Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
895/09.2TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: VIAGEM TURÍSTICA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º E 39º DO D. L. Nº 209/97, DE 13/08.
Sumário: I – Numa viagem turística organizada (artº 17º do Decreto-Lei nº 209/97, de 13/08) cujo “pacote” era quase exclusivamente a praia, há cumprimento defeituoso se, devido à cor escura da água e à presença de alforrecas, os clientes da agência de viagens ficam impedidos de usufruir da praia.

II – Nesse caso, as demais prestações incluídas no “pacote” – transporte, alojamento e alimentação – assumem natureza acessória e deixam de ter valor próprio, consubstanciando-se o dano patrimonial dos clientes no valor pago pela viagem.

III – Se, devido ao cumprimento defeituoso, os clientes se sentiram revoltados, frustrados, desiludidos, emocionalmente desgastados e desgostosos, está-se perante o já denominado «dano das férias estragadas», de natureza não patrimonial, mas de gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. RELATÓRIO

            P… e F…, solteiros, maiores, residentes na Rua …;

N… e M…, casados, residentes na Av. …, por si e em representação da sua filha menor R… (2ºs AA.);

V… e C…, casados, residentes na Rua …, por si e em representação do seu filho menor F… (3ºs AA.),

intentaram acção declarativa, com processo comum e forma sumária, contra “Viagens…, Lda”, com sede na Rua …, pedindo a condenação da R. a pagar:

- aos 1ºs AA. a quantia de € 2.817,00;

- aos 2ºs AA. a quantia de € 3.366,00, sendo € 200,00 para a menor;

- aos 3ºs AA. a quantia de € 3.366,00, sendo € 200,00 para o menor;

tudo acrescido dos juros vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que compraram numa agência da Ré de …, um pacote de viagem turística, pelo preço de € 2.117,00 (os 1ºs AA.) e de € 2.466,00 (os 2ºs e 3ºs AA para o casal e para o filho / filha menores respectivamente), com destino a La Romana, República Dominicana – incluindo o preço a deslocação, alojamento e alimentação – por lhes ter sido publicitadas umas “férias de sonho” com uma praia de água límpida e transparente, nada lhes tendo sido comunicado quanto às condições da praia e seus perigos; que, chegados ao Hotel Príncipe La Romana, (no dia 24/07) foram informados de um “Briefing” para informações essenciais relativas à viagem, para o dia seguinte; nesse dia (25/07) depararam-se com uma praia deserta e ao entrarem na água, afinal escura, pessoas do grupo, incluindo crianças, foram picadas por alforrecas, o que as obrigou a receber tratamento médico e lhes causou generalizado receio em reentrar no mar; que reclamaram junto da representante da operadora Turística local, a Soltour, a qual lhes explicou que o assunto só poderia ser resolvido, em reunião, no dia seguinte (26/07); que nessa reunião a operadora propôs colocar à disposição do grupo um autocarro que os levaria a uma praia, sita a 25 minutos daquele local, privada e limpa com as condições que deveriam encontrar no Hotel, ficando a primeira saída marcada para o dia seguinte; que as alternativas propostas (a praia em referência ou, por fim, a troca de instalações mediante declaração dos AA. a ilibar o Hotel) vieram a revelar-se desastrosas; que, para além dos prejuízos decorrentes do cumprimento defeituoso do contrato, correspondentes ao valor pago pelos pacotes de viagem, entendem deverem ser ressarcidos por tudo o resto, além do mais, pela expectativa criada, gorada, pelo desgaste emocional, stress e pelo próprio desgosto de terem submetido os filhos a tal provação; e que, apresentada reclamação à Ré, esta não pagou.

A Ré contestou por excepção, invocando a sua ilegitimidade, com a consequente absolvição da instância; e por impugnação, contrariando a factualidade alegada pelos AA. e pedindo a improcedência da acção.

Os AA. responderam pugnando pela improcedência da excepção invocada, concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção arguida pela R. e se entendeu verificarem-se todos os demais pressupostos processuais.

Condensada e instruída a acção, realizou-se a audiência de discussão e julgamento em cujo âmbito foi proferido o despacho de fls. 161 e seguintes, decidindo a matéria de facto controvertida

Foi depois emitida a sentença de fls. 168 e seguintes, julgando a acção procedente e condenando a R. nos pedidos.

Inconformada, a R. recorreu, tendo encerrado a alegação recursiva com as seguintes conclusões:

...

Os recorridos responderam, defendendo a manutenção do julgado.

O recurso foi admitido.

Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

            Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão da não verificação dos requisitos da responsabilidade civil da R. relativamente aos danos sofridos pelos AA.

            2. FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. De facto

            2.2. De direito

            Resulta da matéria de facto provada, nomeadamente dos nºs 3 e 29 a 32 do respectivo elenco, constante do item 2.1., que a R. Viagens …, Lda é uma agência de viagens e turismo, já que se dedica ao exercício da actividade de organização e venda de viagens turísticas e reserva de serviços em empreendimentos turísticos.

            Está, pois, a R. submetida ao regime jurídico das agências de viagens e turismo, fixado, à data dos factos dos autos (Junho/Julho de 2008), no Decreto-Lei nº 209/97 de 13/08, alterado pelos Decretos-Lei nºs 12/99, de 11/01, 76-A/2006, de 29/03 e 263/2007, de 20/07[1] (são deste diploma as disposições legais adiante citadas sem menção da origem).

            No capítulo IV do mencionado regime jurídico estabelecem-se a noção e as espécies das viagens turísticas. São, pois, viagens turísticas, de acordo com o nº 1 do artº 17º do dito regime, as que combinem dois dos seguintes serviços: (a) transporte; (b) alojamento; (c) serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento.

            As viagens turísticas podem ser viagens organizadas ou viagens por medida.

São viagens organizadas as viagens turísticas que, combinando previamente dois dos serviços seguintes, sejam vendidas ou propostas para venda a um preço com tudo incluído, quando excedam vinte e quatro horas ou incluam uma dormida: (a) transporte; (b) alojamento; (c) serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento, nomeadamente os relacionados com eventos desportivos, religiosos e culturais, desde que representem uma parte significativa da viagem (artº 17º, nº 2).

“As «viagens organizadas», que obtiveram uma maior difusão através dos denominados «pacotes turísticos», correspondem a um “produto” disponibilizado pelas agências de viagens, em que todas as prestações que compõem a viagem se encontram previstas, designadamente itinerários, horários, alojamento e meios de transporte, cabendo à agência a escolha dos prestadores dos serviços contemplados no programa, bem como a sua coordenação”[2] e [3].

São viagens por medida as viagens turísticas preparadas a pedido do cliente para satisfação das solicitações por este definidas (artº 17º, nº 3). Trata-se de viagens que são organizadas pela agência, por iniciativa e a pedido do cliente, o qual normalmente apresenta um esboço daquilo que pretende para que a agência elabore um programa completo, onde sejam contempladas as suas pretensões[4].

No caso dos autos os AA. adquiriram, no dia 28/06/2008, numa agência de viagem da R. de …, um pacote de viagem turística – incluindo deslocação, alojamento e alimentação – com destino a La Romana, na República Dominicana, compreendendo o período de 24 a 31 de Julho de 2008 e tendo como operador turístico local a S…, cujo serviço estava associado ao produto vendido pela R.

Face a tal factualidade, apresenta-se como seguro que entre cada grupo de AA. e a R. foi celebrado um contrato de compra e venda de viagens organizadas, tendo os AA. pago respectivamente € 2.117,00 e € 2.466,00 – cada casal e filhos – pelos respectivos pacotes de viagem.

É certo que se encontra também provado que a R. apresentou a sua proposta em 05/06/2008, aconselhando, para o caso da Republica Dominicana, dois hotéis: o complexo Bahia Príncipe Bávaro e Hotel Bávaro Princess; que os AA. não optaram pela sugestão da R., tendo eles próprios sugerido o Hotel Bahia Príncipe La Romana, por o terem visto num catálogo; e que, por isso, a R. tratou junto da operadora S… da estadia dos AA. no sobredito Hotel.

Estes factos, contudo, não são de molde a deslocar as viagens turísticas compradas pelos AA. da espécie «viagens organizadas» para a espécie «viagens por medida».

Com efeito, tendo em conta toda a factualidade, a opção pelo Hotel Bahia Príncipe La Romana, a sugestão dos AA., enquadrou-se perfeitamente num «pacote turístico» comercializado pela R., não podendo dizer-se que a simples preferência por um hotel diferente dos sugeridos, mas disponível, constitua um esboço da viagem pretendida, atribuindo-lhe a natureza de «viagem por medida». Antes se trata de um pormenor irrelevante para efeito de classificação da espécie da viagem.

Nas viagens organizadas a agência fica vinculada ao cumprimento pontual do programa, só assim não acontecendo se, estando prevista no próprio programa a possibilidade de alteração das condições, tal alteração tiver sido expressamente comunicada ao cliente antes da celebração do contrato, cabendo o ónus de prova à agência de viagens; ou se existir acordo das partes em contrário, cabendo também o ónus de prova à agência de viagens (artº 21º).

Antes do início de qualquer viagem organizada, a agência deve prestar ao cliente, em tempo útil, por escrito ou por outra forma adequada, diversas informações e, entre elas, a ocorrência de catástrofes naturais, epidemias, revoluções e situações análogas que se verifiquem no local de destino da viagem e de que a agência tenha conhecimento ou que lhe tenham sido comunicadas [artº 23º, al. h)] .

A agência deve mesmo notificar imediatamente o cliente quando, por factos que não lhe sejam imputáveis, não puder cumprir obrigações resultantes do contrato (artº 27º, nº 1).

Quando, após a partida, não seja fornecida uma parte significativa dos serviços previstos no contrato, a agência deve assegurar, sem aumento de preço para o cliente, a prestação de serviços equivalentes aos contratados (artº 30º, nº 1).

E quando se mostre impossível a continuação da viagem ou as condições para a continuação não sejam justificadamente aceites pelo cliente, a agência deve fornecer, sem aumento de preço, um meio de transporte equivalente que possibilite o regresso ao local de partida ou a outro local acordado (artº 30º, nº 2).

Nas situações referidas, o cliente tem direito à restituição da diferença entre o preço das prestações previstas e o das efectivamente fornecidas, bem como a ser indemnizado nos termos gerais (artº 30º, nº 3).

Encontra-se provado que a actuação da R. se resumiu à reserva e venda da viagem e alojamento dos AA., na qualidade de intermediária.

Esse facto, contudo, não retira às viagens vendidas a natureza de viagens turísticas (e, dentro destas, de viagens organizadas), não as remetendo para a previsão do nº 4 do artº 17º, onde se preceitua que não são havidas como viagens turísticas aquelas em que a agência se limita a intervir como mera intermediária em vendas ou reservas de serviços avulsos solicitados pelo cliente.

Com efeito, a R. foi intermediária na reserva e venda da viagem e alojamento dos AA. e não na reserva ou venda de serviços avulsos que os AA. houvessem solicitado.

A referida qualidade de intermediária da R. igualmente não a exime de responsabilidade, já que nos termos do artº 39º, nº 2, quando se tratar de viagens organizadas, as agências são responsáveis perante os seus clientes, ainda que os serviços devam ser executados por terceiros e sem prejuízo do direito de regresso[5].

A acabada de referir regra da responsabilidade das agências nas viagens organizadas sofre excepções, elencadas nas diversas alíneas do nº 4 do artº 39º. Assim, nos termos da al. b) da aludida norma, tratando-se de viagens organizadas, a agência não pode ser responsabilizada se o incumprimento não resultar de excesso de reservas e for devido a situações de força maior ou caso fortuito, motivado por circunstâncias anormais e imprevisíveis, alheias àquele que as invoca, cujas consequências não possam ter sido evitadas apesar de todas as diligências feitas.

           
            Encontra-se provado que o pacote da viagem organizada adquirido pelos AA. à R. era quase exclusivamente a praia, sendo elevadas as expectativas criadas, dada a publicidade feita pela operadora
[6]. No entanto, como decorre da factualidade provada, as expectativas dos AA. foram completamente goradas, não lhes tendo sido possível gozar da praia, já que a água era escura e continha alforrecas, tendo mesmo, logo no dia 24 de Julho de 2008, após a chegada ao Hotel, na primeira ida à praia, sido picadas pelas alforrecas algumas pessoas do grupo, havendo uma que teve de receber tratamento médico.

            A operadora turística local (S…) ainda tentou colmatar o incumprimento, apresentando propostas alternativas, as quais, contudo, como resulta da factualidade provada (cfr. nºs 10 a 15 do elenco constante do item 2.1.), não se revelaram aceitáveis.

            Efectivamente, a tentativa de mudança de praia mostrou, perante a distância e características da praia alternativa, não satisfazer as exigências razoavelmente expectáveis face aos contratos celebrados. E a troca de instalações, à partida susceptível – pressupondo que as novas instalações facultariam o acesso à almejada praia em boas condições – de se traduzir no fornecimento de um serviço equivalente ao contratado, pecou pela imposição da condição de assinatura de uma declaração a ilibar o Hotel de qualquer responsabilidade pelo ocorrido e a prescindir de todos os direitos de reclamação inerentes ao serviço prestado. Com efeito, aquela imposição apresenta-se-nos como ilegítima e destituída de fundamento, justificando a recusa dos AA. em aceitá-la.

            Em face da situação criada, os AA., que pretendiam passar um curto período de férias relaxados e desfrutar da praia, viram totalmente frustradas as suas expectativas, não lhes tendo sido fornecido um dos mais significativos serviços que integravam o “pacote turístico” que adquiriram à R.: o gozo da praia. O que lhes provocou revolta, indignação, frustração, desgaste emocional e desgosto, sentimentos bem longínquos do relaxamento que procuravam e justificadamente esperavam.

            Estamos, pois, perante um caso de cumprimento defeituoso do contrato em que, seja por força do artº 39º do Decreto-Lei nº 209/97, seja por força do artº 799º do Cód. Civil, a culpa da R. se presume.

            É certo que se encontra provado que a R. nunca antes tinha recebido reclamações de clientes de qualquer espécie, desconhecendo a existência de anormalidades da espécie das denunciadas pelos AA. Contudo, os responsáveis pelo Hotel e a operadora local (S…) conheciam, ou deviam conhecer, as mencionadas anormalidades, pois se encontra também provado que os AA. souberam através de funcionários do Hotel que a existência de alforrecas já persistia há algum tempo.

            Ou seja, não foi feita prova da verificação da previsão de qualquer das alíneas do nº 4 do artº 39º, nomeadamente da previsão da alínea b), não havendo, por isso, fundamento para se considerar elidida a presunção de culpa da R. e afastada a sua responsabilidade, decorrente dos nºs 1 a 3 do mesmo preceito legal.

            Em princípio, de acordo com o disposto no nº 3 do artº 30º, os AA. teriam direito à restituição da diferença entre o preço das prestações previstas e o das efectivamente fornecidas, bem como a ser indemnizados nos termos gerais.

            No entanto, no caso concreto, as demais prestações incluídas no “pacote turístico” adquirido pelos AA. à R. – transporte, alojamento e alimentação – eram acessórias, sendo a prestação principal integrada pelo projectado desfrute da praia e relaxamento adveniente desse desfrute em paragens julgadas paradisíacas e em ambiente de  férias.

            Incumprida a prestação principal, as prestações acessórias deixaram de ter qualquer valor próprio, traduzindo-se o dano patrimonial dos AA. no montante integral pago pelo “pacote” adquirido. Com efeito, para os AA., as várias horas de avião desde Portugal até à República Dominicana e a estada no hotel durante uma semana eram um meio e não um fim. Frustrada a expectativa da praia retemperadora e do correspondente relaxamento, a viagem e a estada deixaram de fazer sentido, constituindo um sacrifício e não um benefício.

            O dano de natureza patrimonial dos AA. é, pois, como se referiu, integrado pelo total do valor pago pelos “pacotes turísticos” adquiridos, sendo, face ao que de deixou dito, manifesto o nexo de causalidade entre esse dano e o cumprimento defeituoso do contrato por parte da R.

           

            Prevendo o nº 3, “in fine”, do artº 39º que o cliente tem também direito a ser indemnizado nos termos gerais, os AA. alegaram ter sofrido ainda danos não patrimoniais e formularam pedido de indemnização – que foi atendido – a eles referente.

            Aos danos não patrimoniais refere-se o artº 496º do Cód. Civil, cujo nº 1 prevê que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

            Dada a inserção desta disposição legal na parte do Código Civil em que é estabelecida a disciplina da responsabilidade civil por factos ilícitos, há alguma controvérsia sobre a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade civil contratual.

            Pela não ressarcibilidade pronunciaram-se o Prof. Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pág. 575, e o mesmo Ilustre Prof., acompanhado de Pires de Lima, na anotação ao artº 496º, feita no Código Civil Anotado da autoria dos dois, Vol. I, 3ª edição, pág. 475.

            Essa opinião daqueles Ilustres Mestres é, porém, contrariada pela maior parte da doutrina e pela quase totalidade da jurisprudência, essencialmente com o argumento de que se não vê que entre a responsabilidade extra obrigacional e a obrigacional haja diferença que justifique estender a primeira e não a segunda aos danos não patrimoniais[7].

            Com todo o respeito por quem defenda o entendimento oposto, afigura-se-nos, com a maioria da doutrina e a quase totalidade da jurisprudência[8], que efectivamente não se encontram razões suficientes para não considerar que, por analogia, o disposto no artº 496º do Cód. Civil é extensível à responsabilidade contratual.

            Como foi entendido na sentença sob recurso, em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso do programa contratual das viagens turísticas, além de outros danos eventualmente sofridos, os lesados têm ainda direito a receber indemnização pelo chamado «dano das férias estragadas», decorrente da frustração de não se ter realizado a viagem tal como fora idealizada e programada, dano que assume particular relevância quando se trata de destinos longínquos e caros, a que se não volta com facilidade uma segunda vez[9].

No caso dos autos encontra-se provado (cfr. factualidade provada, nomeadamente os factos que integram os nºs 23 a 28 do respectivo elenco) que os AA., vendo arruinadas – devido ao cumprimento defeituoso dos contratos por parte da R. e/ou dos terceiros que deviam executar/proporcionar os serviços – as elevadas expectativas que tinham, sentiram-se revoltados, frustrados, desiludidos, emocionalmente desgastados e desgostosos, sentimentos que traduzem dano não patrimonial suficientemente grave para merecer a tutela do direito.

O nexo causal entre o mencionado dano não patrimonial e o aludido cumprimento defeituoso dos contratos, traduzido na impossibilidade de usufruição da praia devido à cor escura da água e à presença de alforrecas, apresenta-se como inquestionável, estando, pois, reunidos todos os elementos essenciais ou requisitos da responsabilidade civil contratual da R.

Não vindo postos em causa os valores fixados para as indemnizações, soçobram todas as conclusões da alegação da recorrente, o que conduz à improcedência da apelação e à manutenção da sentença recorrida.

            Sumário (artº 713º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):

            I – Numa viagem turística organizada (artº 17º do Decreto-Lei nº 209/97, de 13/08) cujo “pacote” era quase exclusivamente a praia, há cumprimento defeituoso se, devido à cor escura da água e à presença de alforrecas, os clientes da agência de viagens ficam impedidos de usufruir da praia.

            II – Nesse caso, as demais prestações incluídas no “pacote” – transporte, alojamento e alimentação – assumem natureza acessória e deixam de ter valor próprio, consubstanciando-se o dano patrimonial dos clientes no valor pago pela viagem.

            III – Se, devido ao cumprimento defeituoso, os clientes se sentiram revoltados, frustrados, desiludidos, emocionalmente desgastados e desgostosos, está-se perante o já denominado «dano das férias estragadas», de natureza não patrimonial, mas de gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.

            3. DECISÃO

            Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.

            As custas são a cargo da apelante.


Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
Jorge Arcanjo


[1] Entretanto, em 05/06/2011, entrou em vigor o Decreto-Lei nº 61/2011, de 06/05, que fixou o novo regime das agências de viagens e turismo e cujo art.º 48º revogou o Decreto-Lei nº 209/97. Contudo, tendo os factos ocorrido em Junho/Julho de 2008, o regime jurídico aplicável é o do Decreto-Lei nº 209/97, com a redacção constante da republicação efectuada pelo Decreto-Lei nº 263/2007.
[2] Ac. Rel. Lisboa de 24/06/2008 (Proc. 2006/2008-7, relatado pela Des. Maria do Rosário Morgado), in www.dgsi.pt.
[3] Segundo o Ac. da Rel. Porto de 13/10/2009 (Proc. 0825935, relatado pelo Des. João Proença), in www.dgsi.pt, a viagem organizada define-se por referência aos seguintes elementos: (a) combinação prévia de serviços; (b) contratação a um preço com tudo incluído; (c) período de duração mínima; (d) natureza dos serviços combinados.
  Ainda segundo o mesmo aresto, a disciplina jurídica por que se rege tal figura contratual decorre, em primeira linha, do citado D.L. n° 209/97, só em caso de omissão sendo lícito recorrer às normas que genericamente regulam o contrato de prestação de serviços e o cumprimento e não cumprimento das obrigações.
[4] Acórdão citado.
[5] Ac. Rel. Lisboa de 24/06/2008, já citado.
[6] Foi-lhes apresentado um programa que publicitava um “resort”.
[7] Doutrina (apud Código Civil Anotado, Abílio Neto, 10ª edição, pág. 371):
  Vaz Serra, RLJ, 108º, 122; Galvão Telles, Obrigações, 6ª ed., pág. 383; Almeida Costa, Obrigações, 6ª ed., pág. 465; Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pág. 31, nota 70; Pessoa Jorge, Ensaio, págs. 40 e segts.
  Jurisprudência:
  - Ac. STJ de 22/06/77 (Relator: Cons. Daniel Ferreira), in www.dgsi.pt/jstj
  - Ac. STJ de 12/04/89 (Relator : Cons. Tinoco de Almeida), in www.dgsi.pt/jstj
  - Ac. STJ de 27/01/93 (Relator : Cons. Raul Mateus, in www.dgsi.pt/jstj
  - Ac. STJ de 21/03/95 (Relator : Cons. Torres Paulo), in www.dgsi.pt/jstj
  - Ac. STJ de 03/02/99 (Relator : Cons. Ribeiro Coelho), in www.dgsi.pt/jstj
  - Ac. STJ de 04/04/2002 (Relator : Cons. Sousa Inês), in www.dgsi.pt/jstj
  - Ac. STJ de 29/04/2003 (Relator : Cons. Lopes Pinto), in www.dgsi.pt/jstj
  - Ac. STJ de 15/05/2003 (Relator : Cons. Salvador da Costa), in www.dgsi.pt/jstj
[8]   Na jurisprudência dos últimos anos do STJ apenas encontrámos o Acórdão de 06/02/97, relatado pelo Ex.mo Cons. Costa Soares, in www.dgsi.pt/jstj, defendendo a opinião do Prof. Antunes Varela, de que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais se não estende à responsabilidade contratual.
[9] Ac. Rel. Lisboa de 24/06/2008, já citado.