Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2463/09.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: COMUNHÃO FORÇADA
MEAÇÃO
MURO COMUM
CONSTRUÇÃO INÚTIL
LIMITES
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1370º, Nº 1 DO C. CIVIL.
Sumário: I – A norma do artigo 1370º, n.º 1 do Código Civil permite que o proprietário de prédio confinante com parede ou muro alheio possa adquirir nele comunhão, no todo ou em parte, quer quanto à sua extensão, quer quanto à sua altura, pagando metade do seu valor e metade do valor do solo sobre que estiver construído.

II - Esta comunhão forçada atribui ao proprietário confinante vantagens que de outro modo não conseguiria. Se quisesse, por exemplo, construir uma edificação, teria de construir um muro ou parede paralela, uma vez que não podia apoiar a construção no muro divisório.

III - Foi precisamente para evitar estas construções inúteis, perdas de terreno e defeitos nas edificações que a lei facultou o direito de meação no muro ou parede vizinha, dispensando assim a construção inútil de outra parede paralela.

IV - Mas teremos de entender, desde logo, que esta “inutilidade” não pode retirar segurança e conforto ao proprietário original.

V - Ou seja, não se compreenderia que o legislador, a pretexto da apontada “inutilidade”, permitisse a comunhão forçada da parede, mesmo que trouxesse para o proprietário “expropriado” insegurança e desconforto.

Decisão Texto Integral: 1.Relatório

1. J… e M… instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo sumário, contra S… e P… peticionando que os RR. reconheçam a propriedade exclusiva dos AA. sobre a parede objeto da instalação das tubagens; que se abstenham de na referida parede colocarem quaisquer objetos ou a executarem quaisquer obras de conservação; a removerem todas as tubagens instaladas na parede, bem como a removerem a escadaria que está apoiada na mesma parede; a construírem uma parede paralela e ai instalaram as tubagens; a indemnizarem os AA. no montante de €2.500,00 a título de danos não patrimoniais; a indemnizarem os AA. no montante de €12.500,00 a título de danos patrimoniais.

Para tanto alegam que são proprietários de prédio confinante com o prédio dos RR., onde estes edificaram uma nova moradia e utilizaram a parede que confina para aí colocarem tubagens das redes de esgoto, água e eletricidade instaladas, servindo ainda de apoio a uma escadaria. A parede com 20 cm ficou fragilizada pelas referidas instalações. Tudo isto tem causado inúmeros incómodos e dissabores aos AA., sendo que tais instalações danificaram a parede em causa, causando prejuízos.

Os RR., regularmente citados, contestaram, alegando, em síntese, que procederam à reconstrução do prédio em causa, com edificação de parede nova na confinante com o prédio dos AA., que aquando das obras haviam aproveitado a parede meeira edificando sobre ela. Mais deduzem pedido reconvencional de reconhecimento do direito dos RR. a adquirirem comunhão na aludida parede mediante o pagamento da quantia a que alude o art. 1370.º do C.C.

A Sr.ª Juíz do Tribunal Judicial de Viseu proferiu a seguinte decisão:

“Face a todo o exposto, nos termos das disposições legais supra indicadas, julga-se a presente ação parcialmente procedente, e em consequência decide-se:

a) Reconhecer a propriedade exclusiva dos AA. sobre a parede confinante com o prédio dos RR.;

b) Condenar os RR. a absterem-se de colocarem quaisquer objetos ou executarem quais obras na referida parede;

c) Condenar os RR. a removerem a rede de esgotos e eletricidade instalada na parede, bem como a remover a escadaria que está apoiada na parede;

d) A construir uma parede paralela e aí instalarem e apoiarem o que entenderem;

e) Condenar os RR. a indemnizarem os AA. no montante de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais;

f) Condenar os RR. a indemnizarem os AA. no montante de €300,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de danos patrimoniais;

Mais se julga improcedente o pedido reconvencional, absolvendo-se do mesmo os AA.“.

2.O Objecto da instância de recurso

Os apelantes, S… e mulher, RR nos autos, apresentam as seguintes conclusões:

Os apelados J… e mulher, Autores nos autos, respondem à apelação dos réus, concluindo:

Os recorrentes pugnam pela alteração da douta sentença proferida pelo Tribunal de Viseu, pretendendo que seja revogada a decisão dos autos e proferido em seu lugar Acórdão que julgue total improcedente a acção ou, se assim não entender quanto à propriedade da parede em causa nos autos, julgue procedente a Reconvenção.

Alertamos, desde logo, os recorrentes para seguinte:

O controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada num audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base - artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC.

Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional,mas antes, uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros.

Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente.

Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference -.

Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis – sobre esta temática aconselhamos a leitura de Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43.

Sabemos, também, que o resultado da actividade de julgamento da matéria de facto pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática.

No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento - as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível -, busca-se, sim, um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis.

Está nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal.

O depoimento, mesmo quando a testemunha não tem o propósito deliberado de mentir, contém quase sempre inexactidões mais ou menos graves.

O quotidiano judiciário, dá-nos, realmente, este triste ensinamento: são excepcionais os depoimentos inteiramente exactos.

O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida.

Cada elemento de prova deve ser ponderado por si, mas também em relação/articulação com os demais.

Assim, deverá ponderar-se o depoimento de cada testemunha, conjugado com os das outras testemunhas, todos conjugados com os demais elementos de prova.

Mais, quando o pedido de reapreciação da prova se baseie, essencialmente, em elementos de características subjectivas – nomeadamente prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

Avançando.

A 1.ª instância fixou a seguinte matéria de facto:

Começam por dizer os apelantes.

“As regras da experiência comum impõem que não se aceite com ligeireza que é possível demolir metade de uma parede antiga e retirar essa metade deixando incólume a outra.

 Sendo, pelo contrário, de esperar o inverso: quando se dá a demolição ela é integral, por não ser possível assegurar a perfeição do “risco ao meio”.

Assim, na manutenção da matéria de facto fixada pela 1.ª instância, não tendo os RR./apelantes feito prova de que a anterior parede pré-existente tinha a largura de 20cm, nem que tal parede havia sido aproveitada, pelo menos parte, pelos AA., mantemos a sua decisão.

Avançando.

Resta analisar o pedido reconvencional dos RR., ou seja, a possibilidade de transmissão da compropriedade do muro que delimita os prédios, mediante o pagamento de metade do seu valor, e o reconhecimento consequente da sua qualidade de comproprietários do muro.

Escrevem os apelantes: “…Formularam os RR um pedido reconvencional para a hipótese de proceder a acção: O da comunhão forçada sobre a parede em causa nos autos.

O Tribunal recorrido julgou improcedente o pedido sob a justificação de que “o normativo legal não teve por escopo as situações como a dos autos mas acautelar interesses mais amplos e gerais.”

Não logram os RR descortinar que interesses serão esses, mas podem dizer o seguinte:

 Parece aos RR que o Tribunal terá considerado – ainda que o não afirmasse expressamente – haver uma espécie de abuso no exercício do direito pela sua parte, quando ocuparam a parede e só depois de confrontados com o pedido dos AA terem vindo requerer a comunhão.

Salvo o devido respeito, não é assim.

Desde logo atento o que se disse quanto à casa que lhes foi vendida e aos sinais existentes na parede, não ficam dúvidas quanto à sua boa fé nessa ocupação.

Aliás a haver abuso seria dos AA que lhes venderam a casa sem os alertar que só tinha três paredes.

Depois porque parece ser pacífico que o direito àquela aquisição nem sequer depende (embora os RR o tenham) de qualquer interesse prático imediato, sendo um direito potestativo.

Daí que verificado que o prédio propriedade dos RR confrontava com a dita parede, havia que fazer funcionar o instituto, que existe justamente com o fito de evitar construções inúteis e permitir uma ocupação mais racional do espaço, o que tem inteira aplicação no caso se atendermos à dimensão exígua da casa dos RR.

Daí que se devesse ter reconhecido o seu direito à comunhão mediante o pagamento de metade do valor da parede apurado nos autos”.

Os apelantes fundam a sua pretensão no artigo 1370.º, n.º 1 do Código Civil.

Prevê tal norma, que o proprietário de prédio confinante com parede ou muro alheio pode adquirir nele comunhão, no todo ou em parte, quer quanto à sua extensão, quer quanto à sua altura, pagando metade do seu valor e metade do valor do solo sobre que estiver construído.

Trata-se de uma forma coactiva ou coerciva de transferência de propriedade.

Melhor dizendo, o proprietário confinante pode exigir a comunhão forçada, no todo em parte, de parede ou muro divisório alheio, suportando metade do preço, quer do muro ou parede em causa, quer do solo sobre o qual estão construídos.

Traduz, simultaneamente, - tal como ocorre nas servidões legais, com a imposição do encargo ao prédio serviente - um limite ao direito de propriedade do dono da parede ou muro, pela introdução das restrições próprias da compropriedade, que lhe é imposta – como é sabido, o direito de propriedade nem sempre tem natureza absoluta, podendo sofrer as limitações necessárias para assegurar a tutela de direitos sociais, ou mesmo de natureza particular que com ele possam conflituar.

Como escreve Carvalho Fernandes - nas suas “Lições de Direitos Reais”, 6ª ed., págs. 216, 217 -, as limitações ao conteúdo dos direitos reais decorrentes da contemplação de interesses particulares, numa sua primeira modalidade, estão relacionadas com a maneira de ser de certas categorias de coisas sobre que os direitos reais incidem.

Na verdade, a contiguidade e a proximidade que frequentemente existe entre os prédios, sejam rústicos, sejam urbanos, faz com que o exercício de direitos reais sobre um deles se projecte sobre prédios vizinhos ou, com mais rigor, sobre o interesse de quem sobre eles detém direitos.

Neste contexto, reconhece o artigo 1370.º, nº 1 do Código Civil o direito potestativo ao proprietário do prédio confinante de obter a aquisição, mediante a correspondente contrapartida económica, da compropriedade de muro ou parede que separe o seu prédio do prédio vizinho, impondo ao proprietário deste a sujeição a essa transferência.

Escreve, a propósito do instituto em debate, Rodrigues Bastos -“Notas ao Código Civil” , vol. V, pág. 126 – que “...a natureza do direito à comunhão forçada do muro era fundada, pela doutrina tradicional, nos princípios da expropriação ou nos da venda; mais recentemente tem-se defendido que tal relação deve entender-se compreendida na figura da transferência coactiva.

Esta comunhão forçada atribui ao proprietário confinante vantagens que de outro modo não conseguiria. Se quisesse, por exemplo, construir uma edificação, teria de construir um muro ou parede paralela, uma vez que não podia apoiar a construção no muro divisório.

Foi precisamente para evitar estas construções, inúteis, perdas de terreno e defeitos nas edificações que a lei facultou o direito de meação no muro ou parede vizinha, dispensando assim a construção inútil de outra parede paralela.

Mas, desde logo, apresenta-se como inútil a construção de nova parede?

Teremos de entender, desde logo, que esta “inutilidade”, não pode retirar segurança e conforto ao proprietário original – nos nossos autos os autores -.

Ou seja, não se compreenderia que o legislador, a pretexto da apontada “inutilidade” permitisse a comunhão forçada da parede, mesmo que trouxesse para o proprietário “expropriado” insegurança e desconforto.

Basta ler a matéria de facto provada, para verificarmos que a proceder a pretensão dos réus/reconvintes, a compressão do direito de propriedade dos autores iria para além daquilo que o legislador – que nos direitos reais se mostrou sempre avisado e sensato – pretendeu.

De facto, na parede aludida os réus mandaram instalar rede de esgotos e eletricidade, servindo ainda de apoio a uma escadaria que se desenvolve a partir do rés-do-chão para o pavimento superior.

Tal parede é construída em alvenaria de tijolo com a espessura de vinte centímetros.

Devido a tal construção, a dita parede ficou fragilizada da pela instalação das referidas tubagens e mais frágil ainda ficou com o esforço a que obriga a escadaria de acesso ao pavimento superior que por ela é suportada.

Por isso, entendemos que tal comunhão forçada não poderá ter lugar.

Mais, como se escreve, no Acórdão desta Relação de Coimbra de 15.3.2011 – acessível em www.dgsi.pt - “... é reconhecido na decisão nº 2010-60 QPC de 12 de Novembro de 2010, do Conseil Constitutionnel francês, a propósito da análise da constitucionalidade do artigo 661º do Código Civil francês, equivalente ao artigo 1370º, nº1 do Código Civil português, o regime da compropriedade dos muros divisórios é determinada por razões de natureza económica na construção ou edificação e pela necessidade da utilização racional do espaço; o acesso forçado à compropriedade previsto na lei constitui um elemento necessário desse regime, respondendo a um motivo de interesse geral, que constitui o objectivo prosseguido pelo legislador.

Essa também foi certamente a ratio que o legislador nacional teve em mente ao criar o instituto da comunhão forçada consagrado no artigo 1370º, nº1 do Código Civil: evitar a proliferação de construções inúteis e desnecessárias e promover um aproveitamento mais racional do espaço.

No caso vertente, o prédio urbano dos apelados confina, por um dos lados, com um muro de pedras soltas, que se encaixa no conceito de muro exigido pela norma em causa, pertencente aos apelantes, o qual separa aquele prédio urbano do logradouro que integra o prédio destes.

Para a construção do seu prédio urbano, os réus/apelados não reclamaram a comunhão forçada do muro dos autores/apelantes, sendo certo que o nº1 do citado artigo 1370º do Código Civil lhes reconhecia aquela faculdade.

Preferiram, antes, na edificação do imóvel, construir uma parede paralela ao mencionado muro, passando a com ele confinar.

E só posteriormente a essa construção e depois da colocação do beirado e da caleira com as características descritas na matéria factual demonstrada, e perante a reacção dos apelantes que, por via da acção proposta, pretendem a retirada quer da caleira, quer do beirado, por violação do seu direito de propriedade, os apelados formularam pretensão de adquirir forçadamente comunhão no muro pertencente àqueles, através do mecanismo do artigo 1370º, nº1 do Código Civil.

O direito potestativo à aquisição da compropriedade nos moldes definidos pelo preceito em causa tem por escopo objectivos bem distintos daqueles que os apelados visam atingir. Estes, com efeito, apenas pretendem, por via da aquisição que só agora reclamam, conferir licitude a uma actuação que, de outro modo, dela está arredada. Ou seja, construído o beirado e a caleira em clara afronta ao direito de propriedade dos apelantes, porque colocados paralelamente sobre o muro exclusivamente pertencente a estes, visam, com a obtenção da comunhão forçada do muro, “branquear” a ilicitude da obra em causa.

Não se enquadra nesta previsão o fundamento teleológico prosseguido pelo citado normativo que, tendo por base uma relação de vizinhança, visa acautelar interesses bem mais amplos e gerais, como já se adiantou.

O artigo 1370º, nº 1 do Código Civil, não contempla a possibilidade de aquisição da comunhão forçada de um muro divisório quando um dos proprietários confinantes já antes construiu, em propriedade exclusiva, uma parede paralela a esse muro, ainda que essa parede faça parte da edificação de um prédio urbano.

No caso em apreço, construída pelos apelados a parede da sua casa que, por um dos lados, confina com o muro dos apelantes e que separa o prédio de ambos, constituindo a linha divisória dos mesmos, não lhes assiste posteriormente o direito de adquirirem meação no referido muro; e ainda que essa possibilidade não fosse afastada pelo fim prosseguido pelo artigo 1370º do Código Civil, sempre se teria de classificar de abusivo o exercício do direito que os apelados pretendem fazer valer...” – fim de citação.

Ou seja – também como o entendeu a 1.ª instância -, no caso em apreço os RR. em vez de terem construído um muro paralelo, aproveitaram-se do muro dos AA., exclusivamente destes, e aí colocaram a rede de esgotos e eletricidade e apoiaram a escadaria, pelo que, visam agora com a comunhão forçada camuflar de licitude o ato ilícito anterior praticado com a obra.

O julgador não pode apresentar-se como um simples aplicador da norma.

Tem de a interpretar e aplicar ao caso, na busca sempre incompleta da Justiça.

Só assim, se impede a conjugação de forças antijurídicas que, por vezes, a imposição fria e rígida da lei possa levar a cabo, em confronto com o ideal de Justiça que sempre deve andar, indissoluvelmente ligado.

Improcede assim a instância recursiva.

Passemos ao sumário:

i. Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis.

ii. O resultado da actividade de julgamento da matéria de facto pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática.

iii. No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento - as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível -, busca-se, sim, um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis.

iv. A norma do artigo 1370.º, n.º 1 do Código Civil permite que o proprietário de prédio confinante com parede ou muro alheio possa adquirir nele comunhão, no todo ou em parte, quer quanto à sua extensão, quer quanto à sua altura, pagando metade do seu valor e metade do valor do solo sobre que estiver construído.

v. Esta comunhão forçada atribui ao proprietário confinante vantagens que de outro modo não conseguiria. Se quisesse, por exemplo, construir uma edificação, teria de construir um muro ou parede paralela, uma vez que não podia apoiar a construção no muro divisório.

vi. Foi precisamente para evitar estas construções inúteis, perdas de terreno e defeitos nas edificações que a lei facultou o direito de meação no muro ou parede vizinha, dispensando assim a construção inútil de outra parede paralela.

vii. Mas teremos de entender, desde logo, que esta “inutilidade” não pode retirar segurança e conforto ao proprietário original.

Ou seja, não se compreenderia que o legislador, a pretexto da apontada “inutilidade” permitisse a comunhão forçada da parede, mesmo que trouxesse para o proprietário “expropriado” insegurança e desconforto.

viii. Basta ler a matéria de facto provada para verificarmos que a proceder a pretensão dos réus/reconvintes, a compressão do direito de propriedade dos autores iria para além daquilo que o legislador – que nos direitos reais se mostrou sempre avisado e sensato – pretendeu.

ix. De facto, na parede aludida os réus mandaram instalar rede de esgotos e eletricidade, servindo ainda de apoio a uma escadaria que se desenvolve a partir do rés-do-chão para o pavimento superior.

Tal parede é construída em alvenaria de tijolo com a espessura de vinte centímetros.

Devido a tal construção, a dita parede ficou fragilizada pela instalação das referidas tubagens e mais frágil ainda ficou com o esforço a que obriga a escadaria de acesso ao pavimento superior que por ela é suportada.

Por isso, entendemos que tal comunhão forçada não poderá ter lugar.

3.Decisão

Pelas razões expostas e na improcedência do recurso interposto pelos réus/reconvintes, mantemos a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Viseu.

As custas ficam a cargo dos apelantes.

Coimbra, 29 de Abril de 2014

(José Avelino Gonçalves - Relator -)

(Regina Rosa)

(Jaime Ferreira)