Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2468/12.3TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA INSTÂNCIA CENTRAL, SECÇÃO CÍVEL, J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 812.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Tendo as partes convencionado que a falta injustificada de comparência à escritura na data designada faria com que o contraente faltoso incorresse em incumprimento definitivo e no dever de indemnizar a contraparte com a quantia de €30 000,00 a título de cláusula penal, tem esta estipulação a natureza de cláusula penal stricto sensu, destinando-se a compelir o devedor ao cumprimento e substituindo, do mesmo passo, a indemnização.

II. O uso pelo Tribunal da faculdade correctiva e moderadora conferida pelo art.º 812.º do Código Civil, e que lhe permite reduzir o valor da pena fixado pelas partes, é contido pela exigência de que se trate de um excesso manifesto: não basta que a pena se revele superior ao prejuízo sofrido pelo credor, terá que se tratar de um claro e evidente exagero, cabendo à parte que se queira prevalecer da redução alegar e provar o circunstancialismo específico e concreto do qual emerge o excesso que a impõe.

III. Não há claramente lugar à pedida redução se a devedora nada alegou para fundamentar a sua pretensão, antes tendo sido o credor quem logrou fazer prova de que o montante convencionado é inferior aos prejuízos sofridos.

Decisão Texto Integral:
I. Relatório

A... , solteiro, maior, com domicílio na Rua (...) , em Santarém, instaurou acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo, contra B..., com domicílio na Avª (...) , no Bombarral, pedindo a final a condenação da ré:

a) a ver reconhecido que não cumpriu a obrigação de entrega de qualquer quantia ou valor a título de sinal e princípio de pagamento, tendo o autor, consequentemente, o direito a receber no acto da escritura pública de compra e venda a quantia de 86.500,00€, acrescida do valor liquidado a título de quotas de condomínio [695,84€] conforme cláusula quarta do contrato promessa;

b) a ter-se por verificada e realizada a interpelação admonitória feita pelo Autor para realizar a escritura pública nos dias 14/01/2013, pelas 10h00m, ou a 14/02/2013, pelas 10h00m, ou, por fim, a 04/03/2013 pelas 10h00, no Cartório Notarial de C..., em Lisboa;

c) a ver considerada válida e objectivamente verificada a resolução do contrato-promessa por causa que lhe é imputável [art.º 801º nº2 ex vi do art.º 790º ambos do Cód. Civil], no caso de não comparência ou recusa de celebração do contrato definitivo;

d) a, cumulativamente, indemnizar o Autor na quantia de 30.000,00€ [trinta mil euros] a título de cláusula penal [conforme cláusula quinze do contrato promessa ex vi art.ºs. 810º nº1 e 811º nº1 ambos do Cód. Civil], acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

e) a liquidar ao Autor, a título de indemnização, a quantia de 50,00€ por cada dia de atraso em caso de não entrega do imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens [cláusula dezassete do contrato promessa] a partir de 5 de Março de 2013, momento a partir do qual deverá ser considerado, condicionalmente, resolvido o contrato promessa, por culpa da Ré, valor ao qual deverão acrescer juros de mora à taxa legal, vencidos após o dia 05/03/2013 até efectivo e integral pagamento”.

 Em fundamento alegou, em síntese útil, ter celebrado com a ré em 27 de Fevereiro de 2012 contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual prometeu vender a esta que, por seu turno, prometeu comprar, a fracção autónoma no mesmo identificada, sita em S. Martinho do Porto.

O contrato celebrado revestiu a forma legalmente exigida e, não obstante nele ter sido convencionada a entrega pela promitente compradora, a título de sinal e princípio de pagamento, da quantia de €6 500,00, obrigação que deveria ter sido cumprida faseadamente, nada entregou a ré a este título.

Nos termos da cláusula 11.ª do contrato celebrado, a escritura seria marcada no prazo máximo de nove meses a contar da data da assinatura do contrato-promessa, podendo ser prorrogado por acordo das partes por mais três meses, cabendo a sua marcação ao 1.º outorgante. No cumprimento do clausulado, o aqui autor procedeu à marcação da escritura dentro do prazo convencionado, tendo notificado a ré para comparecer com a antecedência, pelo modo e para o local constantes da cláusula 12.ª do contrato, sem que esta tivesse comparecido ou justificado por algum modo a sua ausência, sendo certo que nada obstava à transmissão dá fracção livre de ónus ou encargos.

Tendo em vista a conversão da mora em incumprimento definitivo, requereu o autor que com a citação para a presente acção fosse a ré simultaneamente interpelada para comparecer no mesmo cartório notarial numa das datas que indicou, com a finalidade de celebrar o contrato definitivo, isto sob pena de incorrer em incumprimento definitivo, dando lugar à aplicação da cláusula penal convencionada.

Mais alegou que, consoante as cláusulas 3.ª e 4.ª do acordo celebrado, a fracção prometida vender foi entregue à ré na data da assinatura do contrato promessa, para que a usasse plenamente, competindo a esta proceder ao pagamento das quotizações do condomínio; no caso de não realização da escritura, ficava ainda a promitente compradora obrigada a devolver a fracção no prazo máximo de 30 dias, sob pena de incorrer no pagamento de uma indemnização no valor de €50,00 por dia de atraso na restituição.

Concluiu que sendo por esta via interpelada para comparecer no cartório notarial indicado numa das datas designadas -interpelação claramente admonitória- não comparecendo a ré, deveria o contrato ser julgado validamente resolvido e esta condenada nas quantias peticionadas.

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Regularmente citada, contestou a ré, peça na qual alegou que o contrato celebrado veio a ser revogado pelas partes, que nisso acordaram logo em Março de 2012, tendo o autor ficado incumbido de formalizar a revogação. Não obstante, logo na ocasião tranquilizou a contestante, afirmando que entre eles tudo ficara acertado e que assim que pudesse trataria de dar forma ao acordo revogatório. E foi por esse motivo que a contestante não chegou a proceder à entrega de nenhuma quantia a título de sinal, tal como não chegou a exercer posse sobre o imóvel -que nunca ocupou, apesar de ter recebido uma chave ainda antes de assinar o contrato promessa- não tendo igualmente procedido à venda de uma outra fracção, da qual era proprietária no mesmo prédio e cuja alienação seria necessária para poder pagar ao autor o preço da fracção prometida comprar.

Mais invocou a seu favor a excepção do não cumprimento do contrato, com fundamento no facto do autor ter permitido a penhora do imóvel prometido vender durante a sua vigência, indiciando-se fortemente, aliás, que o empréstimo que deu origem ao processo executivo promovido pelo credor hipotecário se encontrava já em incumprimento à data em que o mesmo foi celebrado. Omitiu assim o autor, aquando da celebração do contrato promessa, informação relevante pois, a ter a contestante sabido da aludida situação de incumprimento, seguramente não teria contratado.

Alegou ainda que a escritura não foi validamente marcada porquanto, incidindo à data uma penhora sobre a fracção prometida vender, a simples declaração do banco exequente a que alude ao autor não era suficiente para assegurar a posição da promitente compradora, desde logo porque natural seria a existência de valores em dívida provenientes de encargos da execução, cuja liquidação não é assegurada pela declaração emitida pelo credor e que podem afectar o cancelamento da penhora.

De resto, atendendo a que, segundo informação colhida, a fracção já foi pelo autor vendida a um terceiro, não se encontra sequer aquele em condições de celebrar o contrato prometido, donde inexistir incumprimento por banda da ré.

Com os aludidos fundamentos concluiu pela improcedência da acção.

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O autor replicou, negando a existência de qualquer acordo revogatório e, tendo reconhecido que a fracção foi efectivamente alvo de penhora, assinalou que, de forma a cumprir com a obrigação de entrega da mesma livre de ónus e encargos, conforme se havia obrigado, diligenciou junto do credor pela emissão dos respectivos distrates, de forma a cancelar a hipoteca constituída e ver decretada a extinção do processo executivo e, consequentemente, o cancelamento da penhora registada, tudo conforme deu a conhecer à ré, tendo-lhe remetido toda a documentação por meio de carta registada. Tal carta foi remetida para o domicílio convencionado e não foi pela destinatária recebida apenas e só porque não procedeu ao seu levantamento. Alegou ainda ter procedido ao pagamento, junto do agente de execução e antes da data marcada para a realização da escritura, da nota discriminativa de despesas e honorários, donde não existir fundamento para a invocada excepção do não cumprimento, por cuja improcedência pugnou.

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Por requerimento entrado em juízo a 17 de Outubro de 2013, fez o autor saber nos autos que até ao momento não tinha tido acesso à fracção prometida vender, sendo certo que pretendia vendê-la a um terceiro. Mais disse ter tentado que a entrega fosse feita por acordo e extrajudicialmente através dos mandatários das partes, tentativa que se gorou. E por assim ser, alegando encontrar-se “impedido de usar, fruir e dispor da sua propriedade [caracteres do direito de propriedade],” tendo embora renunciando a descrever “os prejuízos que para si advêm da conduta omissiva da Ré, que não se predispôs a entregar a chave do apartamento”, anunciou que iria pelos seus meios tomar a posse da fracção no próximo dia 18.10.2013,contratando para o efeito uma empresa da especialidade para arrombar a porta e substituir a fechadura.

A ré respondeu, alegando que há já algum tempo que o autor celebrara contrato promessa com um terceiro tendo por objecto a fracção prometida vender, evidenciando-se assim que tinha acesso à mesma, no pressuposto de que ninguém se predispõe a adquirir um imóvel sem o ver. Por assim ser, e chamando a atenção para a postura processual do autor, pediu ao Tribunal que não deixasse de a avaliar.

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Foi dispensada a audiência prévia e, fixados os temas da prova, prosseguiram os autos para julgamento.

Apresentou entretanto o autor articulado superveniente, no qual alegou ter tomado posse da fracção em 22/10/2013, na sequência de arrombamento e substituição da fechadura por si ordenados, dando conta da celebração com um terceiro, em 02.10.2013, de um contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto a futura venda da mesma, tendo o contrato definitivo sido celebrado em 20/12/2013 pelo preço de €55.000,00.

Mais disse que, devido ao incumprimento definitivo da ré, suportou despesas com a quotização do condomínio por mais um ano, no que despendeu €506,66, tendo-se igualmente visto forçado a obter Certificado Energético no valor de €180,00, dispêndios que, de outro modo, teriam sido evitados. Acrescentou que o preço de venda do imóvel foi substancialmente mais baixo do que o acordado com a ré, donde ascender ao montante de €32.186,66 o prejuízo sofrido em razão do incumprimento do contrato por banda desta última.

Respondeu a ré e, chamando a atenção para o facto de o autor ter faltado conscientemente à verdade quando invocou não ter a posse da fracção, requereu a condenação daquele como litigante de má-fé no pagamento de uma multa e indemnização a seu favor de montante não inferior a €5 000,00.

Mais impugnou que os danos invocados pelo autor no articulado superveniente pudessem ser-lhe imputados e, opinando não ser alheia à sua invocação a existência de uma exorbitante cláusula penal, pediu ao Tribunal que, no caso de concluir pelo incumprimento do contrato, procedesse à sua redução por apelo à equidade.

Respondeu o autor, refutando a imputação da má-fé, tendo-se ainda pronunciado no sentido da intempestividade da invocação do carácter excessivo da cláusula penal convencionada.

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Teve lugar audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo que da acta consta, vindo a final a ser proferida sentença que, na parcial procedência da acção:

- declarou resolvido o contrato-promessa celebrado em 27/02/2012 entre o Autor A... e a ré B... relativo à fracção autónoma designada pelas letras “GJ”, do prédio urbano descrito sob o n.º 1043/19610826-GJ na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça;

- condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), acrescida dos juros de mora, contados desde a citação, à taxa legal, até efectivo pagamento, absolvendo-a dos restantes pedidos;

- absolveu o autor do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Inconformada, apelou a ré e, tendo apresentado as suas alegações, rematou-as com as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso da decisão da 1ª instância que condenou a Rte a pagar ao Rdo o valor da cláusula penal por incumprimento do contrato promessa celebrado entre as partes.

2. Entende a Rte que o Tribunal avaliou mal a matéria de facto e deveria ter incluído entre os factos provados as alíneas p), q) e s) dos factos não provados da contestação.

3. Devendo, para o efeito, serem reapreciados os testemunhos de E...e de F....

4. Provados esses factos e conjugados com os factos provados 14 e 15, a douta sentença deveria ter reconhecido que o Rdo, quando começou a querer marcar escritura, estava em situação de incumprimento do contrato e que era legítimo à Rte excepcionar a sua prestação

5. Sem conceder, dir-se-á que, no entendimento da Rte, só com factos provados 14 e 15 a douta sentença poderia ter alcançado tal conclusão.

6. Com efeito, as questões invocadas pela Rte de má-fé na celebração do contrato e de má-fé na execução do contrato são de grande relevância.

7. O que está em causa é a prerrogativa que assiste à Rte de dizer que não prometeu comprar naquelas circunstâncias novas e que se tivesse sido lealmente informada não teria contratado.

8. Era esta prerrogativa que a douta sentença deveria ter analisado, e não o fez.

9. Porque a existência de uma penhora não é uma espécie de hipoteca com outro nome como a douta sentença dá a entender.

10. É um ónus diferente, que até no capítulo do cancelamento é em tudo diferente da hipoteca, desde logo porque na escritura o comprador não fica na posse de documento que lhe permita efectuar o seu cancelamento.

11. A douta sentença avaliou mal a matéria de facto ao dar como provado o facto provado 5.

12. O facto foi contestado e os documentos anexos à notificação não transmitem ao comprador toda a informação necessária.

13. Também está errada a conclusão do facto provado 11.

14. O representante do banco não “entregou os documentos necessários para o cancelamento de todos os ónus e encargos que incidiam sobre o imóvel isto é, hipotecas e penhora”.

15. Conforme explicou a testemunha G..., cuja reapreciação de testemunho se requer.

16. A douta sentença considerou, incorrectamente, que a Rte foi bem notificada da marcação de escritura para o dia 20 de Novembro de 2012.

17. Mas o correio com aviso de recepção não funcionou e o Rdo não utilizou outros mecanismos legais disponíveis para o efeito.

18. Devendo ser reapreciado o testemunho de H....

19. Alterando a valoração dos factos supra identificados e reconhecendo que o Rdo estava em incumprimento do contrato promessa, deverá a Rte ser absolvida do pedido.

20. O Rdo alterou a verdade dos factos e omitiu ao Tribunal factos importantes para a decisão da causa.

21. E fê-lo de forma dolosa com expressa intenção de apresentar ao Tribunal uma versão alterada da realidade.

22. Devendo proceder o pedido a condenação do Rdo por litigância de má-fé

23. Sem conceder, se for entendido que houve incumprimento da Rte, entende-se que a cláusula penal é manifestamente excessiva e deverá ser reduzida oficiosamente, com base na equidade, nos termos do art. 812º do Código Civil”.

Com tais fundamentos, pretende a revogação da sentença apelada, devendo ser proferida decisão que absolva a apelante e condene o autor como litigante de má-fé.

Contra alegou o autor, defendendo a manutenção do decidido.

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Assente que pelo teor das conclusões se define e delimita o objecto do recurso, as questões pela ré submetidas à apreciação deste Tribunal são as seguintes:

i. modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto, devendo ser dados como assentes os factos alegados na contestação sob os art.ºs 48. 49, 51 e 61 (als. p), q) e s) do elenco dos factos não provados da sentença); inversamente, deverão ser dado como não provados os pontos 5. f) e 11. da sentença.

ii. da excepção do não cumprimento do contrato;

iii. do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal e sua redução equitativa;

iv. da má-fé do autor.

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i. da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Porque o conhecimento das questões de facto precede logicamente o das questões de direito, comecemos por apreciar a impugnação deduzida pela apelante à decisão proferida sobre a matéria de facto.

Invoca a apelante a existência de erro de julgamento no que se reporta aos factos elencados na sentença apelada sob as als. p), q) e r) como não provados, fazendo apelo às declarações prestadas pelas testemunhas E... e F..., nas passagens que situa a transcreve.

As referidas alíneas reportam-se aos factos alegados pela apelante na contestação sob os art.ºs 48.º e 49.º (apresentando, em relação a estes, uma diferente redacção), 51.º e 61.º, tendo o Mm.º juiz consignado não ter resultado provado que:

p) o autor não informou a ré sobre o registo da penhora referido nos factos provados[1];

q) se a ré soubesse que o imóvel tinha esses problemas nunca teria celebrado o contrato promessa;

r) a ré ficou assustada com a penhora.

Começando pelo facto transcrito em q), cumpre referir que o mesmo revestir-se-ia de eventual relevância caso a ré se tivesse defendido com a existência de erro vício na formação da vontade -erro sobre o objecto do negócio, que é causa de anulabilidade, nos termos conjugados dos art.ºs 251.º e 247.º- atenta a violação, por banda do réu, do dever de informação, emanação do princípio da boa-fé que deve presidir também às negociações (cf. art.º 227.º do CC)[2]. Sucede, no entanto, que não foi essa a sua linha de defesa.

Por outro lado, incontornável é que das transcrições feitas pela apelante de modo nenhum resulta que a decisão sobre o assinalado ponto da matéria de facto devesse ser outra, tanto bastando para que se mantenha.

No que se refere aos factos descritos sob as als. p) e q) não se resiste a fazer notar que, tendo a ré alegado na sua contestação ter acordado com o réu em Março de 2012 a revogação do contrato -o qual, recorda-se, havia sido celebrado em Fevereiro desse mesmo ano-, tendo-se este comprometido a proceder à formalização do acordo revogatório, é tal alegação sem dúvida contraditória com a pretensão de que foi a existência da penhora, de que a apelante diz ter tido conhecimento em Junho ou Julho, a causa de não ter comparecido no cartório notarial para celebrar o contrato prometido. Do mesmo modo, a ser verdade que já nada tinha a ver com a fracção, fica por explicar o susto que diz ter sofrido.

Não obstante, e abstraindo da apontada contradição, ouvidas as testemunhas indicadas, afigura-se que, efectivamente, a ré não teria tido conhecimento da penhora em data anterior, impondo-se a conclusão de que o autor disso a não tinha informado.

Com efeito, e tendo em atenção essencialmente o testemunho de F..., trabalhador independente que presta serviços ao condomínio do prédio onde se situa a fracção prometida vender, essencialmente, e ao que se apurou, de porteiro, a despeito do seu visível desconforto e de alguma amnésia de origem que se afigurou duvidosa, não deixou de referir que a dada altura, que situou sem rigor no final do ano (de 2012), a ré lhe quis fazer entrega da chave da dita fracção, invocando a dita penhora, isto apesar de ter declarado de forma espontânea (dos poucos momentos de espontaneidade que perpassaram o seu depoimento) que o edital que a anunciava fora afixado no Verão. Mais afirmou não ter aceitado a chave embora, curiosamente, não se recordasse se tinha ou não informado o autor da iniciativa da ré o que, convenhamos, se afigura muito pouco credível, por absolutamente desconforme às regras da experiência. Aliás, a recusa da testemunha em receber a chave, quando sabemos que foi a pessoa encarregada pelo autor para mais tarde, no ano de 2013, mostrar a fracção a eventuais interessados na sua compra (tal como, de resto, acontecera já anteriormente, designadamente aquando das negociações com a própria ré), mais faz duvidar dos seus reais motivos. De todo o modo, pela mesma testemunha ficámos a saber que o Sr. I..., electricista que fazia serviços no prédio, afinal tinha uma chave em seu poder, de que a testemunha se serviu para mostrar o apartamento a quem pretendeu vê-lo, incluindo à pessoa que veio a adquiri-lo e à sua procuradora, o que fez a mando e com o conhecimento do aqui autor.

Relatou ainda o mesmo F... que o autor o contactou, indagando se conhecia alguém que pudesse ir ao apartamento trocar a fechadura -o que é significativo porque foi omitida qualquer referência a arrombamento-, tendo contactado para um efeito um tal de Sr. Joaquim da loja de ferragens.

Também a testemunha E..., que à data tinha a seu cargo a manutenção da piscina, aludiu à afixação do edital no Verão, Junho ou Julho não pôde precisar, edital que, conforme referiu, passada uma hora ou pouco mais teria desaparecido, mas a respeito do qual foi depois inquirido pela ré, tendo tido a percepção, em conversa que com ela manteve, encontrando-se também presente a testemunha antes referida, que não teria conhecimento anterior da penhora.

Face aos referidos depoimentos afigura-se, pois, ser de alterar a decisão que incidiu sobre este ponto da matéria de facto em concreto (al. p) dos factos não provados). Não obstante, e conforme se referiu já, ninguém estabeleceu um nexo causal efectivo entre o conhecimento da existência da dita penhora e o revelado desinteresse na celebração do negócio definitivo, não bastando para este efeito que a ré a tal tenha aludido, para mais decorridos meses, atendendo ainda a que, insiste-se, na versão que a própria trouxe aos autos na contestação -e que não logrou demonstrar- o negócio até teria deixado de produzir os seus efeitos em data anterior e por motivo bastante diverso.

Quanto ao “susto” sofrido, porque ninguém lhe fez a mais leve alusão, não há qualquer fundamento para alterar a decisão a propósito proferida.

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Insurge-se igualmente a apelante contra a inclusão nos factos assentes do ponto 5.f), porquanto, dele constando que “No dia 13 de Novembro de 2012, o autor, por carta registada com aviso de recepção, remeteu para o domicílio constante do contrato promessa comunicação à ré a informar a data de 30 de Novembro de 2012, pelas 15:00 horas, para a realização da escritura pública de compra e venda, fazendo acompanhar tal missiva dos seguintes elementos:

(…)

f) resposta do credor hipotecário, na qual se faz constar a autorização para cancelamento das hipotecas com entrega do distrate e desistência, com extinção da acção executiva”, o documento que alegadamente o comprova não tem um conteúdo coincidente, tratando-se de uma missiva na qual o banco, credor hipotecário, se compromete a requerer a extinção do processo judicial em curso e, consequentemente, o cancelamento da penhora registada no âmbito do mesmo mas contra a entrega de determinada quantia, o que é coisa diversa.

Também o ponto 11. merece, em seu entender, censura, uma vez que dele constando que “Foram apresentados pelo funcionário do credor hipotecário os documentos necessários para o cancelamento de todos os ónus e encargos que incidiam sobre o imóvel, isto é, hipotecas e penhoras”, tal não é rigoroso. Convocando a propósito o testemunha de G..., solicitadora de profissão, na passagem que identifica, e dele resultando que o cancelamento depende da emissão pelo Tribunal da necessária certidão, ficando na escritura apenas o compromisso de que a penhora vai ser cancelada, não podia o Mm.º juiz dar o facto em causa como provado nos termos em que o fez.

Pois bem, no que respeita ao primeiro facto, tendo tido origem no art.º 12.º da petição inicial, que acolheu sem qualquer modificação, assiste efectivamente razão à ré, uma vez que o documento para que remete a dita al. f) não tem um conteúdo exactamente coincidente com a redacção que dela consta. Com efeito, tratando-se de resposta a uma solicitação do autor, informa o banco credor hipotecário, através de Il. Advogada, que “O banco autorizou a emissão dos distrates pelo valor total de €73 399,02, ficando o imóvel livre de ónus e encargos”, mais informando que “Com a entrega do respectivo cheque visado, emitido a favor do Banco, para além de serem emitidos os distrates para cancelamento das respectivas hipotecas, o Banco requererá de imediato a extinção do processo judicial e curso e, consequentemente, o cancelamento da penhora registada no âmbito do mesmo” (cf. documento de fls. 54 do PE).

Ora, considerando que esta autorização é condicional, o que não resulta da redacção constante da dita al. f), altera-se a mesma em conformidade com o teor do documento.

Já no que respeita à redacção do ponto 11., a prova do facto aí vertido fez-se por força do certificado emitido pelo cartório notarial junto a fls. 61/62 dos autos, cuja falsidade não foi suscitada pela ré. E se é verdade que, conforme é sabido, o cancelamento das penhoras não é promovido pelo exequente, não é menos certo que a ele não há lugar sem que o credor emita a competente declaração de quitação (cf. art.º 916.º, n.º 5 do CPC em vigor ao tempo). E foram seguramente aos documentos de distrate e quitação que a emitente do certificado, embora os não tenha discriminado, quis referir-se, tratando-se efectivamente dos documentos necessários ao cancelamento dos ónus e encargos que recaíam sobre a penhora e sem os quais o mesmo não é determinado. Daí que nenhuma alteração se imponha.

Por último, e apelando ao depoimento da testemunha H..., funcionária do cartório notarial, impugna a apelante a conclusão a que chegou o Mm.º juiz “a quo”, no sentido de se encontrar notificada para comparecer, e isto a despeito das cartas que lhe foram enviadas terem sido devolvidas.

A questão assim colocada assume-se como de direito e não de facto, uma vez que o Mm.º juiz “a quo”, para assim concluir, apelou à cláusula contratual cujo conteúdo foi consensualmente fixado pelas partes. Deste modo, e por não se tratar, em rigor, de erro de facto, mas antes de um erro de direito, nessa sede dele se conhecerá.

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II Fundamentação

De facto

Agora estabilizada (lógica e cronologicamente ordenada), é a seguinte a factualidade a atender:

1. No dia 27 de Fevereiro de 2012, autor e ré estabeleceram entre si um acordo que designaram de “Contrato de Promessa de Compra e de Venda” sujeito a determinadas cláusulas, destacando-se as seguintes:

“I. O primeiro outorgante [aqui autor] promete vender e o segundo outorgante [ora Ré] promete comprar a fracção autónoma, designada pela letras “GJ” correspondente ao 6.º e 7.º andar duplex do prédio sito na Rua (...) , em São Martinho do Porto, relativa ao prédio urbano descrito sob o n.º 1043/19610826-GJ na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, freguesia de (...) e concelho de Alcobaça e inscrito na matriz predial sob o n.º 1287 daquela mesma freguesia e concelho – cláusula 1.ª;

II. Foi convencionado entre as partes o valor de compra e venda da fracção em causa pela quantia de 86.500,00€ [oitenta e seis mil e quinhentos euros], livre de quaisquer ónus ou encargos, devendo a segunda outorgante efectuar o pagamento através de dois cheques bancários: um em nome do 1.º outorgante e outro em nome do Banco M..., este com o valor do “destrato” relativo ao crédito hipotecário que incide sobre esta fracção – cláusula 7.ª;

III. Entre partes foi igualmente convencionado, a título de sinal e princípio de pagamento, no momento da celebração da promessa contratual, a entrega por parte da ora Ré ao Autor das quantias iniciais de:

a) 1.500,00€ [mil e quinhentos euros] a liquidar com a assinatura do contrato promessa;

b) 3.000,00€ [três mil euros] a liquidar em 10 (dez) prestações mensais sucessivas de 300,00€ [trezentos euros] vencendo-se a primeira no mês de Março de 2012;

c) 2.000,00€ [dois mil euros] a liquidar em Junho de 2012;

d) O restante valor de 80.000,00€ [oitenta mil euros] seria liquidado no acto da celebração do contrato definitivo – cláusula 8.ª;

IV. Os pagamentos seriam efectuados através de depósito no domicílio bancário com o NIB (...) – cláusula 9.ª;

V. Sendo que os comprovativos de depósito serviriam de quitação dos valores entregues – cláusula 10.ª;

VI. «A escritura será marcada num prazo máximo de nove meses, a contar da data da assinatura do presente contrato, podendo ser prorrogada por acordo entre as partes por mais três meses» – cláusula 11.ª;

VII. «Cabe ao primeiro outorgante [ora Autor] a marcação da escritura, enviando por carta registada com aviso de recepção dentro do prazo estipulado na cláusula anterior, com um mínimo de dez dias de antecedência, do dia, hora e cartório notarial onde a mesma irá ser realizada» – cláusula 12.ª;

VIII. «Todas as notificações entre os outorgantes deverão ser efectuadas por carta registada com aviso de recepção e endereçadas para os respectivos domicílios que ficaram consignados neste contrato, considerando-se efectuadas no terceiro dia útil posterior ao do registo caso alguma carta seja devolvida por recusa de recebimento. Obrigando-se cada parte a comunicar à outra outorgante a alteração de morada no prazo máximo de trinta dias» – cláusula 14.ª;

IX. «A fracção é entregue ao segundo outorgante na data de assinatura do presente contrato (…) estando acordado o pleno uso da mesma até à realização da escritura» – cláusula 3.ª;

X. «(…) As cotizações de condomínio são liquidadas pelo primeiro outorgante [ora Autor], a partir da assinatura do contrato e são pagas posteriormente pelo segundo outorgante [ora Ré] na sua totalidade até ao dia da escritura (…)» – cláusula 4.ª;

XI. «São por conta do segundo outorgante todos os encargos relativos à escritura (…)» – cláusula 5.ª;

XII. «No caso da não outorga da escritura na data da notificação por parte do segundo outorgante, este terá que entregar o imóvel ao primeiro outorgante no prazo máximo de 30 dias, devoluto, em condições de limpeza e manutenção e sem danos. A não entrega do imóvel dentro deste prazo, implica num valor diário indemnizatório ao primeiro outorgante de 50,00€» – cláusula 17.ª;

XIII. «O incumprimento por parte de algum dos outorgantes do clausulado neste contrato, a recusa em assinar a escritura ou a falta injustificada de comparência à mesma na data designada fará com que o contraente faltoso incorra em incumprimento definitivo e no dever de ter de indemnizar a contraparte com a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros) a título de cláusula penal» – cláusula 15.ª;

XIV. «O presente contrato pode ser revogado em qualquer momento por mútuo acordo dos outorgantes, através de documento com reconhecimento notarial de assinaturas» – cláusula 20.ª.

2. As assinaturas de ambos os contraentes apostas presencialmente no respectivo Contrato-Promessa foram reconhecidas por pública forma junto da Conservatória do Registo Predial de Alcobaça.

3. A Ré nunca liquidou/entregou [ao Autor] qualquer quantitativo a título de sinal e princípio de pagamento tal como previsto na cláusula oitava do contrato-promessa.

4. Em 18 de Maio de 2012 foi registada uma penhora judicial por parte do Banco N..., S.A. sobre a fracção objecto do contrato-promessa acima descrito.

5. Em data não concretamente apurada do Verão de 2012, a Ré foi informada por terceiros que fora afixado na entrada do prédio um aviso de penhora da fracção GJ, que era objecto do contrato-promessa acima referido.

6. O Autor não informou a ré sobre o registo da penhora referida em 5.

7. No dia 13 de Novembro de 2012, o Autor, por carta registada com aviso de recepção, remeteu para o domicílio constante no contrato promessa comunicação à Ré a informar a data de 30 de Novembro de 2012, pelas 15h00, para a realização da escritura pública de compra e venda, fazendo acompanhar tal missiva dos seguintes elementos:

a) Nota explicativa:

b) Cópia do contrato promessa

c) Declaração Notarial da Marcação de Escritura;

d) Comprovativo de Pagamento do Condomínio;

e) Carta ao Credor Hipotecário [ N...] a pedir distrate;

f) Resposta do Credor Hipotecário, da qual consta que “O banco autorizou a emissão dos distrates pelo valor total de €73 399,02, ficando o imóvel livre de ónus e encargos”, mais informando que “Com a entrega do respectivo cheque visado, emitido a favor do Banco, para além de serem emitidos os distrates para cancelamento das respectivas hipotecas, o Banco requererá de imediato a extinção do processo judicial em curso e, consequentemente, o cancelamento da penhora registada no âmbito do mesmo”;

g) Certidão Predial.

8. O Autor, no dia 16 de Novembro de 2012, insistiu por carta com registo simples, remetendo para o domicílio constante no contrato promessa comunicação à Ré a informar a data de 30 de Novembro de 2012, pelas 15h00, para a realização da escritura pública de compra e venda, fazendo acompanhar tal missiva de todos os documentos já constantes da pretérita comunicação.

9. O Autor, no dia 23 de Novembro de 2012, insistiu por carta simples, remetendo para o domicílio constante no contrato promessa comunicação à Ré a informar a data de 30 de Novembro de 2012, pelas 15h00, para a realização da escritura pública de compra e venda, fazendo acompanhar tal missiva de todos os documentos já constantes da pretérita comunicação.

10. Todas as comunicações escritas vieram devolvidas, por não reclamadas, com excepção da carta simples.

11. No dia 30 de Novembro de 2012, pelas 15h00m, no Cartório Notarial do Dr. C..., sito na Av.ª (...) , em Lisboa, compareceram para a celebração de escritura pública o ora Autor e o Sr. L..., colaborador 902473.5 em representação do Banco N....

12. Foram apresentados os documentos necessários para a realização da escritura.

13. De igual modo, foi apresentado pelo funcionário do credor hipotecário os documentos necessários para o cancelamento de todos os ónus e encargos que incidiam sobre o imóvel, isto é, hipotecas e penhora.

14. A escritura não se realizou por falta de comparência da compradora, ora Ré.

15. A Ré foi citada judicialmente para a presente acção em Dezembro de 2012, onde, para além do mais, foi interpelada, sob pena de declaração de resolução do contrato-promessa, para a realização da escritura pública de compra e venda relativa ao imóvel dado em promessa, alternativamente, para as seguintes datas: dia 14 de Janeiro de 2013 pelas 10h00, dia 14 de Fevereiro de 2013 pelas 10h00, dia 04 de Março de 2013, pelas 10h00, no Cartório Notarial de Lisboa do Dr. C..., sito na Av.ª (...) Lisboa, não tendo comparecido.

16. No dia 29/11/2012 o Autor liquidou junto do Agente de Execução a Nota Discriminativa de Despesas e Honorários correspondentes às custas do processo executivo [Processo n.º 467/12.4TBACB, em que consta como Exequente o Banco N..., S.A. e como Executado o Autor e D...].

17. A Ré, embora tenha recebido uma chave da fracção em causa ainda antes de assinar o contrato-promessa em causa, nunca lá foi, não tem lá uma única coisa sua, não ocupa, nem nunca ocupou a mesma.

18. O Autor teve sempre em seu poder outra chave do imóvel em causa, pelo menos até 22/10/2013.

19. No dia 02.10.2013, entre o Autor e O...[representado este por J...], foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda do imóvel melhor descrito nos presentes autos.

20. No dia 22/10/2013 o Autor procedeu à substituição da fechadura da fracção acima identificada.

21. No dia 17/12/2013 o credor hipotecário [Banco N...] autorizou o Cancelamento da Inscrição Hipotecária.

22. No dia 20/12/2013, entre o Autor e O...[representado por J...] foi celebrado um acordo designado por “contrato de compra e venda” relativo à fracção autónoma já melhor descrita nos presentes autos, pelo preço de 55.000,00€ [cinquenta e cinco mil euros], tendo o imóvel sido transmitido livre de ónus ou encargos.

23. O Autor mostrou a fracção em causa no Verão de 2013 a diversos potenciais interessados e em Setembro de 2013 mostrou-a ao referido comprador O...[id. nos pontos 19. e 22.].

24. Foi liquidado pelo Autor a quantia global de 695,84€ [516,40€ + 179,44€] por conta das quotizações de condomínio relativas ao ano de 2012.

25. O Autor suportou, por mais um ano de quotização de condomínio, o valor global de 506,66€, e suportou os custos com a obtenção de Certificado Energético, no valor de 180,00€.

       *

De Direito

ii. Da excepção do não cumprimento do contrato

Não estando em causa a qualificação jurídica do contrato celebrado entre autor e ré como contrato promessa de compra e venda, insiste a ré ter aquele actuado de má-fé, quer na fase de celebração do contrato -no pressuposto, que tem como certo, que se encontrava já em fase de incumprimento, senão mesmo de recuperação judicial, o empréstimo concedido pela instituição bancária hipotecária- quer na sua fase de execução, por permitir que incidisse penhora sobre a fracção prometida vender, facto que omitiu da promitente compradora. Tal circunstância legitima, no entender da apelante, a invocação da excepção do não cumprimento, uma vez que, aquando da marcação da escritura, o autor não se encontrava em condições de celebrar o contrato prometido nos precisos termos em que se obrigara, conforme resulta dos factos assentes sob os n.º 4. e 5.[3] Por assim ser, diz, “O que está em causa é a prerrogativa que assiste à recorrente de dizer que não prometeu comprar naquelas circunstâncias novas e que, caso tivesse sido lealmente informada, não teria contratado”, “(…) prorrogativa que a douta sentença deveria ter analisado e não o fez” (cf. conclusões 7.ª e 8.ª).

Pois bem, já se deixou referido que, tendo embora a apelante alegado que, no caso de ter sabido que o autor se encontrava em situação de incumprimento perante o credor hipotecário, não teria celebrado o contrato, a verdade é que não logrou provar quanto alegou. Depois, se é verdade que a boa-fé é princípio a observar ainda antes do contrato ter nascido (cf. art.º 227.º)[4] e durante toda a sua vida (projectando-se em certos casos até para além dela), não é menos verdade que a ré não invocou na devia oportunidade qualquer erro-vício na formação da vontade[5], nem questionou a validade do contrato, antes defendendo que não lhe era exigível a sua prestação, dado que o outro contraente não se achava em condições de oferecer aquela a que se mostrava adstrito.

A excepção do não cumprimento do contrato, conforme resulta do art.º 428.º, traduz-se na possibilidade de, no âmbito de um contrato bilateral, um dos contraentes recusar a sua prestação enquanto a outra parte não realizar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. De relevar que a existência de deveres laterais ou acessórios não cumpridos pode legitimar a invocação desta excepção material, sendo que estamos, ainda aqui, perante um meio de compelir ao cumprimento.

Numa primeira abordagem, aquilo que de imediato se impõe constatar é que a ré, por motivos que a factualidade apurada não evidencia, optou por não levantar as cartas que pelo autor lhe foram enviadas através de correio registado para a morada convencionalmente escolhida, convocando-a para a escritura de formalização do contrato prometido. E porque escolheu assim fazer, apesar de se ter por devidamente notificada -não só por aplicação da cláusula viii (e porque recusa de recebimento tanto é a não aceitação da carta da mão do funcionário postal, como a abstenção de proceder ao seu levantamento após ter sido avisada para o efeito), mas porque tal resulta claro do regime consagrado no art.º 224.º, n.º 2- quando pela primeira vez faltou à escritura, em bom rigor não sabia se o autor estava ou não em condições de a celebrar. E a verdade é que estava, porquanto, tendo o credor hipotecário exequente emitido declarações de quitação e de distrate -das quais o seu funcionário se encontrava munido aquando da comparência no cartório notarial no aprazado dia 30 de Novembro, conforme o Sr. notário certificou- nos termos do art.º 916.º n.º 5 do CPC restaria proceder ao pagamento das quantias liquidadas nos termos deste preceito, a que se seguiria a extinção da execução (cf. art.º 919.º), sendo uma questão meramente procedimental o subsequente cancelamento das hipotecas e penhora que sobre a fracção recaiam. E a verdade é que o autor fez prova nos autos de ter liquidado junto do Sr. agente de execução as aludidas quantias -nas quais, de resto, estava já incluído o custo do cancelamento do registo da penhora- no dia imediatamente anterior ao designado para a realização da escritura (cf. documentos de fls. 101 e 102 do PE). Sem sustentação factual fica assim a objecção na qual a ré apelante fundou na contestação a invocada excepção do não cumprimento (cf. art.º 67.º da contestação)[6].

Por último, dir-se-á que a mesma boa-fé que a autora convocou a seu favor lhe impunha que, recebida a carta, caso considerasse insuficiente a informação nela contida, interpelasse o autor para esclarecer se o registo estava ou não cancelado e, no limite, lhe comunicasse que só celebraria a escritura após o respectivo cancelamento, concedendo-lhe ou não prazo para o efeito, e assim manifestando a sua disponibilidade para cumprir. Mas tal declaração não ousou a apelante fazê-la, impondo-se constatar que toda a sua actuação vai antes no sentido de se recusar ao cumprimento do negócio tal como, de resto, se concluiu na sentença apelada.

Assente, pois, que na data marcada o autor se encontrava em condições de proceder à transferência do direito de propriedade sobre a fracção prometida, sem ónus ou encargos, tal como se obrigara, inexiste fundamento para que a ré recusasse licitamente a sua prestação, no caso, a emissão de declaração negocial de compra acompanhada do pagamento do preço respectivo, assim improcedendo este fundamento de recurso.

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iii. do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal e da sua redução equitativa

Nos termos da cláusula 13.ª do contrato celebrado, para além do mais que dela consta, ficou convencionado que a falta injustificada de comparência à escritura na data designada faria com que o contraente faltoso incorresse em incumprimento definitivo e no dever de indemnizar a contraparte com a quantia de €30 000,00 a título de cláusula penal.

Conforme é sabido, o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. A violação do dever de prestar desencadeia portanto o dever de indemnizar. E no domínio contratual podem as partes estipular que em caso de incumprimento (aqui abrangendo também o cumprimento imperfeito), o contraente remisso fica obrigado a efectuar determinada prestação, normalmente em dinheiro, à outra parte. A tal estipulação dá-se o nome de cláusula penal (cfr. art.º 810.º).

O apelado defende a natureza compulsória da estipulação em causa, extraindo o seu intuito coercitivo do montante fixado, correspondente a cerca de 1/3 do preço. O valor elevado da pena evidenciaria assim, em seu entender, não ter sido intenção das partes a fixação antecipada do montante indemnizatório devido pelo incumprimento, mas antes forçá-las a não faltar “à palavra assinada”. Assim o não terá considerado o Mm.º juiz “a quo” na sentença apelada, como se alcança do penúltimo parágrafo de fls. 243.

Na interpretação da dita cláusula, ou seja, na fixação do sentido e alcance com que há-de valer, impõe-se recorrer às regras de interpretação do contrato -vide art.º 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1. E se é verdade que as partes não deixaram de declarar que a entrega da aludida quantia de €30 000,00, que fixavam a título de cláusula penal, correspondia ao cumprimento do dever de indemnizar, daqui resultando excluída qualquer pretensão de cumulação do montante fixado com a atribuição de eventual indemnização pelo dano efectivamente sofrido, não é menos verdade que o elevado montante estipulado, sem qualquer referência a previsíveis danos, aponta no sentido de se tratar de uma pena com cariz compulsório. Estamos assim perante uma cláusula penal stricto sensu, destinando-se a compelir o devedor a cumprir, ao mesmo tempo que a pena substitui a indemnização[7].

Defende a apelante que o montante fixado deve ser reduzido por imposição da disposição do art.º 812.º, “a qual encerra um princípio de carácter geral, destinado a corrigir excessos ou abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual, ao nível da fixação das consequências do não cumprimento das obrigações[8]. Consagrou-se neste preceito a possibilidade do Tribunal reduzir a pena de acordo com a equidade quando esta se revele manifestamente excessiva. O uso pelo Tribunal da faculdade correctiva e moderadora conferida pela citada disposição legal, e que lhe permite reduzir o valor fixado pelas partes, é contido pela exigência de que se trate de um excesso manifesto: não basta que a pena se revele superior ao prejuízo sofrido pelo credor, terá que se tratar de um claro e evidente exagero, cabendo à parte que se queira prevalecer da redução alegar e provar o circunstancialismo específico e concreto do qual emerge o excesso que a impõe[9].

Ora, no caso dos autos, não só a apelante não fez prova de que o valor fixado fosse excessivo, e muito menos claramente excessivo -ao que não terá sido alheia a sua tardia invocação-[10], como o apelado logrou a prova do contrário, conseguindo demonstrar que o incumprimento contratual lhe causou prejuízo superior[11]. Inexiste assim fundamento, tal como se considerou na sentença recorrida, para reduzir o montante convencionado.

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iv. da má-fé do autor/apelado

Discorda finalmente a apelante da absolvição de litigância de má-fé de que o autor beneficiou. E aqui assiste-lhe razão.

Dispõe o art.º 542.º do NCPC (reproduzindo o anterior art.º 456.º) que, tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir (vide n.º 1).

Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, alterando a verdade dos factos ou omitindo fatos relevantes para a decisão da causa (cf. als. a) e b) do n.º 2).

O instituto visa reprimir e sancionar comportamentos processuais que, correspondendo a um incumprimento doloso ou gravemente negligente dos deveres de cooperação e de boa-fé processual a que as partes estão sujeitas -deveres que se encontravam previstos nos art.ºs 266º e 266º-A do anterior C.P.C. e que se encontram actualmente consagrados art.ºs 7º e 8º-, é censurável por atentar contra o respeito devido aos Tribunais e prejudicar a acção da justiça.

E num específico aspecto resultou claro que o autor violou de forma grosseira os assinalados deveres. Vejamos porquê:

O contrato ajuizado continha uma cláusula penal moratória prevenindo para o caso da promitente compradora, a qual recebera a fracção por força da celebração do contrato, retardar a sua devolução na hipótese de se defraudar a celebração do contrato definitivo (cf. o teor da cláusula xii).

Por requerimento de 14 de Outubro de 2013, meses depois de ter considerado o contrato resolvido, resolução validada pelo Tribunal “a quo” em decisão agora confirmada, apresentou o autor nos autos um requerimento, por cujos termos se inferia ter merecido a adesão da ré, no qual comunicava que “sem ambos prescindirem das posições adoptadas nos respectivos articulados com as consequências jurídicas daí decorrentes, acordam que a partir desta data, o imóvel é entregue ao Autor, devendo seguir-se os ulteriores termos até final”.

A ré reagiu de imediato, declarando nos autos que nunca exercera posse sobre o imóvel em causa, não ocupando nem nunca o tendo ocupado, assim reiterando o alegado na sua contestação.

Em jeito de réplica não se coibiu o autor de afirmar -cf. art.º 4.º da resposta de fls. 148/149 do PE, introduzida em juízo a 17 de Outubro- que até ao momento não tinha acesso ao imóvel, pretendendo aliená-lo a terceiro, necessitando para tanto que a posse lhe fosse conferida. Mais alegou ter tentado extra judicialmente e através dos mandatários, um acordo para obter da ré a entrega do bem, uma vez que se encontra “impedido de usar, fruir e dispor da sua propriedade (…) não se descrevendo aqui os prejuízos que para si advêm da conduta omissiva da Ré, que não se predispôs a entregar a chave do apartamento. O Impetrante pretende vender a sua propriedade, e para tal pretende o óbvio acesso à mesma”, terminando a avisar que no próximo dia 18.10.2013 iria “pelos seus meios tomar posse do imóvel, contratando para o efeito uma empresa da especialidade para arrombar a porta, substituir a fechadura e tomar formal e materialmente a posse do imóvel”.

De referir ainda que o autor fez juntar aos autos o doc. de fls. 205/206 do PE, subscrito pela testemunha J..., na qualidade de procuradora do comprador O..., no qual esta declara que, tendo sido celebrado o contrato-promessa em 2 de Outubro de 2013, o promitente vendedor não tinha então a posse da fracção, que apenas veio a ter em 23 de Outubro.

E de tudo isto, o que é que resultou provado?

Que a ré quis fazer entrega da chave ao porteiro F..., pessoa que habitualmente a detinha mas que recusou recebê-la, não tendo este Colectivo acreditado, nem por um momento, por absolutamente contrário às regras da experiência, que não tivesse relatado o facto ao autor; que este, a partir de determinada altura, a qual terá coincidido com o momento em que considerou o contrato resolvido, deu ordens para que aquele mesmo F... mostrasse livremente a fracção a eventuais interessados na aquisição, conforme ocorreu com o futuro comprador e com a sua procuradora, que ali se deslocaram as vezes que bem entenderam, tendo-lhes sido facultadas as visitas pelo mencionado porteiro; que uma chave permaneceu meses em poder do electricista I..., que depois a entregou àquele, o que era do conhecimento do autor; que a referida declaração foi subscrita pela testemunha J... mediante forte insistência do autor “e para despachar o assunto”, uma vez que este fez depender a celebração da escritura da sua subscrição. E quanto ao alegado arrombamento, nem sombras dele, tendo-se o autor limitado a pedir ao aludido F... que arranjasse quem trocasse a fechadura. Acresce que embora a testemunha, com as reticências que foram a marca do depoimento prestado, tivesse declarado não saber se a porta foi ou não arrombada uma vez que, segundo referiu, quando se deslocou ao local já a fechadura tinha sido trocada, não é minimamente credível nem se vê razão para se proceder ao arrombamento de uma fechadura quando a respectiva chave está disponível.

Em suma, resulta do relato feito, que o autor veio a juízo alegar factos que bem sabia não serem verdadeiros, tendo mesmo pressionado a testemunha J... para assinar uma declaração que de algum modo os confirmasse, “oficializada” pela intervenção de uma Sr.ª solicitadora (trata-se da testemunha G..., também ela visivelmente desconfortável quando confrontada com o assunto, tendo declarado, quando instada sobre a finalidade da dita declaração, tratar-se de “um documento que o Sr. A... queria…, penso eu, para firmar uma situação…” e, mais à frente, “a situação era a de que o Sr. A..., na data da celebração do contrato promessa, não tinha a posse do imóvel”, acrescentando saber que “A D.ª J... assinou um bocadinho para despachar a situação”.

Ora, independentemente do entendimento que o Tribunal viesse a ter da alegada posse, na qual a ré teria sido investida, e momento do reapossamento por parte do autor, não corresponde à verdade que este não tivesse tido acesso à fracção até àquele dia 23 de Outubro ou tivesse estado impedido de promover a sua venda, factos estes que não são verdadeiros e que, não só não se coibiu de vir alegar a juízo, como criou até prova tendente à sua comprovação, pressionando para tal a aludida testemunha. Tal conduta, por gravemente violadora dos assinalados deveres, não pode deixar de ser sancionada, aplicando-se a este título a multa de 5 Ucs (cf. art.ºs 542.º, n.º 1 do CPC e 27.º, n.º 3 do RCP, aplicável ex vi do disposto no art.º 8.º, n.º 3 da lei n.º 7/2012, de 13 de Janeiro).

A ré pediu ainda a fixação de uma indemnização a seu favor. Todavia, considerando a ausência de factos que nos permitam estabelecer, com adequação, um montante indemnizatório, será o mesmo fixado após audição das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art.º 543.º, o que se determina.

Procedem assim, derradeiramente, as conclusões 20.ª a 22.ª.

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III Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do tribunal da Relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré e alterar a sentença recorrida apenas no segmento em que absolveu o autor da imputada litigância de má-fé, indo agora como tal condenado em multa que se fixa em 5 Ucs e na indemnização que vier a ser fixada a favor da parte contrária, mantendo-se quanto ao mais o decidido, incluindo a repartição das custas.

Notifique as partes nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do art.º 543.º do CPC e, após, voltem os autos conclusos.

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Maria Domingas Simões (Relatora)

Nunes Ribeiro

Helder Almeida


[1] A ré alegara nos referidos art.ºs 48.º e 49.º Ser “altamente provável que [aquando da celebração do contrato promessa] já houvesse mesmo execução”, “O que foi omitido à Ré”.

[2] Diploma legal ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.

[3] Factos 14. e 15. na numeração da sentença recorrida.

[4] Anote-se que, não tendo o art.º 227.º como pressuposto necessário a imperfeição do contrato, a culpa in contrahendo pode também advir da "violação dos deveres de informação e esclarecimento de todos os elementos com relevo directo ou indirecto para o conhecimento da temática do contrato", assim se incluindo na sua previsão também a protecção face a contratos indesejados, designadamente quando a celebração de um contrato não corresponda às expectativas devido ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento (v. ide Ac. do STJ de 13-05-04, proferido nos autos de Revista registados sob o nº 1324/04-7.ª - "Sumários", N.º 81, pág.19).

[5] Embora, curiosamente, eventual erro na formação da vontade tenha sido seleccionado como tema da prova (cf. ponto 5.º).

[6] No qual alegou “A simples declaração da exequente não é suficiente para assegurar a posição da R, desde logo porque será natural a existência de valores em dívida de encargos da execução, que não está assegurado na declaração do banco exequente que estejam cobertos nessa declaração” (cf art.º 67.º).

[7] Na terminologia do Prof. Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e indemnização”, Almedina Colecção teses, 1999, 1.ª reimpressão, págs. 609 e seguintes.

[8] Cf. autor e ob. cit. pág. 605, daqui extraindo o autor a aplicabilidade do preceito também à cláusula penal de escopo puramente coercitivo, ou seja, de índole exclusivamente comuplsivo-sancionatória.

[9] V., neste sentido, Gravato Morais, “Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em especial”, Almedina 2009, pág. 157. Na jurisprudência o ac. do STJ de 12/7/2011, processo n.º 1552/03.9 TBVLG.P1, também acessível em www.dgsi.pt.

[10] O uso da faculdade de redução pelo Tribunal não é oficioso, dependendo de pedido do devedor, como parece ser consensual. Assim, Pinto Monteiro, ob. cit., págs. 735-736, e, a título exemplificativo, ac. STJ de 12/9/2013, processo n.º 1942/07.8 TBBNV.L1.S1, em www.dgsi.pt. A solicitação do devedor há-de fazer-se por via de acção ou reconvenção ou ainda de defesa por excepção, caso em que terá de ser invocada na contestação (cf Ac. STJ de 24/4/2012, processo n.º 605/06.6 TBVRL.P1.S1. Parece assim assistir razão ao autor quando assinalou o carácter tardio da invocação. Tal questão, todavia, não tendo sido suscitada na fase do recurso, encontra-se naturalmente subtraída ao seu objecto.

[11] É certo, reconhece-se, que a fracção sofreu uma desvalorização acentuada entre a celebração com a autora do contrato promessa aqui em causa e a venda ao terceiro menos de dois anos depois. Infere-se ainda do requerimento apresentado pela ré através do seu Il. Mandatário no sentido de ser determinado ao autor que procedesse à junção do contrato promessa celebrado com o adquirente que alguma suspeita pairou quanto a eventual simulação do preço declarado na escritura. Certo é, porém, que a referida diligência probatória foi indeferida e a apelante contra tal decisão não reagiu, de modo que, atendendo aos elementos constantes dos autos, a conclusão que deles se extrai é que o montante convencionado a título de pena não cobrirá sequer todos os prejuízos.