sob o n.º 145/22.....

- A conferência de pais a que alude o disposto no art.º 35.º do RGPTC viria a ser realizada naqueles autos no dia 02-09-2022.

- No dia em que o presente processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira deu entrada em juízo [25-10-2022] já aqueloutro (o ÚNICO a debruçar-se efetivamente sobre o exercício e regulação das responsabilidades parentais) se mostrava pendente nos tribunais portugueses.

- No dia 11-05-2023, em sede de conferência de pais quanto à regulação das responsabilidades parentais realizada no âmbito daquele Proc.º n.º 145/22.... do Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., requerente e requerido lograram alcançar acordo quanto a todos os aspetos relacionados com a regulação das responsabilidades parentais do menor CC, à exceção do que diz respeito à prestação de alimentos, porque a aqui requerente a isso se opôs.

- Requerente e requerido já acordaram naqueles autos quanto à regulação das responsabilidades parentais do menor.

- O referido acordo viria ali a ser homologado por sentença – cfr. documento que aqui se junta sob o n.º 1 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos -, transitada em julgado, mostrando-se o mesmo atualmente em vigor.

- Atenta a oposição manifestada pela requerente em fixar por acordo o valor de uma prestação alimentícia ao menor CC, foi, por douto despacho proferido naqueles mesmos autos no dia 02-06-2023, fixado um regime provisório quanto a alimentos devidos ao menor - cfr. documento que aqui se junta sob o n.º 2 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

- O referido despacho mostra-se também ele transitado em julgado e o regime nele previsto está em vigor e a ser cumprido.

- Ao contrário do que a requerente preconiza no artigo 2.º da p.i., a sentença que aqui pretende ver revista e confirmada NÃO ESTABELECE QUALQUER REGULAÇÃO DO EXERCICIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS quanto ao menor CC.

- Aquilo que o tribunal suíço se limitou a fazer for homologar por sentença o acordo a que requerente e requerido chegaram quanto aos alimentos devidos ao menor, e nada mais do que isso.

- Basta atender a que o tribunal suíço nunca se pronunciou, por exemplo, em momento algum, sobre a quem o menor deveria ficar confiado, ou qual o regime de férias e visitas, ou seja, no fundo, os tribunais suíços nunca se pronunciaram sobre nenhuma das matérias referidas no art.º 40.º do nosso RGPTC, sendo que tal matéria é da competência dos tribunais portugueses ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 25.º do Código Civil e 9.º n.º 1 do RGPTC.

- A decisão que aqui se pretende rever e confirmar em nada se confunde, assim, nem de perto, nem de longe, com aquilo que é uma verdadeira regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, como aquela que já se mostra parcialmente decidida pelo Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ... no âmbito do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais sob o n.º 145/22.... onde apenas falta fixar o regime definitivo quanto a alimentos porque a aqui requerente ali expressamente se recusou a fazê-lo.

- A decisão proferida pelo tribunal suíço tem por pressuposto a residência do menor e da requerente naquele país – cfr. ponto 4.º da referida decisão – pressuposto esse que já deixou de estar verificado há mais de 3 anos e meio quando a requerente e o menor abandonaram definitivamente aquele país e há um ano atrás quando também o requerido o fez.

- A requerente pretende que seja revista e confirmada uma sentença proferida por um tribunal suíço num momento em que nem requerente, nem requerido, nem menor têm qualquer elemento de contato com aquele país, e ASSUMIDAMENTE nem nenhum deles pretende vir a ter (pelo menos num futuro próximo), bem como num momento em que um tribunal português já decidiu precisamente a concreta matéria objeto daquela sentença estrangeira.

- Alega, ainda, a requerente, no artigo 3.º da p.i., que se impõe rever e confirmar a decisão do tribunal suíço para efeito de averbamento no assento de nascimento do menor, nos termos do preceituado na alínea f) do art.º 1.º do Código do Registo Civil, para que a mesma produza plenos efeitos jurídicos em Portugal.

- A alínea f) do n.º 1 do art.º 1.º do Código do Registo Civil tem por objeto a regulação do exercício do poder paternal, sua alteração e cessação – o que manifestamente não é o caso dos autos, onde apenas se pretende e rever e confirmar uma sentença que se debruça única e exclusivamente sobre um acordo quanto à obrigação alimentícia e não sobre a regulação do exercício do poder paternal, sua alteração e cessação em sentido amplo, pelo que o referido desiderato também não poderia alcançar pela presente via.

- Também não assiste razão à requerente quanto ao alegado em 6.º da p.i. na justa medida em que, como já se deixou alegado supra, os aqui requerente e requerido já acordaram na regulação das responsabilidades parentais do menor (á exceção da obrigação alimentícia porque a aqui requerente a isso se opôs), tendo tal acordo sido homologado por sentença já transitada em julgado, pelo Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ....

- Bem sabemos que o sistema português de revisão de sentença estrangeira não se destina a um reexame do mérito da causa, mas tão só à verificação do preenchimento dos requisitos previstos nas diversas alíneas do art.º 980.º do C.P.C..

- Daquele elenco consta, nomeadamente, a alínea d), segundo a qual, “Para que a sentença seja confirmada é necessário [...] que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;”.

- Nos termos do disposto no art.º 983.º n.º 1 do C.P.C. “O pedido só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980.º (...)” .

- Até à concessão do «exequatur», a sentença estrangeira é desprovida de efeitos no ordenamento jurídico nacional.

- As sentenças estrangeiras só relevam no nosso ordenamento jurídico após um processo de acolhimento interno.

- Até à prolação da decisão de revisão e confirmação, a decisão proferida pelo tribunal estrangeiro configura-se apenas como um ato jurídico, com eficácia pendente, até que se mostre preenchida a condição requerida, ou seja, aquela decisão de revisão e confirmação proferida por tribunal português.

- Admitir a revisão e confirmação da sentença estrangeira como pretende a requerente seria admitir a violação do caso julgado quanto às decisões entretanto já proferidas pelo Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ... no âmbito do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais sob o n.º 145/22...., quer quanto à regulação (definitiva) das responsabilidades parentais do menor, quer também quanto ao regime provisório já fixado a título de pensão de alimentos, processo esse que já se mostrava pendente à data em que foi instaurado o presente processo de revisão.

- Consideramos que, quanto mais não fosse, também já ocorreu a inutilidade superveniente desta lide, que tem de conduzir à extinção desta instância – cfr. art.º 277.º alínea e) do C.P.C. -, a partir do momento em que a própria requerente aceitou regular por acordo a regulação das responsabilidades parentais do menor no Proc.º n.º 145/22.....

- Entendemos, assim, que a decisão estrangeira não está em condições de produzir efeitos em Portugal pelo que deve ser indeferida a revisão e confirmação.

                                                           ***

1.3. – Notificada a requerente respondeu nos termos do art.º 981.º, do C.P.C., alegando.

- Confundindo habilmente conceitos e pretensões e recorrendo a todos os subterfúgios ao seu alcance por forma a eximir-se do pagamento do quanto bem sabe ser devido ao seu filho menor, pugnou o Requerido pela improcedência da presente acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira;

- Sempre se dizendo que, salvo o devido respeito, carece de toda e qualquer razão que lhe assista, abordando-se separadamente cada uma das diversas temáticas suscitadas;

A – Do pedido constante da Petição Inicial:

- Entende o Requerido que a presente acção não poderá proceder porquanto a Requerente solicitou a sua confirmação, para todos os devidos efeitos legais, “designadamente para que a regulação do exercício das responsabilidades parentais sub judice produza plenos efeitos em Portugal”, não tendo lugar na sentença revidenda qualquer “regulação do exercício das responsabilidades parentais” mas, tão-só, a fixação de alimentos devidos ao filho menor comum de ambos;

-Colocando de parte habilidades semânticas, dir-se-á que nos termos do disposto no artigo 1878.º do Código Civil, no que concerne ao conteúdo das responsabilidades parentais, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens;

- Decorrendo do artigo 1905.º do C.C., incluído na Subsecção IV (Exercício das responsabilidades parentais), a forma como são devidos alimentos ao filho em caso de divórcio;

-Consequentemente, caberá ao Tribunal, em sede de regulação do exercício das responsabilidades parentais, determinar a quem será confiada a criança, qual será a sua residência, qual o regime de visitas estabelecido por forma a permitir a partilha do tempo com a mesma, eventualmente a quem caberá a administração dos seus bens e, bem assim, fixar os alimentos devidos à criança;

- Ora, em sede da sentença revidenda, foi fixado o pagamento de uma pensão alímentícia pelo Requerido ao seu filho menor, solicitada pela Requerente, enquanto “proprietária de cuidado parental” – vide tradução junta aos presentes autos;

- Ou seja, tendo como pressuposto que o menor se encontrava confiado à sua mãe, aqui Requerente, e com ela residia foi fixado o valor a pagar pelo Requerido ao primeiro, a título de alimentos, porquanto seu progenitor;

- Atento o acima vertido, salvo o devido respeito por opinião diversa, a fixação de alimentos de progenitor a filho menor, destinado ao seu sustento, enquadra-se no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, não sendo tal afastado pelo seu tratamento separado no âmbito dos artigos 40.º e 45.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e/ou 1905.º e 1906.º do C.C.;

- Em todo o caso, mesmo assim não sendo entendido, é evidente que tal não obstaria à confirmação da sentença que fixou os termos em que o Requerido deveria prover ao sustento do seu filho menor, mediante a fixação de uma prestação alimentícia, conforme expressamente requerido pela Requerente em sede de Petição Inicial;

- Em nada, rigorosamente nada, relevando para tal efeito se a referida fixação de alimentos integra ou não, efectivamente, a regulação do exercício das responsabilidades parentais;

B – Do objecto dos presentes autos já haver sido decidido, por decisão transitada em julgado, por parte de tribunais portugueses e consequente violação de caso julgado:

- Sustenta também o Requerido que no âmbito do processo 145/22...., que corre actualmente seus termos pelo Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 02/06/2023, houve lugar à fixação de um regime provisório quanto a alimentos, o que obstará à confirmação pretendida pela Requerente;

- Ora, tal como resulta do douto despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica ..., a decisão proferida relativa a alimentos terá apenas efeitos “de ora em diante, a nada obstando a pendência e até a confirmação de uma decisão estrangeira que teve por base uma situação pretérita distinta (a da residência da criança – e dos progenitores – na Suíça” – (sic);

- Havendo dissenso dos progenitores quanto à fixação de uma prestação alimentícia impunha-se àquele Tribunal assegurar provisoriamente o pagamento de uma pensão de alimentos a um filho menor, a fim de assegurar o seu sustento imediato, a qual, conforme expressamente reconhecido pelo Requerido nunca foi paga pelo mesmo;

- De qualquer forma, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 980.º do Código de Processo Civil, a contrario sensu, a invocação da excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português apenas relevará se o tribunal estrangeiro não houver prevenido a jurisdição¸ o que manifestamente sucedeu no caso vertente – vide, nesse sentido, o douto acórdão emanado deste Venerando Tribunal, de 21/09/2020, proferido por unanimidade, acessível in www.dgsi.pt;

- Com efeito, a sentença revidenda não só foi proferida no âmbito de um processo instaurado em data anterior à instauração daquele que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... (havendo este último sido instaurado em 02/09/2022, conforme documentação agora junta pelo Requerido), como transitou em julgado em data anterior (30/10/2018, conforme tradução junta aos autos);

- Do supra vertido decorre, assim, que não só o Tribunal Judicial da Comarca ... não se pronunciou quanto à fixação de alimentos devidos ao menor de forma definitiva como o fez em momento em muito posterior à jurisdição prévia do competente Tribunal da Suíça, devendo, assim, soçobrar a pretensão do Requerido, inexistindo, s.m.o., caso julgado relevante que obste à confirmação da sentença estrangeira sob apreciação;

C – Da alteração de residência da Requerente, Requerido e do menor, filho comum de ambos:

- Diz, ainda, o Requerido que a Requerente alterou a sua residência para território português em 31/12/2019 e o próprio em Agosto de 2022, o que igualmente deveria obstar à confirmação da sentença revidenda;

- Ora, o próprio Requerido reconhece que em 09/10/2018 e 30/10/2018, data em que a sentença revidenda foi proferida e data em que transitou em julgado, ambas as partes nos presentes autos e, bem assim, o seu filho menor residiam em território suíço, sendo esse o Tribunal competente para proceder à fixação de alimentos devidos;

- Não se alcança de que forma a ulterior alteração de residência de todos os intervenientes possa ferir uma sentença proferida pelo Tribunal à data reconhecidamente competente de qualquer vício que obste à sua confirmação por este Venerando Tribunal.

D) - Da inutilidade superveniente da lide:

- Invoca, por último, o Requerido, em verdadeiro desespero de causa, que estamos perante uma inutilidade superveniente da lide porquanto, entretanto, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais referentes ao menor em causa;

- Ora, a inutilidade superveniente da lide ocorre quando sobrevém uma circunstância na pendência da lide que impede a manutenção da pretensão formulada, quer por via de desaparecimento de sujeitos ou do objecto do processo quer por se encontrar satisfação para a pretensão formulada fora do próprio processo, deixando de ter interesse a solução propugnada, dando lugar à extinção da instância sem apreciação do mérito da acusa – vide Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 22/06/2021, acessível in www.dgsi.pt, com a devida vénia parcialmente reproduzido;

- A pretensão imediata da Requerente, sendo essa salvo melhor opinião aquela a considerar, é a confirmação da sentença estrangeira sob apreciação e não outra, pelo que a decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ... em nada releva;

- Porém, mesmo a considerar a eventual pretensão mediata da Requerente, atento o conteúdo da sentença revidenda, teríamos que a pensão de alimentos devida ao menor pelo Requerido, ali discutida, não foi fixada de forma definitiva pelo Tribunal Judicial da Comarca ... não sendo, assim, satisfeita a sua pretensão fora do presente processo;

- Ademais, a sentença revidenda reporta-se à pensão de alimentos devida pelo Requerido ao seu filho menor desde Outubro de 2018, incluindo o abono de família devido a este último mas entregue ao seu progenitor, aqui Requerido, e não a mera pensão de alimentos fixada provisoriamente desde Junho de 2023, ou seja, de forma alguma seria a pretensão mediata da Requerente satisfeita com a decisão do Tribunal Judicial da Comarca ...;

- Carecendo, assim, o Requerido de razão quanto à verificação de tal excepção dilatória;

- A decisão deste Venerando Tribunal não se limita a uma mera leitura formalista do invocado pela Requerente e Requerido totalmente afastada da realidade que lhe é apresentada;

- Na verdade, conforme resulta inequivocamente dos autos, em Outubro de 2018 foi fixado pelo competente Tribunal suíço o pagamento de uma pensão de alimentos pelo Requerido ao seu filho menor, a qual reconhecidamente jamais foi paga e incluía a entrega do abono de família recebido pelo mesmo;

- Pretende o Requerido afastar a aplicação de uma sentença estrangeira que fixou a entrega da predita pensão de alimentos em 2018 ao seu filho menor, não só se eximindo de qualquer pagamento a esse título durante cinco anos como fazendo seu o abono de família a entregar àquele – Pasme-se !!!;

- A proceder a pretensão do Requerido, sendo improcedente a presente acção, haveria uma clara violação da ordem pública internacional do Estado Português, restringindo-se o direito do filho menor do mesmo ao seu sustento, durante cinco anos, e legitimando que o seu pai se apropriasse dos valores destinados ao segundo que lhe eram entregues em sua representação a título de abono de família;

- Tudo ao arrepio de válida decisão judicial proferida em sentido contrário, o que sempre seria inadmissível;

E – Concluindo:

- O nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras é, em regra, de revisão meramente formal, face ao que o Tribunal português competente para a revisão e confirmação deve verificar se o documento apresentado como sentença estrangeira revidenda satisfaz certos requisitos de forma, tal como elencados no artigo 980.º do C.P.C.;

- Da Oposição apresentada pelo Requerido não consta, salvo o devido respeito, a falta efectiva de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980.º ou algum dos casos de revisão especificados nas alíneas a, c) e g) do artigo 696.º, ambos do C.P.C.;

- Consequentemente, carece de fundamento válido para impugnar o pedido deduzido, nos termos do preceituado no artigo 983.º do C.P.C., a contrario sensu;

- Pelo que, s.m.o., deverá a presente acção ser julgada procedente, confirmando-se a sentença revidenda.

                                                           ***

1.4. - Cumprido o disposto no art.º 982º do C. P. Civil, foram apresentadas alegações.

O Sr.º Procurador Geral Adjunto e a requerente pugnam pela revisão da sentença estrangeira, o requerido pugna pela improcedência da mesma.                                                                                                                 ***

1.5. – Este Tribunal é competente em razão da matéria, da nacionalidade e da hierarquia,

A sentença provém de tribunal competente.

A decisão não ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

                                                           ***

1.6. Com dispensa de vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                                2. Fundamentação

Factos provados

2.1.- Autora e Réu são os progenitores de CC, menor, nascido em .../.../2017, em ... (...), Suíça.

 2.2.- Em 9/10/2018, foi proferida sentença, no Tribunal de Comarca de Hinwil, onde foi estabelecida a regulação do exercício do poder paternal, relativamente a prestação alimentícia, referente ao menor CC, transitada em 30/10/2018.

 2.3.- Provém de Tribunal estrangeiro cuja competência não foi provocada em fraude à lei, nem versa sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais Portugueses.

2.4. - No dia 31 de dezembro de 2019 o menor e a requerente regressaram definitivamente a Portugal onde passaram a residir com carater habitual e permanente desde então até à data presente.

2.5 - Desde o referido dia 31 de dezembro de 2019 que requerente e menor, ambos de exclusiva nacionalidade portuguesa, deixaram de ter qualquer ponto de contato com o ordenamento jurídico suíço.

2.6 - O aqui requerido instaurou no dia 02-09-2022 no Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ... um processo de Regulação das Responsabilidades Parentais quanto ao referido menor, processo esse que viria a ser autuado sob o n.º 145/22.....

2.7. - No dia 11-05-2023, teve realizou-se a conferência de pais quanto à regulação das responsabilidades parentais realizada no âmbito daquele Proc.º n.º 145/22.... do Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., tendo os pais do menor, chegado a acordo quanto às responsabilidades parentais, mormente às questões de particular importância para a vida do menor – referindo quanto a estas (que serão exercidas em conjunto,  salvo os casos de urgência manifesta em que qualquer dos progenitores deverá agir sozinho, devendo prestar declarações ao outro, o exercício das responsabilidades parentais relativos aos actos da vida corrente do menor cabem à mãe, com quem sempre viveu e o qual continuará a residir, ou ao pai, quando com ele se encontre temporariamente. Porém, o pai não poderá contrariar as orientações educativas mais relevantes que sejam definidas pela mãe), acordaram também o regime de visitas, já não quanto à questão alimentícia), acordo homologado por sentença.

2.8. – Em 2/6/2023 foi proferido despacho a fixar o regime provisório de alimentos, nos seguintes termos:

Pelo exposto, ao abrigo do estatuído no artigo 38.º do Regime Geral do Processo Tutelar Civil, decido fixar o seguinte regime provisório das responsabilidades parentais, a título de alimentos devidos a CC:

- O requerente/progenitor contribuirá, a título de alimentos, com a quantia mensal de € 120,00 (cento e vinte euros), a entregar à mãe/requerida, até ao dia 8 (oito) de cada mês, a efetuar por transferência bancária para a conta que a mesma virá a indicar nestes autos;

- As despesas médicas e medicamentosas (nas quais se inclui designadamente consultas médicas, cirurgias, internamentos, meios auxiliares de diagnóstico e vacinas medicamente prescritas), bem como as despesas escolares (nomeadamente com livros, materiais escolares, creche e ATL) serão suportadas por cada um dos progenitores, na proporção de metade para cada um, devendo a requerida/progenitora apresentar os documentos que comprovem esses pagamentos, que enviará ao requerente/progenitor e este pagará em 30 (trinta) dias após a sua receção, por transferência bancária para a conta a indicar por aquela para o efeito”.

2.9. – A sentença a rever deu entrada em 25/10/2022.

                                                           *

Não há matéria não provada, sendo que, a demais matéria articulada pelas partes ou não tem relevo ou é de direito.

                                                           *

Fundamentação de facto.

Facto 2.1. – (Doc. 1 junto com a P.I. e tradução junta em 12/5/2023)

Factos 2.2. e 2.3. -  (Doc. 1 junto com a P.I. e tradução junta em 12/5/2023)

Factos 2.4 e 2.5 – Por acordo das partes.

Factos 2.6 e 2.7 – Acordo das partes e documento e doc. 1 (ata datada de 11/5/2023), junto com a oposição.

Facto 2.8 - Acordo das partes e documento e doc. 2 (despacho datado de 2/6/2023), junto com a oposição.

Facto 2.9. – Acordo das partes e data de entrada dos autos.

                                                           ***

                                    3. -  Objecto da acção

A questão a resolver nesta acção é a de apurar se estão reunidos os requisitos para a confirmação da sentença proferida pelo Tribunal de Comarca de Hinwil.

O oponente invoca três razões, para em seu entender, não haver lugar à confirmação da sentença em causa, proferido pelo Tribunal de Comarca de Hinwil, proferida em 9/10/2018 e transitada em 30/10/2018, relativamente à prestação alimentícia do menor CC, a saber:

i)- inutilidade superveniente da lide;

ii) – O menor e os progenitores já não residirem na Suíça; e

iii) – Verificar-se caso julgado.

 Por uma questão de método, iremos apreciar cada um dos pontos supra.

Assim,

i)- inutilidade superveniente da lide.

Afirma o oponente que se verifica a inutilidade superveniente da lide, desde logo, por ter ocorrido uma situação superveniente, instauração do processo para regulação das relações parentais, o que leva à extinção da instância, face à al.ª e), do art.º 277.º, do C.P.C.

Opinião oposta tem a requerente que refere, desde logo, que a sua é a confirmação da sentença estrangeira sob apreciação e não outra, pelo que a decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ... em nada releva, acresce que mesmo a considerar a eventual pretensão mediata da Requerente, atento o conteúdo da sentença revidenda, teríamos que a pensão de alimentos devida ao menor pelo Requerido, ali discutida, não foi fixada de forma definitiva pelo Tribunal Judicial da Comarca ... não sendo, assim, satisfeita a sua pretensão fora do presente processo, ao que acresce ainda, o facto da sentença revidenda se reportar à pensão de alimentos devida pelo Requerido ao seu filho menor desde Outubro de 2018, incluindo o abono de família devido a este último mas entregue ao seu progenitor, aqui Requerido, e não a mera pensão de alimentos fixada provisoriamente desde Junho de 2023, ou seja, de forma alguma seria a pretensão mediata da Requerente satisfeita com a decisão do Tribunal Judicial da Comarca ....

Apreciando

É consabido que o facto que pode levar à extinção da instância, com base na al.ª e), do art.º 277.º, do C.P.C., é um facto superveniente, que tenha levado ao desaparecimento dos sujeitos processuais ou do objecto do processo, ou levado à satisfação fora do esquema da providência pretendida.

Sobre esta matéria referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, Vol. 1º, 4ª ed., pág. 561, que “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.

A respeito refere-se na Ac. do STJ de 25.2.1993, proc.º n.º 082828, relatado por José Magalhães “a extinção da instância, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, só opera se, após o início da instância, se vier a verificar o aparecimento de um evento que a determine

No mesmo sentido, escreve-se no Ac. do STJ de 1.10.2019, proc.º n.º 979/12.0TVPRT.P1.S1, relatado por Fernando Samões, que “A instância extingue-se, então, porque se tornou inútil ou impossível o prosseguimento da lide. Nestes casos, verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção. É evidente, e di-lo claramente a lei, que o facto suscetível de determinar a extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade da lide deve ser superveniente, isto é, de verificação ulterior relativamente ao início da instância. Não basta, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil ou impossível. Para que se verifique qualquer das referidas causas de extinção da instância, exige-se que o facto seja superveniente. Como a instância se considera iniciada com a propositura da ação e esta se considera proposta logo que seja recebida pela secretaria a respetiva petição inicial, deve entender-se que só o facto ocorrido posteriormente ao recebimento da petição inicial pode ser considerado superveniente (arts. 144º e 552º, nº 1, ambos do CPC). Se o facto que torna inútil ou impossível a instância é anterior ao seu início, não é caso de inutilidade ou impossibilidade da lide, mas de improcedência da pretensão do autor ou requerente. Se a relação jurídica substancial já era inútil ou impossível no momento em que a ação foi proposta, também já o era a obtenção do efeito jurídico que com a ação se visa alcançar, verificando-se, nessas situações, que a ação não tinha condições para proceder. Nessas circunstâncias, a causa adequada de extinção da instância é o julgamento e não a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide [art. 277º, a) do CPC]”.

A respeito desta matéria refere o Ac. do mesmo Venerando Tribunal de 22 de Junho de 2021, proc.º n.º 17731/18.1T8PRT.P1.S1, relatado por Ana Paula Boularot que «A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – ali, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio. (…) Não deve, porém, confundir a decisão de questão prejudicial (ver o nº5 da anotação ao art. 272) nem a ocorrência superveniente de uma excepção, designadamente o pagamento (artigo 573º-2), ambas dando lugar a decisões de mérito, com a impossibilidade ou inutilidade da lide, que dá lugar à extinção da instância, sem apreciação do mérito da causa

            Aplicando tais ensinamentos, que comungamos, ao caso em apreço, temos para nós, não se verificar a inutilidade superveniente da lide invocada pelo oponente, logo, não preenchidos os pressupostos parar julgar extinta a instância. Porquanto, no processo n.º 145/22.... do Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., se pede a regulação da relação parental do menor CC, onde se incluiu a pensão alimentícia, porém, só a partir da entrada do processo, sendo que, na sentença revidenda os alimentos são devidos desde 1/11/2018 e por essa razão, não se poderá afirmar, quanto a nós, que a prestação de alimentos, aludida na sentença revidenda, se encontre salvaguardada, nos presentes autos, desde logo, por em caso de incumprimento da prestação alimentícia, ficar a requerida sem possibilidade de reação.

Assim, quanto a nós, não se pode dizer, que a solução pretendida, revisão de sentença estrangeira, deixe de ter interesse, com base nos presentes autos.

Nesta medida e nesta vertente a pretensão do oponente não pode proceder.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                           *

ii) – O menor e os progenitores já não residirem na Suíça.

Segundo o oponente a sentença não deve ser revista, desde logo, por a sentença proferida pelo tribunal suíço ter como pressuposto a residência do menor e da requerente, pressuposto esse que já deixou de estar verificado há mais de 3 anos e meio quando a requerente e o menor abandonaram definitivamente aquele país e há um ano atrás quando também o requerido o fez.

Opinião oposta tem a requerente referindo que não alcança de que forma a ulterior alteração de residência de todos os intervenientes possa ferir uma sentença proferida pelo Tribunal à data reconhecidamente competente de qualquer vício que obste à sua confirmação por este Venerando Tribunal.

Sobre esta matéria refere o sr.º Procurador Geral Adjunto.

Apreciando

Nesta vertente não alcançamos, tal como a requerente que o facto de os progenitores deixarem de residir na Suíça, bem como o menor, possa ser impeditivo, da revisão da sentença, desde que, os pressupostos da revisão da mesma estejam previstos.

Assim, nesta vertente não vemos que o oponente tenha razão neste ponto.   

Visto em ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                           *

iii) – Verificar-se caso julgado.

 Segundo o oponente a admitir-se a revisão e confirmação da sentença estrangeira como pretende a requerente seria admitir a violação do caso julgado.

Para defender o seu ponto, entre o mais refere, que atenta a oposição manifestada pela requerente em fixar por acordo o valor de uma prestação alimentícia ao menor CC, foi, por douto despacho proferido naqueles mesmos autos no dia 02-06-2023, fixado um regime provisório quanto a alimentos devidos ao menor, transitado em julgado, estando a ser cumprido, ao que acresce, que a sentença que se pretende rever, não estabelece qualquer regulação do exercício das responsabilidades parentais, antes se limitou a homologar o acordo a que requerente e requerido chegaram quanto aos alimentos devidos ao menor e nada mais do que isso, pelo que, admitir a revisão e confirmação da sentença estrangeira como pretende a requerente seria admitir a violação do caso julgado quanto às decisões entretanto já proferidas pelo Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca ... no âmbito do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais sob o n.º 145/22...., quer quanto à regulação (definitiva) das responsabilidades parentais do menor, quer também quanto ao regime provisório já fixado a título de pensão de alimentos.

Opinião oposta tem a requerente referindo que tal como resulta do douto despacho proferido pelo Juízo de Competência Genérica ..., a decisão proferida relativa a alimentos terá apenas efeitos “de ora em diante, a nada obstando a pendência e até a confirmação de uma decisão estrangeira que teve por base uma situação pretérita distinta (a da residência da criança – e dos progenitores – na Suíça” –, ao que acresce que havendo dissenso dos progenitores quanto à fixação de uma prestação alimentícia impunha-se àquele Tribunal assegurar provisoriamente o pagamento de uma pensão de alimentos a um filho menor, a fim de assegurar o seu sustento imediato, a qual, conforme expressamente reconhecido pelo Requerido nunca foi paga pelo mesmo.

Ainda assim, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 980.º do Código de Processo Civil, a contrario sensu, a invocação da excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português apenas relevará se o tribunal estrangeiro não houver prevenido a jurisdição¸ o que manifestamente sucedeu no caso vertente. Com efeito, a sentença revidenda não só foi proferida no âmbito de um processo instaurado em data anterior à instauração daquele que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ... (havendo este último sido instaurado em 02/09/2022, conforme documentação agora junta pelo Requerido), como transitou em julgado em data anterior (30/10/2018, conforme tradução junta aos autos). De onde decorre, que não só o Tribunal Judicial da Comarca ... não se pronunciou quanto à fixação de alimentos devidos ao menor de forma definitiva como o fez em momento em muito posterior à jurisdição prévia do competente Tribunal da Suíça, devendo, assim, soçobrar a pretensão do Requerido, inexistindo, caso julgado relevante que obste à confirmação da sentença estrangeira sob apreciação.

Apreciando.   

O sistema português de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se no denominado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa (cfr. acórdão do STJ de 12.7.2011, proferido no processo n.º 987/10.5YRLSB.S1, disponível in www.dgsi.pt..

Nos termos do disposto no nº1 do art. 978º do CPC, «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.»

Os requisitos necessários à confirmação de sentença estrangeira estão previstos no artigo 980.º do Código de Processo Civil, no qual se dispõe, sob a epígrafe “Requisitos necessários para a confirmação”:

«Para que a sentença seja confirmada é necessário:

a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;

b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;

c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;

d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;

e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;

f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.».

Mesmo nos casos de não dedução de oposição, o tribunal não pode dispensar-se de conhecer oficiosamente das condições ou requisitos de confirmação, atento o disposto no art. 984 do CPC.

O sistema português de reconhecimento da eficácia da sentença estrangeira combina, assim, o princípio da revisão formal e da revisão de mérito (artºs 980º e 984º do CPC). A revisão tem, em certa medida, o carácter de mérito quando o tribunal português verifica se a sentença não contém uma decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português (artº 980º, al. f) do CPC) (cfr. António Marques dos Santos, Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras no Novo Código de Processo Civil de 1997 (Alterações ao Regime Anterior), Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, págs. 108 e 109; Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, págs. 142 e 143 e Ac. Rel. de Lisboa, de 27 de outubro de 2020, proc.º n.º 639/20.8YRLSB-1, relatado por Fátima Reis Silva).

O oponente, invocou a verificação de caso julgado, para defender o seu ponto de vista, não ser possível deferir a pretensão da requerente, em ver revista e confirmada a sentença estrangeira.

Da al.ª d) do citado art.º 980.º, resulta que só é possível solicitar-se a revisão de sentença estrangeira, desde que, não possa invocar-se a exceção de litispendência ou caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição, sendo precisamente isso, que o oponente invoca, com a regra em causa, previne-se o surgimento de casos julgados contraditórios na ordem jurídica portuguesa.

Alberto dos Reis, in Processos Especiais, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 169 ensinava que “Deve ser negada a confirmação quando perante tribunal português está a correr ou já foi decidida acção idêntica à julgada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes de a ação ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro.”, sendo a determinação do momento de instauração da ação no tribunal estrangeiro feita de acordo com a lei processual do Estado de origem (cfr. Em Direito Internacional Privado, Volume III, Tomo II, Reconhecimento de sentenças estrangeiras, AAFDL Editora, 2019, 3ª edição refundida, nota 824 a pgs. 224).

No mesmo sentido, ou seja, no sentido de ser possível deferir a revisão de sentença estrangeira, se antes de a ação ser proposta em Portugal, já havia sido intentada outra perante o tribunal estrangeiro (cfr. Ac. do STJ de 22/4/2021, proc.º n.º 78/19.3YRLSB.S1, relatado por Tibério Nunes da Silva; Ac. da Rel. de Lisboa de 31 de Janeiro de 2008, ainda que tirado no domínio da legislação, revogada, mas cujos princípios se aplicam à legislação em vigor, proc.º n.º 9264/2006-6, relatado por Maria Manuela B. Santos G. Gomes, onde se escreve: Daí que a generalidade dos autores afirme que a unidade e coerência do sistema jurídico tornam imperioso que se evite o surgimento de dois casos julgados contraditórios na ordem jurídica portuguesa.
E assim concluem: “Se foi instaurada uma acção em tribunais portugueses antes da propositura da acção no tribunal de origem, idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, a sentença estrangeira não pode ser reconhecida” (Luís Lima Pinheiro,
Direito Internacional Privado, III, pág. 365).
Mas
quid iuris quando, não obstante a existência de uma sentença estrangeira, definitiva, sobre matéria idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, antes desta ser revista e confirmada, vier a ser proferida em território nacional decisão sobre a mesma questão, transitada e julgado?
Como salienta o autor citado (obra referida, pág. 366) existe uma contradição insanável entre a previsão contida no artigo 771º al. g) (correspondente depois à al. f) por força das alterações introduzidas ao CPC pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março e ainda aplicável ao caso) conjugada com o artigo 1100º nº 1 ambos do Código de Processo Civil, da qual resulta que a existência de caso julgado formado anteriormente na ordem jurídica portuguesa constitui fundamento de impugnação do pedido de confirmação e o disposto na al. d) do artigo 1096º do mesmo código, segundo o qual não obsta ao reconhecimento a existência de um caso julgado português quando o tribunal estrangeiro foi o primeiro a ser demandado, situação que se verifica no caso em análise.

Seguindo Alberto dos Reis e, mais recentemente, Teixeira de Sousa, citados por aquele autor, consideramos que, no quadro legal ainda aplicável ao caso, deve prevalecer o disposto na al. d) do citado artigo 1096º e que deve, por conseguinte, conceder-se revisão e confirmação à sentença proferida por um tribunal estrangeiro se demandado antes do tribunal português, apesar do caso julgado que se possa ter formado relativamente à decisão deste.

Também Ferrer Correia, (Lições de Direito Internacional Privado I, 4ª Reimpressão da edição de Outubro/2000, pág. 481) escreveu: “ O nosso direito adopta a mesma solução que foi consagrada para a litispendência pela Convenção da Haia de 1971. A litispendência não impede o reconhecimento, se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição (se a acção foi proposta primeiramente no tribunal estrangeiro). A mesma doutrina vale para o caso julgado: a excepção do caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português (se procedente, como é óbvio) não obsta ao reconhecimento, se a jurisdição foi prevenida pelo tribunal estrangeiro. No entanto, a excepção de caso julgado em Portugal aparece de novo no capítulo dos fundamentos da oposição ao pedido, e aparece nos termos seguintes: a impugnação do pedido de execução será julgada procedente quando se mostre (al. g do art. 771º, aplicável por força do nº 1 do art. 1100º) que a decisão revidenda é contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente. A hipótese é a do conflito entre duas decisões, das quais uma é portuguesa. O caso julgado português prevalecerá, se for anterior ao estrangeiro” e E acrescenta, ponho a tónica na data do trânsito em julgado das decisões, todavia sem real apoio na letra da lei: “Aqui, contrariamente ao que se passa no quadro da al. d) do art. 1096º, a prevenção da jurisdição não desempenha qualquer papel; o que decide é o momento do trânsito em julgado das decisões”.

E ainda Ac.  da Rel. de Lisboa de 14/9/2021, Proc.º n.º  2152/20 4YRLSB-7, relatado por Cristina Coelho, onde escreve: “Luís de Lima Pinheiro, em Direito Internacional Privado, Vol. III, Tomo II, Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, 2019, pág. 224, explica que “A unidade e coerência do sistema jurídico tornam imperioso que se evite o surgimento de dois casos julgados contraditórios na ordem jurídica portuguesa. Se foi instaurada uma ação em tribunais portugueses antes da propositura da ação no tribunal de origem, idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, a sentença estrangeira não pode ser reconhecida”.

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa, no CPC Anotado, Vol. II, pág. 428, escrevem que “em decorrência do disposto no al. d) deve ser negada a confirmação quando perante tribunal português esteja a correr ou já foi decidida ação idêntica à julgada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes de a ação ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro. Nisto consiste o fenómeno denominado de prevenção da jurisdição, o qual pressupõe um caso de competência eletiva, isto é, que para a mesma ação sejam simultaneamente competentes dois tribunais de diferentes Estados, podendo a ação ser proposta em qualquer deles, à escolha do autor.

E Ac. da Rel. de 27/10/2020, proc.º n.º 639/20.8YRLSB-1, relatado por Fátima Reis Silva, onde se escreve: “Previne-se, com a regra em causa, o surgimento de casos julgados contraditórios na ordem jurídica portuguesa.

Alberto dos Reis, in Processos Especiais, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 169 ensinava que “Deve ser negada a confirmação quando perante tribunal português está a correr ou já foi decidida acção idêntica à julgada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes de a ação ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro.”

A determinação do momento de instauração da ação no tribunal estrangeiro faz-se de acordo com a lei processual do Estado de origem (cfr. Em Direito Internacional Privado, Volume III, Tomo II, Reconhecimento de sentenças estrangeiras, AAFDL Editora, 2019, 3ª edição refundida, nota 824 a pgs. 224.)

Os requisitos da litispendência e do caso julgado são determinados de acordo com o direito processual de reconhecimento (português), embora sem o efeito de exceção dilatória. Neste caso a procedência gera uma decisão de mérito de indeferimento do pedido de revisão desta sentença relativamente à qual se possa invocar litispendência ou caso julgado. Não há, por isso, qualquer incompatibilidade entre este preceito e o nº 3 do art.º 580º do CPC, no qual se estabelece a irrelevância da litispendência estrangeira, por se tratarem de preceitos com domínios de aplicação diversos (cfr. Alberto dos Reis, no local já citado, pg. 170).

Temos para nós, que no caso em apreço, seguindo o referido no Ac. da Rel. de Lisboa, supra citado, de 27/10/2020, e concordando com a doutrina expresssa, no mesmo, e atendendo ao disposto no nº1 do art. 580º do CPC, desde logo se pode afastar a existência de caso julgado. O requerido não juntou qualquer certidão judicial, apenas cópias de peças processuais e de uma sentença, sem qualquer nota de trânsito em julgado, documentos que foram consideradas em obediência ao disposto nos arts. 170º e 364º do Código Civil, dada a aceitação da parte contrária ( A prova da existência e pendência de ações judiciais apenas poder ser feita mediante certidão judicial, sendo a certidão uma formalidade ad probationem, nos termos do art. 170º do CPC, pelo que tem plena aplicação o disposto no nº2 do art. 364º do Código Civil podendo a respetiva prova ser substituída por confissão judicial). Mas não se pode dar como assente o que não consta dos documentos, pelo que, rigorosamente, pelo que a questão passara por analisar sobre a existência ou não de litispendência.

Mesmo que assim não fosse, não haveria caso julgado, nem litispência,como passamos a demostrar.

Nos termos do disposto no art. 581º nºs 1, 2, 3 e 4 do CPC, há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.

No caso em apreço, temos para nós, faltar a identidade da causa de pedir, pois os factos aludidos no proc.º n.º 145/22...., supra referido, no que à prestação alimentícia diz respeito, alude a factos posteriores ao aludidos na sentença a rever.

 Mas mesmo que assim, não fosse entendido, e tendo presente os ensinamentos, supra expostos, a respeito de deferimento da revisão de sentença estrangeira, que advogamos, ou seja, só deve ser negada a confirmação da revisão de sentença estrangeira, na vertente em análise, quando perante tribunal português esteja a correr ou já foi decidida ação idêntica à julgada pela sentença cuja revisão se pede, salvo se, antes de a ação ser proposta em Portugal, já havia sido intentada perante o tribunal estrangeiro.

Logo, tendo sido, no caso em apreciação, intentada a acção de pedido de pensão alimentícia, em primeiro lugar num tribunal suíço, que proferiu sentença em 9 de outubro de 2018, da qual não foi interposto recurso, e, por isso transitada em 30 de outubro de 2018, não pode aquela sentença do tribunal de origem deixar de reconhecer-se, apesar de, posteriormente, ter sido instaurada uma acção, de regulação parental, em tribunal português, entrada em 2/0/2022, onde foi proferido despacho a fixar alimentos provisórios, datado de 2/6/2023, apesar da  sentença a rever dado entrada, neste Tribunal, em 25/10/2022.

                                                   ***

                                          4. Decisão

Face ao exposto, decide-se, por acórdão, confirmar a sentença a rever, proferida no Tribunal de Comarca de Hinwil, Suíça, em 9/10/201 transitada em 30/10/2018, que fixou pensão alimentícia ao menor de CC.

Custas a cargo do requerido

Coimbra, 13/12/2023

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Henrique Antunes (adjunto)